domingo, 4 de novembro de 2012

Capítulo 9 (Doce Vampiro)


Uma combinação de fatores me levou a usar a palavra ―pinto na aula de
literatura.
      Fazia um mês e meio que eu estava na Escola de Pelham. E, durante todo
esse tempo, fiquei pensando em como os vampiros são criaturas sexuais. Quer
dizer, não é por causa do sexo que a moda de vampiros dura há tanto tempo?
No passado era o Drácula que seduzia todas aquelas virgens pálidas e
perturbadas. Hoje em dia, o rosto pálido e o olhar fixo de Chauncey Castle,
em posters de Sede de sangue espalhados em todos os quartos do país,
fulminam adolescentes na hora de dormir. E as meninas adoram.
      Além do fator atração, supostamente vampiros são muito bons de cama.
Por isso toda aquela conversa sobre ―a única coisa mais dura e poderosa do
que as presas de Chauncey Castle. E por isso também toda aquela ação que
fazia os peitos da Virginia White ―tremerem, ―arfarem e ―vibrarem em
cada maldito capítulo do livro.
      Francamente, eu não sabia o que significava ser bom de cama. Sempre
achei que minha primeira experiência sexual seria parecida com meu passeio
pelo Túnel do Toque no Museu da Ciência e da Indústria. Um mergulho no
escuro. Eu tentaria achar o caminho pelo tato, enquanto pessoas mais
experientes ficariam assistindo pela câmara infravermelha e rindo da minha

cara. E eu torceria para sair antes que o oxigênio acabasse.
     Para falar a verdade, eu me sentia muito incomodado com a ideia de sexo.
E não ajudava em nada aquela brincadeira que faziam no St. Luke, em que os
caras inventavam termos sexuais ridículos e fictícios, diziam que eram reais
porém obscuros e provocavam os outros com eles. Quer dizer, eles
geralmente me provocavam com aqueles termos, já que eu não tinha coragem
de admitir que não sabia o que alguma coisa significava. Johnny Frackas, por
exemplo, me chamava na sala de estudos:
     — Ei, Frutinha, aposto que você não sabe o que é salsicha virada.
     Salsicha virada? Não, eu não sabia. Revirava furiosamente meu arquivo
mental com todas as revistas Maxim que já tinha roubado na vida, ou tentava
imaginar as fotos da minha enciclopédia de anatomia. Eu repassava
mentalmente todos os movimentos e posições possíveis — além das
perversões — que meu cérebro fosse capaz de gerar e que poderiam ser
classificados de salsicha virada.
     O verbo ―virar geralmente significa inverter a direção ou a posição de
alguma coisa, do lado de cima para o de baixo. Ou vice-versa. Ou, usado no
sentido mais atlético, ―virar poderia significar um giro de trezentos e sessenta
graus em torno do próprio corpo. Como uma cambalhota. ―Salsicha era bem
óbvio. Significava... bem, você sabe. Mas eu não podia dar uma cambalhota
com o meu...
     — Ei, pessoal! — Johnny Frackas dizia, interrompendo minha longa
pausa. — O Frutinha não sabe o que é salsicha virada!
     Meu rosto ficava vermelho, e eu não achava resposta para dar. E por que
não? Porque eu pensava que todos os caras que estavam ali sabiam alguma
coisa que eu não sabia.
     Foi assim que um grupo de alunos católicos me ensinou uma importante
lição sobre sexo. Tudo que você precisa fazer para que as pessoas pensem que
você sabe muito sobre sexo é falar sobre o assunto.
     Embora eu tivesse planejado pôr essa teoria em prática e incluir o sexo na
conversa — quanto mais gente no papo, melhor −, ainda não tinha
encontrado a oportunidade certa. Sempre que eu estava com um grupo de
garotos e garotas da escola e alguém tocava no assunto, outro cara fazia uma

