sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 13 (Beijada por um Anjo)


Quando Tristan acordou, tentou se lembrar qual dia da semana deveria ser e quais as aulas que teria de dar no
acampamento de natação. A julgar pela luz fraca em seu quarto,  ainda era bem  cedo para levantar e trocar de
roupa  para  ir  trabalhar.  Deitado  na  cama,  sonhou com  Ivy –    Ivy  e  seus  cabelos  encaracolados  caindo  nos
ombros.
Aos poucos, foi percebendo passos do lado de fora da porta juntamente com o som de algo sendo puxado
por um carrinho, ou algo do tipo. Pulou da cama. O que ele estava fazendo lá? Deitado no chão do hospital, no
quarto de um homem que nunca tinha visto antes? O homem bocejou e deu uma olhada no quarto. Não parecia
nem um pouco surpreso com a presença de Tristan, agia como se ele nem estivesse ali.
Nesse  momento,  Tristan  lembrou–  se  de  tudo:  do  acidente,  da  ambulância,  das  palavras  da  paramédica.
Estava morto. Mas ainda podia pensar. Podia ver as outras pessoas. Será que era um fantasma?
Tristan se lembrou da velha senhora. Ela havia dito ter visto a luz e por  isso o tinha  confundido com um
an......
–  Não, não –  disse em voz alta, apesar de o homem não poder ouvi– lo. –  Não pode ser.
Bem, o que quer que ele tivesse se tornado, tinha sido algo que ainda podia rir, portanto, não parou de rir, de
forma quase histérica. E depois chorou.
A porta atrás dele bateu de repente. Tr istan ficou em silêncio, mas isso não tinha importância alguma, pois a
enfermeira que havia entrado ali não podia ouvi– lo, apesar de ter ficado tão próxima que seu cotovelo quase
atravessou o dele enquanto anotava algo na ficha do homem. Nove de julho, 3h45, Tristan leu.
Nove de julho? Mas ele tinha saído com Ivy em junho! Será que estava inconsciente há duas semanas? Será
que voltaria a ficar? E por que estava consciente agora?
Pensou  na  velha  senhora  que  havia  estendido  a  mão  para  ele.  Por  que  ela  havia  prestado  atenção  nele
enquanto os outros não viam nada? Será que Ivy conseguiria vê– lo?
Tristan  encheu–  se  de  esperança.  Se conseguisse encontrar  Ivy  antes  que  a  escuridão tomasse  conta  dele
novamente, teria mais uma chance de convencê– la sobre seu amor. Ele sempre a amaria.
A enfermeira saiu, fechando a porta atrás dela. Tristan tentou abri– la, mas seus dedos não se firmavam na
maçaneta. Tentou  mais uma vez, e mais outra. Suas mãos tinham a mesma força que uma sombra. Agora, teria
de esperar a enfermeira voltar. Não sabia por quanto tempo conseguiria se manter consciente ou, assim como os
fantasmas das histórias antigas, se iria derreter com a luz do sol.
Tentou se lembrar de como chegara até lá e a imagem de sua andança pelos corredores do auto atendimento
veio á sua mente. Lembrou–  se claramente do faxineiro  atravessando  seu corpo. Esse era o  truque.  Tinha de
projetar um caminho em sua cabeça e concentrar– se aonde queria ir.
Assim, logo estava na rua. Tinha se esquecido de que estava no Hospital do Condado e tinha de dar a maior
volta para chegar a Stobehill novamente. Mas já tinha feito esse caminho, milhares de vezes, para ir buscar seus
pais. Ao pensar neles, Tristan diminuiu o ritmo. Lembrou– se de seu pai no auto atendimento, inclinando– se
sobre ele para chorar. Tristan sentiu vontade de dizer a ele que estava tudo bem, mas não sabia quanto tempo
teria. Seus pais tinham um ao outro; Ivy estava sozinha.
O céu da  noite  começava  a ceder  lugar ao amanhecer quando  chegou  à  casa dela. Dois retângulos de  luz
brilhavam suavemente na ala oeste da casa. Andrew deveria estar trabalhando no escritório. Tristan deu a volta
por trás da casa e viu que as portas– balcão do escritório estavam abertas para receber a brisa noturna. Andrew
estava em sua mesa, absorto em seus pensamentos. Tristan entrou sem ser visto.
Viu que a maleta de Andrew estava aberta e os papéis com o timbre da faculdade estavam espalhados pela
mesa. Mas o documento que estava lendo era um relatório policial. Tristan percebeu, com surpresa, que era o
relatório oficial de seu acidente com Ivy. Ao lado dele, havia um artigo de jornal sobre o mesmo assunto.
As palavras impressas deveriam ter tornado sua morte ainda mais real para ele, mas não foi o que aconteceu.

