domingo, 4 de novembro de 2012

Capítulo 8 (Doce Vampiro)


No fim da tarde de sábado, peguei a Jenny no meu Volvo e fomos para o 17º
Festival de Fantasia da Costa Leste. Para mim, o centro de convenções era
como um jardim zoológico, onde os animais andavam livremente, se
cumprimentavam, tiravam fotos juntos e tomavam café. Como acontecia
sempre que eu ia ao zoológico, eu queria olhar em várias direções ao mesmo
tempo. Logo que eu via alguma coisa nova e estranha e ficava tentando
entender o que era, outra aparecia de relance, batia as asas ou soltava um
guincho, chamando minha atenção. Assim, acabei esbarrando em quatro
pessoas — ou criaturas — diferentes nos primeiros cinco minutos em que
estava no centro de convenções.
     A primeira coisa que me saltou aos olhos foi um cara com chifres
retorcidos cor de prepúcio. De longe, a máscara que cobria toda sua cabeça
era tão semelhante à cor de sua pele que parecia uma protuberância
pertencente a ele.
     Dois homens com barba até os joelhos faziam sinal de paz para todos que
passavam. Cavaleiros com armadura completa, que dariam para encher a
Távola Redonda, levantavam seus elmos para tomar Pepsi Diet. Um pequeno
gárgula irritado, coberto de tinta cinza-azulada, andava agachado pelo chão, e
acabei tropeçando nele.

     — Olha por onde anda, veado — vociferou.
     — Credo — eu disse para Jenny, enquanto me punha de pé.
     — Ah, qual é, nem todo mundo aqui é agressivo — ela observou.
     E tinha razão. Um grupo de meninas de peruca loira e corpete cor da pele
me mandou beijos.
     Desajeitado, acenei de volta.
     — Não é tão ruim quanto você pensava, hein? — Jenny perguntou,
entusiasmada.
     Um homem de bigode todo suado, de pantufas e com um chapéu verde
de Robin Hood, estava bem na nossa frente, brandindo uma espada de
verdade bem enferrujada. Seu adversário era um sujeito de quase dois metros,
com uma fantasia de dragão feita de feltro. A lâmina errou minha aorta por
uns quinze centímetros.
     — Caramba!
     Fiz uma careta para Jenny, como se estivesse querendo dizer: ―É pior do
que eu pensava. Mas, na realidade, aqueles loucos que nos cercavam me
deixavam com vergonha alheia e também um pouco impressionado. Eu sentia
vergonha porque não conseguia me imaginar andando por um lugar público
com uma máscara de chifres ou com o corpo pintado. Eu jamais diria a
duzentos estranhos que gostava de ler, muito menos que gostava de ler livros
sobre bruxas e anões. Pensei no motivo que leva o típico garoto de colégio a
escrever ―Eu não leio no item Livros Favoritos no perfil do Facebook. É
que, sendo verdade ou não, essa é a resposta segura, conformista. Mas
nenhum daqueles estranhos fantasiados era conformista, e era com isso que eu
ficava impressionado. Eu estava fascinado com o planejamento e o tempo que
tinham gasto com aquelas fantasias, com o entusiasmo dos fãs de O senhor
dos anéis debatendo questões metafóricas em élfico, com a camaradagem das
várias Buffys, de Buffy, a caça-vampiros, se abraçando após meses sem se ver.
Um dedicado Dumbledore, do Harry Potter, havia deixado a barba crescer até
os joelhos. Deve ter levado uns dois anos para ficar daquele tamanho. Claro
que ele tinha, tipo, uns 70 anos. Acho que, nessa idade, você realmente não se
importa com o que as pessoas pensam de você. Ou talvez nenhum daqueles
fãs de fantasia se importasse com o que as pessoas pensavam deles. Talvez

