sábado, 1 de dezembro de 2012

Capítulo 16 (Beijada por um Anjo)


- Bem –   disse  Suzanne ao  saírem do  cinema. –  Nas últimas  semanas  acho que assisti pelo  menos  tantos
filmes quanto Siskel e Ebert.
–  Não sei não se eles assistiram esse aí –  comentou Will.
–  Foi o único filme de que gostei até agora. Mal posso esperar para ver
Bloodbath
IV.
Gregory olhou para Ivy e ela desviou o olhar.
Foi Ivy quem sugeriu  ir  ao cinema quando  alguém disse que  ela  precisava  sair,  o que era  algo que viviam
falando ultimamente. Se pudesse ter escolhido, teria ido a uma sessão tripla. Ocasionalmente, dispersava– se no
meio  da  história,  mas  mesmo  que  isso  não  acontecesse,  era  uma  maneira  de  parecer  sociável  sem  ter  de
conversar com os outros. Infelizmente, a parte mais fácil da noite havia acabado de terminar. Ivy recuou quando
saíram do friozinho e da escuridão do interior do cinema para entrar na luz neon, quente da noite.
–  Pizza? –  perguntou Gregory.
–  Adoraria uma bebida! –  disse Suzanne.
–  Bem, Gregory está pagando, e como ele não me deixa encher o porta– malas –  disse Eric.
–  Gregory está pagando a pizza –  disse Gregory.
Cada vez  mais,  pensou  Ivy,  Gregory  parecia  um  conselheiro de  acampamento,  cuidando de  seu  estranho
grupo, agindo de forma responsável. Era de se estranhar que Eric estivesse tolerando essa situação –  mas sabia
que Gregory, Eric e Will tinham suas noitadas; noitadas selvagens com garotas e rapazes.
Nesses passeios em grupo, Ivy fazia um jogo consigo mesma, vendo quanto tempo conseguia sair sem pensar
em Tristan, ou pelo menos sem sentir terrivelmente a falta dele. Concentrava– se em prestar atenção às pessoas
ao seu redor. A vida continuava para eles, mesmo que não continuasse para ela.
Naquela noite, foram ao Celentano's, uma pizzaria popular na região. As cadeiras balançavam e as toalhas de
mesa  eram  quadrados  de  papel  rasgado  –    uma  placa  dizia:  "Temos  lápis  e  gizes  coloridos"  –    mas  os
proprietários, Pat  e Dennis entendiam tudo de comida. Beth, que adorava tudo que levava chocolate, adorava
suas famosas pizzas de sobremesa.
–  O que vai ser hoje? –  provocou Gregory. –  Brownies com queijo?
Beth sorriu, duas covinhas cor– de– rosa apareceram em seu rosto. Parte da beleza de Beth estava em sua
transparência, pensou Ivy, na forma como sorria sem apresentar defesas.
–   Vou pedir algo diferente. Algo mais saudável.  Já sei! Queijo brie com damasco e pedaços de  chocolate
amargo!
Gregory  riu,  pousando  delicadamente  a  mão  no  ombro  de  Beth.  Ivy  pensou  na  época  em  que  havia  se
enganado com os comentários da Gregory, achando que ele só queria tirar sarro dela e de suas amigas.
Mas agora era bem fácil entendê– lo. Assim como seu pai, tinha o gênio forte e precisava ser elogiado. No
momento, tanto Beth quanto Suzanne o estavam elogiando, Suzanne o observava com sagacidade por cima do
cardápio.
–  Tudo o que quero é peperoni –  reclamou Eric. –  Só peperoni –  disse, correndo o dedo pelo cardápio,
como um rato frustrado que não consegue sair do labirinto.
Aparentemente, Will já tinha se decidido. Seu cardápio estava fechado e havia começado a desenhar na toalha
de mesa à sua frente.
