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Em casa aquela noite,
sabendo que perseguir e estrangular um cara no
corredor da escola poderia me render alguma punição,
decidi me adiantar e
contar tudo aos meus pais.
— Eu meio
que me meti numa briga hoje — declarei no jantar.
Era difícil
dizer aquilo de modo casual. Ainda que eu tenha falado
calmamente, minha mãe deixou cair a tigela de salada.
Ela tinha lido um artigo
sobre consumir alimentos produzidos na região e roubou
um punhado de
verduras do jardim do vizinho.
— O que
aconteceu? — ela perguntou, correndo freneticamente para me
examinar. — Onde ele te bateu? Você teve alguma
concussão? Você não vai
dormir esta noite. Paul, faça com que ele fique
acordado.
— Ele não
acertou seu rosto, Finn — disse meu pai com entusiasmo, me
inspecionando em busca de hematomas. — É isso que
importa. Pelo menos
ele não acertou seu rosto.
— Ele não me
acertou em lugar nenhum — eu disse.
— Alguém
conseguiu impedi-lo? — perguntou minha mãe. — Foi um
professor que o deteve?
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— Eu fiz
isso! — gritei, frustrado. Por que até meus pais achavam que eu
era um banana? — Eu parei o cara. Fui eu que bati nele.
— Ah, Finbar
— minha mãe gemeu e se ajoelhou, impotente, diante da
salsinha furtada. — Você está cometendo bullying.
— Ele é um
lutador! — meu pai gritou de repente, alto e orgulhoso. —
Como seu velho pai!
Isso vindo
de um homem que, quando era jogador de hóquei na
faculdade, deu uma pirueta tripla para fugir de uma
briga no gelo.
— O que você
fez com ele? — Luke perguntou, ansioso.
— O cara
estava bancando o idiota — eu disse. — Ele estava zoando
com um calouro.
Minha mãe
recolheu as verduras do chão com uma colher e as colocou no
meu prato.
— Você está perdendo o controle, Finbar!
— ela disse. — Você mudou.
Não se envolve mais com nada! Por que não escreve para
o jornal ou para a
revista de literatura da escola?−
Talvez eu
me associe ao clube de investimentos — respondi.
— Ganância —
ela replicou, empurrando a salada contaminada para mim.
— Ganância e violência não vão levá-lo a lugar algum,
Finbar.
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O dr. Hernandez, diretor da Escola de Pelham, levou
dois dias para me
chamar em sua sala para falar sobre a briga. Fiquei na
expectativa durante todo
esse tempo. Eu sabia que ele sabia sobre a briga por
causa da maneira como
tudo havia terminado. O sr. Pitt apareceu quando eu
ainda estava impedindo
que o oxigênio chegasse ao cérebro do Chris Perez.
— Ei, o que
está acontecendo aqui? — ele perguntou.
Recuei
imediatamente, mas a coisa toda parecia suspeita. Nós estávamos
muito próximos um do outro. Eu estava vermelho e com
cara de culpado.
Perez estava ofegante e com a calça na altura dos
joelhos. Na verdade, agora
que penso naquilo do ponto de vista do sr. Pitt, talvez
a situação não parecesse
suspeita como uma cena de Vidas sem rumo, e sim como
uma situação de A
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gaiola das loucas. Provavelmente nosso professor não
sabia muito bem o que
pensar.
Enfim, eu
estava na expectativa de um castigo graças à minha cruel
educação católica. No St. Luke, os professores eram
completamente sádicos.
A punição consistia em ficar de pé a quinze centímetros
do quadro-negro
olhando para o mesmo ponto por meia hora sem se mexer.
Se você desviasse
o olhar ou mesmo piscasse por muito tempo, ficava mais
dez minutos. Depois
havia a chamada punição JDD — Julgamento de Deus.
Basicamente, os
rebeldes tinham de se sentar nos degraus da escola no
frio e esperar que um
raio os fulminasse por causa da terrível transgressão
de usar uma meia de cada
cor ou soltar um peido durante a oração.
A Escola
Pública de Pelham era completamente diferente. Deus não
estava lá para nos julgar. Na verdade, provavelmente
havia uma porção de
entidades naquela atmosfera — um flamejante deus que
odiava porcos para os
judeus e os meio--judeus, como Kayla Bateman; um suave
e bem-educado
deus para os protestantes de camisa pólo. Mas os
professores não tinham
permissão para falar sobre nenhum deles. Além disso,
havia aquela curiosa
atitude de descontração que eu havia notado no primeiro
dia. Não me refiro
apenas à soneca. Estou falando da disciplina.
