Capítulo 14 Mãos Ociosas
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Choveu o dia todo na terça. Nuvens extremamente negras rolaram
do oeste e
agitaram-se sobre o campus, nada fazendo para ajudar a clarear
a mente de Luce.
O aguaceiro caía em ondas desiguais - garoando, então chovendo
torrencialmente,
então chovendo granizo ― antes de diminuir para começar tudo
de novo. Os alunos
não tinham nem sido permitidos que fossem para fora durante
os intervalos, e ao
final de sua aula de cálculo, Luce estava ficando louca por
causa do aprisionamento.
Ela percebeu isso quando suas anotações começaram a se desviar
do teorema de
valor médio e começaram a ficar desse jeito:
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15 de setembro: dedo do meio introdutório de D
16 de setembro: estátua derrubada, mão na cabeça
para me proteger (alternativa:
simplesmente ele tateando uma saída); a saída imediata
de D
17 de setembro: potencial leitura errada do aceno
de cabeça de D como uma sugestão
de que eu fosse a festa do Cam. Perturbadora descoberta
do relacionamento de D & G
(erro?)
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Soletrado desse jeito, era o começo de um catálogo muito embaraçoso.
Ele tinha
simplesmente tantos altos e baixos. Era possível que ele se
sentisse da mesma
maneira que ela ― embora, se pressionada, Luce insistiria
que qualquer estranheza
da sua parte era apenas uma resposta à estranheza suprema
da parte dele.
Não. Esse era precisamente
o tipo de argumento circular no qual
ela não queria se
engajar.
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Luce não queria jogar nenhum jogo. Ela só queria ficar com
ele. Só que, ela não
tinha ideia do por que. Ou como agir sobre isso. Ou, na verdade,
o que ficar com ele
realmente significava. Tudo que ela sabia era que, apesar
de tudo, era nele quem
ela pensava.
Aquele com quem ela se preocupava.
Ela pensara que se pudesse rastrear cada vez que eles tinham
se conectado e cada
vez que ele tinha se afastado, ela podia ser capaz de encontrar
alguma razão por
trás do comportamento errático de Daniel. Mas sua lista até
agora estava apenas
deprimindo-a. Ela amassou a página numa bola.
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Quando o sino
soou finalmente para liberá-los pelo dia, Luce saiu apressada da
sala de aula. Normalmente ela esperava para andar com Arriane
ou Penn, temendo
os momentos em que seus caminhos se separavam, porque então
Luce ficaria
sozinha com seus pensamentos.
Mas hoje, para variar, ela não teve vontade de ver ninguém.
Ela estava ansiando um
tempo para Luce. Ela tinha apenas uma ideia certeira sobre
como desviar sua
mente de Daniel: uma nadada longa, difícil e solitária.
Enquanto os outros alunos começaram a caminhar de volta na
direção de seus
dormitórios, Luce puxou o capuz do seu suéter preto e lançou-se
na chuva, ansiosa
para chegar à piscina. Enquanto ela descia os degraus de Agustine,
ela se deparou
diretamente com algo alto e negro. Cam. Quando ela empurrou-o,
uma torre de
livros balançou em seus braços, então caiu na calçada molhada
em uma série de
batidas. Ele estava com o seu próprio capuz preto puxado sobre
sua cabeça e seus
fones de ouvido berrando em seus ouvidos. Ele provavelmente
não tinha visto ela
vindo, tampouco. Ambos tinham estado em seus próprios mundos.
― Você está bem? ―
ele perguntou, colocando uma mão nas costas dela.
― Estou bem, ― Luce
disse. Ela mal tinha tropeçado. Foram os livros de Cam
tombaram.
― Bem, agora que nós
derrubamos os livros um do outro, o próximo passo não são
que nossas mãos se toquem acidentalmente enquanto pegamos-nos?
―
Luce riu. Quando ela lhe entregou um dos livros, ele segurou
sua mão e apertou-a.
A chuva tinha encharcado seu cabelo escuro, e grandes gotas
reuniam-se em seus
cílios longos e espessos. Ele parecia muito bem.
― Como se diz 'constrangido'
em francês? ― ele perguntou.
― Hm ... gêné, ― Luce
começou a dizer, sentindo-se ela própria um pouco gênée de
repente. Cam ainda estava segurando sua mão. ― Espere, não
foi você quem tirou
um 10 no teste de Francês ontem? ―
― Você notou? ― ele
perguntou. Sua voz soou estranha.
