quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Capítulo 49 (Serie Feios)


CONFISSÕES

– O que está dizendo? – perguntou David.
– Não conseguirá provar nada se tomar as pílulas, Tally. Você não sofreu as lesões – explicou Maddy.
– Mas as sofrerei. Voltarei para a cidade e serei capturada. A dra. Cable me submeterá à operação. Daqui a algumas semanas, vocês irão me buscar. Depois bastará me dar a cura.
Pronto: já têm uma voluntária.
Os três ficaram em silêncio. As palavras saíram da boca de Tally espontaneamente. Ela mal conseguia acreditar no que dissera.
– Tally... Isso é loucura.
– Não é loucura. Precisamos de um voluntário. Alguém que concorde, antes de se tornar perfeito, em ser curado, por meios experimentais ou não. É a única opção.
– Você não pode se oferecer assim! – berrou David.
Tally virou–se para Maddy.
– Disse que está noventa e nove por cento certa de que as pílulas funcionam, não disse?
– Sim. Mas o um por cento restante pode deixá–la em estado vegetativo, Tally.
– Um por cento comparado a invadir a Circunstâncias Especiais é moleza.
– Tally, pare com isso – disse David, segurando–a pelos ombros. – É muito perigoso.
– Perigoso? David, você consegue chegar a Nova Perfeição com um pé nas costas. Os feios da cidade fazem isso o tempo todo. É só me arrancar da minha mansão e me enfiar em cima de uma prancha. Eu virei com você, do mesmo jeito que Shay veio. E aí vocês me curam.
– E se os Especiais decidirem manipular suas memórias? Como tentaram com meu pai.
– Não vão tentar – disse Maddy. David olhou para a mãe com surpresa. – Eles nem pensaram nisso no caso de Shay. Ela se lembra de tudo a respeito da Fumaça. Az e eu éramos as únicas fontes de preocupação. Como nos dedicamos às lesões cerebrais por metade de nossas vidas, eles concluíram que nunca calaríamos nossas bocas, nem como perfeitos.
– Mãe! – gritou David. – Tally não vai a lugar algum.
– Além disso – prosseguiu Maddy –, a dra. Cable não faria nada que pudesse machucar Tally.
– Pare de falar como se isso fosse acontecer!
Tally olhou bem nos olhos de Maddy, que assentiu. Ela sabia de tudo.
– David – disse Tally. – Preciso fazer isso.
–Por quê?
– Por Shay. É o único jeito de curá–la. Não é?
Maddy confirmou.
– Você não é obrigada a salvar Shay – disse David, pausadamente. – Já fez o bastante por ela. Foi atrás dela na Fumaça e depois a resgatou de dentro da Circunstâncias Especiais.
– É, eu fiz o bastante por ela. – Tally tomou coragem. – É por minha causa que ela está assim, perfeita e estúpida. – Do que está falando? – perguntou David.
Ela se virou e segurou sua mão.
– David, eu não fui até a Fumaça para ver se Shay estava bem. Fui lá para levá–la de volta à cidade. – Um suspiro. Fui lá para traí–la.
Tally imaginara o momento tantas vezes, ensaiara a fala quase todas as noites, que mal podia acreditar que aquilo não era outro pesadelo em que se via obrigada a contar a verdade. No entanto, depois que percebeu que estava mesmo acontecendo, as palavras começaram a sair numa torrente.
– Eu era uma espiã enviada pela dra. Cable. Por isso eu sabia onde ficava a Circunstâncias Especiais. Por isso os Especiais foram até a Fumaça. Eu levei um rastreador.
– Isso não faz o menor sentido – disse David. – Você resistiu quando eles apareceram. Você fugiu. Você ajudou a resgatar minha mãe...
– A essa altura, eu já tinha mudado de ideia. Com toda a honestidade, não pretendia ativar o rastreador. Passei a querer viver na Fumaça. Mas, na noite anterior à invasão depois de saber a respeito das lesões... – Ela fechou os olhos. – Depois que nos beijamos, sem querer ativei o rastreador.
– Como é que é?
– Meu pingente. Foi sem querer. Eu queria destruí–lo. Mas o fato é que fui a responsável por levar os Especiais até a Fumaça, David. Foi por minha culpa que Shay se tornou perfeita. Foi por minha culpa que seu pai morreu.
– Está inventando tudo isso! Não vou deixar que você...
– David – disse Maddy, interrompendo o filho. – Ela não está mentindo. – Tally abriu os olhos. Maddy a encarava com um semblante triste. – A dra. Cable me contou como manipulou você, Tally. No início, não acreditei, mas, na noite em que vocês apareceram para nos salvar, ela tinha levado Shay lá embaixo para confirmar tudo.
– No fim, Shay sabia que eu era uma traidora – contou Tally.
– E continua sabendo – observou Maddy. – A questão é que agora ela não se importa mais. E é por isso que Tally precisa fazer isso.
– Vocês duas estão loucas! – gritou David. – Escute, mãe, é só você descer do seu pedestal e dar as pílulas a Shay. – Ele estendeu a mão. – Eu mesmo posso cuidar disso.
– David, não vou permitir que se transforme num monstro. E Tally já tomou uma decisão.
David olhou para as duas, sem querer acreditar. Precisou de algum tempo para recuperar as palavras.
– Você era uma espiã?
– Sim. No início.
Ele não se conformava.
– Filho – disse Maddy, tentando confortá–lo com um abraço.
– Não!
David se virou e saiu correndo, rasgando a proteção de Mylar e surpreendendo as pessoas que estavam lá dentro. Até mesmo Shay ficou completamente sem palavras.
Antes que Tally pudesse ir atrás de David, Maddy segurou seu braço.
– É melhor você ir para a cidade agora.
– Hoje? Mas...
– Do contrário, acabará se convencendo a desistir. Ou David cuidará disso.
– Preciso me despedir dele.
– Você precisa partir.
Tally observou o rosto de Maddy e, aos poucos, foi percebendo a verdade. Embora o olhar dela revelasse mais tristeza do que raiva, havia um sentimento frio escondido ali. Talvez David não a culpasse pela morte de Az, mas não podia dizer o mesmo de Maddy.
– Obrigada – disse Tally, baixinho, forçando–se a encarar Maddy.
– Obrigada pelo quê?
– Por não contar a ele. Por permitir que eu cuidasse disso pessoalmente.
Maddy conseguiu até sorrir.
– David precisava de você nestas duas últimas semanas.
– Ele ainda precisa de mim – disse, enquanto se afastava, com os olhos fixos na cidade.
– Tally...
– Eu vou hoje, pode deixar. Mas sei que David vai me buscar.

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