sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 3 (Beijada por um Anjo)


Ivy ficou paralisada. Surpreendeu– se  ao ver Tristan com aipos enfiados  nas orelhas, salada espalhada pelo
cabelo, e uma coisa preta e estranha em seus dentes, e – por mais difícil que fosse de acreditar que alguém com
mais de oito anos pudesse fazer uma coisa dessas – rabinhos de camarão enfiados nas narinas.
Tristan ficou tão paralisado quanto ela.
–  Eu estou encrencado? – perguntou Philip.
– Acho que eu estou – disse Tristan suavemente.
– Você deveria estar no salão de festa, jantando conosco –  disse Ivy a Philip.
– Nós estamos jantando aqui. Este é o nosso banquete!
Ela olhou  para  a quantidade enorme de  comida nos pratos em cima da  caixa no  meio deles,  e enrugou  o
canto da boca.
– Por favor, Ivy, a mamãe disse que podíamos trazer qualquer amigo que quiséssemos para o casamento.
– E você disse a ela que não tinha nenhum amigo, lembra– se?
Você disse que não tinha nenhum amigo em Stonehill.
– Agora eu tenho!
Ivy olhou para Tristan. Ele foi sensato o suficiente para não olhar para ela, concentrando– se em retirar o
aipo, o camarão e as azeitonas amassadas de seu corpo, deixando em cima da caixa à sua frente. Nojento!
– Modemoiselle!
– É o Dubidu! – gritou Philip – Feche a porta! Por favor, Ivy.
Contrariando sua própria vontade, ela fechou. Por mais estranho que parecesse, seu irmão nunca estivera tão
feliz como nas ultimas semanas.
De costas para o deposito, Ivy olhou para o maître.
– Há algo errado, Mademoiselle?
– Não, senhor.
– Très certaine?
– Très – respondeu, pegando o braço de Pompideau e caminhando com ele para fora da cozinha.
– Bem,  estão esperando por Mademoiselle no salão de festas – mademoiselle disse, secamente – Chegou à
hora do brinde. Todos estão esperando.
Ivy foi correndo para o salão. Estavam esperando mesmo por ela, e todos perceberam quando entrou. Ivy
corou  ao  atravessar  o salão.  Gregory  puxou– a  para  perto  de  si,  rindo.  Depois,  entregou– lhe  uma  taça de
champanhe.
Um amigo de Andrew fez o brinde. Ele falou, falou e falou.
– Saúde! – todos os convidados disseram finalmente.
– Saúde, irmãzinha! – disse Gregory bebendo todo o champanhe da sua taça e pegando outra.
Ivy deu apenas um golinho em seu champanhe.
– Saúde, irmãzinha! – disse novamente com voz baixa e macia, seus olhos queimando como fogo. Bate sua
taça na dela e tomou todo o champanhe de uma vez.
Então puxou Ivy para mais perto, tão perto que não conseguia respirar, e beijou– a violentamente na boca.
Ivy sentou– se ao piano, encarando a partitura que tinha aberto há cinco minutos colocando suavemente uma
das mãos em seus lábios. Tirou a mão e começou a dedilhar as teclas amareladas, correndo os dedos por elas,
tocando  alguns  trechos  um  tanto  fora  do  tom.  Depois,  passou  a  língua  em  cima  dos  lábios.  Não  estavam
machucados; ela só estava imaginando coisas.

