domingo, 4 de novembro de 2012

Capítulo 10 (Doce Vampiro)


— Eu não vou à festa do Yeoman hoje à noite — Jenny disse na sexta-feira,
subindo na mureta do corredor onde eu estava sentado terminando a lição de
álgebra. Por alguma razão, eu sempre deixava a lição de álgebra para o último
minuto. Provavelmente por despeito. Eu odeio matemática — mas não conte
para a Kate.
     Levantei os olhos. Jenny estava usando uma saia fechada por alfinetes de
segurança. Será que eram falsos, como aquelas frutas que algumas pessoas
colocam no centro da mesa? Ou eram de verdade? Se eu os abrisse, será que a
saia cairia? Às vezes eu tinha pensamentos sexuais involuntários sobre a Jenny.
Porque ela estava sempre por perto. E porque sempre tenho pensamentos
sexuais involuntários.
     — Que festa? — perguntei.
     — Do Will Yeoman — ela respondeu. — Sabe o Will Yeoman? Aquele
cara que é uma versão idiota do Jason Burke?
     — Ah, tá — eu disse, desenhando uma parábola malfeita. Em seguida,
olhei para Jenny e ri. — Ele é mesmo um Jason Burke idiota.
     Jason Burke era loiro, bom nos esportes e inteligente. Will Yeoman era
loiro e bom nos esportes, mas um pouco mais tosco, um pouco maior, mais
desajeitado e mais burro. Juntos, eles eram uma lição sobre a evolução

humana.
     — Os pais do Will Yeoman vão estar fora no fim de semana — ela
contou, cruzando as pernas na borda estreita da mureta. — Então a festa vai
bombar na casa toda, não apenas no porão. A Ashley Milano vai fazer os
movimentos de stripper que aprendeu nas aulas de pole dance, e aquele tio
bizarro do Will vai comprar cerveja para a gente.
     — O tio que ficou amigo de todas aquelas meninas no Facebook? —
perguntei.
     — É.
     — Ele provavelmente vai tentar entrar na festa — eu disse, lembrando
que foi por causa disso que eu tinha ouvido falar do Will Yeoman. O tio dele
tinha perseguido tanto a Kayla Bateman pelo Facebook que ela tentou
denunciá-lo num programa de TV sobre sedução de menores.
     — De qualquer forma, eu não vou — Jenny cruzou os braços
enfaticamente.
     Rabisquei ―Finn Frame, álgebra, segundo ano na lição e fechei o
caderno.
     Fiz a pergunta que ela queria que eu fizesse:
     — Por que você não vai?
     O monólogo que se iniciou indicava que ela tinha ficado muito feliz por
eu ter perguntado.
     — Só vão meninas idiotas que reclamam de como os caras as
incomodam, mas as reclamações são na verdade uma ostentação muito mal
disfarçada de como eles gostam delas — Jenny começou. — Tipo a Kayla
Bateman, que vai falar sobre como os caras do último ano jogam comida no
decote dela quando a convidam para almoçar, como se fosse uma chateação,
mas o motivo de todo esse papo é para ela se gabar porque os caras do último
ano a convidam para almoçar e porque ela tem aqueles peitos enormes. Eu
odeio quando tudo que uma menina tem na cabeça são meninos.
     Isso vindo de uma garota com uma biblioteca em casa cheia de heroínas
que usam salto alto e vestido decotado enquanto correm para escapar do
perigo mortal. Então tá.
     — O Will está, tipo, convidando as pessoas para a festa? — perguntei.

