domingo, 9 de dezembro de 2012

Capítulo 3 ( Fallen)


Capítulo 3 Atraindo a Escuridão
      Luce serpenteou pelo frio e úmido corredor do dormitório em direção ao seu
quarto, arrastando a sua mochila vermelha Camp Gurid com a alça partida em sua
trilha. As paredes eram da cor de um quadro negro poeirento ― e todo o lugar era
estranhamente quieto, salvo pelo maçante zumbido das lâmpadas fluorescentes
suspensas no teto recuado manchado por gotas de água.
Principalmente, Luce estava surpresa em ver tantas portas fechadas. Lá em Dover,
ela sempre quis mais privacidade, um tempo das festas no corredor do dormitório
que duravam horas. Você não podia caminhar para o seu quarto sem se deparar
com uma reunião de garotas sentando de pernas cruzadas em jeans iguais, ou um
casal de lábios grudados pressionado contra a parede.
Mas na Sword & Cross... bem, ou todo mundo já havia começado os seus artigos de
trinta páginas... ou então a socialização aqui era mais do tipo atrás-das-portas.
Falando nisso, as portas fechadas era um sinal a ser notado. Se os alunos da Sword
& Cross eram cheios de recursos com as violações do código de vestimentas, eles
eram completamente engenhosos quando o assunto era personalizar seus espaços.
Luce já havia caminhado por uma porta moldurada por uma cortina de contas, e
uma outra com um tapete de detecção de movimento que a encorajava a ― dar o
fora dali ― quando ela passou por ele.
Ela parou na única porta em branco do prédio. Quarto 63. Lar, amargo lar. Ela
tateou em seu bolso a procura de suas chaves no bolso da sua mochila, respirou
profundamente e abriu a porta da sua cela.
      Exceto que não era terrível. Ou talvez não fosse tão terrível como ela
imaginava. Havia uma janela de um tamanho decente que se abria para deixar
entrar um ar noturno menos sufocante. E além das barras de metal, a vista da
porção da luz da lua era na verdade algo interessante, se ela não pensasse muito
sobre o cemitério que ficava embaixo dela. Ela tinha um closet e uma pequena pia,
uma mesa para fazer seus trabalhos ― pensando nisso, a coisa mais triste no quarto
foi o vislumbre que Luce capturou de si mesma no espelho de corpo inteiro atrás da
porta.
Ela rapidamente desviou a visão, sabendo bem demais o que ela ia encontrar em
seu reflexo. Seu rosto parecendo apertado e sonolento. Seus olhos castanhos
salpicados com estresse. Seu cabelo como o pêlo do poodle toy histérico da sua
família após uma tempestade. O suéter de Penn caía nela como um pano de saco.
Ela estava tremendo. Suas aulas da tarde não haviam sido melhores do que as da
manhã, devido principalmente ao fato de seu maior medo ter se tornado realidade:
Toda a escola já havia começado a chamá-la de Bolo de Carne. E infelizmente,
muito como seu homônimo, o apelido parecia que ia grudar.
Ela queria desfazer as malas, transformar o genérico quarto 63 em seu próprio
lugar, para onde ela podia ir quando precisava fugir e se sentir bem. Mas ela
somente conseguiu abrir o zíper da sua mochila antes de entrar em colapso na
cama descoberta, derrotada. Ela se sentia tão longe de casa. Só levava vinte e dois
minutos de carro para sair das dobradiças soltas da porta traseira caiada da sua casa
para os portões de ferro forjado enferrujado da Sword & Cross, mas poderia muito
bem levar vinte e dois anos.
     Pela primeira metade da silenciosa viagem com seus pais essa manhã, a
vizinhança parecera praticamente a mesma: subúrbio sulista de classe média
adormecido. Mas então a rua foi sobre a marginal em direção à praia, e o terreno
ficou mais e mais alagadiço. Um aumento de árvores de mangue marcava a entrada
na terra úmida, mas logo até essas diminuíram. Os últimos dezesseis quilômetros
até a Sword & Cross foram sombrios. Castanho acinzentado, inexpressivo,
abandonado. Lá em casa, Thunderbolt, as pessoas da cidade sempre brincavam
sobre o estranho, memorável e embolorado fedor por aqui: Você sabia que estava
nos pântanos quando o seu carro começava a feder a lama.