Mesmo assim, estava feliz por ter convencido sua mãe a deixar que ela e Philip ficassem no apartamento até
que  voltassem  da  lua  de  mel.  Seis  dias  sozinha  com Gregory  naquela  casa  imensa no alto da  montanha era
demais para ela, especialmente com essa atitude de Philip.
Philip, que no pequeno apartamento de Norkwalk tinha colocado cortinas velhas ao redor da cama por que
queria ficar longe das  garotas , há duas semanas vinha implorando para dormir com ela. Uma noite antes do
casamento, ela o deixou levar o saco de dormir para o seu quarto e acabou acordando com, Ella, a gata, e Philip
em  cima  de sua  cama.  Depois  daquele  dia longo  do casamento,  provavelmente  ia  deixá– lo  dormir  com  ela
novamente.
Ele estava no chão atrás dela, brincando com suas figurinhas de jogadores de beisebol, montando um time
dos sonhos com as figurinhas espalhadas pelo tapete. Como sempre, Ella queria se espreguiçar bem no meio do
campo. O lançador do time ia para cima e para baixo na sua barriga preta. De vez em quando, Philip deixava
escapar frases do tipo:  E a bola vôo para o centro do campo , depois pegava a figurinha de Don Mattingly e o
fazia correr por todas as bases até marcar um home– run.
Não devia deixá– lo ficar acordado até tarde, pensou Ivy. Mas ela mesma não conseguia dormir, estava feliz
por  ter  companhia. Além  disso,  Philip  tinha  comido tanto na  festa  e experimentado tantos doces –  graças  a
Tristan – que provavelmente ia acabar vomitando no saco de dormir. E lençóis limpos, como quase todo o resto
no apartamento, estavam embalados.
–  Já tomei minha decisão, Ivy – disse Philip subitamente. – Não vou me mudar.
– O quê? – virou– se no banco do piano para ficar na frente dele.
– Vou ficar aqui. Você e Ella querem ficar comigo?
–  E a mamãe?
–  Ela pode ser a mãe do Gregory agora – disse Philip.
Ivy recuou, da mesma forma que recuava toda vez que sua mãe mencionava algo sobre Gregory. Maggie era
uma pessoal amorosa e carinhosa, e estava tentando, um pouquinho demais. Não fazia idéia do quanto Gregory
a achava ridícula.
–  A mamãe sempre vai ser a nossa mãe, e nesse momento ela precisa de nós.
–  Tudo bem. Você e ela podem ir. Eu vou convidar Tristan para morar comigo.
– Tristan!
Ele concordou, depois disse a si mesmo em voz baixa:  E lá vai o batedor. Parece que um empate vem por
ai!
Aparentemente, ele já havia feito sua cabeça de oito anos e não imaginava que o assunto precisasse ser ainda
discutido. Estava brincando e tão contente. Era estranho, mas tinha voltado a brincar depois de ter se divertido
com Tristan.
O que será que Tristan disse a Philip de tão útil? Talvez nada, pensou Ivy. Talvez, em vez de ter passado as
ultimas  três  semanas  tentando  explicar  os  motivos do casamento  de  sua  mãe, tudo que  deveria  ter  feito  era
enfiar camarões no nariz.
– Philip – disse incisivamente.
Ele não ia querer falar com ela até que o empate acontecesse.
– Ah?
–  O Tristan falou alguma coisa sobre mim?
– Sobre você? – ele pensou um pouco. –Não.
– Ah – não que eu me importe, disse a si mesma.
– Você o conhece? – perguntou Philip.
– Não. É que só pensei que, talvez, depois deu ter encontrado vocês no depósito, ele tivesse dito algo sobre
mim.
Philip franziu a sobrancelha. – Ah, sim. Ele perguntou se você gostava mesmo de usar vestidos cor– de– rosa
como aquele, e se realmente acreditava em anjos. Falei a ele sobre sua coleção de estatuetas.
– O que você falou a ele sobre o meu vestido?
– Disse que gostava.
– Disse?
–  Você falou para a mãe que acho o vestido bonito.
E sua mãe tinha acreditado. Por que Philip não acreditaria?
–  O Tristan falou por que estava trabalhando lá, hoje?
– Sim.
A jogada tinha terminado. Philip agora montava uma nova estratégia de defesa.
–  Então, por quê? – perguntou Ivy, intrigada.

–  Ele precisa ganhar dinheiro para as competições de natação. Ele é nadador, Ivy. Viaja para outros Estados
para nadar. Precisa ir de avião, não me lembro para onde.
Ivy  concordou  com a  cabeça. É  claro! Tristan  estava  mesmo duro,  apenas  tentando ganhar uns trocados.
Devia para de dar ouvidos a Suzanne.
Philip levantou– se de repente. – Ivy, não me obrigue a ir àquele casarão. Não me obrigue a ir. Eu não quero
jantar com ele!
Ivy aproximou– se de seu irmão.  –  Coisas novas parecem assustadoras – tranqüilizou– o. –  Mas Andrew
sempre foi bom com você, desde o começo. Lembra– se de quem te comprou figurinha do Don Mattingly?
–  Eu não quero jantar com o Gregory.
Ela não sabia o que dizer para ele.
Philip ficou de pé, ao seu lado, movendo silenciosamente os dedos sobre as teclas do piano. Quando ele era
mais novo, costumava fazer isso cantando a canção que estava tocando.
– Preciso de um abraço – disse Ivy. – Você pode me dar um?
Philip deu– lhe um abraço nada entusiasmado.
–  Vamos fazer nosso dueto, está bem?
Ele  deu  de  ombros.  Tocaram  juntos,  mas  a  felicidade  que  tinha  demonstrado  um  pouco  antes  já
desaparecera. Mal haviam começado a tocar quando ele bateu com força as mãos no piano. E bateu e bateu e
bateu e bateu.
– Não vou! Não vou! Não vou!
–  Philip caiu no chora, e Ivy o trouxe  para perto de si, deixando– o chorar em seus braços. Quando seus
soluços pareciam muito cansados. Ela disse: –  Você está cansado, Philip. Você está só cansado – mas sabia que
era mais do que isso.
Começou  a  tocar  suas  canções  prediletas  assim  que  se  aconchegou  em  seu  corpo,  depois  mudou  de
repertório para canções de ninar. Ele logo ficou sonolento, mas era muito gr ande para que pudesse carregá– lo
para cama.
–  Venha – disse, ajudando– o a sair do banquinho. Ella seguiu os dois até o quarto.
– Ivy.
–  Sim?
– Você me empresta um dos seus anjos hoje?
– Claro. Qual deles?
–  Tony.
Tony era castanho escuro, esculpido em madeira, era o anjo paternal de Ivy. Colocou Tony ao lado do saco
de dormir junto com a figurinha de Don Mattingly. Então, ele entrou no saco e ela fechou o zíper.
–  Você quer rezar para os anjos? – ela perguntou.
Disseram junto: –  Anjos de luz, anjos queridos, cuidem de nós. Cuidem de quem mais fica comigo.
–  Essa pessoa é você, Ivy – disse Philip, fechando os olhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário