quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Capítulo 14 (Fallen)


Capítulo 14 Mãos Ociosas
Choveu o dia todo na terça. Nuvens extremamente negras rolaram do oeste e
agitaram-se sobre o campus, nada fazendo para ajudar a clarear a mente de Luce.
O aguaceiro caía em ondas desiguais - garoando, então chovendo torrencialmente,
então chovendo granizo ― antes de diminuir para começar tudo de novo. Os alunos
não tinham nem sido permitidos que fossem para fora durante os intervalos, e ao
final de sua aula de cálculo, Luce estava ficando louca por causa do aprisionamento.
Ela percebeu isso quando suas anotações começaram a se desviar do teorema de
valor médio e começaram a ficar desse jeito:
15 de setembro: dedo do meio introdutório de D
16 de setembro: estátua derrubada, mão na cabeça para me proteger (alternativa:
simplesmente ele tateando uma saída); a saída imediata de D
17 de setembro: potencial leitura errada do aceno de cabeça de D como uma sugestão
de que eu fosse a festa do Cam. Perturbadora descoberta do relacionamento de D & G
(erro?)
Soletrado desse jeito, era o começo de um catálogo muito embaraçoso. Ele tinha
simplesmente tantos altos e baixos. Era possível que ele se sentisse da mesma
maneira que ela ― embora, se pressionada, Luce insistiria que qualquer estranheza
da sua parte era apenas uma resposta à estranheza suprema da parte dele.
Não. Esse era precisamente o tipo de argumento circular no qual ela não queria se
engajar.
Luce não queria jogar nenhum jogo. Ela só queria ficar com ele. Só que, ela não
tinha ideia do por que. Ou como agir sobre isso. Ou, na verdade, o que ficar com ele
realmente significava. Tudo que ela sabia era que, apesar de tudo, era nele quem
ela pensava.
Aquele com quem ela se preocupava.
Ela pensara que se pudesse rastrear cada vez que eles tinham se conectado e cada
vez que ele tinha se afastado, ela podia ser capaz de encontrar alguma razão por
trás do comportamento errático de Daniel. Mas sua lista até agora estava apenas
deprimindo-a. Ela amassou a página numa bola.
      Quando o sino soou finalmente para liberá-los pelo dia, Luce saiu apressada da
sala de aula. Normalmente ela esperava para andar com Arriane ou Penn, temendo
os momentos em que seus caminhos se separavam, porque então Luce ficaria
sozinha com seus pensamentos.
Mas hoje, para variar, ela não teve vontade de ver ninguém. Ela estava ansiando um
tempo para Luce. Ela tinha apenas uma ideia certeira sobre como desviar sua
mente de Daniel: uma nadada longa, difícil e solitária.
Enquanto os outros alunos começaram a caminhar de volta na direção de seus
dormitórios, Luce puxou o capuz do seu suéter preto e lançou-se na chuva, ansiosa
para chegar à piscina. Enquanto ela descia os degraus de Agustine, ela se deparou
diretamente com algo alto e negro. Cam. Quando ela empurrou-o, uma torre de
livros balançou em seus braços, então caiu na calçada molhada em uma série de
batidas. Ele estava com o seu próprio capuz preto puxado sobre sua cabeça e seus
fones de ouvido berrando em seus ouvidos. Ele provavelmente não tinha visto ela
vindo, tampouco. Ambos tinham estado em seus próprios mundos.
 ― Você está bem? ― ele perguntou, colocando uma mão nas costas dela.
 ― Estou bem, ― Luce disse. Ela mal tinha tropeçado. Foram os livros de Cam
tombaram.
 ― Bem, agora que nós derrubamos os livros um do outro, o próximo passo não são
que nossas mãos se toquem acidentalmente enquanto pegamos-nos? ―
Luce riu. Quando ela lhe entregou um dos livros, ele segurou sua mão e apertou-a.
A chuva tinha encharcado seu cabelo escuro, e grandes gotas reuniam-se em seus
cílios longos e espessos. Ele parecia muito bem.
 ― Como se diz 'constrangido' em francês? ― ele perguntou.
 ― Hm ... gêné, ― Luce começou a dizer, sentindo-se ela própria um pouco gênée de
repente. Cam ainda estava segurando sua mão. ― Espere, não foi você quem tirou
um 10 no teste de Francês ontem? ―
 ― Você notou? ― ele perguntou. Sua voz soou estranha.
