domingo, 4 de novembro de 2012

Capítulo 13 (Doce Vampiro)


Alguém pode perguntar: ―Ei, Finbar, o que está pegando entre você e o
sol? Vocês ainda têm uma treta? (Sim, agora posso usar a palavra ―treta,
afinal eu dei uma surra no Chris Perez!)
     Bem, a resposta é: Eu não posso derrotar o sol. Posso derrotar o Chris
Perez, mas não o sol. Nos primeiros dias de aula, eu andava da minha péssima
vaga no estacionamento até a sala de aula. Durante esses dez minutos ao
relento, eu não murchava, nem morria, nem nada. Mas sentia um pouco de
coceira. E eu não queria ser conhecido como Comichão. Acabaria recebendo a
classificação de Intocável, ao lado do Nate Kirkland.
     Então peguei os óculos escuros de velho que ganhei do médico e comecei
a usá-los para ir à escola. Também usava um casaco de moletom gigantesco
que tinha roubado do Luke, puxando o capuz para tapar a cabeça. Por causa
desse meu visual incógnito, os skatistas que pintavam os próprios tênis
tiravam sarro de mim toda manhã. Eles ficavam sentados em cima dos carros
no estacionamento, e estavam sempre lá, por mais cedo que eu chegasse. Para
caras que matavam todas as aulas, eles eram ridiculamente pontuais.
     — Ei, é o agente nada discreto! — gritavam para mim.
     Ou então:
     — E aí, Mr. Hollywood!

     Eu apenas baixava a cabeça e acenava com a mão, como se estivesse em
Hollywood e eles fossem paparazzi inofensivos.
     Ao ficar dentro da escola durante o almoço e vagar pelos cantos mais
escuros e assustadores nos intervalos das aulas (o que, de qualquer modo, era
bem vampiresco), eu evitava qualquer incidente alérgico. Antes que eu
percebesse, isso havia virado rotina. E logo chegou o fim de outubro e
começou a fazer frio o suficiente para que eu realmente precisasse daquele
moletom.
     Certa manhã, Matt Katz me disse:
     — Eu adoro isso, cara. Quando começa a esfriar.
     Ele apontou para fora, para as belas árvores outonais que deixavam cair
folhas vermelho-escuras sobre o utilitário da sra. Rove. Nossa, pensei. Matt
Katz é mais profundo do que eu pensava. Ele realmente vê o belo na natureza.
E em todos os tipos de natureza, não apenas numa certa erva...— Legal! — ele
continuou. — Agora posso usar minha jaqueta de bolsos grandes!
     Ele abriu a jaqueta e mostrou dois bolsos enormes na parte interna. Além
de toda a mercadoria escondida lá dentro, que não vou mencionar por razões
legais, ele também tinha dois iPods Nano e um monte de balas de leite.
     Foi também em outubro que percebemos que nossa professora de física
— uma versão drag queen de Albert Einstein — estava ocupada demais
fazendo carrinhos de brinquedo colidirem contra a parede e medindo a
velocidade para notar se dávamos as caras no laboratório. Um dia Jason
Burke, Ashley Milano e Jenny decidiram se aproveitar da situação e ir ao
Dunkin’ Donuts (ou, como a Ashley tinha apelidado o lugar, Double D) no
terceiro período, em vez de ficar desenhando vetores por quarenta e cinco
minutos.
     — Ei, Finn — Jason me chamou, balançando as chaves do carro, quando
eu estava indo para a aula de física. — Vem com a gente para o Double D.
Esquece o laboratório.
     Eu meio que congelei. Aquilo era um dilema. Por um lado, eu tinha dado
duro para me firmar como um cara que, como diriam meus admiradores,
―estava se lixando. Finbar, o bonzão que deu uma lição à sra. Rove sobre
ereções poéticas, não se importaria se se metesse em encrenca por matar a aula

