domingo, 4 de novembro de 2012

Capítulo 5 (Doce Vampiro)


Faltando apenas setenta e duas horas para o início das aulas, eu estava em
um lugar mágico que seria a fonte de todos os meus segredos e poderes
vampirescos: a Biblioteca Pública de Pelham. Eu ainda acreditava que os livros
podiam mudar sua vida, mesmo que não tivessem funcionado nas minhas
tentativas anteriores de transformação (como dá para perceber pela cópia
intacta de Halterofilismo para molengas, na terceira prateleira da minha estante).
     Agradeço aos céus pela minha capacidade de concentração fora do
comum. Entre o sábado e a manhã de terça, li os seguintes livros: A família
Vourdalak, do conde Alexei Tolstói; Carmilla, de Joseph Sheridan Le Fanu
(esse tinha uma vibe lésbica incrível, e isso uns cento e cinquenta anos antes
de a Marissa beijar a Alex em The OC); Drácula, de Bram Stoker (esse eu só
folheei, porque já tinha lido duas vezes); Revelações em negro, de Carl Jacobi; A
hora do vampiro e Voo noturno, do Stephen King; Carpe jugulum, de Terry
Pratchett; quatro livros da Anne Rice; dois da série House of Night, de P. C. e
Kristin Cast; e a saga Crepúsculo, da Stephenie Meyer.
     Terminar de ler qualquer livro, ainda mais tantos assim em um único fim
de semana supernerd, foi um feito impressionante, considerando que eu
dividia o quarto com o Luke. Em Alexandria, nossos quartos ficavam em
lados opostos do corredor, e eu mal escutava quando ele quebrava uma viga

do teto de madeira com a bola de basquete, ou usava a cama como trampolim,
ou se balançava no parapeito da janela. Em Pelham, eu via tudo isso ao vivo e
em cores.
     Em determinado momento da minha pesquisa, quando eu já havia
cortado o dedo com papel umas doze vezes, ouvi o Luke subindo as escadas.
As lâmpadas do quarto já estavam tremendo de medo dele. O cara é um
terremoto ambulante. Olhei ao redor rapidamente. As capas dos livros em
cima da minha cama eram suspeitas e assustadoras — facas, sangue, alguns
peitos femininos à mostra. Por isso agarrei uns cinco e joguei no vão entre a
minha cama e a parede, onde eu guardava todas as minhas outras coisas
suspeitas e assustadoras, como o pôster da Megan Fox em Transformers (em
tamanho natural, e dá para ver claramente um dos mamilos dela).
     Luke abriu a porta, com os fones de ouvido no último volume e a camisa
encharcada de suor, que tirou enquanto caminhava em direção à cama. Meu
irmão anda por aí sem camisa mais do que o Matthew McConaughey.
     — Leitura de férias? — foi a pergunta que os peitorais do Luke me
fizeram.
     Até parece. Eu já tinha terminado a lista de leitura de férias da Escola de
Pelham no Quatro de Julho. Leitura de férias é uma das coisas que mais gosto
de fazer no mundo!
     — Só dando uma lida — respondi.
     — Ei, quando vamos à praia outra vez? — ele perguntou. — Nunca
consigo ir.
     — A praia fez a minha pele fritar — respondi.
     Ele nem ligou.
     — A mamãe disse que curtiu.
     Revirei os olhos, depois larguei A rainha dos condenados em cima da colcha.
Embora nunca tivesse pensado que diria uma coisa dessas, o fato é que eu
estava enjoado de ler. Decidi fazer o que o resto do país fazia em vez de ler:
assistir à televisão.
     — Ei — chamei o Luke —, você já viu True Blood?
     Ele pegou uma das toalhas que compartilhávamos e esfregou na cabeça,
no pescoço e no peito. Lembrete: nunca mais usar aquela toalha.