― Cam, ― ela disse,
― está tudo bem? ―
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Ele se inclinou na direção dela e retirou uma gota d’água
que ela sentira
escorrer pela ponte de seu nariz. O simples toque de seu dedo
indicador a fez
estremecer, e de repente ela não podia deixar de pensar quão
maravilhoso e
acolhedor podia ser se ele dobrasse-a em seus braços da forma
como tinha feito no
memorial de Todd.
― Eu estive pensando
em você, ― ele disse. ― Querendo te ver. Eu esperei por
você no memorial, mas alguém me disse que tinha ido embora.
―
Luce teve o pressentimento de que ele sabia com quem ela saíra.
E que ele queria
que ela soubesse que ele sabia.
― Sinto muito, ― ela
disse, tendo que gritar para ser ouvida sobre um ruído de
trovão. Agora ambos estavam encharcados pelo aguaceiro jorrando.
― Venha, vamos sair
dessa chuva. ― Cam puxou suas costas na direção da entrada
coberta de Agustine.
Luce olhou sobre o ombro dele na direção do ginásio e quis
estar lá, não aqui ou em
qualquer outro lugar com o Cam. Pelo menos, não agora. Sua
cabeça estava cheia
até a borda de tantos impulsos confusos, e ela precisava de
tempo e espaço longe
― de todos ― para discerni-los.
― Eu não posso, ― ela
disse.
― Que tal mais tarde?
Que tal hoje à noite? ―
― Claro, mais tarde,
tudo bem. ―
Ele ficou radiante. ― Passarei no seu quarto. ―
Ele a surpreendeu ao puxá-la para si, apenas pelo mais breve
dos momentos, e a
beijando suavemente na teMiss Luce se sentiu instantaneamente
aliviada, quase
como se tivesse ganho uma dose de alguma coisa. E antes que
ela tivesse a chance
de sentir algo mais, ele a soltou e estava andando rapidamente
de volta na direção
do dormitório.
Luce balançou sua cabeça e chapinhou lentamente em direção
ao ginásio.
Evidentemente ela tinha que resolver mais do que apenas Daniel.
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Havia uma possibilidade
de que poderia ser bom, até divertido, passar algum
tempo com Cam, mais tarde essa noite. Se a chuva passasse,
ele provavelmente
levaria-na para uma parte secreta do campus e seria totalmente
carismático e lindo
naquela maneira intimidantemente tranquila dele. Ele a faria
se sentir especial.
Luce sorriu.
Desde a última vez em que ela tinha posto os pés na Nossa
Senhora de Ginástica
(como Arriane tinha batizado o ginásio), o pessoal de manutenção
da escola
começou a lutar contra o kudzu20. Eles haviam retirado o cobertor verde
da maior
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balançavam como tentáculos pelas portas. Luce teve que se
abaixar sob alguns
rebentos compridos apenas para que ela pudesse entrar.
O ginásio estava vazio, e silencioso a ponto de se ouvir uma
agulha cair, em
comparação com a tempestade lá fora.
A maior parte das luzes estava desligada. Ela não tinha perguntado
se tinha
permissão para usar o ginásio fora do horário, mas a porta
estava destrancada, e,
bem, ninguém está lá para impedi-la.
No corredor turvo, ela passou pelos antigos manuscritos em
latim nas caixas de
vidro, e pelas reprodução em miniatura de mármore da Pietá.
Ela parou na frente
da porta da sala de musculação, onde ela tinha se deparado
com Daniel pulando
corda. Suspiro. Isso seria uma grande adição ao seu catálogo:
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18 de setembro: D me acusa de persegui-lo.
Seguido dois dias mais tarde por:
20 de setembro: Penn me convence de realmente começar
a persegui-lo. Eu consinto.
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Argh. Ela estava
em um buraco negro de autodepreciação. E ainda assim ela
não conseguia parar a si mesma. No meio do corredor, ela congelou.
De uma só vez
ela compreendeu porque este dia todo ela se sentira ainda
mais consumida por
Daniel do que o habitual, e também ainda mais confusa quanto
ao Cam. Ela
sonhara com ambos na noite passada.
Ela estivera andando através de um nevoeiro cinzento, alguém
segurando sua mão.
Ela se virara, pensando que seria Daniel. Mas embora os lábios
de quem ela estivera
pressionando fossem reconfortantes e carinhosos, não eram
dele. Eles eram de
Cam. Ele deu-lhe inúmeros beijos suaves, e cada vez que Luce
o espiava, seus
tempestuosos olhos verdes estavam abertos, também, penetrando-a,
interrogando-a sobre algo que ela não podia responder.