piada suja e idiota e roubava minha chance, ou eu não percebia que havia uma
brecha para falar de sexo até que fosse tarde demais. E, para falar a verdade,
eu andava ocupado e distraído, basicamente por exaustão física.
      O plano de treino do Luke estava me matando. Ele me acordava toda
manhã às 5h45 e começava seu próprio treino de força levantando sessenta
quilos — ou seja, tentando me levantar da minha cama quentinha. Em seguida
fazíamos uma atividade aeróbica, correndo cinco malditos quilômetros pelo
bairro, quando somente pessoas idiotas o suficiente para ter cães estão
acordadas. Depois disso, voltávamos para o nosso quarto no segundo andar (e
cada porcaria de passo queimava. Por que tem tantos degraus nessa nossa
maldita escada?). Lá em cima, era tanto levantamento de peso que parecia que
estávamos filmando um daqueles infomerciais de aparelhos de musculação.
Acho que meu corpo não foi feito para se exercitar. Desde que essa coisa toda
com o Luke havia começado, eu tinha sofrido queimaduras de sol (sim, às
vezes antes mesmo de o sol nascer. A vida — e os raios UV — são cruéis),
dor nas canelas, estiramento no bíceps, torção no tornozelo, irritação na pele
por causa do suor e distensão na virilha. Nessa última lesão, Luke tentou
administrar os primeiros socorros, e acho que acidentalmente violou algumas
leis de incesto do estado de Nova York.
      Eu também estava ocupado por causa da Kate. Não, não ocupado com a
Kate. Preposição errada. Mas tinha me aproximado bastante dela.
Almoçávamos juntos quase todos os dias. Ela me contou que queria iniciar um
clube de investimentos na escola.
      — Dá para ganhar dinheiro com esses jogos de mercado de ações online!
— ela disse. — Bem, isso se você ganhar daqueles manes da faculdade de
economia.
      Eu definitivamente queria ganhar dos manes da faculdade de economia,
principalmente para impressionar a Kate. Por isso não ia admitir que era
péssimo em matemática. Matemática é o tipo de coisa em que os garotos
supostamente são bons. Então peguei na biblioteca o Guia de investimento no
mercado de ações para iniciantes. Também pedi conselhos ao Matt Katz, já
que aparentemente o pai dele era um investidor de sucesso.
      — Claro, vou pedir umas dicas para o meu pai — ele me disse. — Ele é

bom. Ganhou tanto no ano passado que comprou uma cara nova para minha
madrasta.
      Enquanto Kate me deixou interessado no clube de investimentos e até fez
da matemática algo um tanto sexy, eu recomendei livros para ela e revelei que
gostava de poesia.
      — Sério? — ela sorriu. — Nunca conheci um cara que gostasse de poesia.
      Exceto aqueles veados da Sociedade das Bichas Mortas, completei a frase
em pensamento. Foi assim que o Johnny Frackas me chamou depois que meu
poema foi publicado na St. Luke’s Lit: ―Um daqueles veados da Sociedade das
Bichas Mortas.
      — Que poetas são bons? — Kate perguntou. — Você precisa me dizer
quais devo ler. Não esqueça que sou iniciante.
      — Yeats e Frank O’Hara são demais — comecei. — E H.D. Jeffrey
McDaniel é bem engraçado e tal. Mas, se você gosta de rimas e coisas mais
tradicionais, não pode perder os sonetos de Shakespeare.
      — Shakespeare? — ela inclinou a cabeça com uma cara pensativa
dissimulada. — Nunca ouvi falar.
      — É um escritor muito bom — sorri. — Não tem o reconhecimento que
merece.
      E, aliás, foi a poesia que me deu uma abertura sexual (haha). A
apresentação que a sra. Rove fez do nosso programa de poesia me deu a
oportunidade de falar muita besteira na aula de literatura.
      Numa maçante e chuvosa terça-feira em meados de outubro, nossa
professora de literatura anunciou:
      — Este é o poema ―À sua tímida amante, de Andrew Marvell.
      A sra. Rove era meio parecida com a Hillary Clinton, só que tinha um
utilitário enorme no estacionamento dos professores, por isso ela devia ter um
lado gângster secreto — ou um marido que investia no mercado de ações.
      Meus colegas pararam de prestar atenção no comércio de drogas que
rolava no estacionamento e gemeram em uníssono. Até os alunos do módulo
avançado odeiam o programa de poesia. Menos eu, que parei de rabiscar nas
margens do caderno e fiquei na expectativa. Era a minha chance de dominar a
aula de inglês e exibir minha inteligência e autoconfiança vampiresca. ―À sua