–  Ora, ora, o retorno de Rembrandt –  disse Pat ao passar pela mesa, apontando para Will. –  Almoça aqui
três vezes por semana –  explicou aos demais. –  Gostaria de acreditar que é por causa da comida, mas sei que é
por causa do material de arte gratuito.
Will abriu um sorriso, mas eram seus olhos que sorriam  mais que a boca, mostrando a todos um castanho
profundo. Seus lábios ergueram– se de leve só em um canto da boca.
Ele não era uma pessoa fácil de ser decifrada, pensou Ivy.
–  O' Leary –  disse Eric quando a dona da pizzaria saiu de perto. –  Você tem uma queda pela Pat ou o quê?
–  Gosta de mulheres mais velhas –  provocou Gregory.
–  Uma em UCLA, uma que foi para a Europa em vez de começar a faculdade...
–  Você está brincando –  disse Suzanne, obviamente impressionada.

Will olhou para cima. –  Somos amigos –  disse e continuou desenhando. –  E trabalho aqui do lado, na loja
de fotografia.
Isso era novidade para Ivy. Nenhum dos amigos de Gregory trabalhava de verdade.
–  Will desenhou o retrato de Pat –  Gregory contou às meninas.
Estava pendurado na parede, um pedaço de papel barato rascunhado com giz de cera. Mas o desenho de Pat
estava bom, com seus cabelos lisos e macios, seus olhos  cor de mel e  a  boca generosa –   ele tinha captado  a
beleza dela.
–  Você é muito bom! –  disse Ivy.
Will ergueu os olhos e eles se entreolharam por um segundo, depois, continuou desenhando. Ela não sabia
dizer se ele era indiferente ou se era simplesmente tímido.
–  Sabe, Will –  disse Beth. –  Ivy fica se perguntando se você é indiferente ou se é tímido mesmo.
Will piscou.
–  Beth! –  disse Ivy. –  De onde você tirou isso?
–  Ué? Você não se perguntou? Ou será que foi a Suzanne? Talvez tenha sido eu. Sei lá, Ivy, minha mente é
confusa. Estou com dor de cabeça desde que saí da sua casa. Acho que preciso de cafeína.
Gregory riu. –  A pizza com chocolate vai cuidar disso.
Will disse a Beth: –  Quero deixar claro que não sou indiferente.
–  Dá um tempo –  disse Gregory.
Ivy sentou– se na cadeira e olhou no relógio. Bem, tinha conseguido ficar oito minutos inteiros pensando em
outras pessoas.  Oito  minutos  sem  imaginar  como seria  se Tristan  estivesse  sentado  ao  lado  dela. Já  era  um
progresso.
Pat anotou o pedido, depois procurou no bolso e entregou um formulário para Will. –  Estou fazendo isso na
frente  dos  seus  amigos,  então  não  há  como  dar  para  trás,  Will.  Andei  guardando  as  toalhas  com  os  seus
desenhos –  planejo vendê– las quando seus quadros estiverem pendurados no
Metropolitan Museum of Art
. Mas se
você não inscrever seu trabalho no festival, eu mesma farei a inscrição.
–  Obrigada por me dar uma escolha, Pat –  disse, secamente.
–  Você tem mais formulários? Ivy precisa de um –  disse Suzanne.
–  Você também está guardando meus desenhos nas toalhas?
–  A sua música, garota. O festival de Stonehill é para todos os tipos de artistas. Eles montam um palco para
apresentações ao vivo. Isso vai ser bom para você.
Ivy mordeu a língua. Estava cansada das pessoas dizerem o que era bom para ela. Toda vez que diziam isso,
tudo o que conseguia pensar era que Tristan era o bom para ela.
Dois minutos dessa vez, dois minutos sem pensar nele.
Pat trouxe mais formulários junto com as pizzas. Os outros ficaram lembrando dos festivais de arte de verão
passados.
–  Gostei de ver as dançarinas –  disse Gregory.
–  Já fui uma jovem dançarina –  disse Beth.
