terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Capítulo 9 (Sorte ou Azar)
Capítulo 09
— O que você está fazendo no meu quarto? A voz de Tory estava temperada de
veneno. Ela havia acendido a luz do teto e agora estava junto à porta, com a
jaqueta de couro tirada pela metade,
olhando para mim. Acordando lentamente, levantei a cabeça de onde havia
afundado num dos travesseiros de Tory, e pisquei no súbito jorro de luz.
Percebi que devia ter caído no sono esperando a chegada dela. O livro que eu
havia comprado naquela tarde estava sobre meu peito, aberto – eu sabia – no
capítulo sobre banir feitiços. — Tory – falei grogue, sentando-me. – Onde você
esteve? Que horas são? — O que importa que horas são? – reagiu Tory, ríspida. –
O que você está fazendo no meu quarto? Esta é a verdadeira pergunta. Tirei um
pouco de cabelo de cima dos olhos e tentei enxergar o despertador digital na
mesinha-de-cabeceira de Tory. — Nossa, é quase meia-noite – falei. – Seus pais
vão ficar loucos... — Eles ainda nem estão em casa. – Tory tirou a jaqueta de
couro, deixando-a cair no chão, onde a maior parte do resto de suas roupas
ficaria até que Marta fizesse a limpeza. – O que você está fazendo aqui,
afinal? E por que não está com Zach? — Tory. – Passei as pernas pela beira da
cama. Tinha ficado tão cansada de esperá-la que havia vestido o pijama. Agora
meus pés descalços afundaram no grosso carpete lavanda de seu quarto enquanto
eu me levantava. – Não está acontecendo nada entre Zach e eu. Nós somos apenas
amigos. Você sabe, tanto quanto eu, que ele é apaixonado por Petra. Precisamos
conversar sobre outra coisa. É importante. Tory havia entrado no closet no
minuto em que eu mencionei Petra, tendo perdido o interesse pela conversa. Ela
devia ter sabido, o tempo todo em que Gretchen ou quem quer que seja estivesse
lhe contando que viu Zach comigo, que aquela coisa sobre nós dois não podia ser
verdade.
Porque agora, tendo saído do closet usando só um sutiã preto, a minissaia e
um monte de colares, seus olhos habilmente maquiados com toneladas de
delineador e rímel se arregalaram. Porque finalmente havia notado o livro. —
Então é por isso que você foi à Encantos – disse ela. – Eu sabia que não era
para comprar um presente de aniversário para Courtney. O aniversário da sua
irmã é só em fevereiro. Você mudou de idéia – perguntou ela, ansiosa. – Pensou
no que eu disse, em se juntar ao coven? Balancei a cabeça. Isso, eu sabia, iria
necessitar de coragem. Mas eu não tinha opção. Realmente. Não importando o
quanto meu estômago doesse. — Não – respondi. – Quero falar com você sobre
isto. De dentro da capa do livro que eu ainda estava segurando, tirei a foto de
Petra, a que estivera na caixa de areia da gata, e estendi para que Tory visse.
Estava num saco plástico lacrado, mas mesmo assim dava para ver o que era. Tory
franziu a testa, depois fez uma careta. — Eca! Você pôs a MÃO nisso? Não é
muito higiênico, você sabe. Espero que tenha lavado depois. Então, quando não
falei mais nada, ela deu de ombros.
— Então. Você encontrou. Imaginei que fosse encontrar. Bem, quer saber por
que isso estava lá? — Eu sei porque estava. O que quero saber é por que você
fez isso. Tory só deu de ombros outra vez, depois sentou-se na banqueta
giratória diante da penteadeira, onde começou a escovar o cabelo preto e denso.
— Por que tenho de dar explicações a você? – perguntou para o meu reflexo. —
Porque isso é sério. – Atravessei o quarto e parei ao lado da penteadeira, e olhei
para ela. – Talvez você não soubesse, mas o que fez, grudando a foto de Petra
no fundo da caixa de areia de Mouche, é magia negra, Tory. É ruim. Tory olhou
para o meu reflexo, incrédula por um segundo. Depois soltou uma gargalhada. —
Escuta só! – gritou ela. – Magia negra! Você me diverte!
— Sério, Tory. – E levantei o livro que eu havia comprado. – Diz aqui.
Feitiços usados para prejudicar outras pessoas são realmente perigosos.
Inevitavelmente retornam para a pessoa que o fez, como um bumerangue. Só que
multiplicados por três. — Bom, olha só. – Tory riu para mim, com um sorriso
nitidamente felino. – E eu achei que você não acreditava. — Sério, Tory. Estou
preocupada com você. Por que você faria uma coisa assim, e logo com Petra?