 ― Cam, ― ela disse, ― está tudo bem? ―
Ele se inclinou na direção dela e retirou uma gota d’água que ela sentira
escorrer pela ponte de seu nariz. O simples toque de seu dedo indicador a fez
estremecer, e de repente ela não podia deixar de pensar quão maravilhoso e
acolhedor podia ser se ele dobrasse-a em seus braços da forma como tinha feito no
memorial de Todd.
 ― Eu estive pensando em você, ― ele disse. ― Querendo te ver. Eu esperei por
você no memorial, mas alguém me disse que tinha ido embora. ―
Luce teve o pressentimento de que ele sabia com quem ela saíra. E que ele queria
que ela soubesse que ele sabia.
 ― Sinto muito, ― ela disse, tendo que gritar para ser ouvida sobre um ruído de
trovão. Agora ambos estavam encharcados pelo aguaceiro jorrando.
 ― Venha, vamos sair dessa chuva. ― Cam puxou suas costas na direção da entrada
coberta de Agustine.
Luce olhou sobre o ombro dele na direção do ginásio e quis estar lá, não aqui ou em
qualquer outro lugar com o Cam. Pelo menos, não agora. Sua cabeça estava cheia
até a borda de tantos impulsos confusos, e ela precisava de tempo e espaço longe
― de todos ― para discerni-los.
 ― Eu não posso, ― ela disse.
 ― Que tal mais tarde? Que tal hoje à noite? ―
 ― Claro, mais tarde, tudo bem. ―
Ele ficou radiante. ― Passarei no seu quarto. ―
Ele a surpreendeu ao puxá-la para si, apenas pelo mais breve dos momentos, e a
beijando suavemente na teMiss Luce se sentiu instantaneamente aliviada, quase
como se tivesse ganho uma dose de alguma coisa. E antes que ela tivesse a chance
de sentir algo mais, ele a soltou e estava andando rapidamente de volta na direção
do dormitório.
Luce balançou sua cabeça e chapinhou lentamente em direção ao ginásio.
Evidentemente ela tinha que resolver mais do que apenas Daniel.
     Havia uma possibilidade de que poderia ser bom, até divertido, passar algum
tempo com Cam, mais tarde essa noite. Se a chuva passasse, ele provavelmente
levaria-na para uma parte secreta do campus e seria totalmente carismático e lindo
naquela maneira intimidantemente tranquila dele. Ele a faria se sentir especial.
Luce sorriu.
Desde a última vez em que ela tinha posto os pés na Nossa Senhora de Ginástica
(como Arriane tinha batizado o ginásio), o pessoal de manutenção da escola
começou a lutar contra o kudzu20. Eles haviam retirado o cobertor verde da maior
parte da fachada do prédio, mas tinham acabado apenas a metade, e vinhas verdes
balançavam como tentáculos pelas portas. Luce teve que se abaixar sob alguns
rebentos compridos apenas para que ela pudesse entrar.
O ginásio estava vazio, e silencioso a ponto de se ouvir uma agulha cair, em
comparação com a tempestade lá fora.
A maior parte das luzes estava desligada. Ela não tinha perguntado se tinha
permissão para usar o ginásio fora do horário, mas a porta estava destrancada, e,
bem, ninguém está lá para impedi-la.
No corredor turvo, ela passou pelos antigos manuscritos em latim nas caixas de
vidro, e pelas reprodução em miniatura de mármore da Pietá. Ela parou na frente
da porta da sala de musculação, onde ela tinha se deparado com Daniel pulando
corda. Suspiro. Isso seria uma grande adição ao seu catálogo:
18 de setembro: D me acusa de persegui-lo.
Seguido dois dias mais tarde por:
20 de setembro: Penn me convence de realmente começar a persegui-lo. Eu consinto.
     Argh. Ela estava em um buraco negro de autodepreciação. E ainda assim ela
não conseguia parar a si mesma. No meio do corredor, ela congelou. De uma só vez
ela compreendeu porque este dia todo ela se sentira ainda mais consumida por
Daniel do que o habitual, e também ainda mais confusa quanto ao Cam. Ela
sonhara com ambos na noite passada.
Ela estivera andando através de um nevoeiro cinzento, alguém segurando sua mão.
Ela se virara, pensando que seria Daniel. Mas embora os lábios de quem ela estivera
pressionando fossem reconfortantes e carinhosos, não eram dele. Eles eram de
Cam. Ele deu-lhe inúmeros beijos suaves, e cada vez que Luce o espiava, seus
tempestuosos olhos verdes estavam abertos, também, penetrando-a,
interrogando-a sobre algo que ela não podia responder.