Mesmo Luce tendo crescido em Thunderbolt, ela não estava familiarizada com a
parte mais oriental do condado. Quando criança, ela sempre simplesmente
presumira que era por nunca ter razão para vir aqui ― todas as escolas, lojas, e
todos que sua família conhecia estavam do lado oeste. O lado leste era
simplesmente menos desenvolvido. Só isso.
Ela sentia falta dos seus pais, que grudaram um Post-it na primeira camisa da mala
Nós te amamos! Os Price nunca quebram. Ela sentia saudade do seu quarto, que
tinha vista para a plantação de tomates do seu pai. Ela sentia saudade de Callie, que
devia ter certamente mandando umas dez mensagens que nunca serão vistas.
Sentia saudades de Trevor...
      Ou, bem, não era exatamente isso. O que ela tinha saudades era do modo
como a vida era quando ela começou a falar com Trevor pela primeira vez. Quando
ela tinha alguém em quem pensar se ela não conseguia dormir à noite, o nome de
alguém para rabiscar como uma boboca dentro dos cadernos dela. A verdade era
que Luce e Trevor nunca realmente tiveram a chance de se conhecer bem. A única
lembrança que ela tinha era uma foto tirada pela Callie secretamente, do outro lado
do campo de futebol, entre dois dos seus conjuntos de pesos, quando ele e Luce
conversaram por quinze segundos sobre... seus conjuntos de pesos. E o único
encontro que ela realmente teve como ele não foi exatamente um encontro real ―
só uma hora roubada quando ele a afastou do resto da feMiss Uma hora que ela se
arrependeria pelo resto de sua vida.
Havia começado inocente o suficiente, somente duas pessoas caminhando pelo
lago, mas não demorou muito antes de Luce começar a sentir as sombras sobre a
sua cabeça. Então os lábios de Trevor tocaram os seus, e o calor caiu sobre seu
corpo, os olhos dele ficaram brancos de terror... e segundos depois a vida como ela
conhecia fora embora em uma labareda.
Luce virou-se e enterrou seu rosto na curva do seu braço. Ela passou meses em luto
pela morte de Trevor, e agora, deitada nesse quarto estranho, com as barras de
metal cavando em sua pele através do fino colchão, ela sentiu a egoísta futilidade
disso tudo. Ela não conhecia Trevor mais do que ela conhecia... bem, Cam.
Uma batida em sua porta fez Luce pular da cama. Como alguém poderia saber
como encontrá-la aqui? Ela andou nas pontas dos pés até a porta e a puxou até
abrir. Então ela colocou a sua cabeça no vazio corredor. Ela não havia nem ao
menos ouvido passos ali fora, e não havia sinal de alguém ter acabado de bater.
      Exceto pelo avião de papel preso com um alfinete com uma tacha de latão no
centro do quadro ao lado de sua porta. Luce sorriu ao ver seu nome escrito em
caneta preto ao longo da asa, mas quando ela desdobrou o bilhete, tudo que estava
escrito dento era uma seta negra apontando diretamente para o corredor.
Arriane havia convidado-a para essa noite, mas isso havia sido antes do incidente
com Molly na cafeteria. Olhando para o corredor vazio, Luce questionou-se sobre
seguir a seta enigmática. Então ela olhou sobre o seu ombro para a sua gigante
bolsa de pano duro, sua festa de auto-piedade a aguardando para ser desfeita. Ela
deu de ombros, fechou a porta, colocou a chave do seu quarto em seu bolso, e
começou a caminhar.
Ela parou em frente a uma porta do outro lado do corredor para checar um pôster
gigante de Sonny Terry, um músico cego que ela sabia, pela coleção arranhada de
vinis de seu pai, que era um incrível tocados de gaita de blues. Ela se inclinou para
frente para ler o nome no quadro e percebeu com surpresa que estava em frente a
porta do quarto de Roland Sparks. Imediatamente, irritantemente, havia uma
pequena parte do seu cérebro que começou a calcular as chances de que Roland
podia estar passando o tempo com Daniel, com apenas uma fina porta os
separando de Luce.
