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Lacey voltou a encontrar Tristan naquela tarde. Ela o
chamou, assustando– o quando andava pelo cume da
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montanha. Olhou para cima e a viu sentada em uma
árvore.
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– Bela vista, não é mesmo? – disse Lacey.
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Tristan concordou com a cabeça e olhou novamente para
a ladeira coberta de pedras. O terreno tinha uma
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queda íngreme de cerca de 600 a 900 metros. Lembrava–
se de ter visto uma vez, no começo da primavera, os
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trilhos prateados e o teto da estação de trem lá
embaixo, no vale, mas agora tudo estava escondido. Dava para
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ver apenas pequenos trechos azuis do rio em meio às
árvores. – Não sei por que me sinto sempre atraído para
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esse lugar.
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Lacey inclinou a cabeça. – Tenho certeza de que não
tem nada a ver com o fato de Ivy morar aqui – disse
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sarcasticamente.
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– Como você
sabe sobre Ivy?
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A garota desceu da árvore com a mesma agilidade de um
gato.
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– Li sobre ela,
é claro – Lacey caminhou ao lado dele. – Li tudo sobre o acidente. Tenho o
hábito de passar
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pela estação toda manhã para ler o jornal com os
viajantes. Não gosto de ficar sem saber as últimas fofocas.
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Além disso, me ajuda a saber a data correta.
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– Hoje é
sábado, dez de julho – disse Tristan.
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– Pénn! –
imitou o som de uma campainha de jogos quando a pessoa erra a resposta e
arrancou um galho
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de árvore. – Terça–
feira, doze de julho.
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– Não pode ser
– disse Tristan. Esticou o braço, mas não consegui arrancar a folha, muito
menos um galho.
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– Você foi pego
pela escuridão nos últimos dias?
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– Ontem à noite
– respondeu.
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– Está mais
para três noites atrás. Isso vai acontecer, mas você vai acabar ganhando
força e precisando cada
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vez menos de descanso. Exceto, é claro, quando fizer
coisas complicadas.
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– Coisas
complicadas. Tipo o quê?
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Esperou até que estivesse prestando atenção totalmente
nela e disse: – Olhe para mim.
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– O que você
acha que estou fazendo?
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– Vá um pouco
para trás e olhe com mais atenção. O
que está faltando em mim?
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– Você promete
não puxar meu cabelo?
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Olhou com cara feia para ele. Era uma boa careta, mas
não durou muito tempo. – Ela estava só atuando.
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– Olhe para
aquela gata.
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Ele olhou por cima dos ombros. – Ella!
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– Olhe para a
grama ao lado da gata e olhe para a grama ao meu lado.
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Então, percebeu. – Você não tem sombra.
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– Nem você.
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– Você está
falando alto. Reconheci o som e vi Ella virar as orelhas na sua direção.
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– Agora veja a
grama atrás de mim – disse, fechando os olhos.
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Lentamente, como água gotejando pelo gramado, sua
sombra começou a tomar forma. Ao mesmo tempo,
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com a mesma lentidão, ela perdia a sua capacidade de
brilhar. Ella andou ao redor dela cuidadosamente uma vez,
|
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duas vezes. Depois, esfregou– se na perna d Lacey e
não caiu.
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– Você está
sólida! Sólida! Qualquer um pode ver você! Ensine– me a fazer isso. Se puder
ficar sólido, Ivy
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vai me ver, ela vai saber que estou aqui por causa
dela, vai saber que...
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– Epa! –
interrompeu Lacey e sua voz projetada começou a diminuir. – Já já eu volto.
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Sua sombra desapareceu e ela também – completamente.
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– Lacey? – chamou Tristan, girando o corpo. – Lacey,
onde está você? Você está bem?
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– Só estou
cansada – a voz dela era fraca. Seu corpo apareceu novamente, mas era quase
translúcido.
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Tristan andava de um lado para o outro, olhando para
ela com preocupação.
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De repente, espreguiçou– se voltando a ser ela mesma
novamente. – É assim – disse. – Para anjos
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temporários,
como eu e você, querido, é preciso toda energia que temos e muita
experiência para se materializar
|
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completamente. Para falar ao mesmo tempo, bem, só um
profissional faz isso.