Então Cam se fora, e o nevoeiro se fora, e Luce estava enrolada apertadamente nos
braços de Daniel, exatamente onde queria estar. Ele a afundou e a beijou
ferozmente, como se estivesse com raiva, e cada vez que seus lábios deixavam os
dela, mesmo que por apenas meio segundo, a sede mais seca a percorria, fazendo-a
gritar. Desta vez, ela sabia que eram asas, e ela as deixou se enrolarem ao redor de
seu corpo como um cobertor. Ela queria tocá-las, dobrá-las ao redor de si mesma e
de Daniel completamente, mas logo o roçar de veludo estava recuando, dobrando-
se sobre si mesmo. Ele parou de beijá-la, observou seu rosto, esperou por uma
reação. Ela não entendeu o estranho medo quente crescendo na boca do seu
estômago. Mas lá estava, deixando-a desconfortavelmente quente, então quente
até fazer bolhas ― até que ela não pudesse mais aguentar. Foi quando ela acordou
de repente: No último momento do sonho, a própria Luce tinha queimado e se
despedaçado ― então tinha sido destruída até virar cinzas.
Ela acordara encharcada de suor ― seu cabelo, seu travesseiro, seu pijama todos
molhados e de repente a fazendo se senti com muito, muito frio. Ela ficara deitada
lá tremendo e sozinha até a primeira luz da manhã.
     Luce esfregou suas mangas encharcada de chuva para se aquecer. É claro. O
sonho tinha deixado-a com um fogo no seu coração e um frio nos seus ossos que ela
tinha sido incapaz de conciliar o dia todo. E era por isso que ela viera aqui para
nadar, para tentar tirar isso de seu sistema.
     Dessa vez, seu Speedo preto realmente servia, e ela se lembrara de trazer um
par de óculos de natação. Ela empurrou a porta para a piscina e ficou sob a
plataforma alta de mergulho sozinha, respirando o ar úmido com seu odor maçante
de cloro. Sem a distração dos outros alunos, ou o estímulo do apito da Treinadora
Diante, Luce conseguia sentir a presença de outra coisa na Igreja. Algo quase
sagrado.
     Talvez fosse simplesmente que o natatorium fosse um lugar tão lindo, mesmo
com a chuva caindo pelas janelas rachadas de vitrais. Mesmo com nenhuma das
velas acesas nos altares laterais vermelhos. Luce tentou imaginar como o lugar era
antes da piscina ter substituído os bancos, e ela sorriu. Ela gostava da ideia de nadar
sob todas aquelas cabeças orando.
    Ela baixou os óculos e pulou para dentro A água estava quente, muito mais
quente que a chuva lá fora, e o estrondo do trovão lá fora parecia inofensivo e longe
enquanto ela abaixava sua cabeça debaixo d'água.
Ela se propeliu e começou um nado crawl lento de aquecimento.
     Seu corpo rapidamente relaxou, e algumas voltas mais tarde, Luce aumentou
sua velocidade e começou o borboleta. Ela conseguia sentir a queimação em seus
membros, e ela se forçou.
Era exatamente dessa sensação que ela estava atrás. Totalmente a vontade.
     Se ela pudesse apenas falar com Daniel. Realmente falar, sem ele lhe
interromper ou lhe dizer para transferir de escola ou escapar antes que ela pudesse
chegar ao ponto. Isso podia ajudar. Também poderia exigir que ele fosse amarrado
e sua boca fechada simplesmente para que ele a ouvisse.
     Mas o que ela diria? Tudo o que ela era essa sensação que tinha perto dele,
que, se ela pensasse nisso, não tinha nada a ver com suas interações.
E se ela pudesse levá-lo de volta para o lago? Fora ele quem tinha deixado
implícito que aquele se tornara o lugar deles. Dessa vez, ela poderia levá-lo até lá, e
ela seria super-cuidadosa para trazer a tona algo que pareceria assustá-lo - Não
estava funcionando.
    Droga. Ela estava fazendo isso de novo. Ela deveria estar nadando. Só
nadando.
     Ela nadaria até que estivesse cansada demais para pensar em qualquer outra
coisa, especialmente Daniel.
Ela nadaria até-
― Luce! ―
Até que fosse interrompida. Por Penn, que estava de pé ao lado da piscina.
― O que você está fazendo aqui? ― Luce perguntou, cuspindo água.
     ― O que você está fazendo aqui? ― Penn disparou de volta. ― Desde quando
você faz exercícios de boa vontade? Eu não gosto deste novo lado seu. ―
     ― Como você me encontrou? ― Luce não percebeu até que tivesse dito que
suas palavras podiam ter soado rudes, como se ela estivesse tentando evitar Penn.
