sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 14 (Beijada por um Anjo)


Quando Tristan acordou do vazio da escuridão,  o sol brilhava pelas janelas do quarto de Ivy. A cama estava
arrumada e havia uma colcha esticada em cima dela. Ivy não estava lá.
Era a primeira vez que Tristan via a luz do dia desde o acidente. Foi até a janela para admirar os detalhes do
verão, as complexas ranhuras das folhas, a forma como o vento deslizava seus dedos pela grama, enviando uma
onda esverdeada ao topo da montanha. O vento. Apesar de perceber a movimentação das cortinas, Tristan não
conseguia sentir o frescor do toque do  vento.  Apesar de ver a invasão dos raios de sol dentro do quarto, não
conseguia sentir seu calor.
Ella  conseguia.  A  gata  estava  sentada  em  uma  camiseta  de  Ivy  em  um  canto  iluminado  do  quarto.
Cumprimentou Tristan abrindo os olhos e ronronando um pouco.
–   Aqui  não tem muita  roupa suja para você se deitar, não é? –    perguntou, pensando em  quando  a  gata
curtia  suas  meias e  agasalhos  sujos. O silencio  da casa  fez com que  falasse baixo,  apesar  de saber que podia
muito bem gritar o bastante para... bem, o bastante para acordar os mortos, e só ele mesmo ouviria.
A solidão era intensa. Tristan temia ficar para sempre sozinho daquela forma, vagando por aí sem nunca ser
visto, ouvido ou sendo chamado de Tristan. Por que ele não viu a senhora do hospital depois que ela morreu?
Para onde ela teria ido?
Os mortos vão para o cemitério, pensou ao cruzar o corredor da escadaria. Depois, parou. Em algum lugar
havia um tumulo com seu nome! Provavelmente ao lado de seus avós.  Desceu a escada correndo, curioso para
ver o que tinha sido feito dele. Talvez encontrasse aquela senhora ou alguém que tivesse morrido recentemente
que pudesse dar uma explicação para tudo isso.
Tristan tinha ido ao cemitério Riverstone Rise varias vezes quando era criança. Nunca lhe pareceu um lugar
triste,  talvez  porque  o  jazigo  de  seus  avós  sempr e  inspirava    seu  pai  a  contar–  lhe  historias  interessantes  e
engraçadas sobre eles. Sua mãe ficava podando as plantas e plantando novas mudas. Tristan corria e subia nas
lápides  e  brincava  de  salto  à  distancia  nos  túmulos,  fazendo  do  cemitério  um  playground  com  corrida  de
obstáculos.
Era estranho passar pelos altos portões de metal agora – portões em que já havia brincado de escalar como
um  macaco,  como  sua  mãe  sempre  dizia  –  em  busca  de  sua  própria  lápide.  Não  sabia  se  estava  se
movimentando  de  acordo  com  sua  memória  ou  instinto,  mas  rapidamente  encontrou  o  caminho  e  a  curva
marcada por três pinheiros. Sabia que estava a 150 metros de distancia e se preparou para o choque de ler seu
próprio nome na lápide ao lado de seus avós.
Mas nem olhou para ela. Ficou tão surpreso com a presença de uma garota que tinha se espreguiçado e estava
deitada confortavelmente em cima da grama fresca.
–   Com licença – disse, sabendo muito  bem que as pessoas não podiam  ouvi–  lo. – Você está deitada em
cima do meu túmulo.
Ela olhou para cima, o que o fez pensar se não estaria brilhando novamente. A garota parecia ter a mesma
idade que a sua e tinha um semblante vagamente familiar.
–  Você deve ser o Tristan – disse. – Sabia que, mais cedo ou mais tarde, ia acabar aparecendo.
Tristan olhava fixamente para ela.
–  É você, não é? – disse, sentando– se, apontando para seu nome na lápide. – Morto recentemente, certo?
–  Vivo recentemente – disse. Havia algo em seu jeito que lhe dava vontade de discutir com ela.
Ela deu de ombros. – Cada um tem um ponto de vista.
Não  conseguia acreditar que ela conseguia ouvi– lo. – E você – disse, examinando sua aparência um tanto
incomum. – O que você é?
–  Não tão recentemente.
–  Entendo. É por isso que seu cabelo é dessa cor?
Ela levou a mão à cabeça. – Como?

Seu cabelo era curto e espetado  e tinha  um estranho tom de  magenta  com mechas roxas, como se tivesse
ocorrido algum erro com a tintura.
–  Quando morri, estava dessa cor.