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– Ou seja,
você.
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– Em geral só
materializo uma parte de mim, como meus dedos, quero fazer alguma coisa –
puxar cabelos
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ou jogar para o alto a crítica de um filme.
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– Me ensine! –
disse Tristan desesperadamente. – Por favor, me ensine como fazer isso.
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– Talvez.
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Tinham ido parar em um lugar que dava vista completa
para a parte de trás da casa. Tristan olhou para a
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janela do sótão, a que dava para a sala de música de Ivy.
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– Então, é aqui
que a moça mora. Creio que deveria achar revigorante ver um cara se fazer
completamente
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de bobo por causa de uma garota.
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Viu de longe os lábios de Lacey se contorcerem.
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– Não sei por
que você deviria pensar muito sobre qualquer coisa. Isso não tem nada a ver
com você. Você
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vai me ensinar?
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– Ah, por que
não? Tenho tempo sobrando.
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Esconderam– se por entre as árvores, sentando– se,
Ella os seguia lentamente. Lacey começou a acariciar a
|
|
gata e Ella a recompensou com um pequeno, porém
educado, ronronado. Quando Tristan olhou de perto, pôde
|
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ver que as pontas dos dedos dela não brilhavam,
pareciam bem sólidas.
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– Tudo o que
requer é concentração. Intensa concentração. Olhe para as pontas dos seus
dedos. Olhe para
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|
elas como uma maneira de manter o foco. Quase
desejando que ganhem vida.
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Tristan esticou a mão na direção de Ella. Tentou
deixar a mente livre de tudo, focando apenas nas pontas de
|
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seus dedos. Sentiu uma leve sensação de formigamento,
o tipo de sensação que costumava sentir quando seu
|
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braço dormia. A sensação ficou cada vez mais forte em
seus dedos. Depois, sentiu a mesma coisa em sua cabeça,
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mas não gostou dessa sensação. Começou a ficar fraco.
Seu corpo todo, menos seus dedos, parecia estar
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derretendo. Recuou.
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Lacey morreu de rir. – Perdeu a coragem.
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– Vou tentar de
novo.
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– Melhor
descansar um pouco.
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– Não preciso
descansar!
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Depois de ser forte e esperto a vida toda, professor
de natação, monitor de matemática, aceitar ter aulas com
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essa sabe– tudo sobre como afagar um gato era
humilhante!
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– Parece que
não sou a única aqui com o ego do tamanho do mundo – observou Lacey com satisfação.
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Tristan ignorou o comentário. – O que está acontecendo
comigo? – perguntou.
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– Toda sua
energia foi reenviada para as pontas dos seus dedos, fazendo com que o
restante enfraqueça,
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como se você estivesse dissolvendo, ou algo assim.
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Ele concordou com a cabeça.
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– Assim que você adquirir mais força, isso não será
problema. Se você algum dia chegar ao ponto de se
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materializar por inteiro, projetando sua voz, embora,
francamente, duvide que aconteça, você aprenderá a sugar
|
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a energia do ambiente. É o que eu faço, sugo, bem ali.
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– Você fala
como se fosse um alienígena em um filme de terror ou ficção científica.
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Ela concordou com a cabeça –
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Lips of Planet Indigo
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. Sabe, cheguei bem perto de ganhar um Oscar nesse
filme.
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Engraçado, Tristan se lembrava desse filme como um
fracasso de bilheteria.
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– Quer tentar
novamente?
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Tristan esticou o braço. De certa forma, era como
encontrar o pulso, como deitar na cama para ouvir seu
|
|
próprio batimento cardíaco: de repente, tomou consciência
da energia que caminhava pelo seu corpo e a
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direcionou, dessa vez de forma mais calma e tranqüila,
para a ponta de seus dedos. Eles pararam de brilhar.
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Então, pôde senti– la. Seu pelo macio, sedoso e
profundo. Ella começou a ronronar mais alto enquanto ele
|
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passava a mão nas partes do corpo em que ela mais
gostava de ser acariciada. Quando passou a mão na sua
|
|
barriga o
motor dentro dela parecia mais
alto do que a hélice de um avião pequeno.
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Então, perdeu o toque. A luz do sol tornou– se cinza.
