sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 12 (Beijada por um Anjo)


Era impressionante: os olhos do cervo pareciam um túnel escuro, mas o brilho de suas pupilas era intenso.
Tristan não parava de pisar no freio, mas nada acontecia, nada fazia o carro diminuir a velocidade pela escuridão
pela que se afunilava até chegar o clarão de luz.
Sentiu  um  pese  tremendo  por  um  instante, como  se  as  árvores  e  o céu  tivesse caído  por  cima  dele.  Em
seguida, depois da explosão de luz, o peso se dissipou. De alguma forma parecia que tinha se libertado
Ela precisa de você.
–  Ivy! – gritou.
A escuridão tomou forma novamente. À sua frente, a estrada girava como um redemoinho de cores: preto,
vermelho e a luz pulsante da ambulância.
Ela precisa de você.
Não conseguia ouvir, mas entendia. Será que os outros também entendiam? – Ivy! Onde está Ivy? Tenho de
ajudá– la!
Ela estava deitada, imóvel. Banhada pelo sangue.
Mas ele não conseguia tocar nos paramédicos. Nem mesmo conseguia arregaçar as mangas.
–  Não há batimento – disse uma mulher. – não há chances.
–  Ajude– a!.
O redemoinho estava cada vez maior e mais difuso, com listras claras e escuras passando apressadamente por
ele. Será que ela estava com ele? A sirene da ambulância disparou com seu choro agudo: uiiii, uiiii.
Em seguida, viu– se em um quarto simétrico. Era dia ou o lugar era bem claro. As pessoas corriam par a lá e
para cá. Havia algo em seu rosto, bloqueando a luz. Não tinha certeza de quanto tempo ficara inconsciente.
Alguém inclinou– se sobre ele. – Tristan – dizia a voz quebrantada
–  Papai?
–  Ah, meu Deus, por que você deixou isso acontecer?
–  Papai, onde está Ivy? Ela está bem?
–  Meu Deus, meu Deus. Meu filho! – chorava seu pai.
–  Eles estão cuidando dela?
Seu pai não respondia.
–  Responda, papai! Por que você não responde?
Seu pai levou as mãos ao rosto, inclinando– se em cima dele, lágrimas rolando em seu rosto...
Meu rosto, pensou Tristan, tentando empurrá– lo. Esse aí é o meu rosto.
Porém ele observava a cena como se estivesse fora de seu corpo.
–  Sinto muito. Sr. Carruthers – disse uma mulher com uniforme de paramédica.
Seu pai não olhava para ela. –   Morreu na hora? – perguntou.
Ela concordou com a cabeça – Sinto muito, Nem tivemos chance3 de salvá– lo.
Tristan sentiu a escuridão aproximando– se novamente. Lutou para se manter consciente.
–  E a Ivy? – perguntou seu pai.
–  Alguns cortes e ferimentos, além do estado de choque. Não para de chamar pelo seu filho.
Tristan tinha  que encontrá– la. Concentrou– se na porta com toda sua força e conseguiu passar por ela. E
por outra, e mais outra... sentia– se mais forte agora.
Tristan andava depressa pelo corredor. As pessoas não pararam de esbarrar nele. Desviava para esquerda e
para  direita.  Seu ritmo parecia bem mais rápido do que os  dos demais, e ninguém se incomodava em sair do
caminho.
Havia uma enfermeira no corredor. Parou para falar com ela para perguntar se poderia encontrar Ivy, mas ela
passou direto por ele. Entrou em um outro corredor, deu de frente com um carrinho repleto de lençóis e ficou

olhando o  homem  que  o empurrava. Tristan rodopiou e,  no mesmo instante, o homem  estava do outro lado
dele.
Tristan  percebeu  que  o  homem  passou  por  ele  como  se  ele  não  estivesse  lá.  Tinha  ouvido  o  que  o
paramédico  dissera,  mas  sua  mente  procurava  por  outra  –  qualquer  que  fosse  –  explicação.  Mas  não  havia
nenhuma.
Estava morto. Ninguém conseguia vê– lo. Ninguém sabia que estava lá. E Ivy também não saberia.
A dor que sentia era tão profunda! Jamais havia sentido nada parecido. Tinha dito a ela que a amava, mas não
tinha  tempo  de convencê–  la.  Agora  não  havia  mais  tempo algum.  Ela  jamais  acreditou  em  seu  amor  como
acreditava em seus anjos.