Em  vez  disso,  transformou  as  coisas  que  um  dia  foram  importantes  –    sua  aparência,  seu  histórico  como
nadador, suas realizações na escola –  em pequenas e sem sentido. Somente Ivy era importante para ele agora.
Ela tinha de saber o quanto a amava e o quanto sempre a amaria.
Deixou Andrew e suas meditações sobre o relatório, apesar de não entender por que parecia tão inter essado,
e subiu a escada dos fundos. Passou pelo quarto de Gregory, que ficava bem em cima do escritório e atravessou
a galeria em direção ao corredor que levava ao quarto de Ivy. Mal podia esperar para vê– la, mal podia esperar
que ela o visse. Tremeu, assim como havia tremido antes da primeira aula de natação que havia dado a ela. Será
que conseguiriam conversar um com o outro?
Se existisse alguém que pudesse vê– lo e ouvi– lo, esse  alguém seria Ivy –   sua fé era muito forte! Tristan
concentrou– se no quarto dela e atravessou a parede.
Ella sentou– se imediatamente. Estava dormindo na cama de Ivy, com seu espesso pelo preto misturando– se
aos cabelos dourados de Ivy. A gata piscou e olhou para ele, ou para o nada –  afinal de contas, gatos faziam
isso, pensou. Mas, quando ele foi para o outro lado da cama de Ivy, os olhos verdes de Ella o seguiram.
–  Ella, o que você está vendo, Ella? –  perguntou delicadamente.
A gata começou a ronronar e ele riu.
Estava ao lado de Ivy. O cabelo dela caía pelo rosto. Tentou colocá– lo para trás. Mais do que qualquer coisa
queria ver o rosto dela, mas suas mãos eram inúteis.
–  Queria que você pudesse me ajudar, Ella.
A gata andou por cima dos travesseiros em direção a ele. Ele não se moveu, tentando entender exatamente o
que ela tinha percebido.
Ella inclinou– se como se fosse acariciar– se no braço dele. Deitou de lado e miou.
Ivy se mexeu e chamou a gata suavemente. Deitou de costas e ele pensou que ela fosse responder aos seus
chamados.  Seu olhar  parecia  perdido, bonito, porém, pálido. Toda a  sua luz estava  nos cílios dourados e nos
longos cabelos espalhados pelo rosto como raio de sol.
Ivy enrugou a testa. Ele queria poder suavizar suas rugas, mas não tinha como. Ela começou a se agitar e a se
revirar na cama.
–  Quem está aí? Quem está aí? –  perguntou.
Ele se inclinou sobre ela. –  Sou eu. Tristan.
–  Quem está aí? –  perguntou novamente.
–  Tristan!
Enrugou ainda mais a testa. –  Não consigo ver!
Colocou a mão em seus ombros, desejando que ela acordasse, certo de que ela iria poder vê– lo e ouvi– lo. –
Ivy, olhe para mim! Estou aqui!
Ela abriu os olhos por um momento e ele percebeu a mudança em sua expressão. Viu o terror tomar conta
dela. Ela começou a gritar.
–  Ivy!
Ela não parava de gritar.
–  Ivy, não tenha medo.
Tentou segurá– la. Aconchegou– a em seus braços, mas seu corpo não conseguia segurar o corpo dela. Não
conseguia consolá– la.
A porta do quarto se abriu. Philip entrou correndo. Gregory veio logo atrás dele.
–  Acorde, Ivy, acorde! –  Philip a chacoalhava. –  Vamos, Ivy, por favor!
Ela abriu os olhos e viu Philip. Depois, olhou ao redor do quarto. Não parou para olhar para Tristan; passou
direto por ele.
Gregory colocou as mãos nos ombros de Philip e o pôs de lado. Sentou– se na cama e trouxe Ivy para perto
dele. Tristan percebeu que ela tremia.
–  Vai ficar tudo bem –  Gregory disse com voz suave, colocando  os cabelos dela para trás. –  Foi  só um
sonho.
Um  sonho horrível, pensou Tristan. E ele não pôde ajudá– la. Não pôde oferecer– lhe consolo.
Mas Gregory pôde. Tristan estava tomado pelo ciúme.
Não podia suportar ver Gregory abraçando– a daquela forma.
Mas também não podia suportar ver Ivy tão assustada e chateada. Um paradoxo de sentimentos em relação a
Gregory invadia sua alma: gratidão e ciúmes ao mesmo tempo. Sentiu– se fraco por essa guerra de sentimentos e
afastou– se dos três, dirigindo– se à prateleira de anjos de Ivy. Ella o seguiu com cautela.
–  Você sonhou com o acidente de novo? –  perguntou Philip.