Ella parou de ronronar. Tudo o que conseguiu fazer
|
|
foi ficar parado e esperar, sugando o ar ao redor como
alguém faz para tentar recuperar o fôlego, apesar de não
|
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ter nenhum.
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A cor voltou à grama e às árvores. O céu voltou a
ficar azul. Apenas Ella, ficando de pé e fungando, dava
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|
sinais de que havia alguma coisa errada.
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Tristan virou– se para Lacey, exausto. – Não vou
conseguir tocá– la. Se isso é tudo que consigo fazer, não
|
|
vou conseguir tocá– la.
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– Está falando
da garota de novo?
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– Você sabe o
nome dela?
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– Ivy. Símbolo
de fé e de redenção. Há alguma mensagem que quer dar a ela?
|
|
– Tenho que
convencê– la do meu amor.
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|
– Só isso? –
Lacey fez uma cara. – Só isso?
|
|
– Essa
provavelmente é a minha missão.
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|
– Ah, por– fa–
vor!
|
|
– Sabe, estou
ficando bem cansado do seu sarcasmo.
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|
– Eu também não
curto muito a sua idiotice. Tristan, você é bem ingênuo se acha que o Diretor
Número
|
|
Um ia se dar ao trabalho de fazer de você um anjo só
para que pudesse convencer uma garota sobre seu amor.
|
|
As missões nunca são simples assim, nunca são tão
fáceis.
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Queria briga com ela, mas ela tinha parado com a
encenação melodramática. Estava séria.
|
|
– Ainda não
entendi. Como devo saber qual é a minha missão?
|
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– Você observa.
Ouve. Fica próximo das pessoas pelas quais se sente atraído, pois
provavelmente são as
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|
pessoas para as quais você foi mandado de volta para
ajudar.
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|
Tristan começou a imaginar quem na sua vida parecia
precisar de ajudar.
|
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– É tipo como ser detetive. A dica é não se focar em
quem fez, mas em
|
|
quem– fez– o– quê
|
|
. Com freqüência,
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|
você não sabe qual é o problema que tem de
resolver. Às vezes, o problema ainda
nem aconteceu, você tem que
|
|
salvar a pessoa de algum desastre que vai acontecer no
futuro.
|
|
– Você está
certa. Não é simples.
|
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Passaram pela quadra de tênis e dirigiram– se para a
frente da casa. Ella, que os estava seguindo, passou na
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|
frente deles e subiu os degraus.
|
|
– Mesmo que
algo desse tipo aconteça no futuro, à chave está sempre escondida em seu
passado.
|
|
Felizmente, não é difícil viajar no tempo.
|
|
Tristan arqueou as sobrancelhas. – Viajar no tempo?
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Lacey sentou no carro de Gregory, que estava
estacionado na garagem.
|
|
– Viajar no
tempo na sua mente, quero dizer. Há muitas coisas das quais nos esquecemos se
pensarmos
|
|
somente no presente. Podem haver pistas às quais não
prestamos atenção no passado, mas ainda estão lá e
|
|
podem ser encontradas novamente, se voltarmos no tempo
em nossas mentes.
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Enquanto falava, Lacey se espreguiçou no capô da BMW.
Para Tristan, ela parecia a Morticia Addams
|
|
fazendo um anúncio de carro.
|
|
– Talvez eu te
ensine a viaja no tempo também. É claro que viajar no tempo, na mente de
outra pessoa, não
|
|
é algo que um amador como você consiga fazer. Tudo
isso é muito perigoso – acrescentou. – Ah, anime– se
|
|
Chorão!
|
|
– Não estou prá
baixo. Só estou pensando.
|
|
– Então, olhe
pra cima.
|
|
Tristan olhou para a porta da frente. Ivy estava lá,
olhando em direção à garagem, como se estivesse
|
|
esperando alguém.
|
|
–
|
|
Esta é a minha dama! Oh, eis o meu amor! Se ela o
pudesse saber
|
|
! – disse Lacey.
|
|
Tristan não tirava os olhos Ivy. – O quê?
|
|
– Romeu e
Julieta, ato dois, cena dois. Fiz um teste para essa peça, sabia? Para
Shakespeare no Parque. O
|
|
diretor de elenco me queria.
