sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 5 (Beijada por um Anjo)


Era um  alívio trabalhar no  sábado de manhã e  voltar a pisar em território conhecido. O Shopping Center
Green Tree ficava na cidade vizinha, mas todos os adolescentes da região costumavam passear por lá. A maioria
observava as vitrines e se reunia na pra a de alimenta ão. A loja =Tis The season, em que Ivy trabalhava há um
ano e meio, ficava bem na frente da praça de alimentação.
As donas da  loja  eram duas irmãs  de  meia– idade, e  a variedade  de  fantasias, decorações, descartáveis  de
papel e adereços era tão excêntrica quanto o próprio estilo das proprietárias. Lillian e Betty raramente devolviam
mercadorias, por isso sua loja parecia uma mistura de estações do ano, bem como festas e festividades reunidas
em um pequeno canto do mundo. Fantasias de vampiros ficavam ao lado de estrelas e faixas; artigos de páscoa
eram colocadas na mesma prateleira em que miniaturas de menorás judaicas de plástico, perus feitos de pinha e
orelhas imitando os personagens do seriado Jornada nas Estrelas.
Um  pouco  antes  da  uma hora,  enquanto  esperava por Suzanne  e  Beth,  Ivy resolveu  dar uma  olhada  nos
pedidos daquele dia. Como sempre, estavam todos rascunhados em pedaços de papel grudados na parede, Ivy
leu um dos pedidos duas vezes, depois pegou– o na mão. Não podia ser, pensou.
Não  podia  ser.  Talvez  houvesse  duas  pessoas  com  o  mesmo  nome.  Duas  pessoas  chamadas  Tristan
Carruthers.
–  Lilian o que significa isso? Para retirar: B. BAL. AZ. E 25 DESC.
Lilian  semicerrou  os  olhos  para ler  o papel.  Usava  óculos bifocais, que  gera lmente  ficavam  em seu peito,
servindo de colar.
–    Bem,  significa  25  descartáveis  –  pratos,  guardanapos  e  copos,  você  sabe  disso.  Ah  sim,  para  Tristan
Carruthers –  um pedido da equipe de natação. Uma bexiga de baleia azul. Eu já aprontei tudo. Ele ligou pa ra
saber se estava pronto hoje de manhã.
–  O senhor Carruthers telefonou?
Lilian colocou os óculos, ajeitando– os em seu nariz, e olhou seriamente para Ivy. – Senhor Carruthers? Ele
não chamou você de senhorita Lyons – disse.
–  Porque ele me chamaria de alguma coisa? – Ivy pensou em voz alta. – Quer dizer, por que ele mencionou
o meu nome?
–  Ele perguntou sobre o seu horário de trabalho e disse a ele que você almoça entre 13h e 13h45, mas que
no restante do dia fica aqui até as 18h – ela sorriu para Ivy. – E eu falei algumas palavrinhas a seu favor, querida.
–  Algumas palavrinhas?
–    Falei  para  ele  que  garota  adorável  você  é,  e  que  é  uma  pena  não  ter  encontrado  nenhum  rapaz  que
merecesse sua amizade.
Ivy deu um passo para trás, mas Lillian já tinha tirado os óculos então nem percebeu.
–  Ele veio à loja duas semanas atrás para fazer o pedido –   Lillian continuou. – Ele é bem bonito.
–  Bonitão, Lillian.
–  Como?
–  Tristan é bem bonitão – disse Yvy.
–  Bem, ela finalmente admitiu – disse Suzanne, entrando na loja. Beth vinha logo atrás dela. – Bom trabalho,
Lillian! – a  senhora  piscou  para  elas,  e  Ivy  colocou a  anotação  com  o  pedido  de  volta  na  parede.    Depois,
vasculhou seus bolsos à procura de algum dinheiro.
–  Não espere conseguir comer – Suzanne foi logo avisando. – Faremos um interrogatório.
Vinte minutos mais tarde, Betty tinha acabado de comer o seu burrito. Suzanne mal tocou em seu frango e
pizza de Ivy ainda estava inteira.
–  Como eu vou saber? –  Ivy dizia, balançando os braços para mostrar o quanto estava frustrada. – Eu não
entrei no armário de remédios dele! – Elas estavam especulando e fazendo várias interpretações de cada detalhe
que Ivy pudesse ter obser vado no quarto de Gregory.

