sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 4 (Beijada por um Anjo)


Naquela tarde, Ivy pegou Philip na escola. Ele já tinha desistido de brigar e acompanho– a em silêncio. Na
metade do caminho, Ivy ouviu o barulho de uma motocicleta, fazendo uma curva lá no alto e descendo a estrada
a  toda  velocidade. De  repente, deu  de  cara com o  motoqueiro.  Desviou  para a  direita  o máximo  que pôde.
Mesmo assim, ele veio em frente. Ivy pisou com tudo sobre o breque. O motociclista fez um desvio perigoso e
depois aumentou a velocidade.
Philip olhou  para  trás, mas não fez nenhum  comentário. Ivy olhou pelo  espelho retrovisor. Devia ser  Eric
Ghent. Tinha esperanças de que Gregory estivesse com ele.
Mas Gregory estava esperando por eles em casa, junto com Andrew e sua mãe, que tinham acabado de voltar
da lua de mel. Sua mãe os cumprimentou distribuindo abraços e beijos cheios de batom. Ivy percebeu que ela
tinha mudado o perfume.
Andrew  pegou  as duas  mãos de Ivy.  Ele  era bem esperto para sorrir  para  Philip sem se aproximar muito.
Então, Ivy e Philip foram entregues a Gregory.
–  Sou o seu guia turístico – disse. Inclinou– se para Philip e avisou – Fique próximo. Alguns desses quartos
são assombrados.
Philip correu os olhos pela casa e depois buscou o olhar de Ivy.
–  Ele só está brincando.
–  Não estou, não – disse Gregory.–  Algumas pessoas que moravam aqui foram muito infelizes.
Philip olhou de novo para Ivy. Ela balançou a cabeça negativamente.
Do lado de  fora  da casa,  havia uma  parede branca  majestosa e  pesadas  persianas  pretas.  De  cada  lado da
estrutura principal  havia casas.  Ivy gostaria  de morar em  uma delas,  com seus tetos inclinados  e suas janelas
abobadadas.
Na  parte  principal  da  casa,  havia  cômodos  com  pé–  direito  bem  alto;  pareciam  maiores  do  que  alguns
apartamentos que já haviam morado. O hall e a escada central da casa separavam a sala de estar, a biblioteca, a
varanda da sala de jantar, a cozinha e a sala de televisão. Atrás da sala de televisão havia uma galeria que levava à
ala central da casa e ao escritório de Andrew.
Como sua mãe e Andrew estavam conversando no escritório, o tour pelo andar de baixo da casa acabou na
galeria, em frente a três retratos: Adam Baines, aquele que havia investido em mineração, com uma cara austera
em  seu  uniforme  da  Primeira  Guerra  Mundial; o  juiz  Andy  Baines,  de toga;  e  Andrew, vestido casualmente
como um professor universitário. Ao lado de Andrew havia um espaço em branco na parede.
–  A foto de quem será pendurada ali? Você deve estar se perguntando – disse Gregory secamente. Ele sorriu,
mas o cinza dos seus olhos mostrava um olhar assombrado. Por um momento, Ivy sentiu pena dele. Como se o
filho único de Andrew fosse muito pressionado a ser bem– sucedido.
–  É a sua foto que vai ficar pendurada lá – disse suavemente.
Gregory olhou em seus olhos e depois riu. Um riso marcado pela armagura.
–   Vamos  lá  pra cima – disse,  segurando  na mão dela e  levando– a  para  a escada de trás que dava para o
quarto dele. Philip os seguiu sem dizer nada.
O quarto de Gregory era grande e tinha só uma coisa em comum com o quarto dos outros garotos – uma
camada arqueológica de cuecas e meias usadas. Fora isso, era impossível ver que ali tinha dinheiro e bom gosto:
cadeiras  de  couro  e  mesas  de  vidro,  uma  escrivaninha  e  um  computador,  e  um  completo  centro  de
entretenimento.  Nas  paredes,  havia  vários  quadros  em  formas  geométricas  impressionantes.  No  centro  do
quarto, havia uma cama d‘água de tamanho King Size.
–  Experimente – provocou Gregory.
Ivy abaixou– se e sacudiu a cama com a mão.
Ele riu. – Você está com medo de quê? Venha, Phil – ninguém o chama de Phil, pensou Ivy. – Mostre para
sua irmã como se faz. Suba e role na cama.