|
|
– Legal – disse
Tristan sem prestar atenção. Queria que ela o deixasse sozinho agora. Tudo o
que queria era
|
|
estar sozinho, para se alegrar com a presença de Ivy,
Ivy saindo na varanda, Ivy com seus cabelos dourados
|
|
movimentando– se graciosamente no alto da escada para
pegar Ella.
|
|
– O diretor
disse que meu talento era o tipo pelo qual as pessoas morriam.
|
|
– Demais! – disse Tristan. Se os gatos pudessem falar,
pensou. Diga a ela, Ella, diga o que você sabe.
|
|
– O produtor,
uma pessoa que não entende a verdadeira arte, queria algu m que tivesse um
rosto mais
|
|
clássico , algu m que não tivesse um sotaque tão nova
– iorquino.
|
|
Ivy ainda estava de pé na varanda, fazendo carinho em
Ella e olhando na direção dele. Talvez ela ainda
|
|
– Esse produtor está em Nova York por algumas semanas,
terminando um show. Acho que deveria fazer
|
|
uma visitinha a ele.
|
|
– Ótimo! – disse Tristan, virando a cabeça junto com
Ivy, ouvindo o ronco do motor de um carro pequeno
|
|
subindo o topo da montanha.
|
|
– Acho que mataria, causaria um acidente de trânsito
que o mataria na hora – disse Lacey.
|
|
– Maravilha!
|
|
– Você é
patético!Você é mesmo patético! Era assim tão reticente quando era vivo? Fico
imaginando como
|
|
era quando seus hormônios ainda bombeavam em seu
corpo.
|
|
Ele virou– se para ela com raiva. – Veja! Você não é
melhor que eu ! Estou apaixonado por Ivy. Nós dois
|
|
somos obcecados, então, cai fora.
|
|
Lacey não disse nada por um momento. Seus olhos
alteraram– se só um pouquinho. Uma câmera não teria
|
|
captado a centelha de mágoa. Mas Tristan captou e,
sabendo que dessa vez ela não estava atuando, arrependeu–
|
|
se do que disse.
|
|
– Sinto muito.
|
|
Lacey tinha saído de perto dele. Imaginou que ela iria
embora a qualquer minuto, deixando– o tatear seu
|
|
caminho em direção à sua missão.
|
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– Lacey, desculpe.
|
|
– Ah, tudo bem – disse.
|
|
– É que...
|
|
– Quem são
essas? Mimi e Cocó vieram dividir o luto com a sua dama?
|
|
Virou– se e viu Beth e Suzanne saindo do carro. As
duas estavam de preto, mas Suzanne sempre gostou de
|
|
preto, especialmente o preto justinho, que era
exatamente o que estava usando,um vestido tomara que caia
|
|
muito maneiro. Beth, por outro lado, estava usando
roupas típicas de Beth: um macacão preto, largo, com
|
|
pequenas flores brancas estampadas, cuja bainha
ondulada estava a alguns centímetros acima de sua sandália
|
|
vermelha de plástico.
|
|
– São as amigas dela, Beth e Suzanne.
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– Aquela ali é definitivamente um radar – disse Lacey.
|
|
– Radar?
|
|
– Aquela que parece estar usando uma cortina de
banheiro.
|
|
– Beth. Ela é escrita.
|
|
– O que eu te disse? Um radar inato.
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|
Tristan viu Ivy cumprimentar suas amigas e levá– las
para dentro da casa.
|
|
– Vamos – disse Lacey, passando na frente dele. – Isso
vai ser divertido.
|
|
Ele hesitou. Já tinha visto esse tipo de diversão um
pouco antes.
|
|
– Você quer ou não quer dizer a ela que a ama? Isso
vai ser um bom treino para você, Tristan. Vai dar certo.
|
|
A garota é um radar total. Bons radares não precisam
nem acreditar. São receptivos a todos os tipo de coisas,
|
|
uma dessas coisas são os anjos. Você pode falar
através dela, pelo menos, você pode escrever através dela. Você
|
|
sabe o que é escrita automática, não sabe?
|
|
Já tinha ouvido falar. Os médiuns faziam esse tipo de
coisa, suas mãos supostamente escreviam diante da
|
|
vontade de outra pessoa, enviando mensagens dos
mortos.