fosse isso que me impressionava — a capacidade daquelas pessoas de mostrar
para quem quisesse ver o lado mais estranho de si mesmas.
      Falando de pessoas que mostram coisas estranhas sobre si mesmas, a
Jenny continuava me puxando pelo centro de convenções. Ela tinha ido ao
festival principalmente para conseguir um autógrafo de Carmella Lovelace,
autora de Sede de sangue. Infelizmente, Jenny não era a única fã do livro que
estava por lá. Quando dobramos a esquina, vimos umas cem pessoas em fila.
Cerca de quinze por cento delas eram meninas que usavam um vestido branco
indecente para ficar parecidas com Virginia White.
      Quando uma das Virginias, usando um decote pouco convincente, viu o
livro na mão de Jenny, disse:
      — Pode entrar na fila.
      — Nós estamos aqui desde o meio-dia — acrescentou outra, que tinha
derramado ketchup no vestido para parecer sangue.
      Jenny deu um tapa no meu braço enquanto caminhávamos para o fim da
fila.
      — Ai! O que foi?
      — Devíamos ter chegado mais cedo — ela disse, me repreendendo.
      — Eu te falei que tenho sensibilidade ao sol — respondi. — Não dava
para vir ao meio-dia.
      — Não tem sol hoje! — ela retrucou. — Está quase chovendo! E por que
você é tão sensível ao sol, afinal? Qual é o seu problema com isso?
      Uma loira, com cabelos que pareciam um penacho, saiu da fila e veio na
minha direção. Por causa da minha recente experiência com o cara da espada e
o dragão de feltro, era compreensível que eu recuasse e desse um gritinho,
como uma donzela.
      — Oi! — ela disse num tom agudo. — Tudo bem?
      A loira me puxou para um abraço, prendendo meus braços ao longo do
corpo. Nossa, como as meninas eram simpáticas nesses eventos. Ou era isso
ou os bilhetes da minha mãe estavam certos e eu era um garanhão.
      Quando se afastou, porém, vi que era a loira do trem. A menina que
começou tudo isso ao me confundir com um vampiro. Aparentemente, ela
tinha passado do assustador Terror noturno para o mais sexy Sede de sangue.

     — Como você está? — ela perguntou em voz baixa, inclinando-se em
minha direção.
     Jenny ouvia tudo atentamente.
     — Ah, ótimo — respondi com educação. — E você?
     — Me desculpe pelo que disse aquele dia no trem — ela falou, com o
mesmo tom baixo. — Eu não devia ter revelado quem você era num lugar
público. Entendo por que ficou tão bravo. Vou ser mais sutil a partir de agora.
     — Ah, beleza, valeu — falei, na esperança de que a Jenny entendesse as
dicas daquele papo, mas esperando ainda mais escapar daquela psicopata.
     — Há outros aqui? — a loira sussurrou.
     — O quê? — perguntei.
     — Outros vamp...
     — Não — eu disse rapidamente. — Quer dizer...
     Um menino de uns 12 anos passou por ali com cara de mal-humorado e
as mãos nos bolsos. Ele estava vestido como o Edward Cullen, do Crepúsculo
— mechas vermelhas no cabelo e um monte de pó no rosto para parecer
pálido.
     — Não de verdade — ela terminou a frase por mim, com a voz baixa e
intensa.
     — De onde vocês se conhecem? — Jenny perguntou, olhando para a
loira como uma criança tentando decifrar a conversa dos adultos.— Ela sabe?
— a menina me perguntou.
     Jenny levantou os olhos na minha direção, cheia de expectativa. Me senti
incrivelmente sem jeito. Eu estava ainda menos confortável do que na escola
com a ideia de explicar para a Jenny sobre meu falso status de vampiro. E
explicar o que a loira estava dizendo ia me forçar a fazer isso.
     — Nós temos que ir para o fim da fila — falei para a Jenny.
     — Finbar! — ela exclamou. — Carmella Lovelace acabou de chegar!
Posso ver o cabelão dela!
     — Nós realmente devíamos...
     Mas era tarde demais. Uma morena agitada havia se juntado ao meu fã-
clube.
     — É ele? — a morena perguntou, em tom de conspiração. Ela apontou