–  Eu não quero – disse Philip.
–  Claro que quer – Gregory sorria, mas seu tom era ameaçador.
–  Não – disse Philip.

–  É muito divertido – Gregory pegou Philip pelos ombros e o forçou a se aproximar da cama.
Philip resistiu, mas acabou tropeçando e caindo nela. Na mesma hora, levantou– se. – Odiei – gritou.
Gregory fez cara de aborrecido.
Ivy decidiu sentar– se na cama. – É divertido – disse. Balançou na cama lentamente. – Venha comigo, Philip
– mas ele tinha saído do quarto.
–  Deite nela, Ivy – provocou Gregory, usando um tom baixo e suave.
Ela deitou e ele se deitou ao seu lado.
–  É melhor eu começar a desarrumar as malas – disse Ivy, sentando– se rapidamente.
Caminharam por uma passagem de pé– direito baixo que ficava bem acima da galeria, em uma parte da casa
principal onde estavam os quarto dela e de Philip.
A porta do quarto  dela estava fechada e, quando a abriu, Philip entrou correndo com Ella, que  foi logo se
espreguiçando esplendorosamente  na cama  de  Ivy. –  Ah não ..., resmungou  silenciosamente  ao olhar  para o
quarto  elaboradamente  decorado.  Temia  o  pior  quando  sua  mãe  disse  que  estava  preparando  uma  grande
surpresa. O que viu foi uma imensidão de laços e madeira branca com acabamento dourado, além de uma cama
com dossel. – Mobília de princesa – resmungou em voz alta.
Gregory sorriu.
–  Pelo menos Ella está se sentindo em casa. Sempre se achou uma rainha. Você gosta de gatos, Gregory?
–  Claro – disse, sentando– se na cama ao lado de Ella, que rapidamente se levantou, indo para outro lado da
cama.
Gregory mostrou– se irritado.
–  Já disse que Ella é uma rainha. – disse Ivy. – Bem, obrigada pelo tour. Tenho um monte de coisas para
arrumar.
Mas Gregory ficou na cama. – Esse era o meu quarto quando era criança.
–  Ah!
Ivy tirou várias roupas de mala e abriu a porta que pensava ser do armário. Em vez disso, deu de cara com
uma escada.
–  Essa era a minha escada secreta – disse Gregory.
Ivy deu uma olhada na escuridão.
–  Costumava me esconder no sótão quando meu pai e minha mãe brigavam. O que era algo que acontecia
todo dia – disse Gregory. – Você já viu a minha mãe? Deve ter visto; ela ia sempre arrumar o cabelo.
–  No salão de beleza?
–  Sim – respondeu Ivy, abrindo a porta do armário.
–    Mulher  maravilhosa,  não  é mesmo? –  suas palavras estavam  cheias de  sarcasmo.  –  Ama  todo mundo.
Nunca pensa em si mesma.
–  Eu era muito nova quando a conheci.
–  Eu também.
–  Gregory... faz tempo que quero conversar sobre isso com você. Eu sei que deve ser difícil pa ra você ver
minha mãe se mudando para o quarto da sua mãe, tendo de aceitar Philip e eu ocupando um espaço que antes
era só seu. Eu não o culpo por...
–   Por  estar  feliz por  vocês  estarem aqui? – interrompeu  Gregory. – Estou. Estou contando  com  você e
Philip  para  que  o meu  velho continue se  comportando bem.  Ele sabe que os  outros estão prestando  atenção
nele e na sua nova família. Agora, ele tem que dar uma de papai bonzinho e carinhoso. Deixe– me ajudá– la com
isso.
Ivy pegou sua caixa de anjos.
–  Não precisa Gregory. Posso fazer isso sozinha.
Ele pegou um canivete no bolso e tirou a fita da caixa. – O que tem aí dentro?
–  Os anjos da Ivy – disse Philip.
–  O garoto fala! – Philip apertou os lábios.
–  Logo você não vai conseguir fazê– lo ficar de boca fechada – disse Ivy. Então, abriu a caixa e começou a
pegar suas estatuetas embrulhadas cuidadosamente.
Tony foi o primeiro. Depois, um anjo esculpido em pedra, com um leve toque de cinza. Depois seu favorito,
o seu anjo das águas, uma figura frágil de porcelana, pintado com uma mistura de azul e verde. Gregory ficou
olhando  enquanto  ela  desembrulhava  as  15  estatuetas  e  as  colocava  em  prateleira.  O  brilho  dos  seus  olhos
mostrava que estava se divertindo com aquilo.