de física.
     Por outro lado, aquele dia estava muito ensolarado. O tipo de sol que me
faria parecer um leproso bíblico. Eu meio que me importava com aquilo.
     — Ah, não, cara — respondi. — Estou bem, valeu.
     — Vamos lá — ele disse. — Você não vai se meter em encrenca. Você
estrangulou um cara e o dr. Hernandez só, tipo, convidou você para um
encontro gay.
     — Ele não me convidou para um encontro gay! — eu disse.
     — Ele estava sozinho no escritório com você? — ele perguntou.
     — Estava, mas...
     — Ele te ofereceu algum doce?
     — Só uma bala de hortelã.
     — Arrá! — ele disse. — Agora a trama se complica.
     Jason e eu meio que viramos amigos. Começamos fazendo dupla nos
projetos do laboratório de física (até ele começar a matar aula), mas depois ele
começou a me contar coisas mais pessoais. Como quando ele estava ficando
com a Kayla Bateman e a Ashley Milano. Não as duas ao mesmo tempo, se
bem que essa teria sido uma história muito melhor, como aquelas da Playboy.
Mas ele se revezava entre elas. Primeiro a Kayla, durante algumas semanas,
depois a Ashley, por mais algumas semanas. De acordo com ele, as duas
tinham prós e contras. A Kayla tinha... bom, dois enormes prós, mas, fora
isso, era ―meio tediosa, isto é, não deixava o Jason fazer nada além de dar uns
beijos nela. Já com a Ashley as coisas ficavam bem mais selvagens. Eles
tinham dado uns amassos nos lugares mais bizarros da escola, como o banco
de reservas do campo de beisebol e a câmara escura do laboratório de
fotografia.
     — Como você consegue? Ficar com duas garotas? — perguntei uma vez,
realmente impressionado. A Kayla e a Ashley eram muito bonitas. Além disso,
eram amigas. Será que não percebiam que as duas estavam ficando com o
Jason?
     — O segredo é o seguinte — ele disse. — Às vezes, do nada, eu paro de
ficar com as duas. Então elas ficam loucas da vida e unem forças contra mim.
Isso mantém a amizade delas.

     Uau. A Jenny tinha razão quando me disse que o Jason era mais esperto
do que parecia.
     Agora seria difícil recusar o convite para matar aula, e ele e a Ashley
estavam me esperando. A Jenny também estava esperando — para ver como
eu sairia da situação. Ela sabia que estava muito sol, e acho que quase desejava
que eu deixasse escapar meu segredo para provar que sabia mais sobre mim do
que qualquer outra pessoa.
     — É que... — eu disse — na verdade eu tenho uma coisa que... Eu não
posso sair quando está muito sol.
     — O quê? — Jason perguntou. — Tipo quando tem eclipse?
     — Não, tipo um dia normal — eu disse. — Como hoje. É que... minha
pele... reage mal. Ao sol.
     A Ashley Milano engasgou. Na verdade foi uma combinação de grito com
engasgo. Aquele barulho transmitia um espanto tão grande que eu sabia. Sabia
que a Jenny tinha dito à Ashley que eu era um vampiro.
     Apenas para confirmar o que eu já sabia, a Jenny sussurrou, de um jeito
bastante óbvio, para a Ashley:
     — Eu te disse.
     Jason não percebeu toda aquela fofoca sobre vampiros. Em vez disso,
falou:
     — Acho que o Finn quer ficar para ver a Kate.
     Talvez a Kate e eu fôssemos a grande novidade da escola. Talvez todo
mundo estivesse falando sobre nós e especulando sobre o nosso
relacionamento. Eu tinha notado algumas pessoas sorrirem quando nos viam
juntos duas vezes no mesmo dia, mas a maioria dos alunos do primeiro ano
que nos via almoçar juntos parecia supor que, já que éramos ambos novos na
Pelham, nos conhecíamos de algum outro lugar. Eu queria que os alunos do
segundo ano também falassem de nós e sorrissem quando nos viam passar.
―Você está sabendo sobre o Finn e a Kate? Isso era o que eu mais queria,
mais ainda do que que todo mundo pensasse que eu era um vampiro. Era por
isso que eu queria que todo mundo achasse que eu era vampiro: porque eu
queria uma namorada.
     — Claro, a Kate do primeiro ano! — Ashley disse. — Ela está muito a