–  Até que um acidente prematuro encerrou sua carreira –  disse Suzanne.
–  Eu tinha seis anos –  disse Beth. –  E tudo era tão mágico –  rodopiando com minha fantasia de lantejoulas
e um milhão de estrelas brilhando sobre a  minha cabeça. Infelizmente,  dancei  até cair do palco –  Will soltou
uma gargalhada. Era a primeira vez que Ivy o ouvia rir dessa forma.
–  Você se lembra quando Richmond tocou acordeão?
–  O Sr. Richmond? Nosso diretor?
Gregory concordou com a cabeça. –  O prefeito tirou o banquinho detrás dele.
–  Mas Richmond sentou– se –  disse Eric.
–  Aí!
Ivy  riu  junto  com  todos  os  colegas,  apesar  de estar  atuando  a maior  parte  do  tempo.  Sempre  que algo  a
interessava ou a fazia rir, era possível prender sua atenção no primeiro minuto, e depois el a pensava, tenho que
contar para Tristan.
Quatro minutos dessa vez.
Will desenhava cenas engraçadas na toalha de mesa: Beth rodopiando na ponta dos pés, Richmond com as
pernas  para  cima.  Montava  a  cena  como  se  fosse  uma  história  em  quadrinhos.  Suas mãos  eram  rápidas,  seu
traçado era firme e seguro. Ivy observou com interesse por alguns minutos.
Depois  Suzanne  soltou  um suspiro. Ivy  olhou  para o  lado, mas  o rosto  de  Suzanne  era  uma  máscara  de
cordialidade. –  Lá vem uma amiga sua –  disse a Gregory.
Todos  se  viraram.  Ivy  engoliu  seco.  Era  Twinkie  Hammonds,  a  moreninha  mingon,  como  Suzanne 
chamava –  a garota com quem Ivy havia conversado no dia em que tinha visto Tristan nadar pela primeira vez.
E ela estava com Gary.
Gary  olhava  para Ivy, depois para  Will,  que estava  sentado  ao lado dela, depois para  Eric  e Gregory. Ivy
estremeceu. Não era um encontro, mas mesmo assim, Gary a encarava de forma acusadora
–  Oi, Ivy.
–  Oi.
–  Está se divertindo? –  perguntou.
Ela brincou com um giz de cera, depois balançou a cabeça. –  Sim.
–  Faz tempo que não te vejo.
–   Eu sei –   disse, apesar  de que ela  o tinha visto –  uma  vez  no shopping e  outra vez na cidade, mas  se
escondeu rapidamente na primeira porta que encontrou.
–  Saindo muito?
–  Bastante, acho.
Cada vez que o via, esperava que Tristan estivesse ao lado dele.
Toda vez sentia a mesma dor novamente.
–  Achei que estivesse. A twinkie me falou.
–  Algum problema? –  perguntou Gregory.
–  Estava falando com ela e não com você –  respondeu Gary friamente. –  E só estava querendo saber o que
ela tem feito –  mudou o peso do corpo e continuou. –  Os pais do Tristan perguntaram de você outro dia.
Ivy abaixou a cabeça.
–  Eu visito às vezes.
–  Que bom! –  disse. Havia prometido a si mesma uma centena de vezes que iria vê– los.
–  Eles se sentem sós –  disse Gary.
–  Acredito que sim –  disse, desenhando pequenas letras "x" com o giz de cera.
.–  Eles gostam de falar sobre o Tristan.
Ela concordou com a cabeça sem dizer nada. Não podia voltar àquela casa, não podia! Soltou o lápis.
–  A sua foto ainda está no quarto dele!
Os olhos dela estavam secos. Mas sua respiração estava irregular. Tentou inspirar e expirar para contr olá– la,
a fim de que ninguém percebesse.
–  Tem um recado embaixo da sua foto –  a voz de Gary parecia um riso trêmulo. –  Você sabe como são os
pais de Tristan. Sempre respeitaram o filho e a sua privacidade. Até hoje eles ainda não leram, mas sabem que a
letra é sua, portanto, guardaram. Acham que é algum tipo de bilhete de a mor e que deveria ficar junto com a
fotografia.
