terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Capítulo 10 (Sorte ou Azar)
Capítulo 10
- Não acredito - A mão de Petra estava tremendo enquanto ela punha uma
pilha de panquecas no meu prato. - Ainda não consigo acreditar. Em uma semana
ele vai estar aqui. Só uma semana! É bom demais para ser verdade. Evitando
cuidadosamente o olhar carrancudo de Tory, peguei o jarro de calda e disse: -
Bom, acho fantástico, Petra. Mal posso esperar para conhecê-lo.
- Willem é maneiro - Teddy enfiou uma garfada de panqueca na boca. – Quanto
tempo ele vai ficar, Petra? - Dez dias. – Os olhos azuis de Petra não tinham
parado de dançar desde que ela havia desligado o telefone. – Dez dias, com
todas as despesas de viagem pagar! Sabe quanto custa uma passagem do meu país
para Nova York? - Acho que vou começar a escutar rádio – observou Alice –
Talvez eu ganhe uma bicicleta nova. Preciso mesmo de uma bicicleta nova. Apesar
da euforia, Petra ainda era Petra, e disse com uma aspereza gentil: - Alice,
você tem uma bicicleta linda, que ganhou no Natal. - É – concordou Alice. – Mas
é bicicleta de neném, com freio no pedal. Quero uma bicicleta de gente grande,
que nem a do Teddy, com freio no guidom. Talvez eu ganhe no rádio, como Willem
ganhou uma viagem a Nova York. Tory olhou carrancuda para a irmã menos, por
cima da xícara de café. - É só pedir ao papai, pelo amor de Deus. Ele compra a
merda da bicicleta para você. Petra lançou um olhar ora Tory, porque Teddy e
Alice começaram a rir diante da palavra com M, mas não disse nada. Mudei
rapidamente de assunto. - Se você quiser um dia de folga para passar com Willem
e precisar de alguém para vigiar esses dois – fingi lançar um olhar sério para
meus primos sorridentes – é só avisar. Petra me deu um sorriso glorioso. -
Obrigada, Jean. Vou querer. Tory fez careta e murmurou para mim: - Puxa-saco.
Ignorei-a.
E mais tarde, quando estávamos saindo de casa para escola, Tory falou
ríspida: - Não pense, Jink, que o fato de o namorado de Petra ter ganhado essa
viagem idiota tenha alguma coisa a ver com você ter tirado aquela foto da caixa
de Mouche. Ou com seu feitiço de amarração idiota. Me cuidei para manter o
rosto inexpressivo: - Eu nem sonharia com uma coisa dessas. - Porque ontem à
noite eu também fiz um feitiçozinho de amarração. Veremos como sua magiazinha
de abóbora caipira funciona contra a coisa de verdade. - Acho que veremos, sim
– imaginei como a coisa havia chegado àquele ponto: minha prima e eu lutando
para ver quem era a bruxa mais poderosa. Tipo, estupidez é pouco! Não pude
deixar de me sentir um pouquinho culpada. De certa forma, Tory tinha direito de
estar com raiva: para ela, eu provavelmente havia parecido a maior hipócrita do
mundo, fingindo não saber do que ela estava falando na noite em que cheguei.
Quando, na verdade, eu sabia de tudo. Sabia perfeitamente bem. Vovó havia me
contado a mesma história – sobre como, na minha geração, nasceria a próxima
grande bruxa da família. Tinha sido apenas uma história para dormir, para
divertir.
Mas havia causado uma tremenda impressão em mim - a mesma impressão causada
obviamente em Tory. Porque, como Tory, eu estava convencida de que sabia quem
era a bruxa da minha geração. Eu. Claro que era eu. Meu nome era Jink, não era?
Isso, junto com o cabelo ruivo e a história do meu nascimento... eu tinha que
ser a bruxa. Eu era a esquisita. Eu era a azarada. Mas, para todo mundo na
minha família, aquilo era só uma história que vovó contava para nos interessar
pela nossa árvore genealógica. Ela própria obviamente não acreditava. Sempre
ria o contar, como se fosse a coisa mais hilária de todos os tempos.
