sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 8 (Beijada por um Anjo)


Naquela tarde, Ivy pegou o caminho mais longo para voltar para casa, pela estrada que dava para a zona sul
de Stonehill, passando  pelas sombras  das copas das árvores e as  novas casas da  região.  Dirigiu por  um bom
tempo, sem vontade de subir a montanha que dava para sua casa. Tinha tanto em que pensar. Por que Tristan a
estava ajudando? Será que só sentia pena dela? Queria ser seu amigo? Queria mais do que amizade?
Mas não eram as perguntas que mantinham na direção do carro em movimento. Era o prazer de pensar nelas:
a aparência dele ao sair da água, as gotas d‘água escorrendo por  seu corpo; a forma como ele a havia tocado,
suave, muito suave.
Em  casa,  teria de  ouvir sua  mãe contar sobre mais um grupo  de esnobes  que  havia acabado  de conhecer;
sobre a inconstância de Philip no 3º ano. Finalmente, tinha encontrado uma nova maneira de agradecer pelos
presentes que Andrew não parava de dar a ela, mas continuava pisando em ovos com Gregory. Com tudo isso
acontecendo, logo os momentos vividos naquela tarde desapareceriam, fica ndo esquecidos para sempre.
Em sua mente, Ivy via Tristan em câmera lenta, nadando ao redor dela. Lembrava– se da sensação da mão
dele em seu corpo, ajudando– a a boiar, a forma gentil como havia inclinado sua cabeça na  água. Tremeu de
prazer, e de um pouco de medo também. – Anjos, não me abandonem! – rezou.
O  que  sentia  era  diferente  de  uma  simples  paixão.  Era  algo  que  inundava  todos  os  seus  pensamentos  e
sentimentos.
Talvez fosse melhor recuar, pensou antes que ficasse mais envolvida. Vou ligar para ele hoje à noite.
Mas, então, se lembrou da forma como ele havia conseguido fazê– la entrar na água, do seu rosto iluminado e
risonho por sua proeza.
Ivy não percebeu que um carro se aproximava. Perdida em seus pensamentos, prestando atenção somente no
que vinha à sua frente só viu o carro escuro passar pelo sinal vermelho quando já era tarde demais. Pisou fundo
no freio. Os dois carros derraparam, ficando lado a lado, quase batendo um no outro. Em seguida, conseguiram
desviar– se. Soltando o ar devagar, Ivy percebeu que estava bem no meio do cruzamento.
O motorista do outro carro saiu. Falou vários palavrões para ela. Sem mesmo olhar na direção em que ele
estava, Ivy  fechou o vidro do  carro e  verificou  se a  porta  estava  travada.  A gritaria acabou  subitamente. Iv y
virou– se com indiferença para o motorista.
– Gregory!
Abaixou o vidro da janela.
Apesar do rubor, ele estava pálido. Olhou para ela e depois para o cruzamento, expressando surpresa, como
se só agora tivesse percebido onde estava e o que tinha acontecido.
– Você está bem? – Ivy perguntou.
– Sim... sim. Você está?
– Já voltei a respirar normalmente.
–Sinto muito. Acho que eu... eu não estava prestando atenção. E não sabia que era você – apesar de a raiva
ter passado, ele ainda parecia chateado.
–Tudo bem. Eu também estava distraída.
Ele olhou pela janela e viu a toalha molhada no banco da frente.
– O que você está fazendo por aqui?
Imaginou se ele faria alguma coisa relação entre a toalha molhada e suas aulas de natação com Tristan. Mas
não havia contado nem para Beth e Suzanne sobre isso. Além do mais, Gregory na iria se interessar por isso.
– Precisava pensar um pouco. Sei que parece estranho, tendo tanto espaço em casa, mas é que eu...
– Precisava de um espaço diferente – disse, completando a frase. – Sei como é. Está indo para casa agora?
– Sim.
– Siga–me – deu um sorriso meio sem graça para ela. – Você estará mais segura dirigindo atrás de mim.
– Tem certeza de que está tudo bem? – sentiu que os olhos dele ainda estavam perturbados por alguma coisa.
Concordou com a cabeça e voltou para o carro.
Andrew chegou em casa junto com eles.