Petra é uma das pessoas mais doces e gentis que eu já conheci. Nunca fez nada
contra você. Então o que você tem contra ela? É só porque Zach gosta dela? É
isso? Porque o que você está fazendo... é errado. É maldoso e errado. Não sei
por que você fez isso, mas vou dizer agora: acabou. — Ah – Tory parou de
sorrir. – Acabou. Até parece. — Estou falando sério, Tory. Você e esse seu
coven podem brincar de bruxa o quanto quiserem. Por mim, podem aprontar
pequenos feitiços, se exibir uma para a outra e se divertir de montão. Mas não
feitiços que manipulam ou ferem outras pessoas. Especialmente pessoas como
Petra. — Ah, é? – Tory balançou a cabeça. – E exatamente como você vai me
impedir? — Bem. – Olhei para o chão. Havia esperado que isso acontecesse de
modo muito diferente, não sei por quê. Tipo, conhecendo Tory, não deveria
esperar que ela reagisse de qualquer modo, a não ser ficando furiosa. Mas, na
minha cabeça, quando havia ensaiado essa conversa, Tory havia pedido desculpas
e dito que não sabia o que estava fazendo com Petra era tão prejudicial. Tinha
me agradecido por lhe contar, e nós havíamos nos abraçado e descido para tomar
um chocolate juntas. Pelo jeito, não seria assim. Fiquei feliz por ter feito
preparativos de reserva, só para garantir. Suspirei. — A verdade, Tor – falei
erguendo o olhar para encontrar o dela – é que eu amarrei você. — Você
amarrou... – Tory me olhou boquiaberta. – Você fez o quê?
— Amarrei você para impedi-la de fazer o mal. – Permaneci firme. – Você
ainda pode fazer feitiços positivos. Mas não feitiços que manipulem a vontade
dos outros. Eles não vão funcionar. Nunca mais. Tory pareceu tão chocada quanto
se eu tivesse lhe dado um tapa. — Sua hipócrita... está dizendo que esse tempo
todo... esse tempo todo... você realmente era uma de nós? — Não sou uma de vocês
– respondi com firmeza. – Admito que posso já ter me interessado por magia.
Mas... não deu certo. Está bem, Tory? Deu muito, muito errado, e alguém se
machucou, e eu jurei que nunca mais iria fazer. Magia é uma coisa séria, Tory,
e não algo com o qual alguém que não sabe o que está fazendo deva se meter.
Tory fez uma careta. — Obrigada pela dica, mamãe. Mas talvez lhe interesse
saber que eu sei o que estou fazendo. — Não sabe, não. Não se isso for um
exemplo. – Estendi a foto gasta de Petra. – Uma coisa assim poderia realmente
machucar alguém. Foi por isso que, mesmo não querendo, tive de quebrar a
promessa que fiz a mim mesma, de nunca mais fazer magia, e amarrar você. — Ah.
– Tory bateu com as duas mãos no rosto, fingindo horror. – Ah, não, prima Jinx!
Estou com tanto medo! Tenho certeza de que sua magia caipira idiota é
muitíssimo mais poderosa do que a minha. – Ela baixou as mãos e me olhou com
desprezo total. – Vamos deixar uma coisa clara, Sabrina. Aqui é Nova York, e
não Iowa. Suspeito de que minha magia é um pouquinho mais sofisticada do que a
sua. De modo que, não importando que feitiçozinho de amarração você tenha feito
contra mim, é melhor não contar que ele funcione. Porque aqui, na cidade
grande, Jinx, a gente não brinca em serviço. — Em Iowa também não – observei em
voz baixa. – Na verdade, meus feitiços sempre funcionaram muito bem. – Na
verdade, eu só havia feito um feitiço. Mas mesmo assim. TINHA funcionado.
Infelizmente, um pouco bem demais.
— Ah, é claro – Tory inclinou a cabeça para trás e gargalhou. – Sem dúvida
você é uma bruxa muito poderosa! Deixe-me ver... você e seus pais miseráveis
moram numa casa pequena demais para vocês, com, tipo, um banheiro. Você não tem
permissão de ouvir rap nem assistir à HBO. Você é uma nerd que só tira dez, tem
pernas tortas e vive metida numa orquestra. E teve de se mudar para Nova York
para viver da caridade dos parentes ricos, porque um garoto na sua cidade ficou
apaixonado e seus pais piraram. Agora ela havia se levantado e estava me
encarando com as mãos nos quadris e uma expressão de escárnio no rosto, o nariz
apenas a centímetros do meu. — Realmente – continuou sarcástica. – Você é uma
bruxa poderosíssima, está certo. Estou morrendo de medo. Porque obviamente fez
um monte de feitiços que funcionaram. OU NÃO. Pensei em bater nela. Pensei
mesmo. Não tanto por causa do papo de nerd – vamos encarar os fatos: eu sou uma
nerd de orquestra, mas não tenho
pernas tortas. Mas por causa de chamar meus pais de miseráveis. Quero
dizer, meus pais ganham dinheiro suficiente para se virar. Certo, talvez a
gente não ganhe um Rolex de Natal como a garotada daqui. Mas meus pais nunca
pegaram roupas na caixa de doação da igreja para nós. É verdade que Courtney
está enjoada de herdar minhas roupas usadas. Mas nem todo mundo pode comprar um
guarda-roupa novo em folha para os filhos todo ano. Mas não. Quero dizer, não
bati nela. Nunca bati em ninguém na vida e não iria começar com Tory, por mais
que ela pudesse me tentar. Mas quis machucá-la. Seriamente. O que era horrível,
porque dava para ver que ela já estava machucada. Por dentro, devido a
ferimentos infligidos totalmente por ela mesma. Não fazia idéia de por que Tory
era tão insegura, mas tinha de ser por isso que ela havia me atacado daquele
jeito... por que ela faria – ou tentaria fazer, pelo menos – o que havia feito
com Petra.