–  Você não leva isso a sério, leva?
–  O que você quer dizer com  a s rio ? – ela perguntou.

–  Você não acredita mesmo em anjos.
–  Acredito – disse Ivy.
Ele pegou o anjo das águas e brincou de aviãozinho com ele pelo quarto.
–  Solte– o – gritou Philip. – É o predileto de Ivy.
Gregory o colocou de bruços em um travesseiro.
–  Você é malvado!
–  Ele só está brincando, Philip – disse Ivy pegando seu anjo calmamente.
Gregory deitou– se na cama. – Você reza para eles? – perguntou.
–  Sim. Para os anjos, não para as estatuetas – explicou.
–  E quais são as coisas maravilhosas que eles fizeram por você? Já fizeram Tristan se apaixonar por você?
Ivy ficou surpresa com seu comentário. – Não. Mas eu nunca rezei por isso.
Gregory deu uma risadinha.
–  Você conhece Tristan? – disse Philip.
–  Desde a primeira série – respondeu Gregory. Depois, preguiçosamente esticou o braço em direção à gata.
Ella  fugiu  dele.  –  Ele  era  o  garoto  bonzinho  do  meu  time  de  beisebol  –  disse  Gregory,  esticando–  se  para
alcançar Ella,  que se levantou na mesma  hora e foi para outro lado da cama. – Ele era o garoto bonzinho do
time de qualquer pessoa – disse Gregory, tentando pegar Ella novamente.
A gata reclamou. Ivy viu o rosto de Gregory ficar vermelho.
–  Não leve pro lado pessoal, Gregory – disse Ivy. – Deixe Ella ficar por aí por enquanto. Os gatos sempre
dão uma de difícil.
–  Assim como algumas garotas que eu conheço. Venha aqui, garota – esticou a mão em direção a Ella e a
gata levantou a pata rapidamente, mostrando suas garras.
–  Deixe que Ella venha até você – aconselhou Ivy.
Mas Gregory pegou a gata pela nuca e a levantou.
–  Não faça isso – gritou Ivy.
Ele colocou a outra mão embaixo da barriga dela.  Ella deu uma mordida  forte em  seu punho. – Droga! –
disse, jogando Ella do outro lado do quarto.
Philip correu para pegar a gata, que correu para Ivy. Ivy pegou– a no colo. A cauda de Ella balançava para lá
e  para cá; estava mais  brava do  que  magoada.  Gregory ficou  observando–  a, ainda estava com o rosto  bem
vermelho.
–  Ella é uma gata de rua – disse Ivy, controlando– se para manter a calma. Quando a encontrei, era só uma
bolinha de pelo escondida em uma parede de tijolos, tentando sobreviver dentro de um grande tambor rasgado.
Tentei te avisar. Você não pode se aproximar dela dessa maneira. Ella não confia facilmente nas pessoas.
–   Talvez você devesse  ensiná– la a confiar – disse  Gregory. –  Você confia em  mim, não confia? – disse,
abrindo mais de um dos seus estranhos sorrisos indagadores.
Ivy colocou Ella no chão. A gata acomodou– se embaixo da cadeira e ficou olhando para Gregory com raiva.
Assim que ouviu passos na escada, escondeu– se embaixo da cama.
Andrew apareceu no corredor. – Como vão as coisas? – perguntou.
–  Tudo bem – Mentiu Ivy.
–  Tudo mal – disse Philip.
Andrew piscou, depois balançou a cabeça graciosamente. – Bem, então precisamos melhorar as coisas. Você
acha que dá? – Philip ficou olhando para ele.
Andrew  virou– se  para Ivy. –  Você  já  abriu essa  porta?  Ivy  viu  que  ele estava  olhando  para  a  passagem
secreta de Gregory. – O interruptor de luz fica do lado esquerdo, disse Andrew.
Aparentemente,  parecia  que ele queria  que ela fosse ver o  que  tinha  lá. Ivy abriu a  porta  e acendeu a  luz.
Philip, com a curiosidade à flor da pele, passou por debaixo do braço dela e subiu as escadas.
–  Uau! – gritou lá de cima. – Uau!
Ivy olhou para Andrew ao ouvir a voz animada de Philip, o rosto dele iluminou– se de prazer. Gregory ficou
o tempo todo olhando pela janela.