O que ela havia escrito? Nada valioso o suficiente para ser guardado. Apenas recados para confirmar a hora
que se encontrariam para a próxima aula. E ele guardou.
Ivy tentou controlar as lágrimas. Jamais deveria sair com os colegas naquela noite. Não dava para fingir por
tanto tempo.
–  Seu cretino! –  era a voz de Gregory.
–  Está tudo bem –  disse Ivy.
–  Saia daqui, cretino, antes que eu saia com você! –  ordenou Gregory.
–   Está tudo bem –  e, para ela, estava mesmo. Gary não conseguia controlar seus sentimentos da mesma
forma que ela não conseguia.
–  Falei para você, Gary –  disse Twinkie. –  Ela não é do tipo que usa preto por um ano.
A cadeira de Gregory caiu quando se levantou e ele a chutou para longe.
Dennis  Celentano  o  pegou  antes  que  chegasse  ao  outro  lado  da  mesa  –    Qual  o  problema  com  vocês,
rapazes?
Ivy sentou–  se  com  a  cabeça baixa. Antes teria  rezado aos  anjos  pedindo forças, mas não  conseguia  mais
fazer  isso.  Controlou–  se,  colocando  seus  braços  ao  redor  de  si  mesma.  Fechou–  se  para  todo  tipo  de
pensamento, todo tipo  de sentimento, bloqueou as palavras, com raiva, que surgiam à sua volta. Entorpecida,
ficaria entorpecida; se pudesse manter o torpor para sempre.
Por que não havia  morrido no lugar dele? Por que as coisas tinham  acontecido daquela forma? Tristan era
tudo que seus pais tinham. Era tudo que ela queria. Ninguém o substituiria. Ela deveria ter morrido, não ele!
De  repente,  o ambiente ficou silencioso,  um silêncio  mórbido à  sua  volta.  Havia dito aquilo  em  voz  alta?
Gary  tinha  ido  embora.  Não  ouvia  nada  além  do  lápis  correndo  pelo  papel.  A  mão  de  Will  movia–  se
rapidamente, com o traçado cada vez mais forte e mais certo do que antes.
Ivy observava com fascinação. Finalmente, Will afastou a mão. Olhou para os desenhos. Anjos, anjos, anjos.
Um anjo que parecia Tristan com os braços envoltos nela de forma amorosa.
Sentiu a fúria dominando seu corpo. –  Como você ousa! Como você ousa, Will!
Seu olhar cruzou com o dela. Havia pânico e confusão em seus olhos. Mas ela não recuou. Não sentia nada
além da raiva.
–  Ivy, não sei porque... Não quis... Nunca quis, Ivy, juro que nunca...
Ela rasgou o papel.
Ele olhava incrédulo. –  Jamais magoaria você –  disse, em voz baixa.
Tinha sido tão fácil. Parecia que em menos de um milionésimo de segundo havia conseguido entrar em Will.
Não  houve  dificuldade  em  se  comunicar,  os  desenhos  dos  anjos  vieram  rapidamente,  como  se  suas  mentes
fossem uma só. Ele havia compartilhado com Will a surpresa de ver a imagem que seu lápis havia desenhado, se
ao menos Will pudesse torná– los verdadeiros para Ivy, sua Ivy, que precisava de consolo.
–  O que faço agora, Lacey? Como posso ajudar Ivy? Se tudo que faço a magoa ainda mais?
Mas Lacey não estava por perto para aconselhá– lo.
Tristan vagou pelas ruas da silenciosa cidade depois que Ivy e seus amigos saíram. Precisava pensar. Estava
quase com medo de  tentar novamente. Estatuetas de  anjos,  desenhos de anjos, só o fato de mencionar  anjos
provocava em Ivy nada mais do que dor e raiva –  mas era isso que ele era agora, um anjo.