     ― Cam me disse, ― Penn disse. ― Tivemos uma conversa inteira. Foi
estranho. Ele queria saber se você estava bem. ―
― Isso é estranho, ― Luce concordou.
     ― Não, ― Penn disse, ― o que foi estranho foi que ele se aproximou de mim e
tivemos uma conversa inteira. O Sr. Popularidade... e eu. Preciso soletrar ainda
mais a minha surpresa? O negócio é que, ele foi realmente muito bonzinho. ―
― Bem, ele é bonzinho. ― Luce tirou os óculos de sua cabeça.
     ― Com você, ― Penn disse. ― Ele é tão bonzinho com você que ele escapuliu
da escola para lhe comprar aquele colar ― que você nunca usa. ―
      ― Eu usei uma vez, ― Luce disse. O que era verdade. Há cinco noites, depois
da segunda vez que Daniel a deixou encalhada no lago, sozinha com ou caminho
dele iluminado na floreMiss Ela não fora capaz de se desvincilhar da imagem e não
fora capaz de dormir. Então ela experimentara o colar. Ela adormecera segurando-o
perto de sua clavícula, e acordara com ele quente na sua mão. Penn estava
acenando três dedos para Luce, como se dissesse: Oi? E qual a razão disso...?
     ― A razão disso é, ― Luce disse finalmente, ― eu não sou tão superficial que
tudo pelo que estou procurando é um cara que me compra coisas. ―
      ― Não é tão superficial, hein? ― Penn perguntou. ― Então eu te desafio a
fazer uma lista não-superficial do por que você está tão afim do Daniel. O que
significa nada de Ele tem os olhinhos cinza mais adoráveis ou Ooh, a maneira como
seus músculos ondulam na luz do sol. ―
     Luce teve que rir do falsete agudo de Penn e da maneira como ela segurava
suas mãos cruzadas sobre o peito. ― Ele simplesmente me entende, ― ela disse,
evitando os olhos de Penn. ― Eu não consigo explicar isso. ―
― Ele entende que você merece ser ignorada? ― Penn sacudiu a cabeça.
      Luce nunca tinha dito a Penn sobre os momentos que ela passara sozinha com
Daniel, os momentos em que ela vira um relampejo de que ele se preocupava com
ela, também. Então Penn não conseguia entender realmente seus sentimentos. E
eles eram muito particulares e muito complicados para se explicar.
     Penn se agachou na frente de Luce. ― Olha, a razão pela qual eu vim te
procurar, em primeiro lugar, foi para arrastá-la para a biblioteca para uma Missão
relacionada ao Daniel. ―
― Encontrou o livro? ―
      ― Não exatamente, ― Penn disse, estendendo uma mão para ajudar Luce a
sair da piscina. ― A obra-prima do Sr. Grigori ainda está misteriosamente
desaparecida, mas eu meio que tipo hackeei o mecanismo de busca literário
somente para assinantes da Miss Sophia, e algumas coisas apareceram. Eu achei
que você poderia achá-las interessantes. ―
     ― Obrigada, ― Luce disse, içando-se para fora com a ajuda de Penn. ― Eu vou
tentar não ser irritantemente sentimental sobre o Daniel. ―
     ― Que seja, ― Penn disse. ― Só se apresse e se seque. Nós temos um breve
período sem chuva ali fora e eu não tenho um guarda-chuva. ―
     Quase toda seca e de volta em seu uniforme escolar, Luce seguiu Penn até a
biblioteca. Parte da porção da frente havia sido bloqueada por fitas amarelas da
polícia, então as meninas tiveram que escapulir pelo espaço estreito entre o
catálogo de cartas e a seção de referência. Ainda cheirava a uma fogueira, e agora,
graças aos irrigadores e à chuva, possuía um cheiro acrescentado de mofo.
     Luce deu sua primeira olhada para onde estivera a mesa da Miss Sophia, agora
um círculo carbonizado quase perfeito sobre o velho chão de azulejo no centro da
biblioteca. Tudo em um raio de quatro metros e meio tinha sido removido. Tudo
além disso estava estranhamente intacto.
    A bibliotecária não estava em seu posto, mas uma mesa dobrável havia sido
posta para ela ao lado do local queimado. A mesa estava deprimentemente vazia,
exceto por um abajur novo, um porta-lápis, e um bloco cinza de post-its.