Um zumbido mecânico fez Luce pular. Ela olhou diretamente para uma câmera de
vigilância pregada acima da porta de Roland. Os vermelhos. Dando zoom em cada
um dos seus movimentos. Ela se encolheu, embaraçada por razões que nenhuma
câmera seria capaz de discernir. De todo modo, ela tinha vindo aqui para ver
Arriane ― cujo quarto, ela percebeu, pelo jeito era do outro lado do corredor em
frente ao quarto de Roland.
Em frente ao quarto da Arriane, Luce sentiu uma pequena pontada de doçura.
Toda a porta estava lotada por adesivos - uns impressos, outros obviamente
caseiros. Havia tantos que eles se sobrepunham, cada slogan semi cobrindo e
geralmente contradizendo o que o de cima dizia. Luce riu baixinho imaginando
Arriane coletando adesivos indiscriminadamente: (PESSOAS MÁS SÃO DEMAIS...
MINHA FILHA É UMA ESTUDANTE NOTA ZERO NA SWORD & CROSS... VOTE NÃO
NA PROPOSIÇÃO 666) e então colando-os com um foco casual ― mas
comproMissado ― em seu território.
Luce podia ter ficado entretida por uma hora lendo a porta de Arriane, mas logo ela
se sentiu consciente de que estava em frente a um quarto de dormitório que ela
estava somente meia certa de que havia sido convidada. Então ela viu um segundo
avião de papel. Ela tirou-o do quadro e desdobrou a mensagem:
Minha Querida Luce,
Se você realmente apareceu para sairmos hoje à noite, parabéns! Nós vamos nos dar
tããão bem!
Se você me deu um bolo, então... tire as suas garras da minha carta privada, ROLAND!
Quantas vezes eu tenho que te dizer isso? Jesus.
De qualquer modo: eu sei que disse pra você passar aqui essa noite, mas eu tive que
correr da estação de descanço e recuperação na enfermaria (a cereja em cima do bolo
do meu tratamento de arma de choque hoje) para fazer uma revisão de biologia com a
Albatroz. Ou seja, fica para a próxima?
Sua psicoticamente, A.
Luce ficou com a carta nas mãos, incerta sobre o que fazer a seguir. Ela estava
aliviada por Arriane estar sendo cuidada, mas ela ainda desejava poder ver a garota
pessoalmente. Ela queria ouvir a indiferença na voz dela, então ela saberia como
sentir-se sobre o que houve na lanchonete. Mas estando ali no corredor, Luce
estava cada vez mais incerta sobre como processar os eventos do dia. Um pequeno
pânico a invadiu quando ela percebeu que estava sozinha, depois da escuridão, na
Sword & Cross.
     Atrás dela, uma porta abriu-se. Uma fatia de luz apareceu no chão abaixo do
seu pé. Luce ouviu música sendo tocada dentro do quarto.
― O que cê tá fazendo? ― Era Roland, parado no vão da sua porta com uma camisa
branca e jeans rasgados. Seus dreads estavam presos em um elástico amarelo
acima da sua cabeça e ele segurava uma gaita nos lábios
― Eu vim ver Arriane, ― Luce disse, tentando controlar-se para olhar através dele
se havia alguém mais no quarto. ― Nós íamos— ―
― Ninguém está em casa, ― Ele disse, obscuramente. Luce não sabia se ele queria
dizer Arriane, ou todas os outros no dormitório, ou o que. Ele assoprou algumas
notas na gaita, mantendo seus olhos nela o tempo todo. Então ele abriu a porta um
pouquinho mais e ergueu suas sobrancelhas. Ela não conseguia afirmar se ele
estava ou não convidando-a para entrar.
― Bem, eu só estava passando a caminho da biblioteca, ― ela mentiu rapidamente,
virando-se para o caminho de onde ela havia vindo. ― Há um livro que eu preciso
emprestar. ―
― Luce. ― Roland chamou.
