sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 2 (Beijada por um Anjo)


Eu me sinto um idiota – disse Tristan, dando uma olhada no salão de festas da associação de ex– alunos da
faculdade pelo vidro da porta da cozinha. A equipe do bufê estava acendendo os candelabros e verificando as
taças de cristal. Na imensa  cozinha em  que ele e Gary  esperavam,  havia várias mesas postas  com  fr utas bem
lavadas e diferentes tipos de entradas. Tristan não fazia a mínima idéia do que eram feitas aquelas entradas e se
tinham  de  ser  servidas  de  alguma  forma  especial.  Tudo  o  que  pedia  era  simplesmente  que  suas  taças  de
champanhe não caíssem da bandeja.
Gary não estava conseguindo colocar as abotoaduras. A faixa do seu
smoking
alugado não parava de cair, pois
o velcro não estava funcionando direito. Um dos  seus sapatos  pretos e engraxados, um número menor que o
dele,  estava  amarrado  com  cadarço  roxo  improvisado.  Gary  era  um  amigo  de  verdade,  pensou  Tristan,  por
concordar com aquela situação.
— Lembre– se, a grana é boa – disse Tristan. — E nós vamos precisar dela para a próxima competição de
natação.
— É, se sobrar algum dinheiro depois de a gente pagar pelo prejuízo – reclamou Gary.
— Vai sobrar tudo – respondeu Tristan com  confiança. Será que era muito equilibrar uma bandeja por aí?
Ele e Gary eram nadadores. O seu equilíbrio atlético natural foi responsável pelas mentiras sobre sua experiência
como garçom durante a entrevista no bufê. Tinha sido muito fácil conseguir esse trabalho.
Tristan pegou uma bandeja de prata e a usou como espelho.
— Não pareço um idiota. Estou com cara de idiota.
— Você é um idiota – disse Gary. — E é bom ir logo sabendo que não sou tão tonto para acreditar nessa sua
historinha de conseguir dinheiro para a próxima competição de natação.
— Do que você está falando?
Gary pegou um espanador e colocou na cabeça de forma que as suas fibras parecessem cabelos.
— Oh, Tristy — disse com a voz em falsete. — Que surpresa encontrá– lo no casamento da minha mãe!
— Cale a boca, Gary.
— Oh, Tristy, deixa essa bandeja para lá e vem dançar comigo — Gary sorriu passando a mão nos cabelos de
espanador.
— O cabelo dela não é assim.
— Oh, Tristy, acabei de pegar o buquê da minha mãe. Vamos fugir e nos casar.
— Eu não quero casar com ela! Só quero que ela saiba que eu existo. Só quero sair com ela. Só uma vez! E se
ela não gostar de mim, então...
Tristan deu de ombros como se não tivesse a mínima importância, como se a maior paixão que já sentira na
vida pudesse simplesmente desaparecer do dia para a noite.
— Oh, Tristy, eu vou chutar o seu...
A  porta  da  cozinha se abriu. — Cavalheiros –  disse  monsieur Pompideau. – os convidados já chegaram e
estão  prontos    para  serem  servidos.  Que  sorte  a  nossa  contarmos  com  a  presença  de  dois  garçons  tão
experientes, disponíveis justamente para nos auxiliar hoje!
— Ele está sendo sarcástico? – perguntou Gary.
Tristan revirou os olhos e eles apressaram– se em ir atrás dos outros garçons, que já se posicionavam em suas
bases.
Nos primeiros dez  minutos, Tristan  preocupou–  se  em  observar os outros  garçons trabalhando,  tentando
aprender a sua função. Sabia que garotas e mulheres gostavam de um sorriso, e fazia uso disso, especialmente
quando o caviar que estava servindo saiu voando, como se fosse um peixe bem desenvolvido, indo parar bem
no colo de uma senhora.
Perambulou  pelo  imenso  salão  de  festas,  procurando  por  Ivy,  sempre  olhando  enquanto  os  homens  de
barriga grande continuavam esvaziando suas bandejas. Dois deles passaram por ele resmungando alguma coisa, 
mas ele nem tomou conhecimento. Seu pensamento estava focado em Ivy. E se ficasse cara a cara com ela, o
que iria dizer? Aceita um croquete de caranguejo? Ou talvez: Posso sugerir um
Le ballé de Crabe
.