     — O que é isso? — perguntou.
     — Uma série da HBO — respondi. — De vampiros.
     — E o que acontece? — Luke colocou uma camisa pólo.
     Prender a atenção do meu irmão exige uma equipe de escritores de novela
mexicana, mas ele concordou em assistir aos DVDs da série e desceu comigo
para a sala, onde fica a enorme televisão HD que emite radiações e mata
minha mãe de medo. Coloquei o DVD da primeira temporada e fui
conquistado pela série quase que imediatamente. Meu irmão, praticamente o
garoto-propaganda do DDA, saía da sala toda vez que não tinha ninguém
prestes a ser morto ou transando de forma barulhenta. Felizmente, tinha um
monte de assassinatos e sexo que não acabava mais (talvez virar vampiro fosse
mais divertido do que eu pensava). Luke prestava mais atenção quando assistia
e ao mesmo tempo tentava se equilibrar numa prancha de madeira sobre
rodas. Essa prancha de equilíbrio foi a primeira manifestação física da crise de
meia-idade do meu pai. Ele comprou aquilo para treinar a coordenação
quando decidiu que ia virar surfista. Mas aquilo nunca funcionou para ele. Ou
para mim. Ao que parece, delírios relacionados ao surfe são frequentes na
nossa família.
     Enquanto Luke se equilibrava (ou melhor, caía no sofá, tipo, umas três
vezes), eu juntava todas as informações que tinha lido com as que estava
vendo. Cada livro tinha uma visão diferente sobre como funcionavam os
vampiros. Por exemplo: Como se transformar em vampiro? Bram Stoker, que
escreveu Drácula, diz que são necessárias três mordidas de um vampiro para
transformar um ser humano. Os livros da série House of Night afirmam que
virar vampiro é uma mudança física automática, como a puberdade (e só Deus
sabe que eu não queria reviver a puberdade; acho que eu preferia virar
vampiro a voltar a usar aparelho com elásticos vermelhos nos dentes). E qual
é o lance dos vampiros com o sol? Em True Blood, as criaturas expostas ao sol
secam até a morte. Nos livros da série Crepúsculo, o sol não fere os vampiros,
mas revela a linda pele deles. Bem, eu não precisava me preocupar com isso.
     Mas havia um monte de ―regras vampirescas que eu não poderia seguir.
Por exemplo: Tru Blood é o nome da bebida de sangue sintético que Bill
Compton e os outros vampiros da HBO tomam, em vez de morder as

pessoas, o que me lembrou de uma coisa: vampiros não comem. Isso me
levou a perceber que eles também não bebem nem respiram. Comer, beber e
respirar? Eu provavelmente não conseguiria me livrar desses hábitos banais.
Além disso, de acordo com os livros, vampiros enlouquecem quando se
deparam com símbolos religiosos, como cruzes ou imagens cristãs. Se isso
fosse verdade, não ia dar para entrar na minha própria casa. Minha mãe tem
imagens de santos e da Virgem Maria praticamente acampadas no nosso
quintal.
     Mas, enquanto observava os vampiros na TV — com aquela fala lenta e
macia, os movimentos ágeis, os reflexos de um agente secreto e a forma como
chamam a atenção de todo mundo (principalmente das garotas) quando
entram num bar ou numa festa —, percebi que havia mais coisas na imagem
do vampiro além de beber sangue e morder as pessoas. Havia outros
elementos, além daqueles em que eu era bom: o jeito melancólico, a solidão, a
determinação antiquada de agir como um cavalheiro com as mulheres, a
inteligência e o conhecimento de história. Havia algo mais: a atitude de
vampiro.
     Talvez eu ainda não tivesse a atitude de vampiro porque faltava ler um
livro importante. Aquele que estava na origem de tudo. A bíblia da sedução
vampiresca: Sede de sangue. Para ser honesto, eu tinha vergonha de comprar o
livro, mesmo pela Internet. Sede de sangue era um livro romântico, e noventa
por cento de seus leitores eram mulheres. Se eu o comprasse online,
provavelmente acabaria em alguma lista de romances idiotas e receberia e-
mails cheios de fotos de homens com longos cabelos loiros e sem camisa.
     Mas, se eu ia realmente usar essa coisa de vampiro para pegar meninas,
tinha de ler Sede de sangue. Então engoli em seco e voltei para a biblioteca.
Comecei a caminhar pelo corredor dos romances, cercado por duas meninas
de 12 anos que riam e perguntavam uma para a outra: ―O que é um membro?
É tipo um membro de um clube? Consegui pegar furtivamente um exemplar
de Sede de sangue da prateleira. Havia sete cópias do livro, e cinco já haviam
sido retiradas — um bom sinal sobre a constante popularidade dos vampiros.
Escondendo o livro entre dois romances mais machos do Stephen King, me
dirigi despreocupadamente até o balcão.