–  Ivy, venha ver! Ivy subiu as escadas apressadamente. Esperava ver um nitendo, ou os Power Rangers ou
talvez um boneco de tamanho real do Don Mattingly. Em vez disso o que viu foi um piano de calda, um CD
player e  um toca– fitas,  dois armários repletos de  suas  partituras ; a capa  de um álbum com o  rosto da  Ella
Fitzgerald estava pendurada na parede. Todos os discos de jazz do seu pai também estavam lá, ao lado de uma
vitrola de cerejeira.

–  Se estiver faltando alguma coisa... – Andrew começou a dizer. Ele estava bem ao lado dela, ofegante após
subir  as  escadas,  esperançoso.  Gregory  tinha  ido  até  a  metade  do  caminho,  apenas  o  suficiente  para  ver.  –
Obrigada – foi tudo o que Ivy conseguiu dizer. – Obrigada!
–  Isso é maneiro, Ivy – disse Philip.
–  E é para nós três usufruirmos – ela disse a ele, feliz por estar tão animado que nem se lembrou de retribuir
com uma careta. Então, virou– se para falar com Gregory, mas ele já tinha saído de lá.
O jantar naquela noite parecia  interminável. Depois dos exagerados presentes de Andrew: a sala de música
para Ivy e uma brinquedoteca completa para Philip, sentia– se ao mesmo tempo impressionada e constrangida.
Como Philip estava ficando mal– humorado novamente, pois tinha decidido que não ia falar durante o jantar –
Talvez eu nunca mais fale – disse a Ivy, fazendo um bico – era ela quem tinha de expressar a gratidão dos dois a
Andrew.
Entretanto, ao fazer isso, sentia– se andando em uma corda bamba: quando Andrew perguntou pela segunda
vez se havia algo mais que ela e Philip queriam, percebeu a tensão nas mãos de Gregory. Quando estavam no
meio da sobremesa, Suzanne telefonou. Ivy cometeu o erro de atender a ligação no corredor do lado dede fora
da sala de jantar. Suzanne esperava ser convidada para ir até a casa dela naquela noite. Ivy disse que era melhor
que fosse no dia seguinte.
–  Mas eu estou toda vestida! – reclamou Suzanne.
–  É claro que você está. São apenas 19h30.
–  Eu quis dizer que estou vestida para te visitar.
–  Puxa, Suzanne – disse Ivy, fazendo– se de boba. – Você não tem de vestir nada especial para me visitar.
–  O que o Gregory vai fazer hoje à noite?
–  Não sei. Não perguntei a ele.
–  Então descubra! Descubra o nome dela e onde ela mora – ordenou Suzanne. – E o que ela está vestindo e
onde é que eles vão. Se você não a conhecer, descubra quem é. Eu sei que ele tem um encontro – choramingou.
– Ele deve ter!
Ivy já esperava por isso. Mas estava tão cansada da infantilidade de Philip e de Gregory que não tinha mais
vontade de ouvir a choradeira de Suzanne. – Eu tenho que desligar agora.
–  Eu vou morrer se for a Twinkie Hammonds. Você acha que é a Twinkie Hammonds?
–  Eu não sei. O Gregory não me falou. Viu? Tenho que desligar.
–  Ivy, espere! Você ainda não me contou nada.
Ivy suspirou – Amanhã vou almoçar no meu horário de sempre. Ligue para Beth e me encontre no Shopping
Center, tudo bem?
–  Tudo bem, mas Ivy...
–  Agora tenho que desligar – disse Ivy. – Ou então vou perder a chance de me esconder no porta– malas do
Gregory – disse, desligando o telefone.
–  E aí? Como vai a Suzanne? – perguntou Gregory, apoiando– se no batente da porta que dava para a sala de
jantar. Estava sorrindo e com a cabeça erguida.
–  Vai bem.
–  Quais são os planos dela para hoje à noite?
Ao ver a sua expressão zombeteira, entendeu que ele tinha ouvido toda a conversa, e estava só provocando,
não tinha interesse em saber quais eram os planos de Suzanne.
–  Eu não perguntei a ela e ela não me contou. Mas se vocês dois quiserem conversar sobre isso um com o
outro...
Ele riu, depois tocou na ponta do nariz de Ivy. – Engraçadinha – disse. Espero que tenha vindo para ficar.

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