Sim, isso iria impressioná– la.
Que tipo de pessoa ele tinha se tornado. Porque ele, Tristan Carruthers, um cara cujo rosto estava pendurado
nos armários de centenas de garotas (tudo bem, talvez estivesse exagerando um pouco) precisava impressioná–
la. Uma garota que não tinha interesse em ter a foto dele, nem a de mais ninguém, colada em seu armário, pelo
que ele podia perceber. Ela passava pelos mesmos corredores que ele, mas era como se vivesse em um mundo
totalmente diferente.
Tinha prestado atenção nela no primeiro dia em que ela chegou em Stonehill. Não era só a sua beleza exótica,
os  seus  louros  cabelos  encaracolados,  e  os  seus  olhos  verdes  como  o  mar  que  faziam  com  que  ele  não
conseguisse  parar  de  olhar, desejando  tocá–  la.  Era  a  maneira  como  ela  parecia  desprendida  das  coisas  que
interessavam às demais pessoas — a maneira como prestava atenção na pessoa com quem estava conversando,
sem ficar olhando para o lado para ver se tinha mais alguém por ali; a maneira como se vestia diferente de todo
mundo;  a  maneira  como  se  entregava  a  uma  canção.  Um  dia,  ficou  parado  na  porta  da  sala  de  música,
maravilhado. É claro que ela nem percebeu sua presença.
Duvidava  que  Ivy soubesse que  ele  existia.  Mas será  que  trabalhar como garçom seria  realmente uma  boa
maneira de fazer com que ela finalmente o notasse? Depois de resgatar um croquete de  caranguejo que  tinha
saltado  de  sua  bandeja  e ido  parar  no  meio  de  dois  sapatos  scarpin  de  um  convidado,  começava a  ter suas
dúvidas.
Foi então que ele a viu. Estava de cor– de– rosa – muito cor– de– rosa: e tinha uma espécie de glitter cor–
de– rosa que não parava de cair dos seus ombros. .
Gary  passou  perto  dele.  Tristan  virou–  se  rápido  demais  e  eles  deram  uma  cotovelada.  Oito  copos
chacoalharam na bandeja, derrubando vinho tinto.
— Que vestido! – disse Gary abafando o riso.
Tristan deu de ombros. Sabia que o vestido era brega, mas não estava nem aí. – Ela vai acabar tirando.
— Amigão, você está bem ousado, hein?
— Não foi isso que eu quis dizer. O que eu...
— Pompideau – avisou Gary e os dois dispersaram– se rapidamente. Entretanto, o
maître
pegou Tristan pelo
braço e  o levou para a cozinha. Quando  Tristan voltou, tinha  nas mãos uma bandeja cheia  de legumes  e um
potinho de patê – coisas que não derramavam. Percebeu que alguns dos convidados pareciam reconhecê– lo e,
rapidamente, desviavam– se de seu caminho quando se aproximava. O que significava que estava com a bandeja
sempre cheia para lá e para cá, mal precisava olhar para onde estava indo, e tinha tempo suficiente para prestar
atenção na festa.
— Ei, ssssenhor nadador. Ssssenhor nadador.
Era alguém da escola  que  estava chamando por ele, provavelmente alguns dos amigos de  Gregory. Tristan
nunca gostou das garotas e rapazes que andavam com Gregory. Todos tinham dinheiro e se gabavam por isso.
Faziam coisas realmente estúpidas e estavam sempre procurando novas emoções.
—  Nadador, nadador, você é  ssssurdo? –  chamou  o rapaz. Eric  Ghent,  rosto comprido e  cabelos louros,
encostado na parede, segurando um castiçal.
— Desculpe – disse Tristan. – Você está falando comigo?
— Eu conheço você, Demolidor. Eu conheço você. É isso que você faz quando não está nadando? – Eric
soltou o castiçal e cambaleou.
— É isso que eu faço para poder ter dinheiro para nadar – respondeu Tristan.
— Ótimo. Vou te ajudar a conseguir maisssss dinheiro para nadar.
— Como?
— Vou fazer com que você não desperdice mais o seu tempo, Demolidor, vou te dar uma grana para você
pegar uma bebida para mim.
— Eu acho que você já tomou uma bebida – Tristan olhou para Eric de cima a baixo.
