Naquela tarde, Ivy pegou Philip na escola. Ele já
tinha desistido de brigar e acompanho– a em silêncio. Na
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metade do caminho, Ivy ouviu o barulho de uma
motocicleta, fazendo uma curva lá no alto e descendo a estrada
|
a toda velocidade. De repente, deu de
cara com o motoqueiro. Desviou
para a direita o máximo
que pôde.
|
Mesmo assim, ele veio em frente. Ivy pisou com tudo
sobre o breque. O motociclista fez um desvio perigoso e
|
depois aumentou a velocidade.
|
Philip olhou
para trás, mas não fez
nenhum comentário. Ivy olhou pelo espelho retrovisor. Devia ser Eric
|
Ghent. Tinha esperanças de que Gregory estivesse com
ele.
|
Mas Gregory estava esperando por eles em casa, junto
com Andrew e sua mãe, que tinham acabado de voltar
|
da lua de mel. Sua mãe os cumprimentou distribuindo
abraços e beijos cheios de batom. Ivy percebeu que ela
|
tinha mudado o perfume.
|
Andrew
pegou as duas mãos de Ivy. Ele
era bem esperto para sorrir
para Philip sem se aproximar
muito.
|
Então, Ivy e Philip foram entregues a Gregory.
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– Sou o seu
guia turístico – disse. Inclinou– se para Philip e avisou – Fique próximo.
Alguns desses quartos
|
são assombrados.
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Philip correu os olhos pela casa e depois buscou o
olhar de Ivy.
|
– Ele só está
brincando.
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– Não estou,
não – disse Gregory.– Algumas pessoas
que moravam aqui foram muito infelizes.
|
Philip olhou de novo para Ivy. Ela balançou a cabeça
negativamente.
|
Do lado de
fora da casa, havia uma
parede branca majestosa e pesadas
persianas pretas. De
cada lado da
|
estrutura principal
havia casas. Ivy gostaria de morar em
uma delas, com seus tetos
inclinados e suas janelas
|
abobadadas.
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Na parte principal
da casa, havia
cômodos com pé–
direito bem alto;
pareciam maiores do
que alguns
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apartamentos que já haviam morado. O hall e a escada
central da casa separavam a sala de estar, a biblioteca, a
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varanda da sala de jantar, a cozinha e a sala de
televisão. Atrás da sala de televisão havia uma galeria que levava à
|
ala central da casa e ao escritório de Andrew.
|
Como sua mãe e Andrew estavam conversando no
escritório, o tour pelo andar de baixo da casa acabou na
|
galeria, em frente a três retratos: Adam Baines,
aquele que havia investido em mineração, com uma cara austera
|
em seu uniforme
da Primeira Guerra
Mundial; o juiz Andy
Baines, de toga; e
Andrew, vestido casualmente
|
como um professor universitário. Ao lado de Andrew
havia um espaço em branco na parede.
|
– A foto de
quem será pendurada ali? Você deve estar se perguntando – disse Gregory
secamente. Ele sorriu,
|
mas o cinza dos seus olhos mostrava um olhar
assombrado. Por um momento, Ivy sentiu pena dele. Como se o
|
filho único de Andrew fosse muito pressionado a ser
bem– sucedido.
|
– É a sua foto
que vai ficar pendurada lá – disse suavemente.
|
Gregory olhou em seus olhos e depois riu. Um riso
marcado pela armagura.
|
– Vamos lá
pra cima – disse,
segurando na mão dela e levando– a
para a escada de trás que dava
para o
|
quarto dele. Philip os seguiu sem dizer nada.
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O quarto de Gregory era grande e tinha só uma coisa em
comum com o quarto dos outros garotos – uma
|
camada arqueológica de cuecas e meias usadas. Fora
isso, era impossível ver que ali tinha dinheiro e bom gosto:
|
cadeiras
de couro e
mesas de vidro,
uma escrivaninha e
um computador, e
um completo centro
de
|
entretenimento.
Nas paredes, havia
vários quadros em
formas geométricas impressionantes. No
centro do
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quarto, havia uma cama d‘água de tamanho King Size.
|
– Experimente –
provocou Gregory.
|
Ivy abaixou– se e sacudiu a cama com a mão.
|
Ele riu. – Você está com medo de quê? Venha, Phil –
ninguém o chama de Phil, pensou Ivy. – Mostre para
|
sua irmã como se faz. Suba e role na cama.
|
– Eu não quero
– disse Philip.
|
– Claro que
quer – Gregory sorria, mas seu tom era ameaçador.
|
– É muito
divertido – Gregory pegou Philip pelos ombros e o forçou a se aproximar da
cama.
|
Philip resistiu, mas acabou tropeçando e caindo nela.