Ivy  fez que  sim  com  a cabeça, depois ficou  de cabeça  baixa,  deslizando  as  mãos  sem  parar  pelos  lençóis
revirados.
–  Quer conversar sobre isso? –  perguntou Gregory.
Ivy tentou falar, depois fez que não com a cabeça e estendeu uma das mãos para ele, com a palma para cima.
Tristan viu as cicatrizes entalhadas em seu braço, como se fossem rastros de feixes de luz. Por um instante, a
escuridão parecia querer pegá– lo por trás, mas lutou contra ela.
–  Estou aqui. Está tudo bem –  disse Gregory, esperando pacientemente.
–   Eu... eu  estava  olhando pela janela –   começou a  falar. –   Vi  uma grande sombra nela, mas não  tinha
certeza de quem ou do que era. Quem está aí? Gritei. Quem está aí?
Tristan a observava do outro lado do quarto, a dor e o medo que ela sentia exerciam uma pressão sobre ele.
–  Achei que fosse alguém que conhecesse. De alguma forma, a sombra parecia familiar. Então, fui chegando
cada vez mais perto. Não conseguia ver –  parou de falar e olhou ao redor do quarto.
–  Você não conseguia ver –  estimulou Gregory.
–  Havia outras imagens no vidro da janela, reflexos que a distorciam. Aproximei– me ainda mais. Meu rosto
estava quase grudado na janela. De repente, ela explodiu! A sombra se transformou em um cervo. Ele bateu na
janela e foi arremessado para longe.
Ela ficou em silêncio. Gregory pegou o queixo dela com a mão, trazendo– o bem para perto dele.
Do outro lado do quarto, Tristan chamava por ela. –  Ivy! Ivy, olhe para mim –  implorava.
Mas ela estava olhando para Gregory e seus lábios tremiam.
–  Esse é o final do sonho? –  perguntou Gregory.
Ela concordou com a cabeça.
Com o dorso da mão, Gregory acariciava o rosto dela suavemente.
Tristan queria que ela fosse consolada, mas...
–  Você não se lembra de mais nada? –  perguntou Gregory.
Ivy balançou a cabeça negativamente.
–  Abra seus olhos, Ivy! Olhe para mim! –  gritava Tristan.
Então, percebeu que Philip também estava lá, olhando para a coleção de anjos de Ivy –  ou talvez para ele,
não tinha certeza. Tristan colocou a mão ao redor da estatueta do anjo das águas. Se encontrasse uma maneira
de dá– lo a Ivy. Se pudesse mandar algum sinal a ela...
–  Venha aqui, Philip –  disse Tristan. –  Venha pegar a estatueta. Leve– a para Ivy.
Philip foi em direção à prateleira como se estivesse hipnotizado. Esticou a mão, colocando– a por cima da de
Tristan.
–  Veja! –  gritou Philip. –  Veja!
–  O quê? –  perguntou Ivy.
–  Seu anjo. Está brilhando.
–  Agora não, Philip –  disse Gregory.
Philip tirou o anjo da prateleira e levou– o até Ivy.
–  Quer colocá– lo ao lado da sua cama, Ivy?
–  Não.
–  Talvez ele afaste os pesadelos –  insistiu Philip.
–  É só uma estatueta –  disse, mostrando– se exausta.
–  Mas você pode rezar e o anjo de verdade vai ouvir.
–  Não existem anjos de verdade, Philip! Você não entende? Se existissem, eles teriam salvo Tristan!
Philip pegou nas asas do anjo e disse em voz baixa, porém teimosa: –  Anjos de luz, anjos queridos, cuidem
de nós. Cuidem de quem mais fica comigo.
–  Diga a ela que estou aqui, Philip –  disse Tristan. –  Diga que estou aqui.
–  Veja, Ivy –  Philip apontou para as estatuetas, na direção em que estava Tristan. –  Elas estão brilhando!
–  Já chega, Philip! Vá para cama! –  disse Gregory com severidade.
–  Mas...
–  Agora!
Quando Philip passou, Tristan estendeu sua mão, mas o garotinho não a pegou. Olhou– o com surpresa, sem
reconhecer o que via.
O que Philip viu? Tristan perguntou– se. Talvez o mesmo que a velha senhora: luz, algum tipo de brilho, mas
não uma forma.
Então,  sentiu  a aproximação da  escuridão novamente.  Lutou contra  ela. Queria  ficar com Ivy. Não podia
suportar perdê– la agora. Não podia suportar deixá– la ali com Gregory.
E se  aquela fosse a  última vez que a via? E se a estivesse perdendo para sempre? Lutou desesperadamente
para manter– se  longe da escuridão, mas  ela o vencia pelas laterais, como uma névoa negra, à sua  frente, por
detrás, fechando– se em sua cabeça, sucumbindo– o inteiramente.

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