–  Ah, desculpe.
–  Sente– se – disse, dando tapinhas no montinho de terra recém– formado. – Afinal de contas, esse é o seu
descanso eterno. Só estava dando um tempo aqui.
–  Então, você é um... fantasma – disse.
–  Como?
Queria que ela parasse de usar aquele tom arrogante.
–  Você disse  fantasma ? Você   mesmo recente. Não somos fantasmas, querido – deu vários tapinhas no
ombro dele com suas unhas compridas, pintado de roxo azulado.
Mais uma  vez, perguntou– se se ela agia dessa forma por não estar morta   recentemente , mas ficou com
medo de que ela fosse perfurá– lo caso perguntasse.
Mas,  então,  percebeu  que  a  mão  dela  não  atravessava o corpo  dele.  Na  verdade,  eram feitos  do  mesmo
material.
–  Somos anjos, querido. É isso mesmo. Pequenos ajudantes do céu.
Seu tom e sua tendência a exagerar as coisas estavam começando a dar nos nervos dele.
Apontou para o céu. – Alguém tem um senso de humor macabro. Sempre escolhe os menos prováveis.
–  Não acredito – disse Tristan.  – Não acredito.
–  Quer dizer que essa é a primeira vez que visita sua cova? Perdeu seu próprio funeral, hein? Isso – disse ela
– foi um grande erro. Curti cada minuto do meu.
–  Onde você foi enterrada? – perguntou Tristan, olhando ao redor. A lápide ao lado da de sua família tinha o
desenho de um carneiro entalhado, o que não parecia adequado a ela, e, do outro lado, a foto de uma senhora
serena com as mãos cruzadas em cima do peito e o olhar voltado para o céu – uma outra má escolha.
–  Não fui enterrada. É por isso que estou sublocando a sua.
–  Não entendi – disse Tristan.
–  Você não me reconhece?
–  Ah, não – disse, com medo de que ela fosse dizer que eram parentes distantes, ou que talvez ele tivesse
dado em cima dela no 7º ano.
–  Olhe para mim de perfil.
Tristan olhou para ela sem dar sinal de reconhecimento.
–  Cara, você não vivia muito, vivia? Quando era vivo?
–  O que você está querendo dizer?
–  Que você não saia muito.
–  Saía o tempo todo – retrucou Tristan.
–  Mas não ia ao cinema.
–  Ia o tempo todo.
–  Mas você nunca viu nenhum dos filmes da Lacey Lovitt.
–  Claro que vi. Todo mundo via, antes dela... Você é a Lacey Lovitt?
Ela revirou os olhos. – Espero que você seja mais rápido para entender qual é a sua missão.
–  Acho que é porque a cor do seu cabelo está diferente.
–  Você já falou sobre o meu cabelo – disse, levantando– se do tumulo. Era estranho vê– la encostada nas
arvores. Os salgueiros balançavam suas folhas em forma de corda por causa da brisa, mas o cabelo dela não saía
do lugar, tão imóvel quanto uma fotografia.
–  Estou me lembrando. Seu avião caiu no mar. Nunca encontraram seu corpo – disse Tristan.
–  Imagine como eu fiquei feliz quando me vi tendo de sair sozinha do Porto de Nova York.
–  Isso aconteceu há dois anos, não foi?
Ela abaixou a cabeça ao ouvi– lo. – Sim, bem...
–  Lembro– me de ter lido sobre seu funeral. Havia muita gente famosa.
–   E  muita gente quase  famosa.  As pessoas  estão sempre correndo atrás de publicidade – havia uma certa
amargura em seu tom. – Queria que você tivesse visto minha mãe chorando e se lamentando. – Lacey fez pose
imitando  a  escultura de mármore de uma mulher  chorando no  jazigo ao lado.  – Você ia  pensar que ela tinha
perdido alguém que amava.
–  E perdeu. Você era a filha dela.
–  Você é ingênuo, não é? – era mais uma frase do que uma pergunta. – Você ia aprender mais coisas sobre as
pessoas se tivesse seu próprio funeral. Talvez ainda dê tempo de aprender. Há um enterro na ala leste hoje de
manhã. Vamos?
–  Ir a um enterro? Isso não é meio mórbido?
Ela  riu.  –  Nada  mais  é  mórbido,  Tristan,  quando  se  está  morto.  Além  do  mais,  acho  que  enterros  são
extremamente  divertidos.  E,  quando  não  são,  faço  com  que  sejam,  e  você  está  com  cara  de  quem  está
precisando se animar. Vamos? – Acho que dessa vez vou passar.