Eric fez que ia dar um soco nele, mas depois deixou para lá.
— Na verdade, você já tomou quatro bebidas — Tristan se corrigiu.
— Esta é uma festa particular. Menores de idade podem beber. Festa particular ou não, vão sssservir  o que
quer que seja, a quem quer que o velho Baines queira que seja sssservido. Ele compra todo mundo, sabia?
Gregory havia aprendido com o pai, pensou Tristan. — Então, tá – disse em voz alta. — O bar é logo ali –
tentou ir embora, mas Eric se colocou bem na frente dele. — O problema é que eles não me deixam beber mais.
Tristan respirou fundo. — Eu preciso beber, Demolidor. E você precisa de grana.
— Eu não aceito gorjetas – disse Tristan.
Ele  começou  a  rir.  —  Bem,  talvez  você  não  tenha  conseguido  nenhuma.  Já  percebi  como  está  todo
desajeitado para lá e para cá. Mas acho que sssssssse te oferecessem, você pegaria.
— Sinto muito.
— Nós precisamos um do outro. Nós temos uma escolha. Podemos ajudar um ao outro ou machucar um ao
outro – disse Eric.
Tristan não respondeu.
— Entende o que eu quero dizer, Demolidor?
— Eu entendo o que você quer dizer, mas não posso ajudá– lo.
Eric deu um passo para frente. Tristan deu um passo para trás. Eric deu outro passo à frente.
Tristan ficou tenso. O amigo de Gregory era peso– pena perto dele. Tinham a mesma altura, mas ele não era
nem de longe do mesmo tamanho que Tristan. Mesmo assim, o cara estava bêbado e não tinha nada a perder –
nada como uma bandeja cheia de legumes.
Tudo bem, pensou Tristan. Se tirasse o corpo rapidamente, Eric cairia de joelhos e daria com a cara no chão.
Mas  Tristan  não  havia  contado  com  um  dos  noivos  passando  por  ali  na  mesma  hora.  Ao  ver  que  se
aproximavam, pelo canto do olho, teve repentinamente de mudar de direção. Acabou esbarrando em Eric, que
estava embriagado. Aipo e couve–  flor, cogumelos e pimentões, brócolis e vagens foram arremessados para o
lustre, e acabaram caindo em cima dos noivos.
E foi aí que ela olhou para ele. Ivy, a garota do glitter. Na mesma hora em que seus olhos se encontraram. Ela
virou  seus  olhos  redondos  como  tomate cereja  para  a  direção de sua mãe.  Tristan  tinha  certeza  de  que  ela
finalmente sabia da sua existência. Ele tinha também plena certeza de que ela nunca sairia com ele. Jamais.
—  Talvez você esteja certa,  Ivy – sussurrou Suzanne  enquanto olhavam os legumes crus espalhados pelo
salão. – Fora da água, Tristan é bem desajeitado.
O que ele estaria fazendo ali? – Ivy perguntou a si mesma. Por que não ficara na piscina, que era o seu lugar?
Sabia  que  suas  amigas  ficariam  totalmente  convencidas  de  que  ele  a  estava  seguindo,  e  isso  a  deixava
envergonhada.
Beth foi atrás delas, pisando em um tomate com seu salto alto. – Talvez seja assim que ele ganhe dinheiro —
disse Beth, interpretando o rosto confuso de Ivy.
— Jogando brócolis na noiva? — Suzanne balançou a cabeça negativamente.
— Aquele nadador lindinho está com ele também – continuou Beth. O seu cabelo tingido estava todo para
cima, fazendo com que parecesse ainda mais com uma corujinha fofinha.
— Nenhum dos dois tem a mínima ideia da função de garçom – Suzanne percebeu. – Estão fazendo um bico
– Ivy suspirou.
— Acho que Tristan está duro – disse Beth.
— Você está falando de dinheiro ou de amor por Ivy? – perguntou Suzanne, e as duas riram.
— Ah, dá um tempo, Ivy – disse Beth tocando suavemente em seus braços.
— É engraçado. Aposto que os olhos dele ficaram arregalados quando viu seu vestido – Suzanne arregalou
os olhos e começou a cantarolar a música tema de
E o vento levou.