Seus poderes recém– adquiridos eram inúteis, completamente inúteis. E ainda havia a questão da sua missão,
da qual ele não fazia a mínima idéia. Era tão difícil pensar nisso, quando tudo o  que conseguia pensar era em
uma forma de se aproximar de Ivy.
–  O que faço agora Lacey? –  perguntou novamente.
Não  sabia se  Lacey estava sendo exageradamente dramática quando  havia dito  que sua missão poderia  ser
salvar alguém de algum desastre. Mas, e se estivesse certa? E se ele estivesse tão preso à sua dor e à de Ivy que
estava fracassando com alguém?
Lacey disse  que tinha que  ficar perto das pessoas que conhecia e  por isso, assim que  saiu da escuridão, foi
procurar  por  Gary  e o  seguiu  até  o  Celentano's naquela  noite. Ela  também havia  dito  a ele  que  sua missão
poderia estar no  passado, algum  problema que tivesse visto, mas que não  tivesse dado  importância na época.
Precisava aprender como viajar de volta no tempo.
Imaginava o tempo como uma teia rodopiando em meio aos pensamentos, sentimentos e ações todos juntos,
uma teia que o segurava até romper de forma súbita. Parecia que o ponto de partida mais fácil seria seu ponto de
saída. Será que ajudaria se ele fosse até lá?
Andou rapidamente pela sinuosa estrada escura. Era bem tarde e não havia carros na estrada. Uma estranha
sensação, a sensação de que, a qualquer momento  um cervo saltaria na frente dele, fez com  que diminuísse o
ritmo, mas só por pouco tempo.
Foi estranho com que facilidade encontrou o lugar e a certeza que sentia de que aquele era o lugar, pois cada
curva  da  estrada parecia exatamente a mesma. A lua, apesar de  estar cheia, mal conseguia iluminar as pesadas
copas das árvores. Não havia o mínimo clarão de luz ali, só a iluminação ambiente, uma espécie de névoa cinza
fantasmagórica. Mesmo assim, encontrou as rosas.
Não as que tinha dado a ela, mas rosas parecidas. Estavam do outro lado da estrada, totalmente murchas. Ao
pegá– las, ficaram completamente despetaladas; só sobrou a fita roxa que as amarrava.
Tristan olhou  para a  estrada  como  se pudesse olhar  de volta no tempo. Tentou se lembrar  do seu  último
minuto de vida. A luz. Uma incrível luz e voz, ou recado –  não tinha certeza se era, na verdade, uma voz e não
podia se lembrar de palavra alguma. Mas tinha conseguido chegar depois da explosão de luz. Voltou para a luz e
focou sua mente nela.
Um ponto de luz –  sim, antes do túnel, antes da luz ofuscante no fim dele, havia um ponto de luz, a luz dos
olhos do cervo.
Tristan  deu  de  ombros.  Segurou–  se  e  sentiu  o  impacto  com  seu  corpo  todo.  Sentiu  como  se  estivesse
batendo nele mesmo. Caiu para trás. O carro ia em marcha ré em alta velocidade, como em uma montanha russa
ao contrário. Era como se estivesse preso em uma fita sendo rebobinada, com toda a conversa e os movimentos
frenéticos voltando para trás. Tentou parar, desejou que parasse, toda sua energia canalizada para que a corrida
no tempo parasse.
Então,  estava sentado  ao lado de  Ivy,  totalmente  paralisado, como se estivesse  congelado  em uma  tela de
cinema. Estavam no carro e ele lentamente deixou a cena correr a partir desse momento.
–   Última olhada no rio –   foi o que disse assim que  fizeram  uma curva,  desviando– se do  lugar em  que
estavam.