Por exemplo:
a escola tinha um professor de teatro que fumava no
estacionamento com os alunos e contava para eles sobre
seu conturbado
divórcio. Quando um celular tocava durante a aula de
história, o proprietário
não apenas atendia a chamada como levantava a mão e
pedia ao professor:
―Você pode falar mais baixo por um segundo?‖
E teve uma
vez que o professor de inglês do segundo ano, o sr. Watts,
descobriu que um dos alunos tinha passado as últimas
oito aulas esculpindo
um elaborado desenho na mesa. A obra de arte era a
seguinte frase: ―O sr.
Watts e o Dickens chupa pica‖. O professor repreendeu o escultor, dizendo:
―Isso está errado!‖ Em seguida, pegou a faca e entalhou um m no fim da
palavra ―chupa‖. ―Esta oração tem dois sujeitos‖, explicou. ―Você precisa
conjugar o verbo no plural.‖ E devolveu a faca ao garoto.
Nosso
diretor provavelmente era a fonte de toda essa descontração. Não
que ele próprio fosse descontraído — era mais do tipo
confuso. O dr.
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Hernandez ficava na porta de seu escritório entre as
aulas, acenando
desajeitadamente para os alunos que passavam
apressados, chamando todos
pelo nome — que não só estavam errados, mas eram
bizarros. ―Boa tarde,
Jarvis‖,
dizia para o Jason Burke. Ou cumprimentava a Ashley chamando-a de
―Aster‖.
Por isso
não me surpreendi quando ele me chamou de ―Phineas‖ ao sair
de seu escritório para me encontrar na sala de espera,
onde eu estava roendo
as unhas enquanto aguardava sentado entre as duas
secretárias. Depois que ele
fechou a porta da sala, perguntou:
— É
Phineas, certo?
— Quase isso
— respondi, enquanto nos sentávamos.
Eu nunca
tinha sido chamado à sala do diretor na minha vida. Era um
pouco diferente do que eu esperava. A secretária
parecia confusa e meio
irritada comigo e, quando o dr. Hernandez me levou para
dentro, ele me
ofereceu cinco coisas diferentes — café, chá, água,
refrigerante e balas de
hortelã (será que era uma indireta?) — antes de se
sentar.
— Bem,
Phineas — começou, pesaroso.
Eu já
adivinhava as possíveis punições. Eu seria capaz de aguentar o
castigo, que consistia em empurrar uma lixeira grande
por todas as salas de
aula e esvaziar as latas de lixo menores dentro dela.
Poderia até mesmo
suportar o colete laranja para delinquentes juvenis que
mandam você usar para
recolher o lixo. Mas não ficaria muito feliz se o
castigo baixasse minha média.
Algo me dizia, porém, que o dr. Hernandez não tinha nem
mesmo poder para
isso.
— Esse tipo
de comportamento — ele começou. — Correr pelos
corredores. Arremessar pessoas contra os armários.
Ameaçar pessoas.
— Sim.
Ele sacudiu
a cabeça. Também balancei a minha, imitando o que ele fazia.
— Vejo que
você concorda — ele disse, colocando as mãos espalmadas
sobre a mesa.
— Concordo,
senhor — respondi.
Tudo que
ele fez foi citar meu comportamento. Ele não os condenou.
Sim, eu tinha corrido pelo corredor, jogado o Perez
contra o armário e o
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ameaçado. Eu concordava com tudo.
— E se você
tiver que vir aqui novamente... — ele começou. Uma tosse
seca pareceu suficiente para completar a ameaça. Se eu
tivesse que vir aqui
novamente, o dr. Hernandez tossiria em mim. Depois, ele
me olhou
aguardando minha resposta.
—
Completamente justo — eu disse.
Olhando as
fotos emolduradas do dr. Hernandez ao redor da sala, em que
ele cumprimentava governantes, políticos locais,
oradores de turma e atletas da
Escola de Pelham, notei algo que se repetia. O pobre
homem sempre parecia
um pouco perdido. A expressão no rosto dele dizia: ―Que
luz brilhante é essa
na minha cara e quem é mesmo essa pessoa?‖ Pobre diretor. Meu pai muitas
vezes tinha a mesma cara em nossos álbuns de família.
Por que será que meus
supostos modelos de conduta masculinos eram tão
perdidos?
Então o dr.
Hernandez se levantou e estendeu a mão.
— Parece que
estamos entendidos, Phineas.
— Acho que
sim, dr. Fernandez — concordei.
— Hã?