     Luce e Penn lançaram uma a outra uma careta de que-droga antes de
continuarem para a estação de computadores nos fundos. Quando elas passaram a
seção de estudo onde tinham visto Todd pela última vez, Luce olhou para sua
amiga. Penn manteve seu rosto para frente, mas quando Luce estendeu a mão e
apertou a mão dela, Penn apertou de volta muito firme.
     Elas puxaram duas cadeiras até um terminal de computador, e Penn digitou
seu nome de usuário. Luce olhou ao redor só para ter certeza que ninguém mais
estava por perto. Uma caixa vermelha de erro apareceu na tela.
Penn gemeu.
― O quê? ― Luce perguntou.
― Depois das quatro, você precisa de permissão especial para acessar a net. ―
― É por isso que este lugar é sempre tão vazio à noite. ―
     Penn estava revirando sua mochila. ― Onde eu coloquei aquela senha
criptografada? ― ela murmurou.
      ― Ali está a Miss Sophia, ― Luce disse, sinalizando para a bibliotecária, que
estava atravessando o corredor com uma blusa preta justa e calçaa pescador verde
clara. Seus brincos brilhantes roçavam seus ombros, e ela tinha um lápis enfiado na
lateral de seu cabelo.
― Aqui, ― Luce sussurrou em voz alta.
A Miss Sophia espremeu os olhos para elas. Seus óculos bifocais tinham
deslizado nariz abaixo, e com uma pilha de livros em cada braço, ela não tinha uma
mão livre para empurrá-los para cima.
      ― Quem é? ― ela chamou, andando até lá. ― Oh, Lucinda. Pennyweather, ―
ela disse, parecendo cansada. ― Olá ― .
    ― Nós estávamos pensando se você poderia nos dar a senha para usar o
computador, ― Luce perguntou, apontando para a mensagem de erro na tela.
― Você não vai usar redes sociais, não é? Esses sites são obra do diabo. ―
― Não, não, esta é uma investigação séria, ― disse Penn. ― Você aprovaria. ―
     A Miss Sophia se inclinou sobre as meninas para desbloquear o computador.
Dedos voando, ela digitou a senha mais longa que Luce já tinha visto. ― Vocês têm
vinte minutos, ― disse ela sem rodeios, indo embora.
     ― Isso deve ser suficiente, ― sussurrou Penn. ― Eu encontrei um ensaio crítico
sobre Os Observadores, então até que rastreemos o livro, podemos pelo menos ler
sobre o que se trata. ―
     Luce percebeu alguém parado atrás dela e se virou para ver que a Miss Sophia
tinha retornado. Luce pulou. ― Desculpe, ― ela disse. ― Eu não sei por que você me
assustou. ―
      ― Não, sou eu quem deve pedir desculpas, ― a Miss Sophia disse. Seu sorriso
praticamente fazia seus olhos desaparecerem. ― É só que tem sido tão difícil
ultimamente, desde o incêndio. Mas não há nenhuma razão para descarregar a
minha tristeza em duas das minhas alunas mais promissoras. ―
    Nem Luce nem Penn sabiam exatamente o que dizer. Era uma coisa confortar
uma a outra após o incêndio. Tranquilizar a bibliotecária da escola parecia um
pouco demais para elas.
― Eu tenho tentado me manter ocupada, mas... ― a Miss Sophia dissipou-se.
    Penn olhou nervosamente para Luce. ― Bem, poderíamos precisar de alguma
ajuda com a nossa pesquisa, se, quer dizer, você– ―
     ― Posso ajudar! ― Miss Sophia puxou uma terceira cadeira, ― Vejo que estão
pesquisando Os Observadores, ― disse ela, lendo sobre seus ombros. ― Os Grigoris
foram um clã muito influente. E acontece que eu conheço um banco de dados
papal. Deixe-me ver o que eu consigo achar.
     Luce quase engasgou no lápis que ela estava mastigando. ― Desculpa, você
disse Grigoris? ―
     ― Ah sim, historiadores os traçaram até a Idade Média. Eles eram... ― Ela fez
uma pausa, procurando pelas palavras. ― Uma espécie de grupo de pesquisadores,
para colocar em termos leigos modernos. Eles se especializaram em um
determinado tipo de folclore de anjo caído. ―
    Ela estendeu a mão entre as meninas novamente e Luce maravilhou-se
enquanto seus dedos corriam pelo teclado. O mecanismo de busca apanhou para
acompanhar, puxando artigo após artigo, fonte primária depois de fonte primária,
todos sobre os Grigoris. O nome da família de Daniel estava em toda parte,
enchendo a tela. Luce sentiu-se um pouco tonta.