Na mesma hora, levantou– se. – Odiei – gritou.
|
Gregory fez cara de aborrecido.
|
Ivy decidiu sentar– se na cama. – É divertido – disse.
Balançou na cama lentamente. – Venha comigo, Philip
|
– mas ele tinha saído do quarto.
|
– Deite nela,
Ivy – provocou Gregory, usando um tom baixo e suave.
|
Ela deitou e ele se deitou ao seu lado.
|
– É melhor eu
começar a desarrumar as malas – disse Ivy, sentando– se rapidamente.
|
Caminharam por uma passagem de pé– direito baixo que
ficava bem acima da galeria, em uma parte da casa
|
principal onde estavam os quarto dela e de Philip.
|
A porta do quarto
dela estava fechada e, quando a abriu, Philip entrou correndo com
Ella, que foi logo se
|
espreguiçando esplendorosamente na cama
de Ivy. – Ah não ..., resmungou silenciosamente ao olhar
para o
|
quarto
elaboradamente decorado. Temia
o pior quando
sua mãe disse
que estava preparando
uma grande
|
surpresa. O que viu foi uma imensidão de laços e
madeira branca com acabamento dourado, além de uma cama
|
com dossel. – Mobília de princesa – resmungou em voz
alta.
|
Gregory sorriu.
|
– Pelo menos
Ella está se sentindo em casa. Sempre se achou uma rainha. Você gosta de
gatos, Gregory?
|
– Claro –
disse, sentando– se na cama ao lado de Ella, que rapidamente se levantou,
indo para outro lado da
|
cama.
|
Gregory mostrou– se irritado.
|
– Já disse que
Ella é uma rainha. – disse Ivy. – Bem, obrigada pelo tour. Tenho um monte de
coisas para
|
arrumar.
|
Mas Gregory ficou na cama. – Esse era o meu quarto
quando era criança.
|
– Ah!
|
Ivy tirou várias roupas de mala e abriu a porta que
pensava ser do armário. Em vez disso, deu de cara com
|
uma escada.
|
– Essa era a
minha escada secreta – disse Gregory.
|
Ivy deu uma olhada na escuridão.
|
– Costumava me
esconder no sótão quando meu pai e minha mãe brigavam. O que era algo que
acontecia
|
todo dia – disse Gregory. – Você já viu a minha mãe?
Deve ter visto; ela ia sempre arrumar o cabelo.
|
– No salão de
beleza?
|
– Sim –
respondeu Ivy, abrindo a porta do armário.
|
– Mulher maravilhosa, não
é mesmo? – suas palavras estavam cheias de
sarcasmo. – Ama
todo mundo.
|
Nunca pensa em si mesma.
|
– Eu era muito
nova quando a conheci.
|
– Eu também.
|
– Gregory...
faz tempo que quero conversar sobre isso com você. Eu sei que deve ser
difícil pa ra você ver
|
minha mãe se mudando para o quarto da sua mãe, tendo
de aceitar Philip e eu ocupando um espaço que antes
|
era só seu. Eu não o culpo por...
|
– Por estar
feliz por vocês estarem aqui? – interrompeu Gregory. – Estou. Estou contando com
você e
|
Philip
para que o meu
velho continue se comportando
bem. Ele sabe que os outros estão prestando atenção
|
nele e na sua nova família. Agora, ele tem que dar uma
de papai bonzinho e carinhoso. Deixe– me ajudá– la com
|
isso.
|
Ivy pegou sua caixa de anjos.
|
– Não precisa
Gregory. Posso fazer isso sozinha.
|
Ele pegou um canivete no bolso e tirou a fita da
caixa. – O que tem aí dentro?
|
– Os anjos da
Ivy – disse Philip.
|
– O garoto
fala! – Philip apertou os lábios.
|
– Logo você não
vai conseguir fazê– lo ficar de boca fechada – disse Ivy. Então, abriu a
caixa e começou a
|
pegar suas estatuetas embrulhadas cuidadosamente.
|
Tony foi o primeiro. Depois, um anjo esculpido em
pedra, com um leve toque de cinza. Depois seu favorito,
|
o seu anjo das águas, uma figura frágil de porcelana,
pintado com uma mistura de azul e verde. Gregory ficou
|
olhando
enquanto ela desembrulhava as
15 estatuetas e
as colocava em
prateleira. O brilho
dos seus olhos
|
mostrava que estava se divertindo com aquilo.