Ela se virou. Eles não haviam se conhecido ainda oficialmente, e ela não esperava
que ele soubesse o seu nome. Seus olhos relampejaram um sorriso para ela e ele
usou a gaita para indicar a direção opoMiss ― A biblioteca é para lá, ― ele disse. Ele
cruzou os braços sobre o tórax. ― Tenha certeza de checar as coleções especiais da
parte leste. Elas são realmente algo. ―
      ― Obrigada, ― Luce disse, sentindo-se realmente grata enquanto ela mudava
de direção. Roland parecia tão real ali, acenando e tocando algumas notas na sua
gaita enquanto ela saía. Talvez ele só tenha feito-a sentir-se nervosa mais cedo por
ela ter pensado nele como amigo do Daniel. Pelo que ela sabia, Roland podia ser
uma boa pessoa. Seu humor se elevou enquanto ela caminhava pelo corredor.
Primeiro a carta de Arriane havia sido impertinente e sarcástica, depois ela teve um
encontro não-estranho com Roland Sparks; além do mais, ela realmente queria dar
uma olhada na biblioteca. As coisas estavam ficando boas.
Perto do fim do corredor, onde o dormitório fazia uma curva na direção da ala da
biblioteca, Luce passou pela única porta meio aberta do corredor. Não havia
nenhum estilo de decoração nessa porta, mas alguém tinha pintado-a
completamente de preto. À medida que ela se aproximava, Luce podia ouvir o
heavy metal raivoso tocando lá dentro. Ela nem teve que parar para ver o nome na
porta. Era a Molly.
Luce acelerou os seus passos, de repente ciente de cada barulho da sua bota preta
de montaria no linóleo. Ela não havia percebido que tinha prendido a respiração até
ela passar pelas portas de madeira com pontas de ferro da biblioteca e exalado.
Um sentimento quente envolveu Luce à medida que ela olhou ao redor da
biblioteca. Ela sempre amou o fraco e doce cheiro bolorento que só uma sala cheia
de livros cheirava. Ela se sentiu confortável com o leve e ocasional som das páginas
sendo viradas. A biblioteca de Dover havia sido sempre o seu refúgio, e Luce se
sentiu quase oprimida de alívio ao perceber que essa poderia oferecer-lhe a mesma
sensação de um santuário. Ela dificilmente podia acreditar que este lugar pertencia
a Sword & Cross. Isso era quase... era na verdade... convidativo.
    As paredes eram de um mogno profundo e os tetos eram altos. Uma lareira
com um console de tijolo descansava em uma parede. Havia longas mesas de
madeira iluminadas por lamparinas verdes antiquadas, e corredores de livros que
continuavam mais longe do que ela conseguia ver. O som de suas botas foi abafado
por um grosso tapete Persa enquanto Luce vagava pela entrada.
Alguns estudantes estavam estudando, nenhum que Luce conhecesse pelo nome,
mas até mesmo os com sua aparência mais punk pareciam menos ameaçadores
com suas cabeças curvadas sobre os livros. Ela se aproximou da mesa circular
principal, que era uma estação grande e redonda no centro da sala. Estava com
pilhas de papéis e livros espalhados e tinha uma bagunça acadêmica caseira que
lembrava Luce da casa de seus pais. Os livros estavam empilhados tão alto que
Luce quase não viu a bibliotecária sentada atrás dela. Ela estava extirpando uma
papelada com a energia de alguém separando o ouro. Sua cabeça levantou à
medida que Luce se aproximou.
 ― Olá! ― A mulher sorriu ― ela realmente sorriu ― para Luce. Seu cabelo não era
cinza, mas sim prata, com um tipo de brilho que cintilava até mesmo na suave luz
da biblioteca. Seu rosto parecia velho e novo ao mesmo tempo. Ela tinha uma pele
pálida, quase incandescente, olhos pretos brilhantes e um pequenino e pontudo
nariz. Quando ela falou com Luce, ela empurrou as mangas de seu suéter branco de
casimira, expondo amontoados e amontoados de braceletes de pérola decorando
ambos seus pulsos. ― Posso ajudá-la a achar algo? ― ela perguntou em um sussurro
feliz.
Luce se sentiu imediatamente à vontade com essa mulher, e espiou a placa
identificadora em sua mesa. Sophia Bliss. Ela desejou realmente ter um pedido
bibliotecário. Essa mulher era a primeira figura de autoridade que ela tinha visto o
dia todo cuja ajuda ela realmente iria querer procurar. Mas ela só estava
perambulando aqui... e então ela de lembrou do que Roland Sparks dissera.