Então Cam se fora, e o nevoeiro se fora, e Luce estava enrolada
apertadamente nos
braços de Daniel, exatamente onde queria estar. Ele a afundou
e a beijou
ferozmente, como se estivesse com raiva, e cada vez que seus
lábios deixavam os
dela, mesmo que por apenas meio segundo, a sede mais seca
a percorria, fazendo-a
gritar. Desta vez, ela sabia que eram asas, e ela as deixou
se enrolarem ao redor de
seu corpo como um cobertor. Ela queria tocá-las, dobrá-las
ao redor de si mesma e
de Daniel completamente, mas logo o roçar de veludo estava
recuando, dobrando-
se sobre si mesmo. Ele parou de beijá-la, observou seu rosto,
esperou por uma
reação. Ela não entendeu o estranho medo quente crescendo
na boca do seu
estômago. Mas lá estava, deixando-a desconfortavelmente quente,
então quente
até fazer bolhas ― até que ela não pudesse mais aguentar.
Foi quando ela acordou
de repente: No último momento do sonho, a própria Luce tinha
queimado e se
despedaçado ― então tinha sido destruída até virar cinzas.
Ela acordara encharcada de suor ― seu cabelo, seu travesseiro,
seu pijama todos
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molhados e de repente a fazendo se senti com muito, muito
frio. Ela ficara deitada
lá tremendo e sozinha até a primeira luz da manhã.
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Luce esfregou suas
mangas encharcada de chuva para se aquecer. É claro. O
sonho tinha deixado-a com um fogo no seu coração e um frio
nos seus ossos que ela
tinha sido incapaz de conciliar o dia todo. E era por isso
que ela viera aqui para
nadar, para tentar tirar isso de seu sistema.
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Dessa vez, seu Speedo preto realmente servia,
e ela se lembrara de trazer um
par de óculos de natação. Ela empurrou a porta para a piscina
e ficou sob a
plataforma alta de mergulho sozinha, respirando o ar úmido
com seu odor maçante
de cloro. Sem a distração dos outros alunos, ou o estímulo
do apito da Treinadora
Diante, Luce conseguia sentir a presença de outra coisa na
Igreja. Algo quase
sagrado.
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Talvez fosse simplesmente
que o natatorium fosse um lugar tão lindo, mesmo
com a chuva caindo pelas janelas rachadas de vitrais. Mesmo
com nenhuma das
velas acesas nos altares laterais vermelhos. Luce tentou imaginar
como o lugar era
antes da piscina ter substituído os bancos, e ela sorriu.
Ela gostava da ideia de nadar
sob todas aquelas cabeças orando.
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Ela baixou os óculos e pulou para dentro A água
estava quente, muito mais
quente que a chuva lá fora, e o estrondo do trovão lá fora
parecia inofensivo e longe
enquanto ela abaixava sua cabeça debaixo d'água.
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Ela se propeliu e começou um nado crawl lento de aquecimento.
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Seu corpo rapidamente
relaxou, e algumas voltas mais tarde, Luce aumentou
sua velocidade e começou o borboleta. Ela conseguia sentir
a queimação em seus
membros, e ela se forçou.
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Era exatamente dessa sensação que ela estava atrás. Totalmente
a vontade.
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Se ela pudesse
apenas falar com Daniel. Realmente falar, sem ele lhe
interromper ou lhe dizer para transferir de escola ou escapar
antes que ela pudesse
chegar ao ponto. Isso podia ajudar. Também poderia exigir
que ele fosse amarrado
e sua boca fechada simplesmente para que ele a ouvisse.
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Mas o que ela diria?
Tudo o que ela era essa sensação que tinha perto dele,
que, se ela pensasse nisso, não tinha nada a ver com suas
interações.
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E se ela pudesse levá-lo de volta para o lago? Fora ele quem
tinha deixado
implícito que aquele se tornara o lugar deles. Dessa vez,
ela poderia levá-lo até lá, e
ela seria super-cuidadosa para trazer a tona algo que pareceria
assustá-lo - Não
estava funcionando.
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Droga. Ela estava
fazendo isso de novo. Ela deveria estar nadando. Só
nadando.
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Ela nadaria até
que estivesse cansada demais para pensar em qualquer outra
coisa, especialmente Daniel.
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Ela nadaria até-
|
― Luce! ―
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Até que fosse interrompida. Por Penn, que estava de pé ao
lado da piscina.
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― O que você está fazendo aqui? ― Luce perguntou, cuspindo
água.
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― O que você está
fazendo aqui? ― Penn disparou de volta. ― Desde quando
você faz exercícios de boa vontade? Eu não gosto deste novo
lado seu. ―
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― Como você me
encontrou? ― Luce não percebeu até que tivesse dito que
suas palavras podiam ter soado rudes, como se ela estivesse
tentando evitar Penn.