     Aquilo acalmou a Jenny, que passou a fazer um discurso sobre como o
Will nunca a convidava diretamente para suas festas, mas na segunda-feira
seguinte perguntava: ―Ei, Jenny, por que você não apareceu?
     — Então acho que eu devo, tipo, presumir que fui convidada — ela
falou. — Ou ele vai ficar bravo porque eu não fui!
     Jenny gostava especialmente da ideia de que o Will ficaria chateado se ela
não aparecesse na festa — ou de que ele notaria a ausência dela. Pelo que eu
havia percebido na Escola de Pelham, as pessoas meio que ignoravam a Jenny.
Todos se conheciam desde que tinham dente de leite, e só achavam
interessantes os colegas que tinham passado por grandes mudanças desde
aquela época — por exemplo, todo mundo estava muito interessado nas
enormes mudanças da Kayla Bateman.
     Mas, mesmo tendo virado a mais gótica de todas, a Jenny não conseguia
se destacar. Todo mundo da escola sabia como ela era — esquisita, pequena e
inofensiva — desde o jardim de infância. Quando ela usa camisetas com
línguas em chamas ou facas pingando sangue, eles apenas olham para ela e
dizem: ―Oi, Jenny.
     — Oi, Jenny — Jason Burke falou, parando ao nosso lado. — Pode me
emprestar sua lição de álgebra?
     — Sim, claro! Estou terminando agora — ela respondeu. Ela tem uma
paixão muito mal disfarçada pelo Jason Burke, embora sempre diga que ―os
meninos de Pelham são tãããooo bobos.
     — Posso levar para você na sala de orientação?
     — Pode. Valeu, Jenny — ele agradeceu, antes de dar no pé.
     Ela se virou para mim.
     — Finn, pode me emprestar sua lição?
    No almoço, Kate me perguntou:
    — Você vai à festa do Yeoman hoje à noite?
    — Festa do Yeoman? Como você fica sabendo dessas coisas? —
perguntei, zombando dela.
    — Todo mundo sabe — ela respondeu.
    — Você está no primeiro ano — falei com desdém. — É muito nova

para beber.
     — Ah, cala a boca! — ela disse, batendo em mim de leve. A temperatura
do meu braço subiu no lugar que ela tocou. — Eu não bebo. E, na verdade,
não vou a festas.
     Uau! Kate foi corajosa ao dizer isso em voz alta! Fiquei impressionado.
Havia pelo menos dez alunos por perto, e ela estava admitindo que não bebia.
Era como se eu declarasse casualmente que tinha um testículo escondido (eu
não tenho, juro! Só estou dizendo que é considerado bizarro não beber nem ir
a festas quando se é aluno do ensino médio. Sem querer ofender os
―escondidos).
     Por mais que Johnny Frackas enchesse meu saco no St. Luke, eu nunca
tinha admitido que não gostava de beber. Inventei tantos amigos imaginários
que bebiam para evitar essa revelação que daria para montar um time de
futebol. Mas a Kate era tão descolada. Ela podia admitir que não gostava de
beber ou de ir a festas, e isso não fazia dela uma otária. Só fazia com que ela
fosse... mais descolada.
     — Isso é incrível! — exclamei.
     Ela me olhou de um jeito estranho.
     — Quer dizer, isso é bom — eu disse. — Esse negócio de você não ir a
festas. Festas não são mesmo muito... legais.
     — O que eu ia dizer — ela continuou — é que, se você não for à festa do
Yeoman, deveria ir ao cinema comigo ver aquele novo filme de ação. Parece
que os agentes secretos desse filme usam ternos melhores que o do Will Smith
em Homens de preto.
     — Ah, tá — eu disse. Eu estava totalmente na minha, mas, para falar a
verdade, a ideia de sair com a Kate em qualquer lugar fora da escola fez com
que eu me sentisse pronto para conquistar o Everest. — Isso parece... tá,
claro. Tudo bem.
     — Então você não vai? — ela perguntou.
     — O quê?
     — Na festa do Yeoman.
     — Nã. Eu ia passar essa mesmo.
     — Legal! — ela disse, abrindo uma garrafinha de suco. — Faz séculos

que não vou ao cinema. Você pode me pegar?
     — Sim, claro — respondi. — Alguém mais precisa de carona?
     — Como assim?
     — Quem mais vai?
     Kate encolheu os ombros.
     — Você pode convidar quem quiser.
     — Tá, mas... quem você convidou?
     — Você.
     — Só eu? — o ―eu saiu agudo, e fiz o possível para disfarçar com uma
tosse bem trabalhada.
     Kate levantou uma sobrancelha.
     — Sim.
     — Então, é só você e eu — confirmei, tentando fazer minha voz soar
mais grave.
     — Não se preocupe, não é um filme de mulherzinha ou algo do tipo —
ela disse. — Tem um monte de explosões e coisas de homem para você.
     Uau. Kate não apenas estava me convidando para ver um filme; ela estava
me convidando para ver um filme que escolheu para um homem. Então ela
pensava em mim como homem. Alguém que precisava de sangue, ação e
superpoderes. Eu sempre pensei que, se uma garota me convidasse para um
filme, seria a mais recente encarnação sentimentaloide de algum livro da Jane
Austen. Ok, isso já tinha acontecido. E a ―menina tinha sido minha mãe.
     — Eu moro em Larchmont — ela continuou. — Você sabe como chegar
lá?
     — Larchmont? — respondi. — É, tipo, a quarta cidade depois daqui, não
é?
     — Vinte minutos no máximo. Eu pago a pipoca — ela disse.
     — Peraí, você não está num distrito escolar diferente? — perguntei.
     A maioria dos alunos da Escola de Pelham morava, como eu, a menos de
dois quilômetros dali.
     — Troquei de escola, mas meus pais não quiseram se mudar — ela
respondeu. — Na verdade eu pago para estudar aqui. Não conte para
ninguém, é ridículo.