      ― Sou nova aqui, ― ela explicou. ― Lucinda Price. Você poderia me dizer onde
fica a ala leste? ―
A mulher deu a Luce um sorriso do tipo você-parece-uma-leitora que Luce vinha
recebendo de bibliotecários sua vida toda. ― Bem por ali, ― ela disse, apontando na
direção de uma fileira de janelas altas no outro lado do cômodo. ― Eu sou a Miss
Sophia, e se a minha lista de plantão está correta, você está no meu seminário de
religião nas terças e quintas. Ah, vamos nos divertir! ― Ela piscou. ― Enquanto isso,
se precisar de qualquer outra coisa, estou aqui. Foi um prazer te conhecer, Luce. ―
Luce sorriu em agradecimento, disse alegremente à Miss Sophia que ela a veria
amanhã na sala, e começou a ir na direção da janela. Foi sé depois de ter deixado a
bibliotecária que ela se perguntou sobre o jeito estranho e íntimo pela qual a
mulher lhe havia chamado por seu apelido.
Ela tinha acabado de passar pela área de estudo principal e estava passando pelas
altas e elegantes estantes de livros quando algo sombrio e macabro passou por sua
cabeça. Ela olhou para cima.
Não. Aqui não. Por favor. Deixe-me ter só esse lugar.
Quando as sombras vinham e iam, Luce nunca tinha certeza absoluta onde elas
acabavam ― ou por quanto tempo elas ficariam longes.
Ela não conseguia entender o que estava acontecendo agora. Algo estava diferente.
Ela estava apavorada, sim, mas ela não sentia frio. De fato, ela se sentia um
pouquinho corada. A biblioteca estava quente por causa do fogo, mas não estava
tão quente. E então seus olhos caíram em Daniel.
      Ele estava encarando a janela, suas costas para ela, inclinando-se sobre um
palanque que dizia COLEÇÕES ESPECIAIS em letras brancas. As mangas de sua
jaqueta de couro gasta estavam empurradas para cima em torno dos seus
cotovelos, e seu cabelo loiro brilhava sob as luzes. Seus ombros estavam curvados,
e novamente, Luce teve o instinto de se dobrar dentro deles. Ela tirou isso de sua
cabeça e ficou na ponta dos pés para dar uma olhada melhor nele. Daqui, ela não
conseguia ter certeza, mas parecia que ele estava desenhando algo.
Enquanto ela observava o ligeiro movimento de seu corpo enquanto ele desenhava,
o interior de Luce parecia que estava queimando, como se ela tivesse engolido algo
quente. Ela não conseguia entender porque, contra toda a razão, ela tinha essa
premonição selvagem de que Daniel estava desenhando-a.
Ela não devia ir até ele. Afinal,ela nem ao menos conhecia ele, nunca tinha nem ao
menos falado com ele. Sua única comunicação por enquanto tinha incluído um
dedo do meio e um par de olhares feios. Ainda assim, por alguma razão, parecia
muito importante para ela que ela descobrisse o que estava no bloco de desenho.
Então ela se tocou. O sonho que ela tinha tido na noite anterior. O relampejo breve
dele voltou para ela de repente. No sonho, tinha sido tarde da noite ― úmido e frio,
e ela estava vestida em algo longo e flutuante. Ela se inclinou contra uma janela
com cortina em uma sala estranha. A única outra pessoa ali era um homem... ou um
garoto ― ela nunca conseguiu ver seu rosto. Ele estava desenhando a
representação dela num bloco grosso de papel. Seu cabelo. Seu pescoço. O traçado
preciso de seu perfil. Ela ficou de pé atrás dele, assustada demais para deixá-lo
ciente de que ela estava observando, intrigada demais para se virar.
Luce deu um saculejo para frente enquanto sentiu algo apertar a parte detrás de
seu ombro, então flutuar sobre sua cabeça. A sombra tinha ressurgido. Era negra e
tão grossa quanto uma cortina.
     O martelar de seu coração ficou tão alto que encheu seus ouvidos, bloqueando
o farfalhar sombrio da sombra, bloqueando o som de seus passos. Daniel olhou por
cima de seu trabalho e pareceu levantar seus olhos para exatamente onde a sombra
pairava, mas ele não se assustou do jeito que ela tinha se assustado.