–  Já disse que não consigo falar mais lato que isso.
Tristan olhou pra cima. Estava parado na frente de uma porta. Havia uma mulher dentro do quarto, deitada
na cama. Era pequena e seu  corpo tinha uma cor acinzentada,  tubos compridos saiam de  seus braços e eram
ligados a aparelhos. Parecia uma aranha presa em sua própria teia.
–  Entre – disse.
Olhou atrás dele mesmo para ver com quem ela estava falando.
Ninguém.
–  Essa minha velha visão está tão turva, mal consigo ver minha própria mão bem na minha frente – disse a
mulher, –  Mas a sua luz eu vejo.
Tristan olhou novamente atrás dele. Ela parecia ter certeza do que falava. Parecia bem mais forte e mais clara
do que seu pequeno corpo cinza.
–  Sabia que você viria – disse. – Esperei pacientemente.
Ela estava esperando por alguém, pensou Tristan, talvez um filho ou um neto, e pensou que ele fosse essa
pessoa. Mesmo assim, como ela conseguia vê– lo quando ninguém mais conseguia.
O rosto dela parecia iluminar– se.
–  Sempre acreditei em você – estendeu a sua frágil mão para Tristan. Esquecendo que sua mão iria atravessar
seu corpo, instintivamente também estendendo a sua mão para ela. Ela fechou os olhos.
Um  pouco  depois,  o  alarme  começou  a  soar.  Três  enfermeiras  entraram  rapidamente  no  quarto.  Tristan
recuou  quando  elas  se  aproximaram  da  mulher.  Percebeu  que  estavam  tentando reanimá–  la;  sabia  que  não
conseguiriam. De alguma forma, sabia que aquela senhora não queria mais voltar.
Talvez, de alguma forma, a senhora tivesse percebido o que tinha acontecido com ele.
Como ela soube?
Tristan sentia a escuridão aproximando– se novamente. Lutou contra ela. E se dessa vez ela não conseguisse
voltar?  Tinha  de  voltar,  tinha  de  ver  Ivy  mais  uma  vez.  Tentou  desesperadamente  manter–  se  alerta,
concentrando– se em um objeto atrás do outro dentro do quarto. Foi aí que viu, ao lado de um livrinho da banja
da senhora: uma estatueta, com uma mão estendida para uma mulher e as asas angelicais abertas.
***
Nos  dias  que  se  seguiram  àquele,  Ivy  não  conseguiam  se  lembrar  de  nada,  além  da  cascata  de  vidro
estilhaçado.  O  acidente  parecia  um  sonho  que se repetia e  do  qual  não conseguia  se  lembrar.  Dormindo  ou
acordada,  dominava–  a  completamente.  Seu  corpo  inteiro  ficava  tenso  e  sua  mente  começava  a  girar  em
retrospectiva, as tudo de que conseguia se lembrar era o som do para– brisa explodindo, depois uma cascata de
vidro estilhaçado em marcha lenta.
Todos os dias, as pessoas entravam e saiam de sua casa, Suzanne e Beth, além de outros amigos e professores
da escola. Gary veio uma vez; foi uma  visita  deprimente  para os dois. Will dava as  caras de  vez em  quando.
Traziam– lhe flores, biscoitos e solidariedade. Ivy não via a hora que fossem embora, não via a hora de dormir
novamente. Mas, quando se deitava à noite, tinha de esperar uma eternidade até que o dia nascesse novamente.
No funeral, todos ficaram ao seu lado, sua mãe e Andrew de um lado e Philip de outro. Deixou Philip chorar
tudo o que podia no lugar dela. Gregory ficou atrás dela e, de vez em quando, pousava as mãos em suas costas.
Nesses momentos deixava– se apoiar um pouco contra o corpo dele. Era o único que não ficava pedindo a ela
para falar a respeito e que parecia entender sua dor, ele não ficava lhe dizendo que se lembrar era uma coisa boa.
Aos poucos, foi se lembrando do que aconteceu – ou lhe contaram os detalhes. Os médicos e a polícia deram
a maior parte deles. A parte interna de seus braços estava cheia de cortes. Disseram que ela deveria ter protegido
o  rosto  com  as  mãos  para  evitar  que  o  vidro  em  pedaços  a  atingisse.  Milagrosamente,  o  restante  de  seus
machucados eram só manchas roxas causadas pelo impacto do cinto de segurança. Tristan deve ter derrapado,
pois  o  carro  rodou  e  colidiu  com  o  cervo do lado  em  que  Tristan estava. O  sol  estava  se  pondo.  O  cervo
apareceu  de  forma  repentina.  Era  tudo  que  conseguia  se  lembrar.  Alguém  disse  a  ela  que  o  carro  ficara
totalmente destruído, mas ela não quis ver as fotos no jornal.