Ela se virou e o examinou por um minuto, perplexa. – Tudo bem. Que tal isso: vi um grupo de garotas um
pouco mais cedo indo em direção ao lado nobre do cemitério. Talvez você goste mais. Um bom público, sabe,
não é fácil de encontrar, especialmente quando se está morto e a maioria não consegue ver você.
Ela começou a andar em círculos.
–  Sim, isso seria bem melhor – parecia estar falando consigo mesma. – Vai me fazer ganhar alguns pontos –
olhou para Tristan. – Sabe, ficar zoando em funerais  não é uma  atitude muito aprovada. Mas isso funcionará
como a execução de um serviço. Da próxima vez, aquelas garotas vão pensar duas vezes antes de desrespeitar os
mortos.
Tristan tinha esperanças de que encontrar uma pessoa como ele esclarecesse um pouco mais as coisas, mas...
–  Ah, anime– se, Chorão! – e começou a caminhar.
Tristan a seguiu lentamente, tentando se lembrar se alguma vez tinha lido algo que dizia sobre Lacey Lovitt
ser maluca.
Ela  o  levou  para  a  parte  mais  velha  do  cemitério,  em  que  havia  jazigos  bem  antigos,  pertencentes  aos
moradores mais  abastados de Stonehill. De  um lado da  rua, mausoléus com fachadas similares  a templos em
miniatura  eram  incrustados  na  montanha.  Do  outro  lado,  havia  vários  gramados  com  monumentos  altos  e
polidos, além de uma variedade de estatuas de mármore. Tristan já havia estado lá antes. A pedido de Maggie,
Caroline tinha sido enterrada no jazigo da família Baines.
–  Elegante, não é?
–  Estou surpreso que você tenha sublocado o meu.
–  Ah, eu ganhei milhões quando era viva. Milhões. Mas, em meu coração, sou uma garota simples, do bairro
operário, na região leste de Nova York. Comecei com novelas, lembra– se? E depois... mas acho que não preciso
falar sobre isso. Tenho certeza de que, agora que você me reconhece, já sabe tudo sobre mim.
Tristan não se incomodou em corrigi– la.
–  Então, o que você acha que aquelas garotas tinha em mente? – perguntou, parando para olhar ao redor.
Não havia ninguém por perto. Somente jazigos, flores e o caminho esverdeado do gramado.
–  Estava pensando o mesmo sobre você – respondeu ele.
–  Ah, vou agir de improviso. Duvido que você vá me ajudar. Você ainda não tem nenhuma habilidade de
verdade.  Provavelmente,  tudo  o  que  consegue  fazer  é  ficar  parado e  brilhar,  parecendo  um  enfeite  idiota de
Natal – o que significa que apenas uma ou duas pessoas que acreditam podem ver você.
–  Apenas uma pessoa que acredita?
–  Quer dizer que você ainda não percebeu isso? – balançou a cabeça, sem acreditar no que ouvia.
Mas  ele  já tinha percebido, só  não queria admitir, só  não queria  que  fosse  verdade. A senhora do hospital
acreditava. Assim como Philip. Os dois o tinham visto brilhar. Mas Ivy não viu. Ivy não acreditava mais.
–  Você pode fazer mais do que brilhar? – perguntou Tristan cheio de esperança.
Ela olhou para ele como se fosse  totalmente imbecil. – E o que você acha que  fiquei fazendo nos últimos
dois anos?
–  Não faço idéia.
–  Não me diga, por– fa– vor, não me diga que vou ter de explicar o que são as missões para você.
Ele ignorou o tom melodramático. – Você já mencionou antes. Que missões?
–  A sua missão. A minha missão – respondeu rapidamente. – Cada um de nós tem uma missão. E temos de
completá– la. Se quisermos ir para onde todos os outros foram – começou a caminhar novamente, um pouco
mais rápido, e ele teve de se apressar para acompanhá– la.
–  Mas qual é a minha missão?
–  E eu lá sei?
–   Bem, alguém tem de me  contar. Como  posso completá– la se  não faço idéia do que seja? –  perguntou
frustrado.
–  Nem venha reclamar para mim! Você é quem tem de descobrir – repreendeu– o e acrescentou com um
tom mais amigável.
–  Em geral, é alguma coisa que ficou mal resolvida, é alguém que você sabe que precisa de ajuda.
–  Então, tenho pelo menos dois anos para...