    Agnes, uma bibliotecária que já me conhecia pelo nome, sorriu quando
pegou meu cartão. Mas, ao avistar Sede de sangue, ela sacudiu a cabeça.
    — Você não pode levar este aqui — disse.
    O quê? Ela estava levando o papel de mãe — ou de avó — longe demais.
    — Há uma advertência aos pais neste livro — Agnes explicou.
    — Pode ter esse tipo de coisa em livros? — perguntei.
    Eu sempre pensei que advertências aos pais fossem para videogames em
que você pode roubar carros e pegar prostitutas.
    — Eu posso ligar para sua mãe e pedir a permissão por telefone — ela
sugeriu.
    Olhei para a capa de Sede de sangue, com os seios da moça em destaque.
    — Não precisa, obrigado.
Na primeira vez em que sentei num canto escuro e isolado da Biblioteca
Pública de Pelham para ler Sede de sangue sem precisar retirá-lo, não consegui
entender por que o livro era tão proibido. O primeiro capítulo era mal escrito,
mas não muito escandaloso. A história começava como uma imitação barata e
inofensiva de Drácula, com um monte de diálogos cafonas. Tinha uma menina
inglesa, Virginia White, que havia sido escolhida para entregar uma mensagem
numa cidade montanhosa do Leste Europeu, mesmo sendo uma mensageira
horrível, que não sabia escalar montanhas e estava sempre vestida de branco, o
que é algo idiota de se fazer no campo. Enfim, Virginia White acaba chegando
até a fazenda de Chauncey Castle, um sujeito que tinha sido professor em
Oxford, mas que foi expulso por causa de suas controversas pesquisas sobre
imortalidade e beber sangue. Todos começaram a dizer que ele era um
vampiro, mas mesmo assim a burra da Virginia fica andando por aí até chegar
na casa dele.
     Por quarenta dias e noites, ela fora prisioneira na casa dele, seus pulsos
brancos como lírio amarrados por pesadas correntes de ferro... Mas agora,
livre das amarras, ela havia se tornado cativa do misterioso fascínio de
Chauncey — e prisioneira da própria luxúria. Tudo nele fazia seu coração de
mulher bater acelerado. Sua pele de alabastro.

     (Atraente, sem dúvida.)
     Seu extenso vocabulário.
     (Um atributo muito sexy.)
     E seu irônico esforço de encontrar as palavras certas durante os
conflituosos e furtivos momentos de paixão que compartilhavam.
     (Está certo, o cara precisa de um tempo. Nem mesmo os vampiros
conseguem entender as mulheres!)
     Os vistosos pretendentes de sua meninice, com seus lenços vermelhos e
suas corridas de cavalo, pareciam frívolos comparados a Chauncey.
     (É isso aí! Para o inferno com esses jóqueis!)
     Se os rumores fossem verdadeiros, havia oitenta anos que Chauncey
Castle não abandonava o Chateau Sangre. Mesmo assim ele era — mais do
que qualquer outro homem que ela havia conhecido — um explorador de
mundos: aqueles em seus livros de capa de couro. E talvez ainda um
explorador dos mundos dela, os mundos desconhecidos sob sua saia de seda,
sua anágua, os laços de cetim de seu espartilho...
     Ela se apertou contra ele, sem nada entre os dois a não ser seu amplo e
jovem seio, tremulando nu e exposto como dois faisões que estremecem
diante do caçador. Quando ela levou a mão ao peito de Chauncey, notou que
era frio e duro — inflexível como as próprias muralhas de seu castelo.
     — Não consigo sentir seu coração — disse Virginia, sem fôlego. — Você
ainda tem coração?
     — Que importa se tenho ou não? — ele perguntou, desviando o olhar.
Ao voltar a encará-la, os olhos de Chauncey atravessaram Virginia como
espadas de prazer. Era como se os dois travassem um duelo sensual e ele
estivesse com a vantagem...
     — O que importa é o que sou.
     — O que você é?
     — Eu não posso dizer.
     (Nossa, esse cara tem lábia.)
     Felizmente, Chauncey não ficou falando por muito tempo. Virginia White
tomou conta da conversa — e, caramba, que boca suja para uma donzela de
Sheepfordshire.