tímida amante era um dos meus poemas favoritos! Na verdade, fazia parte do
meu gênero preferido de poemas, que poderia ser chamado de ―poemas que
caras escrevem para que garotas transem com eles. Talvez eu gostasse de
poesia pela mesma razão que gostava de rappers inteligentes, como Nas, Talib
Kweli e A Tribe Called Quest — porque secretamente eu esperava
desenvolver as mesmas habilidades verbais para seduzir uma mulher. Claro
que agora eu mal conseguia lembrar meu nome perto de meninas gostosas
como a Kate, mas eu tinha mais esperanças de desenvolver habilidades verbais
do que os bíceps.
     — Sr. Kirkland, por favor, distribua os poemas — a professora gritou. —
Sr. Kirkland!
     O sr. Kirkland, também conhecido como Nate Caça-Tatu, acordou e
distribuiu a pilha de poemas. Ele esqueceu de reservar uma cópia para si
mesmo.
     — Agora que vocês já tiveram alguns minutos para ler e ter uma primeira
impressão — disse a sra. Rove –, alguém pode me dizer sobre o que é este
poema?
     Ashley Milano levantou a mão.
     — A carruagem alada do tempo — disse cuidadosamente — é um
símbolo! Significa que... tipo, como todo mundo está envelhecendo rápido.
     Ashley Milano conhecia símbolos. Sua inteligência parava por aí, mas ela
realmente conhecia símbolos.
     — Muito bem, Ashley. Vamos discutir os símbolos mais tarde, sem
dúvida — a sra. Rove disse. — Mas alguém pode me dar um resumo do
poema? O que o narrador está dizendo? Por que ele escreveu isso?
     Matt Katz soltou um enorme ronco, que fez seu queixo se afastar do
peito. Foi tão alto que ele acordou. Kayla Bateman suspirava alto, anunciando
sua frustração por não conseguir abotoar o casaco sobre os peitos. Jason
Burke desenhava um jogo da velha no canto da folha. Apenas Ashley
demonstrava algum interesse — que era caçar e esfaquear cruelmente
símbolos e metáforas com uma caneta vermelha.
     — Qual é a finalidade deste poema? — a sra. Rove perguntou
novamente.

     Silêncio. Olhei novamente ao redor da sala. Ninguém ia falar nada.
     Então eu falei, sem sequer levantar a mão.
     — Sexo — disse em alto e bom som.
     O ronco do Matt Katz se transformou numa tosse asfixiante. Jason Burke
teve que dar uns tapas nas costas dele. Duas meninas que estavam pintando as
unhas com Liquid Paper no canto da sala arregalaram os olhos e soltaram uma
risadinha. Ashley Milano ficou de boca aberta. Eu nunca tinha visto a garota
ficar quieta por tanto tempo.
     — Sr. Frame? — a professora disse.
     Ela parecia séria, mas também notei interesse em sua voz. Fez um gesto
para que eu continuasse.
     — O narrador do poema quer sexo — expliquei.
     — O quêêê? — Jason Burke exclamou, sem poder acreditar.
     — O narrador diz para a mulher que, se os dois fossem viver para
sempre, ele faria tudo sem pressa e seria romântico — expliquei
pacientemente. — Mas eles não vão viver para sempre, por isso ele não vai
fazer nada disso. Ele quer sexo imediatamente.
     Dava para ouvir por toda a sala os risos abafados e um suave som ao
fundo, um cochicho, sinal de comoção.
     — Tudo bem, sr. Frame — a sra. Rove disse. Então ela andou até a
frente da mesa e cruzou os braços, como se estivesse me desafiando. — Você
pode sustentar essa teoria com alguma evidência do poema?
     Segurei o papel na frente do rosto e o examinei criticamente, embora eu
conhecesse quase de cor aquele texto. ―À sua tímida amante fazia parte de
uma enorme antologia de poemas que eu tinha pedido de presente no meu
aniversário de 8 anos. Eu havia lido o livro todo naquela época, e reli o poema
depois da puberdade — quando então percebi nele um novo significado.
     — O narrador pede sexo diretamente na última estrofe. Ele diz: ―Vamos
nos divertir enquanto podemos. Basicamente, ―vamos transar. E, na
segunda estrofe, tenta assustar a mulher dizendo que, se não transarem agora,
os vermes vão receber sua ―virgindade há muito preservada. Ele acha que a
garota é virgem há tempo demais.
     — Além disso — continuei –, na primeira estrofe, o ―amor vegetal que

cresce é na verdade a ereção do cara.
     Por toda a sala, os alunos se endireitaram na cadeira.
     — O que significa — acrescentei, sorrindo — que a expressão ―mais
vasto que impérios indica muita arrogância por parte dele.
     A sra. Rove tirou os óculos. Quando se sentou, parecia que havia me
concedido o comando da aula.
     — E o título, sr. Frame? — perguntou. — Tenho certeza que tem algo a
dizer sobre ele.
     Limpei a garganta, consciente de que estavam todos me olhando e, pelo
menos dessa vez, gostando.
     — Antigamente se dizia ―tímida — declarei. — Mas hoje em dia
chamaríamos essa mulher de... provocadora de pinto.
     Nate Kirkland ficou paralisado com o dedo no nariz. Matt Katz não só
havia acordado, como começou a fazer anotações. Mais tarde vi ―ter uma
ereção vegetal escrito em sua agenda como a lição de casa do dia. Jason
Burke tinha perdido o jogo da velha para si mesmo. E as meninas da classe?
Do jeito que estavam me olhando, qualquer um pensaria que eu não só sei o
que é salsicha virada, como faço isso bem demais.

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