|
– Você não leva
isso a sério, leva?
|
– Você não
acredita mesmo em anjos.
|
– Acredito –
disse Ivy.
|
Ele pegou o anjo das águas e brincou de aviãozinho com
ele pelo quarto.
|
– Solte– o –
gritou Philip. – É o predileto de Ivy.
|
Gregory o colocou de bruços em um travesseiro.
|
– Você é
malvado!
|
– Ele só está
brincando, Philip – disse Ivy pegando seu anjo calmamente.
|
Gregory deitou– se na cama. – Você reza para eles? –
perguntou.
|
– Sim. Para os
anjos, não para as estatuetas – explicou.
|
– E quais são
as coisas maravilhosas que eles fizeram por você? Já fizeram Tristan se
apaixonar por você?
|
Ivy ficou surpresa com seu comentário. – Não. Mas eu
nunca rezei por isso.
|
Gregory deu uma risadinha.
|
– Você conhece
Tristan? – disse Philip.
|
– Desde a
primeira série – respondeu Gregory. Depois, preguiçosamente esticou o braço
em direção à gata.
|
Ella fugiu dele.
– Ele era
o garoto bonzinho
do meu time
de beisebol –
disse Gregory, esticando–
se para
|
alcançar Ella,
que se levantou na mesma hora e
foi para outro lado da cama. – Ele era o garoto bonzinho do
|
time de qualquer pessoa – disse Gregory, tentando
pegar Ella novamente.
|
A gata reclamou. Ivy viu o rosto de Gregory ficar
vermelho.
|
– Não leve pro
lado pessoal, Gregory – disse Ivy. – Deixe Ella ficar por aí por enquanto. Os
gatos sempre
|
dão uma de difícil.
|
– Assim como
algumas garotas que eu conheço. Venha aqui, garota – esticou a mão em direção
a Ella e a
|
gata levantou a pata rapidamente, mostrando suas
garras.
|
– Deixe que
Ella venha até você – aconselhou Ivy.
|
Mas Gregory pegou a gata pela nuca e a levantou.
|
– Não faça isso
– gritou Ivy.
|
Ele colocou a outra mão embaixo da barriga dela. Ella deu uma mordida forte em
seu punho. – Droga! –
|
disse, jogando Ella do outro lado do quarto.
|
Philip correu para pegar a gata, que correu para Ivy.
Ivy pegou– a no colo. A cauda de Ella balançava para lá
|
e para cá;
estava mais brava do que
magoada. Gregory ficou observando–
a, ainda estava com o rosto bem
|
vermelho.
|
– Ella é uma
gata de rua – disse Ivy, controlando– se para manter a calma. Quando a
encontrei, era só uma
|
bolinha de pelo escondida em uma parede de tijolos,
tentando sobreviver dentro de um grande tambor rasgado.
|
Tentei te avisar. Você não pode se aproximar dela
dessa maneira. Ella não confia facilmente nas pessoas.
|
– Talvez você
devesse ensiná– la a confiar –
disse Gregory. – Você confia em mim, não confia? – disse,
|
abrindo mais de um dos seus estranhos sorrisos
indagadores.
|
Ivy colocou Ella no chão. A gata acomodou– se embaixo
da cadeira e ficou olhando para Gregory com raiva.
|
Assim que ouviu passos na escada, escondeu– se embaixo
da cama.
|
Andrew apareceu no corredor. – Como vão as coisas? –
perguntou.
|
– Tudo bem –
Mentiu Ivy.
|
– Tudo mal –
disse Philip.
|
Andrew piscou, depois balançou a cabeça graciosamente.
– Bem, então precisamos melhorar as coisas. Você
|
acha que dá? – Philip ficou olhando para ele.
|
Andrew virou–
se para Ivy. – Você
já abriu essa porta?