    — Que estranho — eu disse. — Por que você mudou de escola?
    — Coisa de nerd — ela disse. — O outro colégio não tinha tantas aulas
de matemática avançada — completou, dando de ombros. — Depois eu te
mando um torpedo com o meu endereço!
    Trocar de escola para ter aulas mais avançadas parecia estranho para mim,
mas esse pensamento passou rápido por minha mente extremamente ocupada.
Todos os meus neurônios estavam em êxtase e festejando pela alegria de saber
que eu, Finbar Frame, ia sair com a Kate.
Aquela noite, saí de casa com o Luke, que estava indo encontrar alguns amigos
nos bares da Arthur Avenue, no Bronx, perto da escola dele. Eu teria
assassinado meu irmão, bem no estilo Caim e Abel, se ele tentasse pegar o
Volvo. Felizmente, ele não precisaria do carro, porque a) poderia pegar o trem
e b) ir a um bar encher a cara sendo menor de idade e depois dirigir é cinco
vezes mais idiota do que apenas ir a um bar encher a cara sendo menor de
idade. O que o Luke já fazia.
      — Você tem uma identidade falsa? — perguntei enquanto pegávamos
nosso casaco no armário perto da porta.
      — Consegui uma ontem — ele disse. — Com um cara do último ano que
falsifica documentos no banheiro da escola.
      Luke pegou a carteira do bolso e me mostrou a identidade falsa. Era uma
carteira de motorista do Alabama, com a foto de um sujeito barbudo.
      — Você nunca vai conseguir se passar por esse cara! — ri alto,
arrancando a carteira da mão do Luke. — O cara tem o quê, uns 40 anos?
Nossa, ele nasceu na década de setenta, ele tem...
      — Aonde vocês estão indo? — minha mãe perguntou.
      Ela saiu da cozinha segurando o que parecia ser um celular. Luke e eu
sabíamos que, na verdade, era uma luz UV portátil que servia para matar
germes. Minha mãe costumava nos acordar com disparos de raio laser em
bactérias invisíveis no nosso quarto.

     — Finn está indo de carro ao cinema — disse Luke. — Eu vou num
negócio da Fordham.
     — Que negócio da Fordham? — ela quis saber.
     — Alguma coisa dos padres da escola — ele disse. — Orações,
refrigerantes e salgadinhos. Esse tipo de coisa.
     — Eu sabia que a Fordham faria bem para você! — minha mãe bateu
palmas com a lanterna UV nas mãos.
     Enquanto ela se orgulhava do catolicismo do Luke, abri a porta. Eu
estava contente por ela estar prestando atenção no gêmeo mau. Isso me
permitia escapar com apenas um ―Tchau, mãe! e evitar o interrogatório que
levaria a um milhão de perguntas sobre Kate.
     Luke me alcançou na escada alguns segundos depois.
     — Orações? — eu ri, desligando o alarme do Volvo a poucos metros de
distância.
     Luke fez o sinal da cruz antes de seguir a pé até a estação de trem.
     — Vou rezar antes de tomar a primeira cerveja. E também vou rezar por
você, Finn, pelo seu encontro.
Mais tarde, depois do filme, Kate e eu saímos do cinema lado a lado.
Enquanto nos afastávamos da escuridão — e eu ficava abismado com a
aparência dela sob a luz renovada –, ela me perguntou:
     — O que você achou?
     O que eu achei? Eu achei que a Kate combinava perfeitamente com o
banco do passageiro do meu carro, pedindo permissão educadamente antes de
mudar a estação de rádio durante as propagandas. Achei que ela tinha ótimo
gosto musical (ela tirou da música do Nickelback para colocar a nova do Jay-
Z). Achei que ela tinha ótimo gosto para petiscos (pipoca com porção extra de
manteiga e Fanta laranja), apesar de ter me sentido muito tentado pelo cheiro
da pipoca e ter desejado que os vampiros se permitissem pelo menos um
M&M de vez em quando. Achei que a Kate tinha uma risada tão maravilhosa
que, toda vez que ela ria, eu desejava ter escrito aquele roteiro (apesar de que,