É claro, ele não conseguia vê-las. Seu foco estava fixo calmamente do lado de fora
da janela.
O calor dentro dela ficou mais forte. Ela estava próxima o bastante agora que ela
sentia que ele era capaz de sentir ele saindo de sua pele.
O mais silenciosamente que pode, Luce tentou espiar seu caderno sobre seu
ombro. Por apenas um segundo, sua mente viu a curva de seu próprio pescoço nu
desenhado em lápis no papel. Mas então ela piscou, e quando seus olhos se fixaram
novamente no papel, ela teve que engolir em seco.
Era uma paisagem. Daniel estava desenhando a vista do cemitério do lado de fora
da janela detalhadamente quase perfeitamente. Luce nunca havia visto algo que a
deixara tão triste.
Ela não sabia porquê. Era maluco –até mesmo para ela ― esperar que sua intuição
bizarra virasse realidade. Não havia razão para Daniel desenhá-la. Ela sabia disso.
Exatamente como ela soubera que não havia razão alguma para ele mostrar-lhe o
dedo do meio essa manhã. Mas ele tinha.
 ― O que você está fazendo aqui? ― ele perguntou. Ele tinha fechado seu caderno e
estava olhando para ela solenemente. Seus lábios cheios estavam fixos numa linha
reta e seus olhos cinzas pareciam opacos. Ele não parecia nervoso, para variar; ele
parecia exausto.
      ― Eu vim pegar um livro das Coleções Especiais, ― ela disse em uma voz
vacilante. Mas a medida em que ela olhava ao redor, ela percebeu rapidamente seu
erro. Coleções Especiais não era uma seção de livros ― era uma área aberta na
biblioteca para uma amostra de arte sobre a Guerra da Secessão. Ela e Daniel
estavam parados em uma minúscula galeria de bustos de bronze de herois da
guerra, caixas de vidro cheias com velhas notas proMissórias e mapas da
Confederação. Era a única sessão da biblioteca em que não havia um único livro
para emprestar.
 ― Boa sorte com isso, ― Daniel disse, abrindo seu caderno de desenho novamente,
como se para dizer, preventivamente, adeus.
Luce ficou sem saber o que falar e envergonhada e o que ela gostaria de ter feito era
ter escapado. Mas então, havia as sombras, ainda espreitando perto, e por alguma
razão, Luce se sentia melhor em relação a elas quando ela estava próxima de
Daniel. Não fazia sentido ― como se houvesse algo que ele pudesse fazer para
proteger ela delas.
Ela estava presa, enraizada em seu lugar. Ela olhou para ela e suspirou.
 ― Deixe eu te perguntar, você gosta quando é espreitada? ―
Luce pensou nas sombras e o que elas estavam fazendo agora com ela. Sem pensar,
ela balançou sua cabeça violentamente.
 ― Está bem, então somos dois. ― Ele limpou sua garganta e encarou-a,
escancarando o fato de que ela era a intrusa.
Talvez ela pudesse explicar que estava se sentindo um pouco tonta e só precisava se
sentar por um minuto. Ela começou a dizer, ― Olha, posso– ―
Mas Daniel pegou seu caderno de desenho e ficou de pé. ― Eu vim aqui para
escapar, ― ele disse, cortando-a. ― Se você não vai embora, eu vou. ―
Ele enfiou seu caderno de desenho em sua mochila. Quando ele passou, seu ombro
roçou no dela. Por mais breve que o toque tenha sido, mesmo através de camadas
de roupas, Luce sentiu um choque de estática.
      Por um segundo, Daniel ficou parado, também. Eles viraram suas cabeças para
olhar de volta um para o outro, e Luce abriu sua boca. Mas antes que ela pudesse
falar, Daniel tinha virado e estava andando rapidamente na direção da porta. Luce
observou enquanto as sombras espreitaram sobre sua cabeça, serpentearam,
fazendo um círculo, então se apressaram para fora da janela para a noite.
Ela estremeceu no frio do rastro delas, e por um longo tempo após isso, ficou
parada na área de coleções especiais, tocando seu ombro onde Daniel tinha,
sentindo o calor esfriar.

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