|
|
– Quer dizer que Beth é como um médium?
|
|
– Um médium sem treinamento. Um radar natural. Ela vai
entrar em sintonia com você, se não for hoje, será
|
|
amanhã. Você só tem de estabelecer a ligação e entrar
na mente dela.
|
|
– Entrar na mente dela?
|
|
– É bem simples. Tudo o que precisa fazer é pensar
exatamente como ela, ver o mundo como Beth vê, como
|
|
Beth sente, amar quem ela ama, sentir seus mais
profundos desejos.
|
|
– De jeito nenhum
– disse Tristan.
|
|
– Em resumo, você tem que adotar o ponto de vista do
radar e daí entrar bem na mente dele.
|
|
– Obviamente, você não sabe como funciona a mente da
Beth. Você nunca viu suas histórias. Ela escreve
|
|
esses romances tórridos.
|
|
– Oh... quer dizer, do tipo que o amante olha com
desejo para sua amada, seus olhos cheios de sentimentos,
|
|
seu coração doendo tanto que ele não pode ver nem
ouvir mais ninguém?
|
|
– Exatamente.
|
|
Ela inclinou a cabeça para o lado e deu um sorriso
forçado.
|
|
– Você tem razão. Você e Beth são muito diferentes.
|
|
– Se você amasse Ivy, você tentaria. Tenho certeza de
que os amantes das histórias de Beth não iriam deixar
|
|
que um desafio desses fosse um empecilho para eles.
|
|
– E o Philip? Ele é irmão da Ivy. Ele me vê brilhar.
|
|
– Ah! Encontrou alguém que acredita!
|
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– Com certeza é um radar – disse Tristan.
|
|
– Não necessariamente. Não há nenhuma conexão real
entre ser um radar e acreditar.
|
|
– Podemos tentar primeiro com ele?
|
|
– Claro, temos tempo sobrando – disse e entrou na
casa.
|
|
Philip estava na cozinha fazendo
|
|
brownie
|
|
de micro– ondas. Na bancada ao lado da tigela, havia
algumas
|
|
figurinhas de beisebol grudentas e um catálogo aberto
na foto de crianças andando de bicicleta. Tristan estava
|
|
confiante. Tinha bastante familiaridade com esse ponto
de vista.
|
|
– Fique atrás dele – aconselhou Lacey. – Se ele
percebeu o brilho, vai se distrair. Vai começar a procura e
|
|
tentar entender. Vai se concentrar tanto no exterior
que não vai deixar mais nada entrar.
|
|
Na verdade, ficar atrás de Philip ajudava– o de outras
maneiras. Tristan leu as instruções na caixa por detrás
|
|
dos ombros de Philip.
|
|
Pensou em qual deveria ser o próximo passo e como
deveria ser o aroma dos
|
|
brownies
|
|
enquanto assavam e
|
|
qual seria o gosto, quente e crocante, assim que
saíssem do forno. Queria lamber a colher para sentir o gosto da
|
|
massa crua e líquida. Philip lambeu.
|
|
Tristan sabia quem ele era e, ao mesmo tempo, ele era
outra pessoa também, da forma como fazia quando lia
|
|
uma boa história. Isso era fácil. – Philip, sou eu...
|
|
Bum! Tristan tropeçou para trás, como se estivesse
andando por uma parede de vidro. Não tinha visto, não
|
|
tinha percebido, até dar com a cara nela. Ficou
paralisado por alguns minutos.
|
|
– Às vezes fica bem difícil – observou Lacey. – Acho
que está bem claro. Philip não quer deixar você entrar.
|
|
– Mas eu era amigo dele.
|
|
– Ele não sabe que é você.
|
|
– Se ele me deixasse conversar com ele, então saberia.
|
|
– Não é assim que funciona. Já te avisei. Estou
ficando boa em perceber quais pessoas são radares e quais
|
|
não são. Pode tentar novamente, mas ele vai estar mais
preparado dessa vez e vai ficar ainda mais forte. Você
|
|
não vai querer um radar que luta contra você. Vamos
tentar a Beth.
|
|
Tristan virou– se. –Por que você não tenta a Beth?
|
|
– Sinto muito.