Cumprimentou Ivy e virou–se para Gregory: – Então, como vai sua mãe?
Gregory deu de ombros. – A mesma de sempre.
– Fiquei feliz por você ter ido visitá–la hoje.
–Disse a ela que você mandou lembranças – disse Gregory, impassível.
Andrew concordou com a cabeça e pisou em uma porca de gizes coloridos. Inclinou–se para examinar o que
antes tinha sido o piso de concreto, limpo e branco, de sua garagem.
– Sua mãe tem alguma novidade? Algo que eu deva saber? – perguntou, olhando par os desenhos feitos com
giz por Philip, não percebeu a expressão emotiva de Gregory, que desapareceu tão rápida quanto veio. Mas Ivy
percebeu.
– Nada de novo.
– Que bom!
Ivy esperou Andrew entrar na casa.
–Você quer falar sobre isso? – perguntou a Gregory.
Virou–se para ela de uma forma que parecia ter se esquecido de sua presença ali.
– Falar sobre o quê?
Ivy  disse,  hesitante:  –  Você  disse  para  o  seu  pai  que  está  tudo  bem  com  a  sua  mãe.  Mas  seu  olhar,  no
cruzamento e agora mesmo, ao falar dela, achei que talvez...
Gregory brincava com a chave do carro. – Você tem razão. As coisas não vão bem.  Acho que virá problema
por aí.
– Com sua mãe?
– Não posso falar sobre isso. Sabe, agradeço sua preocupação, mas posso dar conta disso sozinho. Se você
quer mesmo me ajudar, então não comente isso com ninguém, está bem?
Nem fale sobre a nossa pequena derrapada. Você promete? – disse, olhando nos olhos dela.
Ivy deu de ombros – Prometo, mas se você mudar de idéia, sabe onde me encontrar.
– No meio do cruzamento – sorriu para ela e entrou em casa.
Antes de entrar, Ivy parou para examinar a obra de arte que Philip havia feito no chão. Reconheceu a cor azul
clara de seu anjo das águas  e a intensa cor marrom de Tony. Em seguida, identificou um dos Power Rangers.
Foi fácil distinguir os  dra gões  de Philip; pareciam sempre ter engolido fluido para  isqueiro, e sempre lutavam
com os Power Rangers e os anjos. Mas o que era aquilo? Uma cabeça redonda, com um cabelo engraçado e uma
coisa laranja saindo pelas orelhas?
Philip tinha escrito o nome ao lado do desenho: Tristan.
Ivy pegou um giz preto e desenhou uma azeitona em cada dente incisivo. Pronto, agora estava mais parecido
com o rapaz gentil que ajudou um garotinho de oito anos a passar por um dia difícil. Ivy lembrou–se da cara de
Tristan quando abriu a porta do depósito. Jogou a cabeça para trás de tanto rir.
Recuar agora? A quem ela queria enganar?
Tristan tinha  certeza de ter assustado Ivy na primeira aula de natação, mas ela  voltou, e procurou ser mais
cuidadoso a partir da segunda aula. Mal a tocava, ensinava–a como um profissional, e continuou saindo com as
duas garotas de quem mal sabia os nomes. Mas cada dia era mais difícil para ele ficar sozinho com Ivy, ficar tão
próximo dela, esperando por algum sinal de que ela quisesse mais do que as aulas de natação e sua amizade.
–  Acho  que  chegou  a  hora,  Ella  =  disse  à  gata,  depois  de  duas  semanas  de  frustração.  –  Ela  não  está
interessada em mim, e não agüento mais. Vou fazer com que ela se inscreva em uma escola de natação.
Ella ronronou.
–Depois, vou entrar para um monastério que tenha uma equipe de natação.
Na aula seguinte, decidiu que não ia colocar seu traje de banho. Colocou um folheto da escola de natação no
bolso e foi em direção à piscina, mas logo parou.
Ivy não  estava lá. Pensou que  tivesse esquecido  da aula, porém,  viu sua  toalha de  banho e  seu elástico  de
cabelo na borda da piscina, perto do fundo. –Ivy!
Correu pela borda e a viu lá no fundo da piscina, deitada, sem se mover. –Ai meu Deus!
Mergulhou na água e nadou até o fundo para pegá–la. Trouxe–a superfície e nadou até a borda. Foi difícil; ela
tinha voltado a si e estava se debatendo. O peso da roupa dele atrapalhava. Colocou Ivy na borda da piscina e se
jogou ao lado dela.
– Que diabos foi isso? – ela disse.
Não estava tossindo nem cuspia água, não estava com falta de ar. Só estava olhando ele, para sua camiseta
ensopada, sua calça jeans colada no corpo e as meias encharcadas. Tristan olhou para ela e jogou seus sapatos
cheios d‘água para bem longe, lá no meio da arquibancada.
– O que você fez? – ela perguntou.

– O que você fez?
Abriu a mão e lhe mostrou uma moedinha de cobre brilhante. – Mergulhei para pegar isso.
Ele ficou muito bravo. – A primeira regra da natação é nunca, jamais nadar sozinha Ivy!
–Mas  eu  tinha que fazer isso,  Tristan! Tinha de ver se conseguia enfrentar meu pesadelo  sem você, sem  o
meu... o meu salva–vidas por perto. E eu consigo. Eu consegui! – disse e um sorriso de admiração tomou conta
de seu rosto. Seu cabelo caia nos ombros.  Seus olhos  estavam  sorrindo, pareciam o  verde–esmeralda do mar
com brilho do sol.
Então, ela piscou – Foi isso que você fez? Quis bancar o salva–vidas, o herói?
–Não,Ivy – disse em voz baixa e levantou–se. – Provei mais uma vez que sou o herói de todo mundo, menos
o seu.
–Espere um pouco! – mas ele foi se dirigindo à saída.
–Espere um pouco! – ele não foi muito longe, não com o peso do corpo todo dela segurando a perna dele.
– Falei para esperar.
Ele tentou sair, mas ela o deixou bem preso.
–É isso que você quer, que eu diga que você é um herói?
Ele sorriu. – Acho que não. Achei que ia conseguir o que queria com isso. Mas não consegui.
–E o que você quer?
Valia a pena contar para ela agora?
–Vestir roupas secas. Tenho um agasalho no meu armário.
–Tudo bem – soltou a perna dele, mas, antes que pudesse se mexer, pegou sua mão. Segurou–a com as duas
mãos por um tempo e, depois, beijou suavemente as pontas dos dedos dele.
Olhou para ele, deu de ombros, e deixou que soltasse a mão.
Mas ele não soltou e entrelaçou seus dedos como os dela. Depois de um momento de hesitação, levou a mão
dela ao seu rosto. Será que ela podia sentir a forma como seu coração pulsava mais rápido diante de seu toque?
Ajoelhou–se. Pegou a outra mão dela e beijou as pontas dos dedos, depois levou a mão a outra face.
Ela ergueu o rosto.
– Ivy – som de seu nome na boca dele parecia um beijo.
–Ivy.
E o beijo se tornou realidade.

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