    A imagem de seu sonho voltou para ela: asas desenrolando-se, seu corpo
aquecendo até que ela ardesse em cinzas. ― Há diferentes tipos de anjos em que se
especializar? Penn perguntou.
    ― Ah, claro ― é um vasto campo da literatura, ― a Miss Sophia disse
enquanto digitava.
     ― Há aqueles que se tornam demônios. E aqueles que exaltam Deus. E há
ainda aqueles que se davam com mulheres mortais. ― Por fim seus dedos pararam.
― Hábito muito perigoso. ―
    Penn disse, ― Esses caras Observadores tem alguma relação com o Daniel
Grigori daqui? ―
     A Miss Sophia tocou seus lábios cor de malva. ― Bem possível. Eu mesma me
perguntei isso, mas não é nada da nossa conta ficar se metendo nos assuntos dos
alunos, não concordam? ― Seu rosto pálido apertou-se em uma carranca enquanto
ela olhava para o relógio.
     ― Bem, eu espero ter lhes dado o suficiente para começarem seu projeto. Eu
não vou mais monopolizar o seu tempo. ― Ela apontou para um relógio na tela do
computador. ― Vocês só têm nove minutos restantes. ―
     Enquanto ela voltou para a frente da biblioteca, Luce observou a postura
perfeita da Miss Sophia. Ela poderia ter equilibrado um livro em sua cabeça. Parecia
mesmo que tinha animado-a um pouco ajudar as meninas com sua pesquisa, mas
ao mesmo tempo, Luce não tinha ideia do que fazer com a informação que lhe
acabara de ser dada sobre Daniel.
Penn tinha. Ela já começara a rabiscar notas furiosas.
    ― Oito minutos e meio, ― ela informou Luce, entregando-lhe uma caneta e
um pedaço de papel. ― Tem coisas demais aqui para entender em oito minutos e
meio. Comece a escrever. ―
    Luce suspirou e fez o que lhe foi dito. Era uma página acadêmica da web
maçantemente desenhada com uma borda fina azul enquadrando um fundo liso
bege. No alto, em um cabeçalho com uma fonte rigorosamente negrita se lia: O
CLÃ GRIGORI.
Apenas lendo o nome, Luce sentiu sua pele aquecer.
     Penn bateu no monitor com sua caneta, voltando a atenção de Luce para sua
tarefa.
     Os Grigoris não dormem. Parecia possível; Daniel sempre parecia cansado.
Eles são geralmente quietos. Certo. Às vezes falar com ele era como extrair os
dentes. Em um decreto do século VIII –
A tela ficou preta. O tempo delas acabara.
― Quanto você conseguiu? ― Penn perguntou.
    Luce ergueu sua folha de papel. Patético. O que ela tinha era algo que ela nem
sequer se lembrava de ter rabiscado: as bordas das penas de asas.
     Penn deu-lhe um olhar lateral. ― Sim, posso ver que você será uma excelente
assistente de pesquisa, ― disse ela, mas ela estava rindo. ― Talvez mais tarde nós
poderíamos teorizar um jogo de MASH. 21– Ela ergueu as próprias anotações muito
mais abundantes. ― Tudo bem, eu tenho o suficiente para nos levar a algumas
outras fontes. ―
     Luce enfiou o papel no seu bolso ao lado da lista mestre amassada que ela
começara sobre todas as suas interações com Daniel. Ela estava começando a
transformar-se no seu pai, que não gostava de estar em qualquer lugar muito longe
do seu triturador de papel. Ela se abaixou para procurar uma lixeira e avistou um par
de pernas andando pelo corredor em direção a elas.
     A marcha era tão familiar quanto a dela própria. Ela sentou-se de volta ― ou
tentou sentar-se de volta ― e bateu sua cabeça na parte inferior da mesa do
computador.
     ― Auu, ― ela gemeu, esfregando o local onde batera sua cabeça no incêndio
da biblioteca.
     Daniel estava parado a poucos metros de distância. Sua expressão dizia que a
última coisa no mundo que ele queria agora era topar com ela. Pelo menos ele
apareceu depois que o computador tinha feito logoff. Ele não precisa pensar que ela
estava perseguindo-o ainda mais ativamente do que ele já pensava.
     Mas Daniel parecia estar olhando através dela; seus olhos cinza-violetas
estavam fixados em cima do seu ombro, em algo ― ou alguém.
      Penn bateu no ombro de Luce, então girou seu polegar na direção da pessoa
de pé atrás dela. Cam estava inclinando-se sobre a cadeira de Luce e sorrindo para
ela. Um raio lá fora fez com que Luce praticamente pulasse nos braços de Penn.