Uma semana  depois do funeral, a mãe  de  Tristan  veio visitá– la e trouxe uma foto dele.  Disse que era sua
favorita. Ivy pegou– a em suas mãos. Ele estava sorrindo, usava um velho boné de beisebol, com a aba para trás,
obviamente, e uma camisa surrada da escola, o mesmo visual que Ivy tinha visto tantas vezes. Parecia que ele ia
perguntar se ela  queria encontrá–  lo para  mais uma  aula  de natação.  Pela  primeira  vez desde o  acidente, Ivy
começou a chorar.
Não ouvia quando Gregory entrou na cozinha em que ela e a mãe de Tristan estavam sentadas. Quando viu a
Dra. Carruthers, exigiu saber porque ela estava lá.
Ivy mostrou a ele a foto de Tristan e ele olhou para ela com raiva.
–  Acabou! Ivy está superando isso tudo. Ela não precisa de mais nada que a faça lembrar.
Quando se ama alguém, não acaba nunca! – respondeu Dra. Carruthers gentilmente. – Você supera porque
tem que superar, mas leva– o em seu coração para sempre.
Virou– se para Ivy e disse: –   Você precisa  falar sobre isso e  se lembrar, Ivy. Você precisa chorar. Chorar
muito. Precisa ficar com raiva também! Eu estou!
Sabe de uma coisa? – disse Gregory. – Estou cansado de ouvir esse papo furado. Todo mundo fica falando
para  Ivy se  lembrar e  falar sobre  o  que aconteceu.  Todo  mundo  tem uma teoria própria  sobre  o  luto, mas
pergunto– me se eles realmente pensam em como ela se sente.
A Dra. Carruthers o avaliou por um instante. Pergunto– me se você realmente viveu seu próprio luto.
–  Não me diga que você é psiquiatra?
Ela balançou a cabeça negativamente. – Só alguém que, como você, perdeu alguém que amava com todo seu
coração.
Antes de sair, a mãe de Tristan perguntou se ela queria Ella de volta.
–  Não posso. Eles não me deixariam!
Então, correu para seu quarto, bateu  aporta e ficou trancada lá dentro. Seus amados estavam sendo tirados
dela – um a um.
Pegou uma estatueta de um anjo, uma que Beth tinha acabou de dar a ela e jogou contra a parede.
–  Por quê? – gritou. – Por que eu não morri também?
Pegou o anjo e jogou novamente.
–   Você  está  bem  melhor Tristan. Odeio  você por  estar  melhor do  que eu.  Não  sente  mais  a  minha falta
agora, não é mesmo? Ah, não, você não sente nada!
Na terceira vez que jogou o anjo, a estatueta se espatifou. Mais uma cascata de vidro estilhaçado. Ela nem se
incomodou em recolher.
Naquela noite, depois do jantar, Ivy viu que o vidro tinha sido recolhido e a fotografia de Tristan estava em
sua  escrivaninha.  Não perguntou  quem  tinha  feito  aquilo.  Não  queria  falar  com  ninguém.  Quando  Gregory
tentou vir ao seu quarto, ela bateu a aporta na cara dele. Fez a mesma coisa na manhã seguinte.
Durante aquele dia, também não foi muito simpática com os clientes da =TIS the Season. Foi direto para o
quarto quando cegou em casa. Abriu a porta e deu de cara com Philip e suas figurinhas de beisebol espalhadas
pelo  chão.  Tinha  percebido  que  ele  não  narrava  mais  o  jogo,  apenas  movia  os  jogadores  em  suas  bases
silenciosamente. Mas, quando olhou para Ivy, sorriu para ela pela primeira vez em dias. Apontou para sua cama.
–  Ella! – Ivy exclamou – Ella!
Correu para  a  cama, ajoelhando– se sobre ela. A  gata  começou  a ronronar  imediatamente.  Ivy enterrou o
rosto em Ella e virou para Philip. – A mamãe sabe que ela está aqui?
Ele fez que sim com a cabeça. –  Sabe. Está tudo bem. Gregory disse que está tudo bem. Ele a trouxe de
volta para nós.

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