Quando ele
percebeu meu erro, eu já tinha colocado a mochila nas costas
e saído pela porta. Eu não culpava o dr. Hernandez por
sua falta de ação
disciplinar. Se tivesse de dar a ele algum crédito,
diria que ele sabia que eu era
um bom garoto e que o Chris Perez era um garoto mau,
que já tinha se safado
bastante. Talvez aquilo fosse uma espécie de ―muito
obrigado‖.
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E o Chris Perez? Você poderia esperar, como meu
estômago nervoso
esperava, que ele fosse tentar se vingar me dando uma
surra.
Ele poderia
ter divulgado entre seus vários seguidores e admiradores por
toda a escola uma sentença de morte contra mim. Poderia
ter transformado
minha vida num inferno. Poderia ter me atropelado (ele
tinha apenas 15 anos,
mas não sei como já tinha carteira de motorista — Chris
Perez tinha tudo que
queria). Ele poderia ter me reduzido a uma mísera
lombada no
estacionamento da escola. E, no entanto, não fez nada.
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Ok, ele fez
algumas coisas. Resmungou algumas palavras, coisas como:
— Seu pau
deve ser pequeno para caber no rabo do Cho.
Mas eu
ficava apenas olhando para ele. Como se estivesse esperando.
Como se ele devesse ter algum insulto melhor do que
aquele para mim.
E então ele
desviava o olhar. Ele não gostava quando eu o encarava.
Dizia que
era porque eu era gay, mas acho que ele estava meio assustado.
A última vez que eu havia encarado o Perez, ele tinha
perdido a habilidade de
respirar. Tinha ficado zonzo. Talvez por uma fração de
segundo, imobilizado
pelo meu impiedoso e assustador olhar penetrante, ele
tivesse acreditado que
ia morrer.
Agora eu
tinha certeza que ele pensava que eu era um psicopata. O tipo
de garoto que, pressionado até o limite, acaba
aparecendo na escola com os
bolsos do sobretudo cheios de facas. Não era a ideia
mais lisonjeira, mas era o
que o mantinha afastado de mim.
Quanto aos
outros alunos, aquele incidente isolado de violência ajudou
demais a minha reputação. Aparentemente, pouco depois
da briga, Kayla
Bateman começou a contar histórias sobre mim para o
pessoal na sala de
estudos. A Jenny não gostou daquilo, alegando que ela
sabia mais sobre mim
do que qualquer outra pessoa e que, se alguém tinha que
contar histórias sobre
o Finbar, devia ser ela. Enfim, Jenny e Kayla já não se
davam bem por causa
da dicotomia em relação ao tamanho dos sutiãs, e agora
começavam uma
discussão para tentar provar qual das duas me conhecia
melhor. Só isso já
provava como a Kayla era ridícula, porque eu tive
apenas uma conversa com
ela na vida, que foi a seguinte: ―Pode me emprestar uma
caneta?‖ ―Não.
Minha outra caneta explodiu.‖ Mas, de qualquer maneira, em algum momento
da Luta pelo Finbar, a Jenny, para mostrar que me
conhecia melhor do que
ninguém, revelou à Kayla que eu era um vampiro.
Então um
dia, em meados de outubro, na frente de um armário que
ficava perto do meu, Ashley Milano não parava de falar
em como eu não
poderia ter realmente pegado o Chris Perez no corredor,
como não poderia ter
jogado o garoto contra o armário nem ter conseguido
estrangulá-lo sem levar
uma surra.
— O Finbar
não ficou nem machucado, com o olho roxo, nada — ela
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disse. — E daria para ver, porque ele é muito pálido.
— Tem uma
razão para ele ser tão pálido — Kayla sussurrou em tom de
ameaça.
A Ashley
ignorou o comentário.
— E o Finbar
nunca teria ganhado. O Chris Perez mata, tipo, umas três
aulas por dia para malhar. Ele está em ótima forma.
— Mas eu
fiquei sabendo que o Finbar é tipo... anormalmente forte —
Kayla respondeu.
As duas
olharam para mim, espantadas. Acontece que eu estava tendo
dificuldade para abrir meu armário, o que era irônico.
Quando finalmente
consegui, fiz um movimento exagerado e depois me
retraí. O que pareceu bem
esquisito, é claro.
— O Finbar é
bem alto — Ashley admitiu. — Mas os músculos dele não
parecem tão desenvolvidos.
— Mas ele
tem um reflexo incrível — a outra continuou. — O Finbar
consegue pressentir o perigo.
— Como
assim?