    ― Só uma tempestade, ― disse Cam, inclinando sua cabeça. ― Vai dissipar-se
em breve. Uma pena, porque você fica uma gracinha quando está com medo. ―
     Cam avançou a mão. Ele começou em seu ombro, então traçou a ponta de seu
braço com seus dedos até sua mão. Os olhos dela vibraram, era tão bom, e quando
ela os abriu, havia uma pequena caixa de veludo rubi na sua mão. Cam a abriu, só
por um segundo, e Luce viu um relampejo de ouro.
― Abra-a mais tarde, ― disse ele. ― Quando você estiver sozinha. ―
― Cam. ―
― Eu passei no seu quarto. ―
     ― Podemos. ― Luce olhou para Penn, que estava descaradamente olhando
para eles com um encanto de espectador de filme na primeira fila.
     Finalmente saindo de seu transe, Penn agitou suas mãos. ― Você quer que eu
vá. Entendo. ―
― Não, fique, ― disse Cam, soando mais doce do que Luce esperava. Ele se
virou para Luce.
― Eu vou. Mas mais tarde ― você promete? ―
― Claro. ― Ela sentiu-se corar.
    Cam pegou sua mão e empurrou-a e a caixa para dentro do bolso frontal
esquerdo de sua calça jeans. Ficou apertada, e a fez estremecer sentir os dedos dele
espalharem-se em seus quadris. Então ele piscou e virou as costas.
     Antes que ela tivesse a chance de recuperar o fôlego, ele voltou. ― Uma última
coisa, ― disse ele, deslizando seu braço para trás da cabeça dela e se aproximando.
    A cabeça dela inclinou-se para trás e a dele para frente, e a boca dele estava
sobre a dela. Seus lábios eram tão luxuosos quanto pareceram todas as vezes que
Luce os encarou.
     Não foi profundo, só um selinho, mas Luce sentiu como se fosse muito mais.
Ela não conseguia respirar por causa do choque e da emoção e da potencial exibição
pública desse muito longo, muito inesperado–
― Que di..! ―
     A cabeça de Cam tinha girado, e então ele estava encurvado, segurando seu
queixo.
    Daniel estava de pé atrás dele, esfregando o pulso. ― Mantenha suas mãos
longe dela. ―
― Não te ouvi, ― disse Cam, levantando-se lentamente.
Ai. Meu. Deus. Eles estavam lutando. Na biblioteca. Por ela.
    Então, em um movimento limpo, Cam disparou-se para Luce. Ela gritou
enquanto os braços dele começaram a fechar em torno dela.
    Mas as mãos de Daniel foram mais rápidas. Ele golpeou duramente Cam para
longe, e empurrou-o contra a mesa do computador. Cam grunhiu enquanto Daniel
pegava um punhado de seu cabelo e prensava sua cabeça para baixo.
     ― Eu disse parar manter suas mãos imundas longe dela, seu merdinha
maligno. ―
Penn gritou, pegou seu estojo, e foi na ponta dos pés até a parede. Luce
observou enquanto ela jogava seu estojo amarelo sujo uma vez, duas vezes, três
vezes no ar. Na quarta vez, ele foi alto o suficiente para acertar a pequena câmera
preta parafusada na parede. O golpe desviou a lente da câmera para a esquerda,
em direção a uma pilha muito parada de livros de não-ficção.
     Nessa hora, Cam tinha jogado Daniel para fora e eles estavam circulando um
ao outro, seus pés rangendo no chão polido.
     Daniel começou a esquivar-se antes que Luce sequer percebesse que Cam
estava pegando impulso. Mas Daniel ainda não esquivou-se com rapidez suficiente.
Cam acertou o que pareceu ser um soco de nocaute logo abaixo do olho de Daniel.
Daniel rodou para trás devido a força disso, empurrando Luce e Penn contra a mesa
do computador. Ele se virou e murmurou um pedido de desculpas confuso antes de
retornar.
― Ai meu Deus, parem! ― Luce gritou, pouco antes dele pular na cabeça do
Cam.
     Daniel parou Cam, lançando uma onda bagunçada de golpes nos seus ombros
e nas laterais de seu rosto.
     ― Isso é gostoso, ― resmungou Cam, estalando o pescoço de um lado para
outro como um boxeador.
      Ainda persistindo, Daniel deslocou suas mãos ao redor do pescoço de Cam. E
espremeu. Cam respondeu ao lançar Daniel de volta contra uma estante alta de
livros. O impacto explodiu pela biblioteca, mais alto do que o trovão do lado de
fora.