Mas não riu quando, última vez em que veio nos visitar, eu disse que havia
acontecido com Branwen, sua tataravó. Vovó havia, convenientemente, deixado de
lado a parte sobre Branwen ter sido a última mulher morta na fogueira por
praticar feitiços no país de Gales, de onde ela viera. Fato facilmente
confirmado pela Internet. Eu havia procurado o nome de curtição, num dia em que
estava entediada no laboratório de informática. Fiquei olhando para a tela,
sentido o sangue gelar. Porque de repente não era somente uma história. Era
mesmo verdade. Eu era descendente de uma bruxa. Vovó teve uma reação
filosófica. - Ah, bem – disse ela. – Tenho certeza de que Branwen era uma bruxa
boa. Era uma curandeira, sabe? Provavelmente fazia trabalho melhor curando as
pessoas do que o alquimista da cidade, por isso ele teve ciúmes e a acusou de
bruxaria. Você sabe como eram as coisas na época. – Vovó tinha acabado de ler O
código Da Vinci - Era tudo politicagem. Politicagem ou não, uma parente minha
havia sido morta – morta! – por praticar bruxaria. Claramente não era uma coisa
com a qual mexer. Uma coisa que eu havia aprendido do modo mais difícil quando,
apesar do que sabia sobre Branwen, fiz meu primeiro feitiço e vi a coisa dar
tão tragicamente errado. Por isso eu sabia que Tory precisava ser impedida –
tivesse ou não ―o dom‖ que vovó garantiu que uma (ou duas) de nós havia herdado
de Branwen. Assim, enquanto Petra colocava Teddy e Alice na cama na noite
anterior, eu me esgueirei em seu apartamento do porão e pus furtivamente uma
moeda, com a cara para cima, em cada canto do quarto de Petra. Depois borrifei
um pouco de sol marinho na soleira de cada porta que dava para o apartamento dela.
Por fim anotei o nome de Tory num pedaço de papel branco e guardei embaixo das
bandejas de gelo na geladeira de Petra. Sem dúvida, Petra ficaria confusa com
aquilo, se descobrisse, mas pelo menos estaria em segurança...
Mas deu para perceber que seria difícil convencer Tory de que o que ela
estava fazendo era errado. Na verdade, a culpa era da vovó, por ter enchido a
cabeça dela com essa conversa sobre nosso destino. Se eu nunca tivesse
ouvido falar que era descendente de bruxa, talvez nunca tivesse pegado
aquele primeiro livro sobre feitiços, o que encontrei na biblioteca da escola
em Hancock – que usei para fazer o primeiro feitiço, que havia mudado e tanto a
minha vida. ... e infelizmente a de outra pessoa, também. Mas se eu nunca
tivesse feito aquele primeiro feitiço, claro, que nunca teria vindo para Nova
York. E nunca teria conhecido Zach. Verdade, quando eu pensava nisso, tudo – a
coisa na minha cidade, a dor e a solidão de estar longe da minha família e
começando numa escola nova – parecia valer a pena quando levava em conta que
toda essa confusão havia me permitido conhecer Zach. Zach que, na verdade
estava apaixonado por outra. Mas também, sem uso de qualquer magia, branca ou
negra, ainda era meu amigo. E isso era alguma coisa. Era realmente alguma
coisa. Mesmo assim, levando em conta tudo que havia acontecido entre nós, não
fiquei particularmente surpresa quando Tory começou a me dar gelo. Eu estivera
mesmo pensando no motivo pelo qual isso não havia acontecido antes. A única
explicação racional era que Tory gostava de ter por perto alguém que pudesse
cutucar sem misericórdia. E como tento não levar a sério as observações de
Tory, não me incomodava em ser essa pessoa. Mas quando me aproximei da mesa do
almoço de Tory, na manhã em que Petra anunciou que Willem havia ganhado o
concurso, ela me olhou e disse: - Nem... pense... nisso.