fim de você, Finn! Eu li na coluna de fofocas.
      — Tem uma coluna de fofocas da escola? — perguntei.
      Eu tinha lido o jornal da escola algumas vezes, principalmente para
criticar e, assim, acalmar a Jenny, cujos artigos eram sempre rejeitados pelo
editor imbecil. E nunca havia notado uma coluna de fofocas. Tinha uma seção
pervertida de fotos do tipo ―adivinhe qual é a parte do corpo, que constituía
a editoria de ciências, mas aparentemente uma coluna de fofocas seria
considerada algo inadequado.
      — A coluna de fofocas é uma publicação independente — Ashley disse,
ressentida.
      — Publicada por você mesma — Jenny zombou.
      — Na parede do banheiro das meninas — Jason acrescentou.
      — Como você sabe? — perguntei ao Jason, mas então percebi que ele e a
Ashley estavam trocando olhares culpados e não insisti no assunto.
      — E, tipo, nada na sua coluna de fofocas é verdade — Jenny disse com
todas as letras, cruzando os braços.
      — Vamos nessa — Jason disse, jogando as chaves do carro para cima e
agarrando-as com uma mão. — Finn, aproveite a Kate.
      E acrescentou em voz baixa, ao passar por mim:
      — Recomendo a terceira cabine do banheiro das meninas.
      No laboratório de física, tive que fazer um monte de vetores sozinho. E
embora ―vetor soe como algo que os super-heróis atiram com os olhos, eles
não são tão legais quanto parecem. Para falar a verdade, são apenas setas que
você desenha no papel. Mas eu não me importava. Estava de ótimo humor,
porque todos sabiam que a Kate e eu estávamos juntos. O que significava que
era verdade que a Kate gostava de mim, e não algo que eu havia inventado na
minha mente desesperada.
      Bastava apenas uma pequena dose de autoconfiança para me levar às
alturas, já que eu não estava habituado a ter nenhuma. E eu estava intoxicado
de autoestima quando me encontrei com a Kate perto do armário dela para o
almoço.
      — Lolita! — eu disse, ao ler o título do livro que ela segurava.
      Como parte de sua missão de ler os clássicos, Kate havia escolhido Lolita,

de Vladimir Nabokov.
     — Uma história clássica e atemporal sobre um velho tarado — declarei,
como um professor universitário.
     Ela riu e disse:
     — Na verdade estou tendo dificuldades para ler este aqui.
     — Ficou com nojo? — perguntei.
     Kate guardou o livro, cuja capa tinha uma foto muito imprópria de uma
menininha de saia xadrez com os joelhos expostos.
     — Nã — ela deu de ombros e sorriu. — Eu gosto de homens mais
velhos.
     Uau. Ela gostava de mim. Gostava mesmo! Eu, Finbar Frame, era um
garanhão. Mesmo que o refeitório estivesse servindo ―caçarola de macarrão
no almoço, hoje era um grande dia.
     Só então notei, pela primeira vez, uma foto no armário dela. Era de uma
menina com o cabelo bem comprido. E era muito parecida com a Kate. Por
um segundo, pensei que ela tinha uma irmã gêmea também. Ela não era
apenas inteligente, linda e esperta — também tinha uma irmã gêmea, como eu!
O mais estranho era que, assim como eu, Kate tinha uma irmã gêmea que era
seu oposto. A menina da foto estava usando uma saia supercurta e salto alto.
Estava com a língua para fora e parecia bêbada. Nada parecida com a Kate,
que era descolada e tranquila.
     — É sua irmã? — perguntei, apontando para a foto.
     — Ah — Kate olhou para cima. — É... uma amiga da minha antiga
escola.
     Ela fechou o armário rapidamente, parecendo perturbada. Eu não liguei e
a acompanhei até o refeitório.
     No almoço, algo estranho, mas até que legal, aconteceu.
     Primeiro, um dos skatistas veio até mim na fila do almoço enquanto eu
escolhia um refrigerante e disse:
     — Ei, é a LC de The Hills!
     — Eu nem estou usando meus óculos escuros — respondi.
     — Tanto faz, cara — o skatista zombou.
     A Kate estava na minha frente, se servindo de um pouco de espaguete