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― Cam me disse,
― Penn disse. ― Tivemos uma conversa inteira. Foi
estranho. Ele queria saber se você estava bem. ―
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― Isso é estranho, ― Luce concordou.
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― Não, ― Penn disse,
― o que foi estranho foi que ele se aproximou de mim e
tivemos uma conversa inteira. O Sr. Popularidade... e eu.
Preciso soletrar ainda
mais a minha surpresa? O negócio é que, ele foi realmente
muito bonzinho. ―
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― Bem, ele é bonzinho. ― Luce tirou os óculos de sua cabeça.
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― Com você, ― Penn
disse. ― Ele é tão bonzinho com você que ele escapuliu
da escola para lhe comprar aquele colar ― que você nunca usa.
―
|
― Eu usei uma
vez, ― Luce disse. O que era verdade. Há cinco noites, depois
da segunda vez que Daniel a deixou encalhada no lago, sozinha
com ou caminho
dele iluminado na floreMiss Ela não fora capaz de se desvincilhar
da imagem e não
fora capaz de dormir. Então ela experimentara o colar. Ela
adormecera segurando-o
|
perto de sua clavícula, e acordara com ele quente na sua mão.
Penn estava
acenando três dedos para Luce, como se dissesse: Oi? E qual
a razão disso...?
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― A razão disso
é, ― Luce disse finalmente, ― eu não sou tão superficial que
tudo pelo que estou procurando é um cara que me compra coisas.
―
|
― Não é tão superficial,
hein? ― Penn perguntou. ― Então eu te desafio a
fazer uma lista não-superficial do por que você está tão afim
do Daniel. O que
significa nada de Ele tem os olhinhos cinza mais adoráveis
ou Ooh, a maneira como
seus músculos ondulam na luz do sol. ―
|
Luce teve que rir
do falsete agudo de Penn e da maneira como ela segurava
suas mãos cruzadas sobre o peito. ― Ele simplesmente me entende,
― ela disse,
evitando os olhos de Penn. ― Eu não consigo explicar isso.
―
|
― Ele entende que você merece ser ignorada? ― Penn sacudiu
a cabeça.
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Luce nunca tinha
dito a Penn sobre os momentos que ela passara sozinha com
Daniel, os momentos em que ela vira um relampejo de que ele
se preocupava com
ela, também. Então Penn não conseguia entender realmente seus
sentimentos. E
eles eram muito particulares e muito complicados para se explicar.
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Penn se agachou
na frente de Luce. ― Olha, a razão pela qual eu vim te
procurar, em primeiro lugar, foi para arrastá-la para a biblioteca
para uma Missão
relacionada ao Daniel. ―
|
― Encontrou o livro? ―
|
― Não exatamente,
― Penn disse, estendendo uma mão para ajudar Luce a
sair da piscina. ― A obra-prima do Sr. Grigori ainda está
misteriosamente
desaparecida, mas eu meio que tipo hackeei o mecanismo de
busca literário
somente para assinantes da Miss Sophia, e algumas coisas apareceram.
Eu achei
que você poderia achá-las interessantes. ―
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― Obrigada, ― Luce disse, içando-se para fora
com a ajuda de Penn. ― Eu vou
tentar não ser irritantemente sentimental sobre o Daniel.
―
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― Que seja, ― Penn
disse. ― Só se apresse e se seque. Nós temos um breve
período sem chuva ali fora e eu não tenho um guarda-chuva.
―
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Quase toda seca
e de volta em seu uniforme escolar, Luce seguiu Penn até a
biblioteca. Parte da porção da frente havia sido bloqueada
por fitas amarelas da
|
polícia, então as meninas tiveram que escapulir pelo espaço
estreito entre o
catálogo de cartas e a seção de referência. Ainda cheirava
a uma fogueira, e agora,
graças aos irrigadores e à chuva, possuía um cheiro acrescentado
de mofo.
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Luce deu sua primeira
olhada para onde estivera a mesa da Miss Sophia, agora
um círculo carbonizado quase perfeito sobre o velho chão de
azulejo no centro da
biblioteca. Tudo em um raio de quatro metros e meio tinha
sido removido. Tudo
além disso estava estranhamente intacto.
|
A bibliotecária
não estava em seu posto, mas uma mesa dobrável havia sido
posta para ela ao lado do local queimado. A mesa estava deprimentemente
vazia,
exceto por um abajur novo, um porta-lápis, e um bloco cinza
de post-its.
|
Luce e Penn lançaram
uma a outra uma careta de que-droga antes de
continuarem para a estação de computadores nos fundos. Quando
elas passaram a
seção de estudo onde tinham visto Todd pela última vez, Luce
olhou para sua
amiga. Penn manteve seu rosto para frente, mas quando Luce
estendeu a mão e
apertou a mão dela, Penn apertou de volta muito firme.