|
|
– Mas – ele
pensou rápido. –Você é tão boa atriz, Lacey. É por isso que essa s coisas vêm
rapidamente para
|
|
você. A função de uma atriz é assumir um papel. As
grandes atrizes, como você, não apenas imitam. Não, elas se
|
|
tornam a outra pessoa. É por isso que você se sai tão
bem.
|
|
– Boa
tentativa. Mas a Beth é o seu radar e você tem de mandar a sua mensagem para
ela. E você quem tem
|
|
que de fazer. É assim que funciona.
|
|
– Nunca parece funcionar do jeito que eu quero – ele
reclamou.
|
|
– Você também percebeu isso. Suponho que saiba chegar
ao quarto da sua dama.
|
|
Tristan mostrou o caminho até o quarto de Ivy. A porta
estava entreaberta. Ella, que ainda os seguia,
|
|
empurrou a porta abrindo– a ainda mais, eles
atravessaram a parede.
|
|
Suzanne estava sentada na frente do espelho de Ivy,
remexendo uma caixa de jóias, experimentando colares e
|
|
brincos de Ivy. Ivy estava esparramada na cama, lendo
alguns papéis, uma das histórias de Beth – imaginou
|
|
Tristan. Beth estava andando pelo quarto.
|
|
– Pelo menos arrume um lápis cravejado de jóias. Já
que vai continuar usando– o no seu cabelo – disse
|
|
Suzanne.
|
|
Beth pegou o nó do seu cabelo, preso no alto da cabeça
e tirou o lápis. –Esqueci.
|
|
– Você esta ficando cada vez pior, Beth.
|
|
– É tudo tão interessante. Courtney jura que sua
irmãzinha está dizendo a verdade. E alguns dos rapazes
|
|
voltaram lá na capela e encontraram o casaco de uma
das garotas pendurado no alto de um baluarte.
|
|
– As próprias garotas poderiam ter feito isso –
salientou Suzanne.
|
|
– Hum, talvez – disse Beth, tirando um caderno da
bolsa.
|
|
Lacey virou– se para Tristan. – Essa é a sua deixa.
Ela está pensando sobre hoje de manhã. Não há uma
|
|
maneira mais fácil que essa para você.
|
|
Beth rabiscava em seu caderno. Tristan aproximou– se
dela. Supondo que ela estava tentando imaginar a
|
|
cena, lembrou– se da forma como a capela parecia,
partindo do brilho da luz do lado de fora para a vasta
|
|
Lembrou– se dos pedaços de gesso do chão e imaginou
como devia ser frio o chão em que as garotas estavam
|
|
sentadas com as pernas de fora, como suas peles deviam
ficar arrepiadas se uma corrente de ar passasse pela
|
|
janela quebrada, ou como ficariam agitadas caso
sentissem uma aranha em suas pernas.
|
|
Ele estava na cena, saindo fora de seu corpo e
entrando...
|
|
– Opa! – ela não se fechou como Philip, mas ele foi
retirado rapidamente e com firmeza. Beth levantou– se,
|
|
tomando distância, e olhando para o lugar em que
estava escrevendo antes.
|
|
– Ela consegue me ver? – Tristan perguntou para Lacey.
– Ela vê o meu brilho?
|
|
– Acho que não. Ela não está prestando atenção ao meu.
Mas sabe que tem alguma coisa acontecendo. Você
|
|
chegou com muita força nela.
|
|
– Estava tentando pensar da mesma forma que ela, dando
alguns detalhes. Ela adora detalhes.
|
|
– Você foi com muita sede ao pote. Ela sabe que tem
alguma coisa errada. Recue um pouco.
|
|
Mas Beth começou a escrever novamente, descrevendo as
garotas no círculo. Alguns dos detalhes de Tristan
|
|
estavam lá, não sabia se por sugestão dele ou pela
imaginação dela, mas não conseguia resistir ao desejo de ir a
|
|
fundo.
|
|
Bum! Dessa vez ele bateu com tudo, foi tão forte que
sentiu rebater para trás.
|
|
– Eu te avisei! – disse Lacey.
|
|
– Beth, você está tão agitada quanto um gato – disse
Suzanne.
|
|
Ivy deu uma olhada na história de Beth. – Tão agitada
quanto Ella, que tem agido de forma bem estranha
|
|
ultimamente.
|
|
Lacey fez não com o dedo para Tristan. – Ouça– me.