com almôndegas.
     — O que foi aquilo? — perguntou, apontando para o skatista.
     Eu tinha contado à Kate que não podia ficar exposto ao sol, mas tinha
tentado fazer isso soar do jeito mais macho possível. Como se eu tivesse
passado tanto tempo escalando montanhas com meus poderosos músculos
expostos e chegado tão perto do sol que minha resistente pele de crocodilo
tinha aguentado tudo que podia. Para manter essa impressão, eu tinha evitado
encontrar com ela usando meus óculos escuros hollywoodianos.
     — Esses caras curtem meus óculos escuros — falei.
     — Que óculos escuros? — ela perguntou.
     Deixa para lá.
     Ok, essa não foi a coisa legal que aconteceu. A coisa legal aconteceu
depois que a Kate e eu nos sentamos com nossos espaguetes e duas calouras
vieram até a nossa mesa.
     — Oi, Finbar — disseram, rindo em uníssono.
     — Humm...
     Como aquelas meninas sabiam meu nome? Eu nunca tinha visto
nenhuma delas antes. E as duas estavam usando calças extremamente
apertadas. Não que isso seja relevante, mas onde as meninas encontram calças
tão apertadas?
     Enfim, cada menina estendeu um pedaço de pão de alho na minha
direção.
     — Quer um pedaço de pão de alho, Finbar? — perguntaram.
     Só para dar uma ideia da cena, as duas fizeram a pergunta da mesma
maneira que alguém diria: ―Precisa de ajuda com essas calças, gata?
     Olhei para a Kate e encolhi os ombros. Embora ela parecesse se divertir
com aquilo, eu disse para mim mesmo que ela estava disfarçando o ciúme com
uma mordida de almôndega. Ou talvez ela soubesse que eu nunca daria bola
para uma menina que usava calças tão apertadas.
     — Pão de alho? — repeti.
     — É — disse uma delas. — Gostoso e cheio de alho.
     — Ah. Humm... não, obrigado — respondi.
     Ela avançou com o pão bem na minha cara. Recuei, afastando a cabeça

para trás.
     — Tem certeza? — ela perguntou.
     — Tenho — eu disse. — Mas obrigado mesmo assim.
     Eu não tinha a menor ideia do que estava acontecendo até ouvir a
conversa das duas enquanto se afastavam.
     — Ele ficou totalmente apavorado com o alho! — uma delas gritou,
extasiada.
     — Ele é mesmo aquilo que disseram que é!
     Um vampiro! Eu era mesmo um vampiro! Enrolei o espaguete no garfo,
triunfante. A Jenny ficou sabendo que eu era um vampiro e contou para a
Kayla Bateman. A Kayla Bateman contou para a Ashley Milano. E a Ashley
Milano provavelmente publicou aquilo na parede do banheiro. Agora até as
meninas do primeiro ano sabiam que eu era um vampiro.
     Olhei para Kate, que estava calmamente bebericando seu chá verde,
como se estivesse sentada numa porcaria de jardim zen. Como se não
estivesse sentada na frente de uma arrepiante besta sanguinária que fazia o
coração dela acelerar mais do que qualquer outra coisa. A Kate não sabia que
eu era um vampiro. Não tinha sequer ouvido falar que eu era vampiro. Por
que ela não escutava as fofocas? E, mais importante, por que ela não usava a
terceira cabine do banheiro das meninas?
     A almôndega no meu prato despertou uma nova ideia na minha cabeça.
Talvez porque eu me alimentava de comida humana na frente da Kate todos
os dias, ela não acreditasse que eu sobrevivia graças ao sangue das minhas
relutantes vítimas. Droga de almoço. Droga de caçarola de macarrão. Droga
de dia do cachorro-quente. Droga de humanidade essa minha!
     — Acho que aquelas meninas estão a fim de você — Kate observou
calmamente.
     — Acho que não — eu disse, girando o espaguete no garfo de plástico.
— Eu não daria ALHO para alguém de quem estivesse a fim. Parecia que elas
queriam ver como eu reagiria ao ALHO. Tipo, como se eu fosse alguém com
problemas com ALHO.
     Kate deu de ombros, sem notar nada, e parecendo que não tinha nem um
pouco de medo de mim.