Ivy viu que
ele estava olhando para
a passagem
|
secreta de Gregory. – O interruptor de luz fica do
lado esquerdo, disse Andrew.
|
Aparentemente,
parecia que ele queria que ela fosse ver o que
tinha lá. Ivy abriu a porta
e acendeu a luz.
|
Philip, com a curiosidade à flor da pele, passou por
debaixo do braço dela e subiu as escadas.
|
– Uau! – gritou
lá de cima. – Uau!
|
Ivy olhou para Andrew ao ouvir a voz animada de
Philip, o rosto dele iluminou– se de prazer. Gregory ficou
|
o tempo todo olhando pela janela.
|
– Ivy, venha
ver! Ivy subiu as escadas apressadamente. Esperava ver um nitendo, ou os
Power Rangers ou
|
talvez um boneco de tamanho real do Don Mattingly. Em
vez disso o que viu foi um piano de calda, um CD
|
player e um
toca– fitas, dois armários repletos
de suas partituras ; a capa de um álbum com o rosto da
Ella
|
Fitzgerald estava pendurada na parede. Todos os discos
de jazz do seu pai também estavam lá, ao lado de uma
|
– Se estiver
faltando alguma coisa... – Andrew começou a dizer. Ele estava bem ao lado
dela, ofegante após
|
subir as escadas,
esperançoso. Gregory tinha
ido até a
metade do caminho,
apenas o suficiente
para ver. –
|
Obrigada – foi tudo o que Ivy conseguiu dizer. –
Obrigada!
|
– Isso é
maneiro, Ivy – disse Philip.
|
– E é para nós
três usufruirmos – ela disse a ele, feliz por estar tão animado que nem se
lembrou de retribuir
|
com uma careta. Então, virou– se para falar com
Gregory, mas ele já tinha saído de lá.
|
O jantar naquela noite parecia interminável. Depois dos exagerados
presentes de Andrew: a sala de música
|
para Ivy e uma brinquedoteca completa para Philip,
sentia– se ao mesmo tempo impressionada e constrangida.
|
Como Philip estava ficando mal– humorado novamente,
pois tinha decidido que não ia falar durante o jantar –
|
Talvez eu nunca mais fale – disse a Ivy, fazendo um
bico – era ela quem tinha de expressar a gratidão dos dois a
|
Andrew.
|
Entretanto, ao fazer isso, sentia– se andando em uma
corda bamba: quando Andrew perguntou pela segunda
|
vez se havia algo mais que ela e Philip queriam,
percebeu a tensão nas mãos de Gregory. Quando estavam no
|
meio da sobremesa, Suzanne telefonou. Ivy cometeu o
erro de atender a ligação no corredor do lado dede fora
|
da sala de jantar. Suzanne esperava ser convidada para
ir até a casa dela naquela noite. Ivy disse que era melhor
|
que fosse no dia seguinte.
|
– Mas eu estou
toda vestida! – reclamou Suzanne.
|
– É claro que
você está. São apenas 19h30.
|
– Eu quis dizer
que estou vestida para te visitar.
|
– Puxa, Suzanne
– disse Ivy, fazendo– se de boba. – Você não tem de vestir nada especial para
me visitar.
|
– O que o
Gregory vai fazer hoje à noite?
|
– Não sei. Não
perguntei a ele.
|
– Então
descubra! Descubra o nome dela e onde ela mora – ordenou Suzanne. – E o que
ela está vestindo e
|
onde é que eles vão. Se você não a conhecer, descubra
quem é. Eu sei que ele tem um encontro – choramingou.
|
– Ele deve ter!
|
Ivy já esperava por isso. Mas estava tão cansada da
infantilidade de Philip e de Gregory que não tinha mais
|
vontade de ouvir a choradeira de Suzanne. – Eu tenho
que desligar agora.
|
– Eu vou morrer
se for a Twinkie Hammonds. Você acha que é a Twinkie Hammonds?
|
– Eu não sei. O
Gregory não me falou. Viu? Tenho que desligar.
|
– Ivy, espere!
Você ainda não me contou nada.
|
Ivy suspirou – Amanhã vou almoçar no meu horário de
sempre. Ligue para Beth e me encontre no Shopping
|
Center, tudo bem?
|
– Tudo bem, mas
Ivy...
|
– Agora tenho
que desligar – disse Ivy. – Ou então vou perder a chance de me esconder no
porta– malas do
|
Gregory – disse, desligando o telefone.
|
– E aí? Como
vai a Suzanne? – perguntou Gregory, apoiando– se no batente da porta que dava
para a sala de
|
jantar. Estava sorrindo e com a cabeça erguida.
|
– Vai bem.
|
– Quais são os
planos dela para hoje à noite?
|
Ao ver a sua expressão zombeteira, entendeu que ele
tinha ouvido toda a conversa, e estava só provocando,
|
não tinha interesse em saber quais eram os planos de
Suzanne.
|
– Eu não
perguntei a ela e ela não me contou. Mas se vocês dois quiserem conversar
sobre isso um com o
|
outro...
|
Ele riu, depois tocou na ponta do nariz de Ivy. –
Engraçadinha – disse. Espero que tenha vindo para ficar.
|
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