O sol de junho  dominava toda a região  oeste do interior de  Connecticut, enviando os  seus raios  de luz às
copas das árvores, cobrindo– as como se fossem ouro. A estrada sinuosa parecia um túnel de bordos, álamos e
carvalhos. Ivy sentia estar nadando em meio às ondas com Tristan, o sol brilhando no alto, os dois juntos em
movimento uníssono, em direção a um abismo de azul, roxo e verde escuro. Tristan ligou os faróis do carro.
–Você não precisa correr – disse Ivy. – Não estou mais com fome.
– Eu matei a sua fome?
Ela balançou a cabeça negativamente. – Acho que me alimentei de felicidade – respondeu suavemente.
A velocidade do carro continuava aumentando pelas curvas da estrada...
– Já falei que a gente não precisa correr.
–Engraçado. Não sei o que... Não parece que... – murmurou Tristan, olhando para os seus pés.
– Vá mais devagar está bem? Não tem problema se a gente se atrasar um pouquinho. – Ah! – Ivy apontou
para frente da estrada. – Tristan!
Havia algo saindo do meio dos arbustos e parando no meio da estrada. Não dava para ver o que era. Só dava
para perceber a movimentação por entre as sombras. E  então o cervo parou. Virou a cabeça e olhou fixamente
para as luzes dos faróis.
– Tristan! ela gritou.
Ele pisou mais fundo no freio. Estavam cada vez mais próximos dos olhos br ilhantes.
– Tristan, você não está vendo?
A velocidade não parava de aumentar.
–Ivy, tem algo...
–Um cervo!
Ele freou inúmeras vezes, o pedal ia até o fim, mas o carro não diminuía o ritmo.
Os olhos do  animal reluziam.  Havia  uma luz atrás  dele, uma  mancha  brilhante  em meio à escuridão.  Um
carro  vinha  na  outra  pista.  Do  outro  lado  havia  inúmeras  árvores.  Não  tinha  como  desviarem  nem  para  a
esquerda nem para a direita, e o pedal estava encostando no chão do carro.
–Pare! – ela gritou.
–Estou...
–Pare! Porque você não para? – ela implorou. –Tristan, pare!
Ele desejou que o  carro parasse, desejou voltar  ao presente,  mas não  tinha controle, nada o fazia parar de
aumentar a velocidade em direção ao redemoinho escuro que estava preparado para engoli– lo.
Quando abriu os olhos, Lacey estava olhando para ele.
–  Viagem difícil?
Tristan olhou para os lados. Ainda estava na mesma estrada, mas já era de manhã, a luz do sol era tão frágil
como as teias de aranha que se prendiam às árvores. Tentou se lembrar do que tinha acontecido.
–  Você me chamou, horas atrás, me perguntou o que fazer em seguida. Obviamente, não conseguiu esperar
para descobrir.
–  Voltei no tempo –  disse, passando a me lembrar de tudo de repente –  Lacey, não foi só o cervo. Se não
fosse o cervo, teria sido um muro. Ou as árvores, ou o rio ou a ponte. Podia ter sido outro carro.
–  Calma aí, Tristan! O que você está falando?
–  Não havia pressão, nem fluido. Ia até o fundo do chão do carro.
–  O quê?
–  O pedal. O freio. Não era para funcionar dessa forma –  segurou Lacey com força –  E se... e se não foi
um acidente? E se só pareceu um acidente?
–  E você só parece estar morto. Com certeza, me enganou.
–  Preste atenção, Lacey. Os freios estavam funcionando perfeitamente. Alguém mexeu neles. Alguém cortou
algum fio! Você tem de me ajudar!
–  Mas não sei nem colocar gasolina!
–  Você tem de me ajudar a falar com a Ivy –  Tristan começou a caminhar pela estrada.
–  Preferia ajudar com os freios –  Lacey chamou por ele. –  Mais devagar, Tristan. Antes que você derrube
outro cervo.
Mas nada o faria parar. –  Ivy tem de acreditar novamente. Temos de falar com ela. Ela tem de saber que não
foi um acidente. Alguém queria ver um de nós dois mortos!
Fim!

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