Quando voltei com a Kate, Jenny estava esperando do lado do meu armário.
Ela parecia um pouco chateada, e fiquei imaginando se a Ashley Milano teria
ficado durante todo o passeio ao Double D falando para a Jenny quantas
calorias havia no chantili.
     — Você almoça com a Kate, tipo, todo dia? — ela perguntou depois que
a Kate foi embora.
     — É, basicamente — eu disse.
     — Mas você não encontra com ela fora da escola, encontra? — ela
perguntou.
     — Às vezes — respondi. — Viu, nós ainda temos que ler aquele livro da
gueixa para a aula de inglês?
     — Sabia que ela usa calça de moletom por cima do jeans? — Jenny falou.
     — A gueixa? — perguntei, intrigado. — Pensei que usavam aqueles
quimonos vermelhos...
     — Não! — ela replicou, impaciente. — A Kate. Estamos na mesma
turma de queimada, e ela não troca de roupa. Só coloca o moletom em cima
do jeans.
     — Ah, tá — falei.
     — O que provavelmente significa que ela fica, tipo, muito suada — Jenny
continuou. — Ela deve ficar muito nojenta.
     Fechei meu armário e coloquei a mochila nas costas.
     — Acho que não — disse.
     Enquanto caminhávamos pelo corredor, Jenny falou, sem olhar para mim:
     — Eu não acho que ela entenderia você.
     — O quê? — olhei para ela.
     — Você sabe — ela apontou para o meu rosto e em seguida colocou os
dois dedos indicadores virados na frente da boca. Presas. Ou uma morsa.
     — Acho que ela não entenderia o que você é.
     Ah, tá. Eu era um vampiro. Bem, eu não estava preocupado se a Kate
entenderia isso. Eu queria que ela descobrisse! Por isso não liguei para a
preocupação da Jenny.
     — Além disso — ela acrescentou, ressentida e desviando o olhar outra

vez −, a Kate tem, tipo, uns dois quilos a mais do que aquele jeans aguenta.
Por isso é bom mesmo que ela cubra aquilo com uma calça de moletom.
      Enquanto andava com a Jenny até a sala de aula, fiquei pensando sobre
sua estranha obsessão pelo jeans das pessoas. Ela estava sempre dizendo que
as outras meninas eram muito gordas ou muito magras para o jeans que
usavam. E o mais estranho era que ela sabia se o jeans era grande ou pequeno
em quilos. A Kayla Bateman tinha três quilos e meio a mais do que seu jeans
aguentava, de acordo com a Jenny. Como diabos ela sabia disso? Quanto à
Jenny, ela tinha que comprar jeans especiais do Japão, feitos para meninas
asiáticas sem bunda. É, eu fiquei sabendo disso.
      Enquanto Jenny mexia em suas pastas e cadernos — todos com
ilustrações do Eragon — com cara de brava, eu me senti mal por ela. Por
menos machão que eu possa parecer, às vezes fico feliz por ser homem. Isso
significa que eu nunca tenho de ficar com raiva por causa do jeans dos outros.
     Era a noite depois do Halloween, que eu havia comemorado
discretamente vendo um filme de terror com a Jenny, dizendo para ela: ―Não
entendo por que tanta comoção com essas coisas, com presas e monstros, e
também mandando torpedos para a Kate enquanto ela distribuía doces com
seus pais, e evitando a festa à fantasia da Ashley Milano com o tema reality
shows.
     Na hora do jantar, minha mãe anunciou:
     — Luke está indo mal em matemática.
     Ele estava com metade de um hambúrguer enfiado na boca, mas
conseguiu se expressar revirando os olhos.
     — Como assim? — meu pai perguntou, desinformado como de costume.
     — Fui até a escola hoje para falar com o professor do Luke — disse
minha mãe. — A média dele é 5,6.
     — E qual é a nota máxima? — meu pai perguntou.
     Estava na cara que meu pai tinha entrado na Universidade de Boston
apenas porque era atleta.
     — Eu odeio provas! — Luke finalmente engoliu e falou. — São tão
idiotas. Eu não deveria ter que escrever um parágrafo na prova de matemática.