–  Bem, não. Não é bem assim que funciona – disse, abaixando a cabeça do mesmo jeito engraçado que tinha
visto  um pouco  antes. Passou na frente dele e atravessou  uma cerca de  ferro negro  cujas lanças entortadas e
enferrujadas deixavam marcas estranhas nas paredes da velha capela de pedra. – Vamos encontrar as garotas.
–  Espere um pouco – disse, segurando no braço dela. Era a única coisa que conseguia segurar. – Você tem
de me contar. Como funciona exatamente essa historia de missão?
–   Bem... bem,  você tem de  descobrir  e completar sua  missão  assim que  possível.  Alguns  anjos  levam  só
alguns dias, alguns meses.
–  E você está aqui há dois anos! Você está próxima de completar a sua?
Ela passou a língua nos dentes. – Não sei.
–   Ótimo!  Ótimo!  Não sei o que estou  fazendo,  finalmente encontro  uma guia,  e ela leva oito  vezes mais
tempo do que todo mundo para completar sua missão.
–  Duas vezes mais tempo! Uma vez encontrei um anjo que levou um ano. Sabe, Tristan, sou meio distraída.
Concentro–  me  no  que  tenho  de  fazer,  mas,  às  vezes,  aparecem  oportunidades  boas  demais  para  serem
desperdiçadas. Algumas delas não são vistas com bons olhos.
–  Algumas delas? Como o que? – Tristan perguntou, suspeitando da atitude dela.
Ela deu de ombros. – Uma  vez derrubei um lustre do palco na cabeça do canalha do meu ex– diretor – é
claro que só passou de pertinho. Ele sempre foi super fã do Fantasma da Ópera – e é isso que quero dizer com
não deixar a oportunidade passar, é assim que geralmente acontece comigo. Estou dois pontos perto da minha
missão, daí acontece algo, e volto três pontos para trás, nunca conseguindo entender muito bem qual é minha
missão.
–  Mas não se preocupe. Você, provavelmente, vai ser mais disciplinado que eu. Para você, vai ser rapidinho.
Vou acordar, Tristan pensou, e esse pesadelo vai ter acabado. Ivy estará deitada em meus braços...
–  Quanto você quer apostar que aquelas garotas estão na capela?
Tristan olhou  para o edifício  de pedras  acinzentadas. Suas portas estavam fechadas com pesadas correntes
desde quando era criança.
–  Há um jeito de entrar?
–    Para  nós  há  sempre um  jeito  de  entrar. Para  elas,  há  uma janela  quebrada  nos  fundos.  Algum  pedido
especial?
–  Como?
–  Alguma coisa que você queira me ver fazendo?
Acordar– me, pensou Tristan. – Ah, não.
–  Sabe, não sei o que se passa na sua cabeça , Tristan, mas você está agindo como se estivesse mais morto do
que já está.
Ela atravessou a parede. Tristan a seguiu.
A capela estava escura,  exceto pelo verde luminescente vindo  da  janela quebrada no fundo. Folhas secas e
gesso esfarelado estavam espalhados pelo chão. Os bancos de madeira tinha iniciais entalhadas, escurecidas com
símbolos que Tristan não sabia decifrar.
As  garotas,  que  deviam  ser  onze  ou  doze.  Estavam  sentadas  em  circulo  ao  redor  do  altar,  rindo
nervosamente.
–  Certo, quem você vai chamar? – perguntou uma delas. Entreolharam– se e depois passaram a olhar por
cima dos ombros.
–  Jackie Onassis – disse uma garota com rabo de cavalo marrom.
–  Kurt Cobain – sugeriu outra.
–  Minha avó;
–  Meu tio– avô Lennie.
–  Já sei! – disse uma loirinha sardenta. – Que tal Tristan Carruthers?
Tristan piscou.
–  Macabro demais – disse a líder.
–  É – disse a morena ajeitando seu rabo de cavalo. – Ele provavelmente teria formigas saindo por detrás da
cabeça.
– Eca! Que nojento!
Lacey abafou o riso.
– Minha irmã disse que era apaixonada por ele – disse a loira sardenta.
Lacey não parava de piscar os cílios para ele.
–  Uma vez, tipo,  quando a gente estava de bobeira  na piscina, ele, tipo  assim, soou o apito para nós. Foi
maneiro.
– Ele era bonitão!
Lacey enfiou o dedo na garganta e revirou os olhos.
– Mesmo assim, ele deve estar macabro agora – disse a ruiva.
– Quem mais a gente pode chamar?
– Lacey Lovitt.
As garotas se entreolharam. Qual delas tinham dito isso?