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Elas puxaram duas
cadeiras até um terminal de computador, e Penn digitou
seu nome de usuário. Luce olhou ao redor só para ter certeza
que ninguém mais
estava por perto. Uma caixa vermelha de erro apareceu na tela.
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Penn gemeu.
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― O quê? ― Luce perguntou.
|
― Depois das quatro, você precisa de permissão especial para
acessar a net. ―
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― É por isso que este lugar é sempre tão vazio à noite. ―
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Penn estava revirando
sua mochila. ― Onde eu coloquei aquela senha
criptografada? ― ela murmurou.
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― Ali está a Miss
Sophia, ― Luce disse, sinalizando para a bibliotecária, que
estava atravessando o corredor com uma blusa preta justa e
calçaa pescador verde
clara. Seus brincos brilhantes roçavam seus ombros, e ela
tinha um lápis enfiado na
lateral de seu cabelo.
|
― Aqui, ― Luce sussurrou em voz alta.
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A Miss Sophia espremeu os olhos para elas. Seus óculos bifocais
tinham
deslizado nariz abaixo, e com uma pilha de livros em cada
braço, ela não tinha uma
mão livre para empurrá-los para cima.
|
― Quem é? ― ela
chamou, andando até lá. ― Oh, Lucinda. Pennyweather, ―
ela disse, parecendo cansada. ― Olá ― .
|
― Nós estávamos
pensando se você poderia nos dar a senha para usar o
computador, ― Luce perguntou, apontando para a mensagem de
erro na tela.
|
― Você não vai usar redes sociais, não é? Esses sites são
obra do diabo. ―
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― Não, não, esta é uma investigação séria, ― disse Penn. ―
Você aprovaria. ―
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A Miss Sophia se
inclinou sobre as meninas para desbloquear o computador.
Dedos voando, ela digitou a senha mais longa que Luce já tinha
visto. ― Vocês têm
vinte minutos, ― disse ela sem rodeios, indo embora.
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― Isso deve ser
suficiente, ― sussurrou Penn. ― Eu encontrei um ensaio crítico
sobre Os Observadores, então até que rastreemos o livro, podemos
pelo menos ler
sobre o que se trata. ―
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Luce percebeu alguém
parado atrás dela e se virou para ver que a Miss Sophia
tinha retornado. Luce pulou. ― Desculpe, ― ela disse. ― Eu
não sei por que você me
assustou. ―
|
― Não, sou eu
quem deve pedir desculpas, ― a Miss Sophia disse. Seu sorriso
praticamente fazia seus olhos desaparecerem. ― É só que tem
sido tão difícil
ultimamente, desde o incêndio. Mas não há nenhuma razão para
descarregar a
minha tristeza em duas das minhas alunas mais promissoras.
―
|
Nem Luce nem Penn
sabiam exatamente o que dizer. Era uma coisa confortar
uma a outra após o incêndio. Tranquilizar a bibliotecária
da escola parecia um
pouco demais para elas.
|
― Eu tenho tentado me manter ocupada, mas... ― a Miss Sophia
dissipou-se.
|
Penn olhou nervosamente
para Luce. ― Bem, poderíamos precisar de alguma
ajuda com a nossa pesquisa, se, quer dizer, você– ―
|
― Posso ajudar!
― Miss Sophia puxou uma terceira cadeira, ― Vejo que estão
pesquisando Os Observadores, ― disse ela, lendo sobre seus
ombros. ― Os Grigoris
|
foram um clã muito influente. E acontece que eu conheço um
banco de dados
papal. Deixe-me ver o que eu consigo achar.
|
Luce quase engasgou
no lápis que ela estava mastigando. ― Desculpa, você
disse Grigoris? ―
|
― Ah sim, historiadores
os traçaram até a Idade Média. Eles eram... ― Ela fez
uma pausa, procurando pelas palavras. ― Uma espécie de grupo
de pesquisadores,
para colocar em termos leigos modernos. Eles se especializaram
em um
determinado tipo de folclore de anjo caído. ―
|
Ela estendeu a mão
entre as meninas novamente e Luce maravilhou-se
enquanto seus dedos corriam pelo teclado. O mecanismo de busca
apanhou para
acompanhar, puxando artigo após artigo, fonte primária depois
de fonte primária,
todos sobre os Grigoris. O nome da família de Daniel estava
em toda parte,
enchendo a tela. Luce sentiu-se um pouco tonta.
|
A imagem de seu
sonho voltou para ela: asas desenrolando-se, seu corpo
aquecendo até que ela ardesse em cinzas. ― Há diferentes tipos
de anjos em que se
especializar? Penn perguntou.
|
― Ah, claro ― é
um vasto campo da literatura, ― a Miss Sophia disse
enquanto digitava.
|
― Há aqueles que
se tornam demônios. E aqueles que exaltam Deus. E há
ainda aqueles que se davam com mulheres mortais. ― Por fim
seus dedos pararam.