Bem, até uma garota do interior como eu sabe entender uma deixa. Peguei uma
bandeja e fui me sentar na mesa onde freqüentemente via meus colegas da
orquestra. Ainda não havia ninguém ali, mas eu esperava que, quando eles
chegassem, não optassem por se sentar em outro lugar ao me ver ali. Para não
parecer exageradamente amigável, peguei meu livro de história norte-americana
na mochila e o abri. Mal havia lido uma página sobre Alexander Hamilton quando
outra bandeja bateu na mesa, ao lado da minha. Olhei para cima e vi Chanelle
ocupar a cadeira ao meu lado. — Meu Deus – Chanelle abriu uma lata de
refrigerante diet. – Sua prima é uma tremenda vaca. Levantei as sobrancelhas. Aparentemente
não era necessário responder, porque Chanelle continuou falando: — Tipo: eu
agüento a balada. Na verdade, eu adoro uma balada. mas não toda noite. –
Chanelle arregalou significativamente os olhos castanhos. – A gente precisa de
um sono de beleza. Não posso ficar na rua até depois da meia-noite sempre. Em
primeiro lugar, meu dermatologista iria me matar, mas, em segundo, olheiras. –
Ela apontou para as pálpebras. – Está vendo? Estão aí. Olheiras. Olheiras. E só
tenho 16 anos. — Mas não é só isso. – Chanelle mordeu um pedaço de cenoura. –
São essas novas amigas dela. Essas supostas feiticeiras, Gretchen e Lindsey.
Olha, sou
totalmente aberta para coisas novas. Até fui a uma reunião delas. Você
sabe, um encontro de bruxas. Foi uma palhaçada. Um monte de garotas vestidas de
preto e correndo de um lado para o outro, invocando o espírito do Leste... Eu
tipo perguntei: Ah, dá para alguém me contar o que aconteceu em Grey’s Anatomy
ontem à noite? – A voz de Chanelle baixou dramaticamente. – Mas ninguém sabia.
Fala sério! Tomei um gole do meu refrigerante e disse: — Talvez seja só uma
fase. Talvez ela se canse logo disso.
— Ela, não. – Chanelle começou a desembrulhar um bolinho Hostess. Parece
que a teoria de Chanelle era que, se não comesse nada além de refrigerante diet
e cenoura no almoço, poderia se recompensar com uma sobremesa. – Desde que
ouviu falar naquela tata-tata-tataravó, ela mudou. É como se tivesse virado
Paris Hilton, ou sei lá quem. Só que sem as compras divertidas e o chihuahua.
De repente tudo tem a ver com festas, esmalte preto e jogar feitiço nas
pessoas. Estou dizendo, ela acha mesmo que é uma bruxa. E tudo bem, respeito
totalmente a religião dos outros, e coisa e tal, mas aí ela começou a ameaçar
as pessoas com feitiços. Primeiro eram só professores, garotos e as garotas
mais velhas e maldosas, sabe? Mas depois fui eu. Eu agüento muita coisa, mas
saber que alguém fez um feitiço contra mim porque não quis ajudar a catar
cogumelos à luz da lua crescente... — Catar o quê à luz da lua crescente? –
perguntei. — Não sei. Uns cogumelos que só crescem em lápides. Ela pediu agora
mesmo para eu ir com ela num cemitério na Wall Street no meio da noite,
ajudá-la a raspar cogumelos de umas lápides velhas e meio desmoronadas... Bom,
eu disse a ela para esquecer. Não vou a nenhum cemitério antigo, e além disso,
Robert e eu temos planos para esta noite, sabe? Ele é meu namorado, afinal de
contas, mesmo quando é meio débil. Mesmo assim, ele é bonito quando não está
doidão. Só gostaria que ele parasse de andar com o idiota do Shawn. Não sei o
que Torrance vê nele. Não sei mesmo. Aquele cara é roubada. Mas é popular e por
isso Tor se encontra com ele todo dia na sala da caldeira... – Ela balançou a
cabeça até que as trancinhas de seu cabelo chacoalharam. — Mas sabe o que ela
me disse? Que não precisa da minha ajuda, porque as amigas DE VERDADE vão
ajudar. Gretchen e Lindsey, claro. Então eu disse: ―Ótimo, se suas amigas DE
VERDADE são tão fantásticas, pode almoçar com elas.‖ E ela disse: ―Ótimo, pelo
menos minhas amigas DE VERDADE têm assunto para falar, além de compras.‖ E eu
disse...