–  Eu sei que você só foi lá uma vez – disse Suzanne. – Mas, hoje à noite, talvez consiga descobrir com quem
ele vai sair.  Ele tem algum horário para voltar para casa? Ele...?
Ivy pegou um rolinho primavera e enfiou na boca de Suzanne. – É a vez de Beth falar –  disse.
–  Ah, deixa pra lá. A conversa está interessante – disse Beth.
Ivy abriu a pasta de Beth. – Por  que você não lê uma de suas novas histórias antes que a Suzanne me deixe
completamente louca.
Beth olhou para Suzanne e depois  abriu um calhamaço de papéis toda animada. – Vou ler essa história no
próximo  clube  de arte  dramática,  na  segunda–  feira.  Estou  usando  uma  nova  técnica  chamada
in  medias  res
.
Significa que a cena começa no meio da história.
Ivy concordou com a cabeça de forma encorajadora e começou a comer a sua pizza.
Ela colocou a arma em seu peito
– leu Beth.
– Dura e azul, fria e inflexível. Fotos dele. Frágeis e desbotadas fotos dele –
dele e dela – rasgadas, ensopadas pelas lágrimas salgadas, espalhadas na cadeira. Ela lavaria todas elas com seu sangue...
–    Beth,  Beth  –  interrompeu  Suzanne.  –  Estamos  na  hora  do  almoço.  Dá  para  ler  uma  coisinha  um
pouquinho mais leve?
Beth concordou e procurou uma outra história no meio de seus papéis, recomeçando a leitura. – Ela levou a
mão dele ao seu peito. Quente e úmido, macio e flexível.
–  A mão dele ou o peito dela? – interrompeu Suzanne.
–  Silêncio – disse Ivy.
–   Como uma mão  que  poderia segurar a sua própria alma,  uma mão que poderia erguer  uma baleia, uma
baleia de plástico azul, eu acho. O que mais poderia ser aquilo?
Ivy virou– se rapidamente e olhou para a loja, do outro lado do shopping. Betty estava segurando um pedaço
de  plástico  azul  enquanto  conversava  com  Tristan.  Lillian  estava  de  pé  atrás  de  Tristan  na  entrada  da  loja,
acenando entusiasmadamente para ela. Ivy olhou para o relógio. Eram 13h25 ainda faltava meia hora para sua
hora de almoço acabar. – Ele quer falar com você – disse Beth.
Ivy balançou a cabeça pra Lillian, mas Lillian continuou acenando.
–  Vá falar com ele, garota – disse Suzanne.
–  Não.
–  Ah, dá um tempo, Ivy.
–  Você não entende. Ele sabe que é minha hora de almoço. Ele está me evitando.
–  Talvez – disse Suzanne. – Mas isso não me atrapalharia em nada!
Tristan virou– se e notou o aceno exagerado de Lillian, deu uma olhada na multidão da praça de alimentação
e os seus olhos se encontraram com os de Ivy. Enquanto isso, Beth colocou a baleia inflável na bomba de gás
hélio da loja.
–   Opa! – exclamou  Beth quando  a  balei  ganhou  vida própria, crescendo como uma  nuvem azul atrás de
Tristan e Lillian. Não dava para ver Betty. Ela deve ter soltado a bexiga rápido demais, porque foi parar no teto.
Tristan teve que pular para pegá– la. Beth e Suzanne começaram a rir. Lillian balançou a cabeça para Ivy, depois
começou a falar com Tristan.
–  O que será que ela está falando com ele? – disse Beth.
–  Algumas palavrinhas – resmungou Ivy.
Logo em  seguida,  Tristan saiu da loja carregando a  sacola com os descartáveis, fechada por um lindo laço
azul, feito pelas irmãs. A baleia vinha lá no alto atrás dele. Ele olhou o tempo todo para frente dirigindo– se para
a saída do shopping. Suzanne o chamou.
Na verdade ela gritou. Não dava para fingir não ter ouvido.
Ele  olhou na  direção  em  que  ela  estavam  com  um  leve  sorriso no rosto,  e  foi  ao  encontro  delas.  Várias
crianças vinham atrás dele como se ele fosse o Flautista de Hamelim.
–  Oi – disse formalmente. – Suzanne, Beth, Ivy. Que bom ver vocês.
–  Que bom ver você  –  disse Suzanne, olhando para a baleia. Quem é ele? Eu bonitinho! É o novo membro
da equipe de natação?
Ivy  percebeu  que  as  articulações  dos  dedos de  Tristan  estavam  brancas  ao  segurar  a  linha  que  prendia  a
baleia. Os músculos de seu braço estavam tensos e salientes. Atrás dele, várias crianças pulavam, tentando pegar
a baleia. – Na verdade é o mais novo membro do meu número cômico – disse, virando– se para Ivy. Você já viu
um trecho. Aquela coisa que eu faço com camarões e cenouras? Não sei o que é. As crianças de oito anos me
acham irresistível – olhou para as crianças atrás dele. – Desculpem, tenho que ir agora.
–  Nãoooooo! Gritaram as crianças. Deixou que elas dessem mais algumas batidinhas na baleia, depois saiu,
andando rapidamente em meio aos freqüentadores do shopping.

–  Bem – Suzanne bufou de raiva. – Bem – ela cutucou Ivy com o palito japonês. – Você poderia ter dito
alguma coisa! Sério, garota, não sei o que há de errado com você.
–  O que há de errado comigo?
–  Alguma coisa, qualquer coisa! Não  importa. Apenas faça com que ele saiba que está  tudo bem, que não
tem problema conversar com você.
Ivy engoliu seco. Não conseguia entender algumas atitudes de Tristan. Ele à deixava tão envergonhada.
–  Você sempre é envergonhada a princípio – disse Beth como se estivesse lendo os pensamentos de Ivy. –
Mais cedo ou mais tarde, vão entender como devem agir um com o outro.
Suzanne inclinou– se para frente – O seu problema é que você leva tudo a sério demais, Ivy. – Romance é
um jogo, só um jogo.
Ivy suspirou e olhou para o seu relógio – Só tenho mais dez minutos de almoço. Beth, que tal terminar a sua
história de amor? – Suzanne deu um tapinha no braço de Ivy.
–  Só temos mais dois meses de escola. Que tal começar a sua história de amor?

Nenhum comentário:

Postar um comentário