para mim, e fiquei surpreso ao ver que uma luva de borracha havia
transformado sua mão numa enorme garra verde.
     — Shhh! — a loira disse e começou a dar risadinhas.
     — É ele! — a morena de garras afiadas chamou outra garota.
     A terceira menina se aproximou bruscamente, com uma força
assustadora. Sem dúvida era a única amazona nos subúrbios de Nova York.
Ela era uns dez centímetros mais alta que eu. Que nada, devia ser uns dez
centímetros mais alta que o Yao Ming.
     — O vampiro! — sussurrou, animada.
     Foi somente quando a amazona se dobrou para me abraçar — e eu me
esquivei — que pude ver a reação da Jenny. Sob as raízes alaranjadas e os
góticos fios negros de seus cabelos, Jenny estava de queixo caído. Estava
segurando seu exemplar de Sede de sangue e ficava olhando da capa do livro
para mim. Sua boca não se fechou. Sério, ela poderia ter engolido uma mosca.
     Enquanto isso, eu estava no meio de um assustador amontoado de
garotas, meus tímpanos inundados por gritos de alta frequência, despojado de
meu próprio corpo, que era examinado como se eu fosse um sósia de algum
dos Jonas Brothers num shopping center de subúrbio.
     — Olha a pele dele! — uma delas exclamou, acariciando meu antebraço.
     Outra agarrou o mesmo braço e o virou bruscamente.
     — Dá para ver todas as veias — disse, passando a unha pintada pela
minha pele até chegar à palma da mão.
     Uma sensação de déjà-vu tomou conta de mim. Quando isso tinha me
acontecido antes? Uma multidão de meninas me apertando, desesperadas para
me tocar? Ah, espera aí. Isso nunca tinha me acontecido. Tinha acontecido
com o Luke. Talvez fosse aquela coisa de telepatia entre gêmeos. E, claro, nós
dois éramos muito desejáveis.
     Mas minha vaidade não durou muito. Depois das seis ou sete meninas
que se amontoaram ao meu redor, massageando meu ego, vi o primeiro cara.
     Meu primeiro pensamento foi que ele estava se juntando às meninas para
admirar meu corpo. O que eu acho que aceitaria, desde que ele olhasse, mas
não tocasse. Foi então que Jenny gritou, desesperada:
     — Finbar! Cuidado!

     Ah, merda. Agora eu sabia por que aqueles caras estavam atrás de mim.
Eu tinha esquecido que estávamos perto da mesa dos caçadores de vampiros.
Aparentemente, naquele universo alternativo, a Buffy não era a única que
perseguia vampiros. Havia também rapazes, e até adultos, que os odiavam. Eu
sabia disso porque em cima da mesa dos caçadores havia um enorme vampiro
de mentira pendurado pelo pescoço. Na última vez que passei por ali, os caras
da mesa estavam debatendo animadamente sobre o mérito das correntes de
prata e das estacas de madeira como armas mortíferas contra vampiros. Agora
eles tinham parado com a teoria. Ali bem perto, estava alguém que tinham
esperado durante toda sua vida de fantasia: um vampiro de verdade e bem
vivo (quer dizer, morto, mas você entendeu).
     E — que merda — o vampiro era eu!
     Agarrei a maior coisa que estava por perto para me proteger — a
amazona. Na verdade, eu me sentia bastante seguro no meio de todas aquelas
garotas. Seguro o suficiente para dar uma espiada atrás da loirinha e ver que as
estacas dos caça-vampiros eram de papelão. Uma delas tinha até a etiqueta de
preço visível sob uma camada de tinta marrom. Bom, aqueles caras não iam
realmente me matar. Eu podia me acalmar. Os caçadores de vampiros não
eram tão durões.
     Mas havia mais gente chegando. Todos os Jacobs se aproximaram, vindos
da mesa do Crepúsculo. Nos livros da Stephenie Meyer, Jacob é um cara
metido a fortão. Naquele momento, esse fato sozinho já teria me feito acenar
uma bandeira branca. Mas acontece que Jacob é um cara metido a fortão... que
se transforma em LOBISOMEM. E adivinhe quem é o inimigo mortal do
lobisomem? Quem o Jacob quer caçar na floresta e arrancar cada centímetro
de insignificante pele pálida?
     O vampiro.
     É claro que aqueles Jacobs não poderiam realmente se transformar em
lobisomens. Mas me olhavam como se pudessem. E, além disso, os Jacobs
eram bem mais descolados do que os caçadores de vampiros. Eles eram o tipo
de cara que vai a convenções de gente fantasiada para aumentar sua coleção de
armas e pegar meninas. E, é claro, para se juntar a uma multidão furiosa
prestes a dar uma surra num garoto pálido.