Ivy riu.  Sabia que  parecia  uma Scarlett  O‘Hara  coberta  por glitter. Mas  era o  vestido que a  sua mãe  tinha
escolhido especialmente para ela.
Suzanne não parava de cantarolar.
— Aposto que os olhos do Gregory se arregalaram quando ele viu o que você não está usando – disse Ivy à
amiga, esperando que, assim, ela calasse a boca. Suzanne estava usando um vestido preto, decotado, superjusto.
— Eu espero que sim.
—  E falando  no  diabo...  –  disse  Beth. –  Finalmente  te  achei, Ivy –  o tom  de Gregory  era quase  íntimo.
Suzanne virou– se para ele, que pegou no braço de Ivy. – Nossa presença é aguardada na mesa principal.
De  braços  dados, Ivy seguiu com ele, desejando  que  fosse  Suzanne em seu  lugar.  Sua  mãe viu  os  dois se
aproximarem, sorrindo para Ivy e seu vestido, que mais parecia um merengue de framboesa.
— Obrigada – disse Ivy quando Gregory puxou a cadeira para que se sentasse.
Ele sorriu para ela – o mesmo tipo de sorriso secreto que tinha visto pela primeira vez em uma competição
de  natação – , inclinou–  se, seu  lábios  ficaram  muito  próximos  do seu pescoço  e disse: –   O prazer  é  meu,
madame.
Ivy  sentiu  sua  pele  arrepiar–  se.  Ele  está  fazendo  joguinho,  disse  a  si  mesma.  Jogue  com  ele.  Desde  a
competição de natação, sempre a provocava e tentava ser amigo dela, e sabia que deveria dar a ele algum crédito
por isso; mas preferia o velho e frio Gregory.
Ela tinha entendido completamente sua postura fria quando chegou na escola. Sabia que deveria ter sido um
terrível choque quando ele descobriu que Maggie estava se mudando com sua prole do apartamento de Norwalk
para um que se pai havia alugado em Stonehill, e estava fazendo isso para iniciar os preparativos do casamento.
O romance de Andrew e Maggie começara há muitos anos. Mas romances eram romances, diziam as pessoas,
e  Andrew  e sua  mãe  faziam um  par  romântico  muito estranho –  o  presidente muito  rico  e  distinto  de uma
faculdade e sua esposa cabeleireira. Quem iria imaginar que, anos depois do caso de amor deles, anos depois de
Andrew ter se divorciado, ele e Maggie iriam oficializar o casamento?
Tinha  sido um choque  para  Ivy. Seu pai havia morrido  quando  ela era criança. Ela havia crescido vendo a
mãe ter um namorado atrás do outro, e pensou que seria sempre assim.
Ivy inclinou– se na mesa para dar uma olhada na mãe. Andrew olhou para ela e sorriu, em seguida deu uma
cotovelada de leve em sua nova esposa. Maggie sorriu para Ivy. Ela estava tão feliz. Anjo do Amor, rezou Ivy
silenciosamente, proteja a mamãe. Proteja a todos nós. Faça de nós uma família forte e amorosa.
— Será que eu preciso dizer que o seu glitter está caindo na sopa?
Ivy voltou– se para trás. Gregory sorriu e ofereceu um guardanapo a ela.
— Esse vestido ainda pode te meter em encrencas – provocou. – Quase deixou Tristan Carruthers cego.
Ivy  percebeu  que  estava corando.  Ela queria mostrar  para  o  Gregory  que  a  culpa era  do  Eric,  e  não... –
Coitadas das pessoas que serão servidas por ele hoje à noite. Ele e aquele outro atleta – disse Gregory, sorrindo.
– Espero que não sejamos nós.
Os dois deram uma olhada pelo salão.
Eu também, pensou Ivy, eu também.
Um pouco depois da chuva de legumes, o
maître
disse a Tristan que podia ir embora, e seria melhor que saísse
de lá imediatamente. Cansado e humilhado, teria adorado partir, mas tinha prometido dar uma carona para Gary.
Então, ficou perambulando pela cozinha até encontrar um depósito em que pudesse se esconder.