Daniel resmungou e soltou. Ele caiu no chão com um baque.
― O que mais você tem, Gregori? ―
     Luce cambaleou, pensando que ele podia não se levantar. Mas Daniel se
levantou rapidamente.
     ― Eu vou mostrar para você, ― ele sibilou. ― Lá fora. ― Ele foi até Luce, então
afastou-se. ― Você fica aqui. ―
Então ambos os garotos saíram da biblioteca, através da saída traseira que
Luce usara na noite do incêndio. Ela e Penn ficaram congeladas em seus lugares.
Elas encararam uma a outra, as bocas abertas.
      ― Vamos, ― disse Penn, arrastando Luce para uma janela que dava para a
área comum. Elas apertaram seus rostos no vidro, apagando a bruma de suas
respirações.
     A chuva estava caindo pesadamente. O campo lá fora estava escuro, exceto
pela luz que entrava pelas janelas da biblioteca. Estava tão enlameado e
escorregadio, era difícil ver alguma coisa.
    Então duas figuras saíram do centro da área comum. Ambos ficaram
ensopados instantaneamente. Eles discutiram por um momento, depois
começaram a circular um ao outro. Seus punhos foram erguidos novamente.
    Luce segurou o parapeito da janela e observou enquanto Cam fez o primeiro
movimento, correndo até Daniel e batendo nele com o ombro. Então um rápido
chute giratório em suas costelas.
     Daniel tombou, agarrando seus lados. Levante-se. Luce motivou-lhe a se
mover. Ela sentia como se ela própria tivesse sido chutada. Cada vez que Cam ia
para cima de Daniel, ela sentia em seus ossos.
Ela não aguentava assistir.
     ― Daniel tropeçou por um segundo ali, ― Penn anunciou após Luce ter se
virado.
― Mas ele disparou diretamente e totalmente marcou o Cam no rosto. Boa! ―
― Você está gostando disso? ― Luce perguntou, horrorizada.
      ― Meu pai e eu costumávamos assistir UFC, ― disse Penn. ― Parece que esses
dois caras tiveram alguma formação séria em artes marciais misturadas. Perfeito
cruzamento, Daniel! ― Ela gemeu. ― Ai, cara. ―
― O quê? ― Luce espiou novamente. ― Ele está ferido? ―
    ― Relaxe, ― disse Penn. ― Alguém está vindo para acabar com a luta. Bem
quando Daniel estava se recuperando. ―
Penn estava certa. Parecia que o Sr. Cole estava correndo pelo campus.
Quando chegou ao local onde os garotos estavam brigando, ele parou e assistiu-os
por um momento, quase hipnotizado pela maneira como eles estavam lutando.
― Faça alguma coisa, ― Luce sussurrou, sentindo-se enojada.
    Finalmente, o Sr. Cole agarrou cada garoto pela nuca. Os três lutaram por um
momento até que Daniel finalmente se desvincilhou. Ele balançou sua mão direita,
então marchou em um círculo e cuspiu algumas vezes na lama.
― Muito atraente, Daniel, ― Luce disse sarcasticamente. Exceto que era.
     Agora para uma conversa com o Sr. Cole. Ele acenou suas mãos loucamente
para eles e eles ficaram parados com as cabeças pendendo. Cam foi o primeiro a ser
dispensado. Ele correu pelo campo na direção do dormitório e desapareceu.
     O Sr. Cole colocou uma mão no ombro de Daniel. Luce estava morrendo de
vontade de saber o que eles estavam falando, se Daniel seria punido. Ela queria ir
até ele, mas Penn a bloqueou.
― Tudo isso por causa de uma jóia. O que Cam lhe deu, afinal? ―
    O Sr. Cole saiu e Daniel ficou sozinho, de pé à luz de um poste de luz acima,
olhando para a chuva.
      ― Eu não sei, ― Luce disse a Penn, deixando a janela. ― Seja o que for, eu não
quero. Especialmente não depois disso. ― Ela voltou para a mesa do computador e
tirou a caixa de seu bolso.
     ― Se você não vai olhar, eu vou, ― disse Penn. Ela abriu a caixa, então olhou
para Luce, confusa.
    O relampejo de ouro que elas tinham visto não tinha sido de jóias. Havia
apenas duas coisas dentro da caixa: outra palheta verde de Cam, e um pedaço
dourado de papel.
Encontre-me amanhã depois da aula. Eu estarei esperando nos portões. C

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