Cogumelos em lápides? O que Tory poderia estar aprontando? — Olha – disse
Chanelle, casual, pegando com o dedo um pouco do recheio do bolinho. – Gosto de
você, Jinx. Você é meio nerd, com aquele seu violino e todo o resto, mas você
não maltrata as pessoas e parece que não está nessa de bruxaria, ou roupas e
peso, nem em entrar para a faculdade certa, como todo mundo por aqui. Quer ser
minha nova melhor amiga? Eu estava tomando um gole de refrigerante quando
Chanelle perguntou isso
– e quase engasguei. Era a cara de Chanelle, pelo menos pelo que eu
conhecia dela, perguntar uma coisa assim, na lata. Quer ser minha nova melhor
amiga? Como é que eu poderia dizer não a um pedido desses, mesmo que quisesse?
E, pelo que descobri, não queria recusar. Eu gostava de Chanelle. E achei que
Stacy, com quem eu ainda falava todas as noites pelo MSN, entenderia. — Claro –
respondi. – Mas... é... só até você fazer as pazes com Tory. Porque sei que
Tory adora você, Chanelle. Ela só está passando por uma fase. Na verdade,
talvez o que a gente devesse fazer era deixar claro que estaremos aqui para lhe
dar o maior apoio, assim que ela estiver pronta para... é... se acalmar. — Ou
não – disse Chanelle. – Estou cansada de Torrance ficar mandando em mim. Ei,
quer ir lá em casa depois da aula? Estou tentando decidir um penteado para o
baile da primavera. Robert vai me levar. A gente podia maquiar uma a outra. Eu
ADORARIA pôr as mãos nesse seu cabelo. Já pensou em usar ele preso bem alto? —
Não. Mas, claro, adoraria. – Ninguém nunca havia me convidado para experimentar
penteados. — Excelente! – Chanelle baixou o tom. – Mas acho melhor avisar: não
sou a única em que Tory está jogando feitiços. Ela diz que está jogando um em
você também. Dei uma mordida na minha salada. — Verdade? – E mantive a voz
cuidadosamente desprovida de emoção. — É. Ela está muito chateada com o negócio
de você e Zach. – Chanelle pareceu um passarinho quando inclinou a cabeça para
mim e perguntou: – Vocês dois estão ficando, ou algo assim?
Não pude deixar de sorrir. Qualquer menção ao nome de Zach parecia causar
esse efeito em mim. Era patético. — Não. Somos só amigos. — Bem, vocês dois
passam um bocado de tempo juntos. Minha amiga Camille disse que vocês matam a
educação física juntos todo dia. — Ele está apaixonado pela au pair – falei
depressa. – Sério. — É, bem, não é isso que Tory acha. Acha que você está
tentando roubar o Zach dela de propósito. Diz que vai colocar um feitiço tão
forte em você que você vai desejar nunca ter vindo de Idaho. — Iowa. — Tanto
faz. – Chanelle estremeceu, mesmo que estivéssemos num poço de luz do sol que
entrava pelas janelas do refeitório. – Não sei, Jinx. Não acredito nesse
negócio de bruxaria, mas pelo modo como ela disse... me deu medo. Se fosse
você, eu teria cuidado. Tipo, para mim, tudo bem, não preciso morar na mesma
casa que ela. Mas é melhor você tomar todo o cuidado possível. — Obrigada pelo
aviso, mas eu posso cuidar disso. Acho que todos os feitiços de Tory acabaram.
Na verdade – acrescentei enquanto olhava Tory jogar fora
o que restava de seu almoço e, lançando um olhar de desprezo na nossa
direção, sair do refeitório. – Posso praticamente garantir.
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