Kayla tirou
uma caixinha de Tic Tac do decote e jogou alguns na mão da
Ashley antes de prosseguir com a explicação.
— É como em
Crepúsculo — ela disse. — Lembra quando o Edward
para o carro antes que atinja a Bella no
estacionamento? O Finbar é daquele
jeito.
Kayla piscou
um monte de vezes.
— Tem alguma
coisa errada com seu rímel? — Ashley perguntou.
— Não. Eu
estou dizendo que o Finbar é daquele jeito.
Ashley
engasgou.
— Como...
Ela se
inclinou e sussurrou alguma coisa no ouvido da Kayla, que
concordou vigorosamente com a cabeça, e as duas deram
gritinhos. Em
seguida, se voltaram para me olhar.
Naquele
exato momento, eu estava desembrulhando um chiclete, que
coloquei na boca casualmente. Depois joguei o papel no
chão, sem me
importar com o lixo.
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— Ele é tão
descolado — Ashley suspirou.
A segunda
reação mais inesperada às minhas ações vieram cerca de uma
semana mais tarde, quando eu estava saindo da aula de
latim. Era a hora do
almoço dos alunos do último ano, e os corredores
estavam lotados e
barulhentos, com gente discutindo sobre quem ia dirigir
e se ainda queriam ir
ao Burger King, agora que o cardápio trazia as calorias
de cada alimento.
— E aí,
Frame!
Ouvi aquilo
no meio de toda a barulheira, mas continuei andando pelo
corredor completamente na minha. Não respondia quando
gritavam ―Frame‖.
Frame é o nome de um jogador de futebol, gritado nos
vestiários e nos
campos. É um nome para lugares cheios de homens suados.
Meu irmão, Luke,
era Frame. Por isso não me virei para olhar.
Então me dei
conta de que o Luke, proprietário e senhor do nome Frame,
estava quinze quilômetros ao sul, no Bronx. Aquele
Frame que alguém tinha
chamado era eu.
O diretor de
esportes da Escola Pública de Pelham, o treinador Doakes
— um sujeito que tinha levado a noção de
autobronzeamento longe demais −,
estava correndo atrás de mim com sua cor de abóbora
pelo corredor. Juro que
pensei que ele ia me derrubar e acabar comigo por ter
abandonado os esportes
e escolhido a aula de ciências nutricionais. Eu já
estava preparando toda uma
tese sobre como minha qualidade de vida havia melhorado
depois que aprendi
os segredos do açaí.
— Frame —
ele disse, sério. — Estão dizendo que você é um corredor e
tanto.
— Hein?
Estão
dizendo? Quem? Ah, provavelmente todos os alunos que ouviram
falar que o estudioso de poesia Finbar Frame de alguma
forma tinha feito o
Chris Perez se borrar de medo.
— Eu
adoraria ver você correr — Doakes disse.
Olhei para
ele em pânico. Pensei que ele queria me ver correr naquele
momento. Dei uma olhada em volta e calculei quantas
calouras com rabo de
cavalo eu teria que atropelar para provar meu valor
atlético.
— O quê?
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— Os testes
para a equipe de atletismo são daqui a dez dias — ele falou.
— Já tenho um monte de velocistas. Caras musculosos. O
que eu preciso é de
resistência. Caras de longa distância, longilíneos e
magros, como você. Com o
seu porte. Sacou?
— Saquei —
eu disse, com um sorriso sem graça.
— Então você
quer participar?
Uma visão de
mim mesmo como o pai do bebê de Juno, de shorts curtos
e ombros ossudos, passou pela minha cabeça de modo
perturbador. Qualquer
atividade extracurricular que exigisse cuecas apertadas
me deixava
desconfiado. Em seguida, outro pensamento me deixou
preocupado. O sol.
Imaginei minha pele pálida suando e torrando ao sol
durante três horas todas
as tardes. Eu não podia ficar exposto por tanto tempo.
Se ficasse, as pessoas
começariam a perceber que eu não brilhava como o Edward
em Crepúsculo
nem explodia em chamas como o Chauncey Castle de Sede
de sangue. Elas
descobririam que eu não era um vampiro. Ah, e além
disso eu acabaria
coberto de brotoejas.
— Eu não me
dou... muito bem... com o sol — falei ao treinador.
Ele não me
olhou como se eu fosse louco, o que a maioria das pessoas
fazia quando eu falava sobre o sol como se nós dois
tivéssemos um
relacionamento romântico complicado.
— Frame,
estou falando de corridas de inverno — ele respondeu,
impaciente. — Pista coberta.
— Ah, bom —
respirei aliviado. — Claro. Legal.