     — Agora eu sei para onde vai o sangue que você bebe — ela disse,
esfregando o intumescido...
     — Ai, meu Deus! — eram as duas meninas da seção de romances, rindo
atrás de mim.
     Vermelho de vergonha, olhei para cima. Elas estavam com os olhos
grudados na página que eu estava lendo.
     — ... membro — sussurrou uma delas.
     Levantei em um pulo e fechei o livro, dizendo:
     — Essa aqui não é a seção de ginástica?
Depois de ler Sede de sangue quase todo, eu tinha aprendido oito metáforas
novas para ereção, mas não muito sobre a atitude de vampiro. Acho que, para
entender a atitude, eu precisava mergulhar naquele estilo de vida. Assim, no
feriadão do Dia do Trabalho, adotei hábitos vampirescos perto da minha
família para testar a reação deles.
     Comecei diminuindo a quantidade de comida que ingeria em público. Eu
não planejava morrer de fome para provar que era um vampiro, mas também
não queria ser visto vencendo um concurso de quem comia mais cachorro-
quente ou algo assim. Então, quando meu pai preparou um delicioso
hambúrguer de meio quilo em seu novo grill, eu tive de recusar.
     — Do jeito que você gosta, Finbar — ele anunciou, lançando o
hambúrguer no pão tostado que estava num prato de papel, que quase
imediatamente ficou encharcado com os sucos da carne. — Sem alface, sem
tomate, sem ketchup, sem mostarda e sem molho barbecue.
     Meus hábitos alimentares são bem simples. Além de uma alma sensível e
uma pele sensível, tenho um paladar sensível. Portanto, aquele hambúrguer era
o meu Santo Graal. Meu estômago roncou e até babei um pouco.
     Mas disse:
     — Hum, não, obrigado. Acho que vou comer qualquer coisa mais tarde.
     Que fim de semana meu pai escolheu para comprar um grill do tamanho
do LeBron James.

     Adotei um estilo de vida de vampiro enquanto descansava em casa, me
isolando dos outros, lendo um monte de livros e olhando furiosamente para
minha mãe quando ela passava em cima do meu pé com a vassoura.
Curiosamente, ninguém parecia notar que eu estava agindo de maneira
diferente.
     Bem, estava na cara que eu precisava intensificar a atitude. E eu sabia
exatamente como — com um olhar mortal. Lendas, filmes e livros cheios de
pornografia diziam que o olhar do vampiro é tão poderoso que só de encarar
um mortal nos olhos ele é capaz de fazer a pessoa se render à sua vontade.
Testei essa teoria com o meu irmão. Não se preocupe, ele não se machucou.
     Toda manhã, no verão, Luke saía para correr às sete horas. Ele estava de
volta às oito, subindo a escada como uma tropa de fuzileiros, abrindo a porta
com tudo com o braço suado e arruinando meu sono REM com a última
música da moda bombando no iPod. Sendo desprovido do meu gosto musical
seletivo, Luke sempre baixava qualquer coisa que estivesse tocando
incessantemente nas rádios. Naquele Dia do Trabalho, o último das férias de
verão, era Lady Gaga, num remix no último volume.
     Normalmente eu jogaria um travesseiro no Luke, erraria o alvo por um
palmo, rolaria na cama e voltaria a dormir. Hoje, enquanto ele erguia a
camiseta para enxugar o rosto e fazia uma dança ridícula na hora do refrão, eu
me sentei e fixei os olhos nele.
     — Desligue isso! — gritei, alto o suficiente para ele me ouvir.
     — Hã? — ele levantou as duas mãos para tirar os fones de ouvido, que,
estendidos sobre seu peito, faziam ainda mais barulho.
     — Desligue a música — eu disse.
     Então Luke sentiu todo o impacto do feroz olhar de vampiro que eu
havia aperfeiçoado no espelho de maquiagem da minha mãe durante três dias.
Ele foi projetado para a) derreter meu irmão em uma poça de seu próprio
suor, ou b) torná-lo totalmente obediente a mim. Inicialmente, a segunda
opção funcionou. Luke me encarou e veio até a minha cama. Estava
funcionando! Meu olhar poderoso estava atraindo o Luke até mim. Meu olhar
poderoso era realmente poderoso! Em seguida, ele se sentou na minha cama e
disse:

     — Você está com os olhos cheios de remela.
     Ele levantou a mão na direção do meu rosto. Ergui o braço para bloquear
seu avanço, mas meus reflexos vampirescos ainda não estavam em forma e eu
fui muito lento.
     Então ele enfiou o dedo no meu olho.
Depois que o Luke saiu para o treino, minha mãe entrou no quarto com o
aspirador de pó, o que significava que ela queria ter um papo íntimo. Ela se
sentou na minha cama e perguntou:
     — Tem alguma coisa errada, Finbar?
     Levantei uma sobrancelha de maneira cética, mas depois lembrei que
estava praticando meus hábitos de vampiro. O que Chauncey Castle diria?
     — Tem alguma coisa certa? — perguntei dramaticamente.
     — Finbar — nesse momento minha mãe apertou os olhos e agarrou a
cruz do pescoço como se estivesse em perigo. — Você está usando drogas?
     — O que importa o que faço? — perguntei. — Tudo que importa é o que
sou...
     — FINBAR! — minha mãe gritou, pulando da cama. — VOCÊ ESTÁ
USANDO DROGAS!
     O estilo Chauncey Castle de diálogo não funcionava tão bem na vida real.
Talvez haja uma razão para a imprensa ter chamado o livro de ―lixo
repugnante.
     — Não estou usando drogas, mãe — eu disse. — De onde você tirou
essa ideia?
     — Você anda mal-humorado, não conversa mais com a gente e está
comendo menos — ela explicou, depois respirou fundo:
     — Você está fumando maconha?
     — Mãe, se eu estivesse fumando maconha, estaria comendo mais.
     Minha mãe apontou o aspirador para o meu peito e ligou aquele treco,
que começou a chupar a camisa preta do meu pijama.
     — Só quem fuma maconha poderia saber de uma coisa dessas! — gritou,
fazendo ainda mais barulho do que o aparelho.

      Depois que minha mãe saiu, eu finalmente levantei da cama. Aproveitei a
ausência do Luke para realizar uma importante tarefa pré-Primeiro Dia de
Aula: decidir o que eu ia vestir.
      Como eu ia fazer para me vestir como vampiro? Eu tinha um péssimo
histórico de tentar convencer os outros de que eu era outra pessoa. Veja os
Halloweens da minha infância. Todo ano eu começava com aquilo em agosto,
tentando bolar a fantasia mais assustadora possível. Fantasma, zumbi, múmia,
assassino do machado. Quando meus vizinhos abriam a porta, eu rosnava,
levantava uma faca, tinha um ataque de fúria, rugia como o elenco inteiro de
O rei leão.
      Ainda assim, quando as mães de Indiana me viam, sempre diziam a
mesma coisa:
      — Oi, Finbar. Tudo bem?
      O máximo que eu recebia eram comentários sem entusiasmo, como
―Nossa, que medo, seguidos por aquele som, ―ahhh, que você faz quando
encontra um cachorrinho mastigando seu sapato. Outros vizinhos, que sabiam
o que fazer para conquistar o coração da minha mãe, estavam ocupados
demais colando passagens da Bíblia em barrinhas de cereais — que já eram o
pior doce do mundo sem as chagas e as pragas para acompanhar. Depois de
um tempo eu já estava andando por aí de porta em porta com metade do
Novo Testamento, tipo uma Testemunha de Jeová.
      Então, como é que eu faria esse negócio de vampiro dar certo?
      Eu era péssimo em violência, por isso não conseguiria fazer o que faz de
um vampiro um vampiro: não sairia por aí mordendo pessoas. Luke já tinha
tentado fazer isso uma vez e foi expulso da escola. Meu feitiço não teve
nenhum efeito sobre o meu irmão, o que indicava que eu não conseguiria
hipnotizar as pessoas. Estava na cara que eu não era nenhum Chauncey Castle
quando o assunto era sedução. E eu ainda não tinha entendido completamente
a atitude de vampiro. Assim, eu não tinha escolha a não ser trabalhar o visual.
No tempo que restava antes de o Luke voltar, fiquei remexendo o andar de
cima de casa, recolhendo todas as roupas e acessórios de aparência sinistra que
a minha família tinha. Isso incluía uma camisa polo preta que o Luke tinha
desde os 8 anos, uma camisa preta de botões que era descolada demais para o