na verdade, os roteiristas não tinham a intenção de escrever um roteiro de
comédia — era engraçado de tão ruim). Eu estava louco por ela.
      — Foi ridículo, para dizer o mínimo — eu disse. — E depois ainda
aparece a Miley Cyrus!
      — Como pode? — Kate riu. — Quer dizer, ela é a primeira pessoa que o
prefeito de Nova York chamaria para combater o terrorismo?
      — Não deviam permitir a presença da Miley Cyrus em filmes de ação. Ou
em qualquer tipo de filme.
      — Ei, espere aí — ela sorriu. — É melhor abrir uma exceção para
Hannah Montana: o filme.
      — Ahhh — eu disse, acenando com a cabeça. — Então você era fã da
Hannah Montana?
      — E daí? — ela respondeu na defensiva. — Aposto que você era fã do
Pokémon. Vamos, admita, você era fã do Pokémon.
      — Nem por um segundo — respondi.
      Anotação mental: esconder três álbuns de figurinhas do Pokémon. Mudar
o nome de usuário do eBay de Pikachu4U para... bem, para qualquer outra
coisa.
      Enquanto eu levava Kate para casa, comecei a ficar um pouco
preocupado, porque até agora ela tinha acabado com qualquer tentativa de
cavalheirismo da minha parte. Ela mesma abriu a porta do carro, embora eu
tenha tentado fazer isso antes dela. Deixei que ela ficasse na minha frente na
fila para comprar os ingressos, mas ela acabou sendo chamada no guichê mais
distante e, enquanto eu decidia se devia segui-la, fui chamado no guichê mais
próximo — e assim ela acabou pagando pelo próprio ingresso. Todas essas
coisas me deixaram em dúvida se dava para chamar aquilo de encontro, ou se
éramos apenas duas pessoas passando um tempo juntas para evitar o striptease
da Ashley Milano numa cervejada lotada. Talvez eu tivesse dado a Kate a
impressão de ―apenas amigos quando não abri a porta do carro para ela e não
paguei o ingresso do cinema. Ou talvez eu tivesse dado a impressão de
―encontro de quinta categoria.
      Ou talvez ela fosse militante feminista e pagar pelo ingresso ou abrir a
porta do carro teria sido uma ofensa. É, pode crer. Minha babaquice agora era

um ponto positivo.
     Mas, quando estávamos perto da casa dela, Kate começou a brincar com
o zíper do casaco. E pareceu nervosa quando começou a falar por cima da
música do Jay-Z que tocava na rádio.
     — Ei, Finn, quero te pedir um favor.
     Um favor? Acho que posso lhe fazer um favor. Será que ela precisava de
mim para um beijo? Para me inclinar sobre o câmbio e tirar a blusa dela?
Deitá-la no banco e...
     — Você poderia entrar e dizer um oi para o meu pai?
     Nossa. Aquilo era totalmente o oposto do que eu tinha em mente.
Mesmo assim, respondi automaticamente:
     — Claro.
     Meus nervos começaram a conspirar contra mim, e foi ainda mais difícil
estacionar direito. Eu tinha que causar uma boa impressão no pai da Kate. Ele
queria ter certeza de que eu era um cara sensato e confiável... Espera um
pouco... Isso era fantástico! Significava que a Kate tinha insinuado de alguma
forma que eu não era sensato e confiável. Que demais! A Kate não me achava
sensato e confiável (ou melhor, ela não sabia que eu era sensato e confiável).
Ela pensou que eu fosse sombrio e misterioso! Pensou que eu fosse perigoso,
o que é um milagre, considerando que fiquei a noite inteira dez quilômetros
abaixo do limite de velocidade. Essa coisa toda de vampiro devia estar
funcionando!
     Ou talvez o pai da Kate pensasse que eu era um tipo diferente de sujeito
perigoso. Talvez ele pensasse que eu era muito pior do que um vampiro.
Talvez pensasse que eu era um cara mais velho que tinha boas chances de
traçar a filha dele. Ele achava que aquilo havia sido um encontro. Praticamente
voei do carro para subir os degraus da frente da casa da Kate. Aquilo tinha
sido um encontro!

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