Você tem que ir com calma. Imagine que Beth é uma
|
|
casa e você é um ladrão tentando invadir. Você tem de
rastejar. Encontrar o que precisa no sótão, no
|
|
inconsciente dela, mas não perturbe a pessoa que mora
no andar de cima. Entendeu?
|
|
Ele havia entendido, mas relutava em tentar novamente.
A força da mente de Beth era muito maior do que a
|
|
de Philip.
|
|
Tristan sentia– se frustrado, incapaz de mandar o
recado para Ivy. Ela estava tão perto, tão perto, e no
|
|
entanto... Podia atravessar sua mão sobre ela, mas não
tocá– la. Deitar ao lado dela, mas nunca oferecer– lhe
|
|
consolo. Dizer algo para fazê– la sorrir, mas jamais
ser ouvido. Não havia mais lugar para ele na vida dela. E
|
|
talvez fosse melhor para ela, mas havia vida após a
morte para ele.
|
|
– Nossa! – disse Beth. – Nossa! Se é que posso dizer
isso. Que tal essa primeira frase para a minha história?
|
|
Não havia mais lugar para ele na vida dela, e talvez
fosse melhor para ela, mas havia vida após a morte para ele.
|
|
Tristan viu as palavras nas páginas como se estivesse
segurando o caderno com suas próprias mãos. E
|
|
quando Beth se virou para olhar a foto dele na
escrivaninha de Ivy, ele também se virou.
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Se você soubesse, pensou.
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–
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Se você...
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– ela escreveu. – Se
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você, se você, se você...
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– ela parecia ter empacado.
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–
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Se você.
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– Se você o quê? – perguntou Suzanne.
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– Não sei – respondeu Beth.
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Tristan observava o quarto pelos olhos dela, como era
bonito, como Ella olhava para ela, como Suzanne e
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Ivy trocavam olhares, então deu de ombros.
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–
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Se eu me libertasse...
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– parou de escrever e franziu a testa.
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Ele conseguia sentir o espanto como se estivesse em
sua própria mente.
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– Ivy, Ivy, Ivy – disse. –
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Se Ivy soubesse
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.
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– Beth, você está tão pálida. Você está bem? – disse
Ivy.
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Beth piscou várias vezes. – É como se alguém estivesse
falando por mim.
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Suzanne tirou sarro dela com um assobio peculiar.
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– Não estou louca! –
disse Beth.
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Ivy aproximou– se de Beth e olhou bem nos olhos dela;
olhou bem nos olhos dele. Mas ele sabia que ela não
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conseguiria ver.
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–
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Mas ela não conseguia ver
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– escreveu Beth. Depois apagou e reescreveu, lendo em
voz alta o que havia
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produzido.
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–
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Não havia mais lugar para ele na vida dela, e talvez
fosse melhor para ela, mas a vida após a morte era uma tristeza para ele.
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Se ela pudesse libertá– lo dessa prisão de amor. Mas
ela não sabia, ela não conseguia ver que a chave estava em suas mãos apenas
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–
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Beth ergue o lápis um pouco. – Estou com muita
sorte!– Exclamou Beth.
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– Em suas mãos adoráveis, cuidadosas, carinhosas e
gentis; mãos que seguravam,
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Começou a escrever novamente.
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curavam, nutriam esperanças...
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– Cala a boca. – Beth falou para ele.
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– O quê? – disse Ivy, arregalando os olhos.
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– Você está brilhando.
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Todas se viraram para Philip, que estava parado na
porta do quarto de Ivy.
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– Você está brilhando, Beth – disse Philip.
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Ivy desviou o olhar. – Philip, já te falei que não
quero mais ouvir essa história?
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– Sobre eu estar brilhando? – perguntou Beth.
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– Ele colocou essa história de anjos na cabeça –
explicou Ivy. – Diz ver cores e coisas, e acha que são anjo.
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Não agüento mais isso! Não quero mais ouvir falar
nisso! Quantas vezes vou ter de te falar isso?
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Ao ouvir as palavras dela, Tristan perdeu a esperança.