     Eu me virei e dei no pé, nervoso, em busca da saída mais próxima. Com
os Jacobs envolvidos, a multidão estava chegando bem perto de mim.
     Abri a porta de saída com tudo, respirei um pouco enquanto inspecionava
o estacionamento e então corri até os fundos do prédio, ofegante como se
tivesse acabado de escalar o Everest.
     — Eu tenho um compasso! — ouvi um caçador de vampiros dizer na
frente do centro de convenções.
     Essa não. Era só uma questão de tempo antes que eles multiplicassem
dois pi pelo raio do prédio — que era uma cúpula geodésica — e me
descobrissem num ângulo de cento e oitenta graus para trás. Peraí. O prédio
era uma cúpula geodésica! (Ok, você está certo, um cara que sabe o que é uma
cúpula geodésica não deveria zombar de ninguém por usar o número pi. Só
para você saber, cúpula geodésica é uma construção que parece uma bola de
golfe.)
     De repente, me senti livre e leve. Isso porque me lembrei da vez em que
os bombeiros de Alexandria foram chamados na nossa escola porque o Luke
havia escalado um prédio e estava acampado lá em cima. O prédio era o
ginásio coberto, que era uma cúpula geodésica. O que há de fantástico nas
cúpulas geodésicas é que você pode subir nelas.
     Ok, não é qualquer um que pode fazer isso. O Luke consegue escalar, já
que é oitenta por cento macaco. Para mim era um pouco mais difícil,
considerando que eu não tinha habilidades de escalada e não estava usando
nenhum equipamento.
     Mas alcancei a base da cúpula e encontrei um apoio para a mão e, em
seguida, uma saliência para o pé. Comecei a escalar, estimulado pela
necessidade de escapar dos Jacobs, dos caça-vampiros e de todas aquelas
fanáticas por Sede de sangue. Em primeiro lugar, eu nunca tinha me metido
numa briga em toda minha vida. Em segundo, se me metesse numa, ficaria
claro que eu não era um vampiro. Eu não tinha velocidade fora do comum,
força ou qualquer tipo de coordenação motora.
     Além disso, só mais um detalhe sórdido: eu tenho medo de sangue. Eu
detesto sangue. Essa é uma razão que me faz evitar brigas, esportes coletivos
violentos e — imagine só — a série CSI, em qualquer uma de suas várias

versões. E, se eu desmaiasse ao ver sangue, todo mundo ficaria sabendo que
eu não era um vampiro. Ter medo de sangue não era exatamente um ponto
positivo para minha reputação. Ou qualquer que fosse a versão vampiresca de
reputação.
      Ai, por que eu tinha cedido à fantasia da violência? Por que não tentei
trazer a paz? Por que não sugeri: ―Vamos todos dar as mãos e cantar a canção
dos Ewoks de O retorno de Jedi! Todas as criaturas são bem-vindas!? Por
que eu tinha que vir a este festival de fantasia? Por que eu pensei que me
tornar um vampiro faria com que menos pessoas quisessem me bater?
      Com muito medo de descer, fiquei agachado no topo da cúpula geodésica
por uma hora e meia. Depois de uns vinte minutos, começou a chover.
Durante todo aquele tempo, fiquei ansioso ao pensar em meu reencontro com
Jenny, em que — eu tinha noventa e nove por cento de certeza — ela ia me
perguntar: ―Você é um vampiro? Se minha atitude vampiresca tivesse sido
mais convincente, ela teria entendido a mensagem de que eu era um vampiro,
mas não queria falar sobre isso. Mas eu nunca fui bom em enviar sinais sutis
— como mostra meu encontro com Celine, para dar outro exemplo. Em vez
disso, todos os meus comportamentos e encontros vampirescos até agora, do
feitiço nos peitos da Ashley Milano ao papo sobre drogas da minha mãe,
tinham levantado a seguinte questão: ―Que diabos há de errado com você,
Finbar?
      Eu queria passar uma impressão forte, queria intrigar, fascinar, atrair, até
mesmo seduzir. Eu não tinha a intenção de mentir. Eu teria que dizer a
verdade a Jenny. E então essa coisa toda ia acabar. Aquele poeta esnobe, T. S.
Eliot, uma vez disse: ―É assim que o mundo acaba — não com um estrondo,
mas com um suspiro. E foi assim que meu mundo de vampiro acabou —
não comigo tomando uma surra, mas comigo empoleirado num telhado,
ensopado, com as calças caindo. Definitivamente um motivo para suspirar.
      Quando a convenção foi chegando ao fim, andei pelo telhado em busca
de uma posição acima das portas de saída para ver as pessoas irem embora.
Várias pessoas fantasiadas que haviam chegado sozinhas estavam indo embora
juntas, parecendo muito aconchegadas. Eu não queria nem pensar no que um
cara com casaco de pele e uma menina com cabeça de cabra fariam no