– Eu me lembro dela. Ela fez o filme
Dark Moon Running
.
Dark Moon Running
.
Era a voz de Lacey.Tristan percebeu, parecia a mesma voz, mas era diferente, da mesma forma que a voz das
pessoas  na televisão  era a  mesma, mas  soava  diferente  do que ao  vivo. De  alguma  forma,  todas conseguiam
ouvir a voz dela.
As garotas olharam em volta, um pouco assustadas.
–  Vamos unir as mãos – disse a líder. – Estamos chamando  Lacey Lovitt. Se você está aqui, nos dê um sinal.
– Nunca gostei de Lacey Lovitt.
Tristan viu os olhos de Lacey soltarem faíscas.
– Shhh! Os espíritos estão por perto!
– Posso vê– los! – Disse a loira. – Vejo sua luz! São dois!
– Não vejo nada! – disse a garota de rabo de cavalo.
– Vamos chamar outra pessoa que não seja a Lacey Lovitt.
– É, ela era muito metida.
Foi à vez de Tristan abafar o riso.
– Gosto da garota nova que está em Dark Moon. A que ficou no lugar dela.
– Eu também – concordou a loira.
– Ela é uma atriz bem melhor. E o cabelo dela também é melhor.
Tristan deu uma risadinha e olhou com cautela para Lacey.
–  É, mas ela não está morta – disse a líder. – Estamos chamando Lacey Lovitt. Se você está aqui, Lacey, nos
dê um sinal.
Começou com um pequeno redemoinho de poeira. Tristan viu que Lacey ficou um pouco fraca conforme a
poeira rodopiava para o alto. Depois, a poeira abaixou e ela já tinha voltado a si, correndo por fora do círculo,
puxando os cabelos das garotas.
As garotas gritaram e seguraram suas cabeças. Ela beliscou duas delas, depois pegou seus casacos e os jogou
de um lado para outro. Nessa hora, as garotas já estavam de pé, ainda gritando e correndo em direção á janela
quebrada.  Garrafas vazias voaram sobre suas cabeças, sendo  esmagadas contra  a parede da capela. As garotas
fugiram rapidinho, seus gr itos cada vez mais distantes, parecendo o tímido piar dos passarinhos.
– Bem – disse Tristan assim que o silêncio voltou a tomar conta do local. – Acho que todo mundo deveria
estar contente por não haver um lustre aqui. Sente– se melhor?
– Pestinhas!
– Como você faz isso? perguntou.
– Eu vi essa nova atriz. Ela é péssima!
– Tenho certeza de que ela não é nem um pouco dramática como você! Você consegue puxar e jogar. Como
você faz isso?
Não consigo usar minhas mãos de forma alguma.
– Descubra sozinho! – ainda estava furiosa. – Melhor cabelo! – puxou as mechas roxas. – Esse é o meu estilo!
– disse, olhando para Tristan.
Ele sorriu para ela.
– Quanto ao uso das mãos, você acha mesmo que vou desperdiçar meu tempo precioso ensinado você?
Tristan concordou com a cabeça.
– Um bom publico não é fácil de encontrar, especialmente quando se está morto e a maioria não consegue
ver você.
Então,  ele a  deixou com seu  mau humor na  capela. Imaginou  que  ela  saberia como  encontrá– lo  quando
estivesse pronta.
De  novo  sob  a  luz  do  sol,  Tristan  piscou.  Apesar  de  não  sentir  as  mudanças  de  temperatura,  era  muito
sensível  à luz  e à  escuridão.  Na  capela  escura, tinha  visto  as  auras  ao redor  das  garotas,  e  agora, no  cenário
coberto pelas copas das árvores, a luz do sol parecia brilhar a ponto de ofuscar.
Talvez tenha sido por isso que acabou confundindo o visitante com Gregory. A forma como caminhava, o
cabelo  escuro  e  o  formato  da  cabeça  convenceram  Tristan  de  que  era  Gregory  saindo  do  jazido  da  família
Baines. Então, o visitante, como se tivesse sentido a presença de alguém a observá– lo, virou– se para trás.
Era  bem  mais  velho  que Gregory,  devia  ter  mais  de  40  anos,  e seu  rosto  estava  contorcido  pela  dor  da
tristeza. Tristan estendeu a mão para ele, mas o homem se virou e foi embora.
Tristan fez o mesmo, mas não antes de perceber que, bem no centro do túmulo coberto pelo verde da grama
fresca de  Caroline, havia uma rosa vermelha de cabo longo.

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