Seus esforços o tinham levado além da exaustão; era a
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esperança que o sustentava. E agora ela tinha ido
embora.
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Beth balançou a cabeça e ele saiu de dentro dela.
Philip não tirou os olhos de Tristan enquanto ele foi para
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perto de Lacey.
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– Puxa! Com quem será que Philip aprendeu a falar
sobre os anjos? – disse Suzanne, dando uma piscadinha
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para Beth.
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– Eles te ajudaram no passado, Ivy. Por que não podem
te ajudar agora? – perguntou Beth, gentilmente.
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– Eles não me ajudaram! Se os anjos fossem reais, se
fossem nossos guardiões, Tristan estaria vivo! Mas ele se
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foi. Como posso ainda acreditar nos anjos?
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Cerrou os punhos. A expressão de revolta em seus olhos
tinha se transformado em um verde intenso,
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queimando de certeza, a certeza e que os anjos não
existiam.
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Tristan sentiu que estava morrendo por inteiro
novamente.
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Suzanne olhou para Beth e deu de ombros. Philip não
disse nada. O formato de sua boca mostrava uma
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expressão já conhecida.
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– Monstrinho teimoso! – comentou Lacey.
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Tristan concordou com a cabeça. Philip ainda
acreditava.
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Tristan sentiu um pouquinho de esperança voltar.
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Então, Ivy tirou o saco plástico da sua lixeira.
Começou a retirar seus anjos da prateleira.
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– Não, Ivy!
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Mas suas palavras não iriam detê– la.
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Philip pegou no braço dela. – Posso ficar com eles?
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Ela o ignorou.
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– Posso ficar com eles, Ivy?
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Tristan ouviu o vidro se quebrando dentro da sacola.
Sua mão movia– se de forma inflexível e cruel, mas
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ainda não havia pego Tony ou o anjo das águas.
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– Por favor, Ivy.
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Pelo menos ela parou. – Tudo bem, pode ficar com eles,
mas você tem de me prometer que nunca mais vai
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falar comigo a respeito de anjos novamente.
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Philip olhou ponderadamente para os dois últimos
anjos.
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– Tudo bem, mas e se...
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– Não – disse com firmeza – Esse é o combinado.
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Ele pegou Tony e o anjo das águas com cuidado. –
Prometo.
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O coração de Tristan se despedaçou.
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Quando Philip saiu, Ivy disse: Está ficando tarde e
logo todo mundo estará aqui. É melhor eu ir trocar de
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roupa.
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– Ajudo você a escolher alguma coisa – disse Suzanne.
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– Não. Vá descendo. Já já encontro vocês.
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– Mas você sabe que eu gosto de escolher suas
roupas...
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– Estamos indo – disse Beth, empurrando Suzanne para a
porta. – Leve o tempo que for preciso. Se os
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rapazes chegarem, faremos sala para eles – fechou a
porta atrás de Suzanne.
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Ivy olhou para a fotografia de Tristan do outro lado
do quarto. Estava paralisada como se fosse uma estátua,
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as lágrimas rolavam pelo seu rosto.
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Lacey disse suavemente: Tristan, você precisa
descansar agora. Não vai conseguir fazer nada se não
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descansar.
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Mas ele não conseguia deixar Ivy. Colocou os braços ao
redor dela. Ela passou direto por ele, dirigindo– se à
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Então, Ella subiu delicadamente na escrivaninha. As
mãos de Lacey a tinha colocado lá. A gata esfregou– se
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no rosto de Ivy.
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– Ah, Ella. Não sei como me desprender dele.
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– Não faça isso! – implorou Tristan.
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– No final, será exatamente o que ela deverá fazer –
avisou Lacey.
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– Sei que o perdi, Ella. Tristan está morto. Jamais
poderá me abraçar novamente. Não pensa mais em mim.
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Não me quer mais. O amor termina com a morte.
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– Não termina! Eu vou te abraçar de novo! – disse
Tristan. – Juro! E você verá que meu amor nunca vai
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acabar.
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– Você está exausto, Tristan.
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– Vou te abraçar. Vou te abraçar para sempre!
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– Se você não
descansar agora, vai ficar ainda mais confuso. Será difícil distinguir o real
do irreal, ou de
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conseguir sair da escuridão. Tristan. Me ouça...
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