Estava escuro e tranqüilo por lá, as prateleiras estavam cheias de caixas e enlatados. Tristan tinha acabado de
se  acomodar  em uma  caixa de  papelão quando  ouviu um ruído atrás dele. Ratos,  pensou,  ou ratazanas. Não
estava nem aí. Tentou consolar– se, imaginando– se no alto de um pódio, ganhando o primeiro lugar, a bandeira
dos  Estados Unidos sendo hasteada ao som do hino nacional,  e Ivy assistindo  a tudo  pela  TV, triste  por ter
perdido a chance de ter saído com ele um dia.
— Sou um idiota – disse, segurando a cabeça com as mãos.
— Poderia ter qualquer garota que quisesse e...
Sentiu uma mão encostar suavemente em seu ombro.
Tristan  olhou para  cima e  viu  um  garoto pálido,  de  rosto triangular.  O  garoto,  que  parecia  ter oito anos,
estava todo arrumado, o nó da gravata bem feito, e o cabelo todo cheio de gel. Devia ser um dos convidados do
casamento.
— O que você está fazendo aqui? – Tristan quis saber.
— Será que você conseguiria arrumar um pouco de comida para mim? – perguntou o garoto.
Tristan franziu a testa, irritado por ter de dividir seu esconderijo, um lugar aconchegante para ficar chorando
as mágoas por causa de Ivy – Por que você mesmo não pega a sua comida?
— Eles vão me ver disse o garoto – disse o garoto.
— Mas eles também vão me ver!
O garoto fez uma cara de desapontamento. Seus olhos mostravam insegurança e havia um ruga no meio das
suas sobrancelhas.
Tristan usou um tom mais gentil. — Parece que eu e você estamos na mesma situação. Nos escondendo.
— Estou com muita fome. Não tomei café da manhã e nem almocei – disse o garoto.
Pela fresta da porta, Tristan via os outros garçons entrando e saindo. O jantar começava a ser servido.
— Pode ser que tenha algo no meu bolso – disse ao garoto, tirando do bolso um croquete de caranguejo
amassado,  alguns  camarões,  três  pedaços  de  aipo  recheados,  um  punhado  de  castanhas  e  um  alimento  não
identificado.
— Isso aí é sushi? –  perguntou o garoto.
— Agora você me pegou. Tudo isso aí caiu no chão e eu coloquei no meu bolso, e sei lá por onde é que esse
casaco andou, pois é alugado.
O garoto concordou com a cabeça e ficou examinando as opções que Tristan havia lhe oferecido. — Gosto
de camarão – disse, pegando um finalmente, cuspiu nele e depois limpou– o com os dedos. Fez isso com cada
camarão  que  pegou, fez  o mesmo  com o  croquete  de camarão  e o  aipo.  Tristan  ficou  imaginando  se ele  iria
cuspir em cada pedacinho de  castanha. Perguntou– se qual  teria sido  o problema daquela criança  para ela  ter
ficado o dia inteiro sem comer, escondida dentro de um quarto escuro.
— Então – disse Tristan. – Acho que você não deve gostar muito de casamento, não é?
O garoto olhou para ele. Depois, deu uma mordida no alimento não identificado.
— Você tem nome, garoto?
— Sim.
— O meu nome é Tristan. Qual é o seu?
O garoto deixou de lado a entrada não identificada e partiu para as castanhas. – O que eu queria mesmo era
jantar – disse. — Estou com muita fome.
Tristan olhou pela fresta.  Os garçons entravam e saíam apressadamente da cozinha. – Há muita gente lá –
disse.
— Você se meteu em encrencas? — perguntou o garoto.
— Uma encrenquinha. Nada sério. E você?
— Ainda não – disse o garoto.
— Mas você vai se meter?
— Assim que me encontrarem.
Tristan fez que sim com a cabeça. – Acho que você já percebeu que não pode ficar aqui para sempre.
O  garoto  semicerrou  os  olhos  e  começou  a  examinar  as  prateleiras  do  quarto  escuro,  como  se  estivesse
considerando seriamente ficar por lá.
Tristan gentilmente colocou a mão no braço do garoto. – Qual é o seu problema, amigão? Quer falar sobre
isso?
— Gostaria mesmo de jantar – disse o garoto.
— Está bem, está bem! – disse Tristan, irritado.
— E também gostaria de sobremesa.
— Você vai comer aquilo que eu conseguir pegar – repreendeu Tristan.
— Tudo bem – respondeu o garoto obedientemente.