primeiro encontro. Espera aí! Lá estava Jenny!
     — Jenny! — sussurrei lá de cima.
     Ela olhou para cima, sem entender.
     — Jenny! — chamei mais alto.
     Então surgiu um grupo de caça-vampiros, indo para o carro (uau, um
Land Rover novinho; um deles deve ter um trabalho diurno de matar) e eu me
escondi de novo.
     — Nós assustamos o cara de verdade! — um deles falou, muito satisfeito.
     — É isso aí! — concordou outro.
     — Toca aqui! — gritavam, bem machões.
     Depois que eles passaram, chamei:
     — Jenny! Me ajude a descer!
     — Finbar? — ela disse e deu um passo para fora da parte pavimentada do
terreno. Em seguida, olhou para os sapatos enlameados — e depois para mim,
furiosa.
     — Que diabos você está fazendo no telhado? — gritou. — E por que
você não atendeu o celular?
     Apontei para um lugar no chão, perto de uma árvore.
     — Meu telefone caiu.
     Jenny olhou para mim e levantou uma sobrancelha.
     — Minhas calças também caíram — acrescentei, desajeitado, tentando
levantar meu jeans de forma sutil.
     — E você vai descer? — ela perguntou.
     — Estou esperando os Jacobs irem embora!
     — Eles já foram — ela disse. — Saíram para comer uns bifes ou algo
assim. Desce!
     Jenny me ajudou a descer do telhado e achou meu celular no meio da
lama. Ela até olhou para o lado quando meu jeans ficou preso numa calha.
Enquanto caminhávamos apressadamente para o carro embaixo de chuva e eu
abria a porta para ela, fiquei pensando que boa amiga ela era. Isso até eu girar a
chave na ignição e ela me impedir de sair do estacionamento, segurando
minha mão em cima do câmbio.
     — Diz a verdade — ela exigiu de maneira dramática, com a voz mais alta

que a chuva que batia no Volvo.
     — O quê? — reagi, tirando o cabelo molhado da frente do rosto e
evitando seu olhar.
     — Você é magro — ela começou. — É pálido. Não pode tomar sol.
     — Bem, isso tudo é verdade — eu disse. — Mas olha, Jenny, eu não
posso dizer que...
     As palavras ―sou um vampiro simplesmente não saíam da minha boca.
Minha mãe tinha enfiado muitos mandamentos e imagens vívidas das chamas
do inferno na minha cabeça. Então, enquanto eu refletia sobre minha católica
incapacidade de mentir, uma inspiração divina me acertou em cheio.
     — Eu não posso dizer nada — falei com emoção. — Seria muito
perigoso.
     Se eu dissesse para a Jenny que era um vampiro, queimaria no inferno.
Perigoso. Se eu dissesse que não era, poderia se espalhar o boato de que eu
estava fingindo ser um vampiro, e certamente alguém acabaria com a minha
raça por causa disso. Perigoso também.
     Jenny estava com os olhos arregalados e a expressão séria. Ela assentiu
com a cabeça, sentindo o peso do meu segredo. Obviamente, ela acreditava
que aquilo seria perigoso porque eu era mesmo um vampiro. Olhou com
admiração para a pele da minha mão, encostada na dela.
     — Sua mão está congelada — falou devagar, como se estivesse
enfeitiçada. — Uau.
     Balancei a cabeça tristemente, como se mãos frias fossem uma parte
inevitável da minha vida... ou da minha falta de vida. Mas eu gostaria mesmo
de saber por que minhas mãos ficavam tão frias o tempo todo. Talvez eu
devesse procurar um médico.
Eu estava coberto de lama e com as calças rasgadas, por isso entrei em casa
pela porta dos fundos. Assim que pisei lá dentro, encontrei o Luke brandindo
ameaçadoramente uma espátula antiaderente enquanto segurava metade de um
hambúrguer pela boca.