Esse negócio de bruxaria – essa história que ela tinha ouvido sobre nossa
ancestral Branwen – havia lhe subido à cabeça. Ela estava se agarrando àquilo
como se fosse uma balsa salva-vidas, porque sentia que não tinha em que se
segurar. Não gostava de si mesma o bastante para... bem, só para ser ela
própria. O negócio é que... eu conhecia esse sentimento. Também sabia, bem
demais, aonde ele poderia levar. Mas o que não entendia era como ela havia tomado
esse caminho. — O que aconteceu com você, Tory? Há cinco anos você não era
assim. O que aconteceu para deixar você tão... má? Tory estreitou os olhos. —
Há cinco anos? Você está falando de quando eu era a garota menos popular da
escola porque era um capacho gordo e chato que deixava as outras meninas me
pisarem e a única coisa que os garotos queriam de mim era ajuda com o dever de
casa? Vou dizer o que aconteceu, Jinx. Vovó me contou sobre Branwen. E eu
percebi que o sangue de uma bruxa corre nas minhas veias. Percebi que tinha
poder... poder de verdade, de fazer as pessoas fazerem o que eu quisesse... ou
esmagá-las se não fizessem. Eu só precisava assumir o controle. Da minha vida.
Do meu destino. — Ah – interrompi com sarcasmo. – É isso que você faz na sala
da caldeira com Shawn durante o período livre todos os dias? Assume o controle
do seu destino? Tory me olhou com frieza. — Meu Deus. Você é tão criança! Eu
deveria saber que você não entenderia. Não adiantava. Percebi isso naquele
momento. Peguei meu livro e a foto de Petra e me virei para ir embora. Mas na
porta hesitei e fiz uma última tentativa. — Quanto ao Zach... Tory me olhou
furiosa. — O que é que tem?
Eu sabia que deveria ter deixado para lá. Não valia a pena. E não faria
nenhuma diferença. Mesmo assim, aquela coisa que ela havia dito sobre meus
pais... havia me irritado. Um pouquinho. — Só não enfie mais alfinetes na
cabeça daquele boneco. Tory projetou o quadril para a frente. — E se eu enfiar?
— Vai apenas perder seu tempo.
— Ah, é? – A voz de Tory não era mais de desprezo. Agora estava cheia de
ódio. Puro e simples. – Bem, isso veremos, não é? Veremos o tamanho da perda de
tempo que você acha que é, quando Zach acabar ficando comigo, e não com Petra,
e certamente não com você. Porque, sabe de uma coisa? Não importa o quanto
vocês dois fiquem juntos, falando sobre a porcaria do Seventh Heaven ou sei lá
o quê, ele vai ser meu. Eu quero. Sou eu que tenho o dom, Jinx. Você pode ter
herdado o cabelo ruivo, mas eu tenho a magia. Agora sei disso. Branwen queria
dizer que a neta de vovó, e não as netas, teria o dom. E a neta sou eu. Porque
não tenho medo de usar o dom dela, como você. O que acha disso? Pensei rapidamente
na mulher atrás do balcão da loja de bruxaria, em seu cumprimento gentil –
Abençoados sejam! – e na gentileza com que ela insistiu em que eu aceitasse o
colar do pentagrama, que eu estava usando agora. Tão diferente, tão nitidamente
diferente, do tipo de bruxa que Tory imaginava ser. Ou queria ser. — Se fosse
você, não sei se eu andaria por aí alardeando o que acha que herdou de nossa
tata-tata-tata-tataravó, Tory. — Por quê? — Vovó não mencionou como ela morreu?
Tory balançou a cabeça, parecendo curiosa, mesmo contra a vontade. — Foi
queimada na fogueira. Por praticar bruxaria. Então saí do quarto e fechei a
porta.
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