— Legal! — ele me deu um tapinha nas costas.
— Te vejo nas seletivas!
Peraí, o
quê? Eu fiquei tão animado por poder evitar o sol que aceitei
participar de um esporte do colégio? Nem eu me
reconhecia mais. E olha que
ainda nem estava usando os shorts curtos.
A melhor
reação à minha violência, porém, não foi meu recrutamento
forçado para fazer parte da equipe de atletismo do
colégio. A melhor reação
veio no dia seguinte à briga. Eu ainda sentia algumas
dores por causa da
corrida inesperada pelo corredor (um triste sinal da
minha aptidão física — e
da capacidade do Luke como personal trainer), por isso
comecei a fazer
caretas de dor quando tive de agachar para pegar alguns
livros que caíram na
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frente do meu armário antes do almoço.
— Ei, Tony
Soprano — alguém disse.
Olhei para
cima e, apesar da dor, sorri. Era a Kate.
— O que
aconteceu? — ela perguntou.
Ela estava
ao lado da porta do meu armário, e levantei rapidamente para
não parecer que eu estava olhando para os peitos dela —
o que eu estava
fazendo, mas só um pouco e de maneira respeitosa. Ai,
meus tendões.— Ouvi
dizer que você está detonando por aqui — ela disse. —
Será que devo ficar
com medo? — Ela se afastou, fingindo que estava
assustada. — Não quero
provocar sua ira.
— Nada de
ira aqui — levantei as mãos em sinal de paz.
Eu não
queria que a Kate tivesse a mesma impressão que o Chris Perez
tinha sobre mim — de que eu era mentalmente instável.
Isso não era nada
atraente.
— Só acho o
Chris Perez um idiota — expliquei, dando de ombros.
— Eu também
— ela disse. — Outro dia, na aula de química, ele
derramou ácido hidroxílico em mim.
— Você está
bem? — perguntei. — Você se queimou ou algo assim?
— Ácido
hidroxílico é água — ela sorriu.
Ah. Finbar
panaca. Como consegui tirar 10 em química no ano passado?
— Mas minha
calça ficou molhada — ela continuou. — E tive de pegar
uma bermuda emprestada da Audrey Li.
Audrey Li
era uma conhecida vagabunda do primeiro ano.
— Ah, então
agora você está com sarna? — perguntei.
Kate riu.
— Pois é.
Ela ficou me
olhando por um segundo. Então me cutucou no ombro.
— Isso
provoca sua ira? — perguntou.
Seu dedo indicador marcou minha pele pálida
várias vezes, indo do
ombro até a clavícula. Ela ficou repetindo a pergunta,
de um jeito
propositalmente irritante:
— Isso
provoca sua ira? Será que isso provoca sua ira? Estou provocando
sua ira?
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Eu não me
senti provocado. Só fiquei lá, rindo, calmo, enquanto as
pessoas passavam pelo corredor, se arrastavam com a
mochila nas costas,
entravam nas salas de aula, saíam pelas portas. E no
meio de toda aquela
normalidade, eu me inclinei na direção da Kate,
balançando a cabeça, e então
algo extraordinário aconteceu.
Ela estava
cutucando minha nuca, e então usou os dedos para me puxar
em direção a ela. Não havia ambiguidade no que ela
estava fazendo, nenhuma
dúvida, nenhum traço da hesitação que caracterizava
toda a minha vida,
especialmente minha vida amorosa.
Kate me
beijou.
Meu primeiro
pensamento foi: Ela está fazendo respiração boca a boca
em mim! Esse era o nível da minha experiência sexual.
Depois percebi que eu
não estava tendo um ataque cardíaco. Aquela menina
estava voluntariamente
pressionando seus lábios contra os meus. E ela não
estava sequer tentando
esconder o beijo. As pessoas estavam vendo — pela minha
visão periférica,
percebi metade do fã-clube da sra. Anderson passando.
Um monte de caras
estava me vendo dar uns amassos como um cafetão.
Depois que
todas essas coisas passaram pela minha cabeça, percebi que
eu tinha que beijar também.
Eu mal havia
começado a mover os lábios quando ela se afastou. Mas eu
realmente não pensei que ela tivesse feito aquilo por
repulsa. Tenho certeza de
que era o jeito normal como se termina um beijo...
certo?
— Vamos
almoçar — ela disse, como se beijasse caras todos os dias
durante o quarto período perto dos armários, para em
seguida comer torta de
frango. Como se aquilo fosse normal. Em vez de ser o
que era para mim...
inacreditável!
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