      — Que que é isso? — perguntei. — Você ia me bater?
      — Foi mal — ele disse. — Pensei que tinha alguém invadindo a casa. A
paranoia da velha é contagiante.
      — Tá, tanto faz — eu disse. — Cadê ela?
      — Na missa das sete — ele respondeu. — Onde você estava? E... o que
aconteceu com você?
      Já que escalar uma cúpula geodésica tinha sido ideia do Luke, eu ia acabar
louco da vida com ele se contasse sobre minha escalada idiota, minhas calças
caídas e meu celular perdido na lama. Então, em vez disso, decidi que era hora
de revelar meu segredo. Afinal de contas, meu irmão me ama. Ele aceitaria
meu novo estilo de vida. Claro que algumas pessoas achavam o que eu estava
fazendo moralmente errado. Alguns meios de comunicação mais
conservadores nos consideravam ameaças malignas, caçando crianças, atraindo
outros para nosso terrível modo de vida. Mas eu tinha certeza de que meu
irmão me aceitaria como vampiro.
      — O quê? — ele perguntou quando contei. — Como isso foi acontecer?
      Em seguida apertou os olhos, como fazia antes de acabar com um rival
no campo de futebol, e perguntou:
      — Será que alguém te mordeu, brou?
      — O que eu quero dizer é que não sou um vampiro de verdade — eu
disse. — Jenny, a menina com quem eu estava hoje, pensa que sou. Então eu
só, tipo... deixei a coisa rolar.
      — Então supostamente — ele disse — você anda por aí com a gente,
mas é um vampiro?
      — Isso. Essa é a ideia. Quer dizer, é isso que ela pensa.
      — E os dentes?
      — O quê?
      — Ela já pediu para ver suas presas?
      — Não! — protestei. — Sou um vampiro do bem!
      — Coisas desse tipo surgem do nada — ele continuou. — Como quando
a sra. Alexander estava dando aula particular para o Sean O’Connor, e ele teve
uma enorme...
      — Entendi — interrompi. — Mas, se você não tem presas, elas não

aparecem de uma hora para outra.
     Luke ficou parado pensando por uns sessenta segundos, o que é um
tempo enorme para ele.
     — Você precisa ser mais rápido — ele disse.
     — O quê?
     — Mais rápido. Mais forte. — Luke começou a cantar a música do Daft
Punk na versão do Kanye West. — Harder, better, faster, stronger...
     Lancei um olhar de menosprezo para o meu irmão, na tentativa de
impedi-lo de dançar.
     — Olha só — ele jogou um pedaço do hambúrguer pela sala para dar
mais ênfase ao que dizia. — Vampiros são rápidos. E fortes. Tipo, rápidos e
fortes de um jeito anormal. Uma mistura de Usain Bolt e o Incrível Hulk,
sacou?
     — Seja como for, Luke, eu sou rápido.
     — Você precisa ser... — ele bateu as mãos e fez um som de vento
cortante.
     — Ninguém vai me testar para ver se sou mesmo um vampiro —
retruquei.
     — Aposto mil dólares — Luke saltou em cima de uma cadeira da
cozinha. — Você vai acabar numa situação em que vai ter de ser rápido.
     Como eu gostaria de conseguir levantar uma sobrancelha por vez.
     — E nessa hora você vai me agradecer — ele disse, sorrindo.
     — Agradecer por quê?
     — Finbar Frame — ele declarou –, eu vou ser seu personal trainer.
     — Meu Deus — revirei os olhos. — Não vai não.
     — Vou sim — ele insistiu. — Vou ser seu personal trainer. E você vai
virar uma muralha. Você vai deixar aquela menina que gosta de vampiros
maluca. Qual é mesmo o nome dela? A garota dos vampiros? Sookie?
     — Jenny — respondi. — Mas ela não é, tipo, minha garota...
     — Uma garota — Luke suspirou, nostalgicamente. — Meu Deus, Finn,
você é tão mimado. Que merda essa Escola Fordham. Eu não vejo uma
menina há um ano e meio!
     Decidi que, se o Luke realmente me fizesse malhar com ele, eu me

vingaria contando tudo sobre a Kayla Bateman e seus peitos fora do comum.
Aí, sim, ele morreria de inveja de mim.

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