― Hábito muito perigoso. ―
|
Penn disse, ― Esses
caras Observadores tem alguma relação com o Daniel
Grigori daqui? ―
|
A Miss Sophia tocou
seus lábios cor de malva. ― Bem possível. Eu mesma me
perguntei isso, mas não é nada da nossa conta ficar se metendo
nos assuntos dos
alunos, não concordam? ― Seu rosto pálido apertou-se em uma
carranca enquanto
ela olhava para o relógio.
|
― Bem, eu espero
ter lhes dado o suficiente para começarem seu projeto. Eu
não vou mais monopolizar o seu tempo. ― Ela apontou para um
relógio na tela do
computador. ― Vocês só têm nove minutos restantes. ―
|
Enquanto ela voltou
para a frente da biblioteca, Luce observou a postura
perfeita da Miss Sophia. Ela poderia ter equilibrado um livro
em sua cabeça. Parecia
|
mesmo que tinha animado-a um pouco ajudar as meninas com sua
pesquisa, mas
ao mesmo tempo, Luce não tinha ideia do que fazer com a informação
que lhe
acabara de ser dada sobre Daniel.
|
Penn tinha. Ela já começara a rabiscar notas furiosas.
|
― Oito minutos e
meio, ― ela informou Luce, entregando-lhe uma caneta e
um pedaço de papel. ― Tem coisas demais aqui para entender
em oito minutos e
meio. Comece a escrever. ―
|
Luce suspirou e
fez o que lhe foi dito. Era uma página acadêmica da web
maçantemente desenhada com uma borda fina azul enquadrando
um fundo liso
bege. No alto, em um cabeçalho com uma fonte rigorosamente
negrita se lia: O
CLÃ GRIGORI.
|
Apenas lendo o nome, Luce sentiu sua pele aquecer.
|
Penn bateu no monitor
com sua caneta, voltando a atenção de Luce para sua
tarefa.
|
Os Grigoris não
dormem. Parecia possível; Daniel sempre parecia cansado.
Eles são geralmente quietos. Certo. Às vezes falar com ele
era como extrair os
dentes. Em um decreto do século VIII –
|
A tela ficou preta. O tempo delas acabara.
|
― Quanto você conseguiu? ― Penn perguntou.
|
Luce ergueu sua
folha de papel. Patético. O que ela tinha era algo que ela nem
sequer se lembrava de ter rabiscado: as bordas das penas de
asas.
|
Penn deu-lhe um
olhar lateral. ― Sim, posso ver que você será uma excelente
assistente de pesquisa, ― disse ela, mas ela estava rindo.
― Talvez mais tarde nós
poderíamos teorizar um jogo de MASH. 21– Ela ergueu as próprias anotações muito
mais abundantes. ― Tudo bem, eu tenho o suficiente para nos
levar a algumas
outras fontes. ―
|
Luce enfiou o papel
no seu bolso ao lado da lista mestre amassada que ela
começara sobre todas as suas interações com Daniel. Ela estava
começando a
transformar-se no seu pai, que não gostava de estar em qualquer
lugar muito longe
|
do seu triturador de papel. Ela se abaixou para procurar uma
lixeira e avistou um par
de pernas andando pelo corredor em direção a elas.
|
A marcha era tão
familiar quanto a dela própria. Ela sentou-se de volta ― ou
tentou sentar-se de volta ― e bateu sua cabeça na parte inferior
da mesa do
computador.
|
― Auu, ― ela gemeu,
esfregando o local onde batera sua cabeça no incêndio
da biblioteca.
|
Daniel estava parado
a poucos metros de distância. Sua expressão dizia que a
última coisa no mundo que ele queria agora era topar com ela.
Pelo menos ele
apareceu depois que o computador tinha feito logoff. Ele não
precisa pensar que ela
estava perseguindo-o ainda mais ativamente do que ele já pensava.
|
Mas Daniel parecia
estar olhando através dela; seus olhos cinza-violetas
estavam fixados em cima do seu ombro, em algo ― ou alguém.
|
Penn bateu no
ombro de Luce, então girou seu polegar na direção da pessoa
de pé atrás dela. Cam estava inclinando-se sobre a cadeira
de Luce e sorrindo para
ela. Um raio lá fora fez com que Luce praticamente pulasse
nos braços de Penn.
|
― Só uma tempestade,
― disse Cam, inclinando sua cabeça. ― Vai dissipar-se
em breve. Uma pena, porque você fica uma gracinha quando está
com medo. ―
|
Cam avançou a mão.