meu pai e um pingente da minha mãe que eu pensei que fosse uma presa, mas
que no fim era apenas um dente de leite do Luke pendurado num cordão.
O que descartei primeiro foi o pingente, é óbvio. Depois experimentei a polo
preta. E, acreditem, não foi fácil. Aquilo era uma roupa apertada. Parecia que
eu ia a uma rave na série Jersey Shore. A diferença é que eu não poderia levantar
as mãos para dançar, porque, quando fiz isso, a camisa rasgou embaixo do
braço.
     A polo já era.
     Depois eu vesti a camisa de botões do meu pai. Ficava longa em mim (eu
sou alto, mas meu pai, o ―Paul Altão, tem mais de um metro e noventa) e,
quando a enfiei dentro da calça, a parte de baixo se acumulou, formando uma
protuberância interessante entre as pernas. Aquilo não podia ser ruim. Além
do mais, a camisa era preta, me dava um ar maduro e tinha um visual bem
vampiresco. Na frente do espelho de corpo inteiro da minha mãe, fiquei me
virando de lado e levantei a gola da camisa. Uau. Totalmente vampiro. Como
o Conde da Vila Sésamo. Finn vai quebrar tudo na escola nova se vestir essa camisa...
Ua-ha-ha-ha.
     Mas, assim que tirei aquela protuberância da calça, tive uma revelação.
     Vampiros não ligam para a camisa que estão vestindo. Não se preocupam
em impressionar no primeiro dia de aula. Não estão nem aí para essas coisas
idiotas com as quais os Finbar Frames da vida se importam, como ser o
primeiro eliminado no jogo de queimada na educação física, enfrentar a
rejeição das meninas e ser ridicularizado por levar no bolso anotações para
estudar para o vestibular. Vampiros não ligam se não podem exibir um
bronzeado na praia, se as pessoas ficam olhando para eles ou se são diferentes.
Vampiros não se importam com o que os outros pensam. E essa é a atitude de
vampiro.
     No St. Luke, eu sempre entrava na sala antes do segundo sinal,
mostrando que me preocupava com minhas notas. Meu nome sempre estava
no quadro de honra e na seção de autores do jornal estudantil, mostrando que
eu me preocupava com a escola. Eu não ia a festas de arromba, o que pode

soar indiferente, mas na verdade significava que eu me importava tanto com o
que as pessoas pensavam sobre meu jeito de dançar e sobre minha baixa
tolerância a cerveja que eu não ousava dar as caras. Gastei minha mesada de
dois anos pagando pelas lesmas que a Celine comeu e depois persegui a
menina pela rua porque eu me importava demais. Era por isso que eu havia
estragado o nosso encontro. E era por isso que eu nunca tinha saído, beijado
ou até mesmo dançado com uma garota. Eu me importava demais com o que
elas achavam de mim.
     Bem, essa preocupação toda acabava agora.
     Joguei a camisa do Luke e a do meu pai no cesto de roupa suja. Me livrei
daquele dente assustador do Luke. Coloquei de volta a camiseta preta do meu
pijama, cobrindo meu peito branco e magricela. Durante o resto daquele dia e
daquela noite, eu vestiria apenas aquela camiseta. E estava com a mesma roupa
na manhã seguinte, enquanto pegava um pedaço de torrada e ignorava as
súplicas da minha mãe dizendo que eu deveria tomar chá verde (ela havia
assistido ao programa do dr. Oz). Quando entrei no Volvo e fui para a nova
escola, aquela mesma camisa preta que eu estava vestindo havia três dias
simbolizava tudo — frieza, apatia e também um certo fedor.

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