A única coisa boa em matemática é que não precisa escrever.
      — Se ele não aumentar a média para 8 — minha mãe continuou −, não
vai poder jogar basquete no inverno.
      Meu pai engasgou. Minha mãe tinha tanta lágrima nos olhos que parecia
que tinham parado de fabricar desinfetante. Era um problema gigantesco.
Onde mais o Luke poderia usar seu talento para derrubar as pessoas, correr
feito um maluco, quebrar o nariz dos caras e ainda fazer tudo isso parecer um
acidente? Se ele não pudesse mais praticar esportes, sua única escolha seria se
juntar à máfia.
      — Em que turma de matemática você está? — perguntei ao Luke.
      — Matemática B — ele respondeu.
      — Finbar, você poderia estudar com ele? — minha mãe perguntou,
inclinando-se na minha direção. Ela apertou meu braço como se fosse o
Leonardo DiCaprio e eu fosse um bote salva-vidas.
      — Eu não tive matemática B — respondi.
      — E seus colegas? — ela perguntou.
      Pensei na minha turma de álgebra. Acho que a maioria dos alunos tinha
tido matemática B no ano passado. Mas, atualmente, todo mundo estava bem
perdido em matemática. O Matt Katz provavelmente era o melhor na matéria,
mas estava ocupado demais tentando ressuscitar o Tupac para ajudar o Luke.
Em termos de pessoas para quem eu não acharia esquisito pedir para ir até a
minha casa estudar com o meu irmão, a que eu conhecia melhor era a Jenny,
mas ela só conseguia tirar 8 graças ao esforço mútuo do seu pai estatístico e de
mim.
      Claro, tinha a Kate. Ela adorava matemática. E estava tendo matemática
B agora mesmo, ou seja, estava estudando exatamente a mesma coisa que o
Luke. Na verdade, ela seria uma professora tão perfeita para ele que me senti
culpado por não sugerir o nome dela. Mas eu não estava pronto para
apresentar a Kate à minha família. Eu estava quase tão preocupado que minha
mãe fosse assustar a Kate quanto que meu irmão bonitão fosse atrair a atenção
dela.
      Meu pai se virou para o Luke e disse:
      — Você só precisa ter foco...

      Luke engoliu a última batata frita e levantou para jogar no lixo o resto de
comida do prato. Começou a cantarolar em voz alta para abafar a conversa.
Acho que era uma música do R. Kelly.
      — Paul, é difícil para ele — minha mãe disse, baixinho.Luke começou a
cantarolar mais alto, como se gritasse de boca fechada. É, ele estava mesmo
cantando ―Trapped in the Closet.
      — Então talvez a gente devesse procurar um novo medicamento.
      — Não! — Luke gritou, jogando o prato no escorredor ao lado da pia
com tanta força que ele ficou balançando perigosamente.
      — Luke, o prato! — minha mãe gritou.
      Ele pegou o prato e se virou em nossa direção.
      — Eu odeio aquele remédio!
      — Querido... — a voz da minha mãe estava tranquila, tentando acalmá-lo
e preservar a louça do casamento que de alguma forma tinha sobrevivido à
infância de seu filho selvagem.
      — Eu não vou ferrar com o meu coração de novo — ele disse. —
Porque aí não vou poder praticar esporte nenhum. Deixem que eu me viro
com isso.
      — Luke... — minha mãe tentou.
      — Não!
      O pior pesadelo da minha mãe se tornou realidade: Luke jogou o prato
no chão. Infelizmente, ele não se quebrou em milhões de pedacinhos, o que
teria sido muito mais emocionante de ver. Em vez disso, trincou, e a parte de
cima caiu no ladrilho da cozinha. Não me entenda mal: mesmo assim minha
mãe começou a chorar, mas não foi tão legal de ver.
      Luke voou para o quarto, enquanto eu assistia a tudo aquilo com espanto.
Geralmente ele subia os degraus com seus passos cheios de suor e feromônios
e endorfinas, cantando uma música da Rihanna com toda a força de seus
pulmões. Nem sempre o Luke tinha sido uma criança fácil de educar, mas
sempre foi alegre. Enquanto eu costumava ser mal-humorado, irritado e
propenso a me trancar no armário, exibindo vários indícios de um futuro serial
killer, Luke estava sempre se movimentando, sorrindo, sempre feliz, sempre
ocupado. Mas é claro que o Luke era feliz, eu pensava. Ele era bom nos

esportes, popular entre as meninas e tinha um bronzeado e tanto. Dava para
não ser feliz desse jeito? Agora, pela primeira vez, eu questionava se ele era
feliz porque tinha decidido ser. Eu me perguntei isso porque, pela primeira
vez, percebi que, com suas notas, seus medicamentos que não funcionavam e
sua frustração por não ser capaz de ficar sentado, talvez nem sempre tenha
sido fácil para o meu irmão ser quem ele era.

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