Ele começou em seu ombro, então traçou a ponta de seu
braço com seus dedos até sua mão. Os olhos dela vibraram,
era tão bom, e quando
ela os abriu, havia uma pequena caixa de veludo rubi na sua
mão. Cam a abriu, só
por um segundo, e Luce viu um relampejo de ouro.
|
― Abra-a mais tarde, ― disse ele. ― Quando você estiver sozinha.
―
|
― Cam. ―
|
― Eu passei no seu quarto. ―
|
― Podemos. ― Luce olhou para Penn, que estava
descaradamente olhando
para eles com um encanto de espectador de filme na primeira
fila.
|
Finalmente saindo
de seu transe, Penn agitou suas mãos. ― Você quer que eu
vá. Entendo. ―
|
― Não, fique, ― disse Cam, soando mais doce do que Luce esperava.
Ele se
virou para Luce.
|
― Eu vou. Mas mais tarde ― você promete? ―
|
― Claro. ― Ela sentiu-se corar.
|
Cam pegou sua mão
e empurrou-a e a caixa para dentro do bolso frontal
esquerdo de sua calça jeans. Ficou apertada, e a fez estremecer
sentir os dedos dele
espalharem-se em seus quadris. Então ele piscou e virou as
costas.
|
Antes que ela tivesse
a chance de recuperar o fôlego, ele voltou. ― Uma última
coisa, ― disse ele, deslizando seu braço para trás da cabeça
dela e se aproximando.
|
A cabeça dela inclinou-se
para trás e a dele para frente, e a boca dele estava
sobre a dela. Seus lábios eram tão luxuosos quanto pareceram
todas as vezes que
Luce os encarou.
|
Não foi profundo,
só um selinho, mas Luce sentiu como se fosse muito mais.
Ela não conseguia respirar por causa do choque e da emoção
e da potencial exibição
pública desse muito longo, muito inesperado–
|
― Que di..! ―
|
A cabeça de Cam
tinha girado, e então ele estava encurvado, segurando seu
queixo.
|
Daniel estava de
pé atrás dele, esfregando o pulso. ― Mantenha suas mãos
longe dela. ―
|
― Não te ouvi, ― disse Cam, levantando-se lentamente.
|
Ai. Meu. Deus. Eles estavam lutando. Na biblioteca. Por ela.
|
Então, em um movimento
limpo, Cam disparou-se para Luce. Ela gritou
enquanto os braços dele começaram a fechar em torno dela.
|
Mas as mãos de Daniel
foram mais rápidas. Ele golpeou duramente Cam para
longe, e empurrou-o contra a mesa do computador. Cam grunhiu
enquanto Daniel
pegava um punhado de seu cabelo e prensava sua cabeça para
baixo.
|
― Eu disse parar
manter suas mãos imundas longe dela, seu merdinha
maligno. ―
|
Penn gritou, pegou seu estojo, e foi na ponta dos pés até
a parede. Luce
observou enquanto ela jogava seu estojo amarelo sujo uma vez,
duas vezes, três
vezes no ar. Na quarta vez, ele foi alto o suficiente para
acertar a pequena câmera
preta parafusada na parede. O golpe desviou a lente da câmera
para a esquerda,
em direção a uma pilha muito parada de livros de não-ficção.
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Nessa hora, Cam
tinha jogado Daniel para fora e eles estavam circulando um
ao outro, seus pés rangendo no chão polido.
|
Daniel começou
a esquivar-se antes que Luce sequer percebesse que Cam
estava pegando impulso. Mas Daniel ainda não esquivou-se com
rapidez suficiente.
Cam acertou o que pareceu ser um soco de nocaute logo abaixo
do olho de Daniel.
Daniel rodou para trás devido a força disso, empurrando Luce
e Penn contra a mesa
do computador. Ele se virou e murmurou um pedido de desculpas
confuso antes de
retornar.
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― Ai meu Deus, parem! ― Luce gritou, pouco antes dele pular
na cabeça do
|
Cam.