Tristan suspirou. – Não liga para mim. Estou de mau humor.
— Eu não ligo – disse o garoto suavemente.
— Veja, amigão – disse  Tristan. –  Só um garçom na cozinha  e um monte de comida.  Você vem comigo?
Ótimo! Lá vão eles. Invasores, aos seus lugares, preparar...
— Onde está Philip? – perguntou Ivy.
Os convidados já estavam no meio do jantar quando ela percebeu que o seu irmão não estava sentado onde
deveria estar. – Vocês viram o Philip? – disse, levantando– se do seu lugar.
Gregory fez com que ela se sentasse de novo. – Eu não me preocuparia, Ivy. Provavelmente ele está fazendo
bagunça por aí.
— Mas ele não comeu nada o dia todo.
— Sendo assim, ele está na cozinha. – disse Gregory simplesmente.
Gregory não entendia. Seu irmãozinho estava ameaçando fugir de casa há semanas. Ela tinha tentado explicar
a Philip o que estava acontecendo e como seria bom eles se mudarem para uma casa grande com uma quadra de
tênis e vista para o rio, além de terem um irmão mais velho como Gregory. Ele não acreditou em nada do que
ela disse. Na verdade, nem mesmo Ivy acreditava.
Ela empurrou a cadeira, rápido demais para que Gregory pudesse interrompê– la, e correu para a cozinha.
— Vai fundo! – disse Tristan. Na caixa que estava no meio deles havia uma enorme quantidade de comida –
filé– mignon grelhado, camarão, vários tipos de legumes, saladas e pãezinhos de manteiga.
— Isso é bom demais! – disse o garoto.
— Bom demais? É um banquete‘. – disse Tristan. — Coma! Vamos precisar ser fortes para conseguir pegar a
sobremesa.
O garoto deu um sorrisinho que logo desapareceu.
— Quem meteu você em encrencas? — o garoto quis saber.
Tristan  terminou  de  mastigar  e  disse:  —  O
maître,
monsieur  Pompideau.  Estava  trabalhando  para  ele  e
derramei algumas coisas. Sabe como é, deixei as calças de algumas pessoas molhadas –  o garoto sorriu de novo,
dessa vez o sorriso foi maior.
— Você molhou as calças do Sr. Lever?
— Deveria ter feito isso? – Tristan perguntou.
O garoto fez que sim com a cabeça e seu rosto brilhou ao imaginar a cena.
— Bem, de qualquer forma, Pompideau falou que eu deveria servir coisas que não derramassem. Imagine só
que coisa!
—  Sabe  o  que  teria dito para  ele? –  disse  o  garoto.  A ruga  na sua sobrancelha  tinha  desaparecido, estava
engolindo a comida e falando com a boca cheia. Parecia muito melhor do que estava há 15 minutos.
— Teria dito: Vá servir na sua orelha!
— Boa ideia! — disse Tristan, pegando um pedaço de aipo. – Vá servir na sua orelha, Pompideau!
O garoto morreu de rir e Tristan quebrou o aipo ao meio.
— Vá servir na sua outra orelha, Pompideau! – disse o garoto.
Tristan pegou outro pedaço de aipo.
— Vá servir no seu cabelo, Diptidu! – gritou o garoto deixando– se levar pela brincadeira.
Tristan  pegou  um  pouco  de  salada  e  jogou  na  cabeça.  Só  então  percebeu  que  a  salada  tinha  molho  de
vinagrete.
O garoto jogou a cabeça para trás de tanto rir. — Vá servir no seu nariz, Dubidu!
Bem, por que não? — pensou Tristan. Ele já tinha tido oito anos uma vez, e ainda se lembrava o quanto os
garotos gostavam de caretas e melecas de nariz. Pegou dois camarões e colocou cada um deles na suas narinas,
deixando os rabinhos cor– de– rosa de fora.
O garoto quase caiu da caixa de tanto rir. — Vá servir nos seus dentes, Dubidu!
Colocou duas azeitonas pretas em cada um dos seus incisivos. — Vá servir no...
Tristan estava tão concentrado arrumando o aipo e os rabinhos de camarão que não percebeu que a fresta da
porta estava maior. Não viu quando o rosto do garoto se transformou. – Vá servir aonde, Dubidu?
Foi então que Tristan olhou para cima.

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