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Daniel parou Cam,
lançando uma onda bagunçada de golpes nos seus ombros
e nas laterais de seu rosto.
|
― Isso é gostoso,
― resmungou Cam, estalando o pescoço de um lado para
outro como um boxeador.
|
Ainda persistindo,
Daniel deslocou suas mãos ao redor do pescoço de Cam. E
espremeu. Cam respondeu ao lançar Daniel de volta contra
uma estante alta de
livros. O impacto explodiu pela biblioteca, mais alto do que
o trovão do lado de
fora.
|
Daniel resmungou e soltou. Ele caiu no chão com um baque.
|
― O que mais você tem, Gregori? ―
|
Luce cambaleou,
pensando que ele podia não se levantar. Mas Daniel se
levantou rapidamente.
|
― Eu vou mostrar
para você, ― ele sibilou. ― Lá fora. ― Ele foi até Luce, então
afastou-se. ― Você fica aqui. ―
|
Então ambos os garotos saíram da biblioteca, através da saída
traseira que
Luce usara na noite do incêndio. Ela e Penn ficaram congeladas
em seus lugares.
Elas encararam uma a outra, as bocas abertas.
|
― Vamos, ― disse
Penn, arrastando Luce para uma janela que dava para a
área comum. Elas apertaram seus rostos no vidro, apagando
a bruma de suas
respirações.
|
A chuva estava
caindo pesadamente. O campo lá fora estava escuro, exceto
pela luz que entrava pelas janelas da biblioteca. Estava tão
enlameado e
escorregadio, era difícil ver alguma coisa.
|
Então duas figuras
saíram do centro da área comum. Ambos ficaram
ensopados instantaneamente. Eles discutiram por um momento,
depois
começaram a circular um ao outro. Seus punhos foram erguidos
novamente.
|
Luce segurou o parapeito
da janela e observou enquanto Cam fez o primeiro
movimento, correndo até Daniel e batendo nele com o ombro.
Então um rápido
chute giratório em suas costelas.
|
Daniel tombou,
agarrando seus lados. Levante-se. Luce motivou-lhe a se
mover. Ela sentia como se ela própria tivesse sido chutada.
Cada vez que Cam ia
para cima de Daniel, ela sentia em seus ossos.
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Ela não aguentava assistir.
|
― Daniel tropeçou
por um segundo ali, ― Penn anunciou após Luce ter se
virado.
|
― Mas ele disparou diretamente e totalmente marcou o Cam no
rosto. Boa! ―
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― Você está gostando disso? ― Luce perguntou, horrorizada.
|
― Meu pai e eu
costumávamos assistir UFC, ― disse Penn. ― Parece que esses
dois caras tiveram alguma formação séria em artes marciais
misturadas. Perfeito
cruzamento, Daniel! ― Ela gemeu. ― Ai, cara. ―
|
― O quê? ― Luce espiou novamente. ― Ele está ferido? ―
|
― Relaxe, ― disse
Penn. ― Alguém está vindo para acabar com a luta. Bem
quando Daniel estava se recuperando. ―
|
Penn estava certa. Parecia que o Sr. Cole estava correndo
pelo campus.
Quando chegou ao local onde os garotos estavam brigando, ele
parou e assistiu-os
por um momento, quase hipnotizado pela maneira como eles estavam
lutando.
|
― Faça alguma coisa, ― Luce sussurrou, sentindo-se enojada.
|
Finalmente, o Sr.
Cole agarrou cada garoto pela nuca. Os três lutaram por um
momento até que Daniel finalmente se desvincilhou. Ele balançou
sua mão direita,
então marchou em um círculo e cuspiu algumas vezes na lama.
|
― Muito atraente, Daniel, ― Luce disse sarcasticamente. Exceto
que era.
|
Agora para uma
conversa com o Sr. Cole. Ele acenou suas mãos loucamente
para eles e eles ficaram parados com as cabeças pendendo.
Cam foi o primeiro a ser
dispensado. Ele correu pelo campo na direção do dormitório
e desapareceu.
|
O Sr. Cole colocou
uma mão no ombro de Daniel. Luce estava morrendo de
vontade de saber o que eles estavam falando, se Daniel seria
punido. Ela queria ir
até ele, mas Penn a bloqueou.
|
― Tudo isso por causa de uma jóia. O que Cam lhe deu, afinal?
―
|
O Sr. Cole saiu
e Daniel ficou sozinho, de pé à luz de um poste de luz acima,
olhando para a chuva.
|
― Eu não sei,
― Luce disse a Penn, deixando a janela. ― Seja o que for, eu não
quero. Especialmente não depois disso. ― Ela voltou para a
mesa do computador e
tirou a caixa de seu bolso.
|
― Se você não vai
olhar, eu vou, ― disse Penn. Ela abriu a caixa, então olhou
para Luce, confusa.
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O relampejo de ouro
que elas tinham visto não tinha sido de jóias. Havia
apenas duas coisas dentro da caixa: outra palheta verde de
Cam, e um pedaço
dourado de papel.
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Encontre-me amanhã depois da aula. Eu estarei esperando
nos portões. C
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