domingo, 4 de novembro de 2012

Capítulo 14 (Doce Vampiro)


Na primeira segunda-feira de novembro, nenhum de nós matou a aula de
física. Mais tarde, porém, muitos desejariam ter feito isso.
      Nossa professora, drag Einstein (daqui em diante chamada apenas de
Einstein, para resumir), tinha deixado todo mundo animado por causa daquela
aula em particular. Era uma competição entre as duplas para ver qual delas
conseguia construir a melhor montanha-russa usando peças de plástico.
Depois de terminar a construção, cada dupla tinha de fazer com que carrinhos
percorressem os trilhos. O que, você pode perguntar, faz de uma montanha-
russa melhor que as outras? Basicamente, as duplas ganhariam pontos extras
para cada incremento: um pico bem alto, uma curva superfechada e, o que era
imbatível, o looping. Ah, e você perdia pontos pra caramba se seu carro saísse
dos trilhos, pois isso significava que seus pilotos haviam morrido. Mas você
não perdia todos os pontos, o que mostrava bem como nossa professora era
sádica.
      E vou te falar: quando você está construindo uma montanha-russa, é
difícil pra burro não matar pessoas. Na verdade, depois disso fiquei com medo
de andar de montanha-russa. O Jason Burke e eu éramos um fracasso
completo para fazer curvas fechadas e o looping. A curva fazia nosso carrinho
sair voando violentamente pela sala, e o looping teve como único resultado a

queda em linha reta do nosso carro. Então decidimos nos concentrar em
apenas um pico bem alto e batizar nossa montanha-russa de Everest. Nosso
projeto tinha a ver com marketing.
     Infelizmente, não conseguimos ter sucesso nem mesmo naquele único
pico. Toda vez que o carro se aproximava da parte mais alta, acabava voltando
de ré. Mas pelo menos ninguém morreu.
     Na mesa ao lado, Matt Katz estava construindo uma montanha-russa
épica chamada Terror das Tripas. O nome era bizarro, mas o lema da
montanha-russa era simples: ―Você vai pôr as tripas para fora. Na equipe do
Matt Katz, ele era o visionário, e Kayla Bateman, sua parceira, fazia o trabalho
sujo. Para começar, ela teve de fazer a contagem de todas as peças de que eles
precisavam para construir a obra-prima do Matt. Então, depois de descobrir
que faltavam quarenta peças, teve de roubar o restante dos outros grupos.
Cada dupla podia ter no máximo cinquenta peças. Deixei a Kayla pegar cinco
das nossas. Ela conseguia ser bem persuasiva às vezes.
     — Muito bem! — Einstein acenou da frente da sala. — Agora a
montanha-russa de vocês já deve estar funcionando. E vocês já devem ter
anotado a velocidade média do carro.
     Fiz uma careta para o Jason. Ele deu de ombros.
     — Vou ficar olhando para ver se os carros saem dos trilhos — ela
continuou. — Chegou a hora!
     Matt Katz instruiu a Kayla:
     — Fique no fim da montanha-russa para pegar o carrinho.
     — Coloquem os carros no lugar. E quando eu apitar... vão!
     Jason deu uma mexida no nosso carro no início dos trilhos. A Everest
ganhava impulso com uma série de pequenas colinas.
     — Vão!
     Jason e eu começamos a gritar sem parar, seguindo o carro com os olhos,
como se fosse uma bola de boliche.
     — Vai! Mais rápido!
     O carro nos desobedeceu na mesma hora. Mal começou a subir o pico,
parou e voltou preguiçosamente para trás, como um velho se afundando no
sofá.

     Jason suspirou.
     — Será que vamos tirar zero?
     Dei de ombros.
     — Nós não matamos ninguém.
     Viramos para o lado para ver a Terror das Tripas, em que o carrinho
ainda estava percorrendo o trajeto, pois ela era enorme graças a todas as peças
roubadas. Matt estava assistindo àquilo como um maluco, com o rosto
vermelho e os punhos fechados.
     — Isso! — ele gritava cada vez que o carrinho fazia uma curva. — É isso
aí!
     Quando o carrinho ultrapassou um pico, o Matt Katz gritou tão alto que
a turma toda se virou para olhar. E Einstein estava adorando aquilo. Ela
assistiu maravilhada quando o carrinho fez o looping — e não caiu!
     — Você merece um 10, sr. Katz! — drag Einstein proclamou.
     Matt Katz ficou extasiado. Ele estava tão empolgado que esqueceu da
Kayla, que ainda estava esperando no fim da montanha-russa. Ela não estava
muito interessada no looping e não prestou atenção suficiente para perceber
que o carrinho tinha ganhado muita velocidade. Como qualquer aluno de física
sabe, velocidade é aceleração em determinada direção. E a aceleração daquele
carrinho estava direcionada exatamente para o rosto da Kayla Bateman.
     Percebi que o carro estava prestes a voar na cara dela e me encolhi.
Ashley Milano também percebeu e engasgou, mas nenhum de nós era tão
rápido quanto a Terror das Tripas, que arremessou o carrinho bem na cara da
Kayla.
     Instantaneamente, ela levou a mão à maçã do rosto, onde o carro tinha
batido. A maioria dos alunos começou a rir, e alguém disse: ―Pena que não
bateu nos peitos. Ela não ia sentir nada. Apenas sorri, porque, na minha vida
pré-vampiro, provavelmente a vítima teria sido eu. Ainda assim, era ridículo
ser ferido por uma coisa chamada Terror das Tripas.
     Em seguida, a Kayla baixou a mão e todos nós vimos que a) ela estava
chorando e b) ela estava sangrando. Havia um corte profundo abaixo dos
olhos dela e o sangue vermelho e brilhante escorria pelo rosto, misturado às
lágrimas. Ela também tinha sangue na mão. Fiquei enjoado, o que

provavelmente fazia de mim alguém bem parecido com os pilotos imaginários
da Terror das Tripas.
      — Você está SANGRANDO! — Ashley Milano gritou.
      — Ai, meu Deus. Ai, meu Deus. Vou pegar uma gaze — Einstein falou,
correndo para sua mesa.
      — Eu estou sangrando? — Kayla perguntou, ansiosa. Em seguida, olhou
para sua mão e gritou:
      — Ai, meu Deus, eu estou sangrando!
      A classe inteira começou a falar ao mesmo tempo e ENTÃO, todos se
viraram para olhar para mim.
      — O que foi? — perguntei. Eu realmente fiz a pergunta, em voz alta. O
que eu deveria fazer quanto ao machucado da Kayla? Eu não estava tendo aula
de primeiros socorros, que era a única disciplina mais gay do que ciências
nutricionais.
      Naquele momento, a Kayla também olhou para mim. E deu o grito mais
inacreditável do mundo. Sério, um grito de filme de terror, que reverberou
pela sala de aula e pelo corredor. Era mais alto do que qualquer alarme de
incêndio que eu já ouvi.
      — O que está acontecendo aqui? — Einstein perguntou.
      Eu também queria saber. Olhei para a Kayla, completamente perdido.
Mas, quando a encarei, percebi em seus olhos um medo primitivo, em estado
bruto. Onde eu já tinha visto aquele olhar?
      Chris Perez. Chris Perez teve medo de mim como ela. Ele teve medo de
mim porque eu sou um vampiro.
      Kayla não conseguia nem falar. Apontou para mim com a mão trêmula, e
Einstein, correndo de volta com uma gaze na mão, perguntou:
      — O que foi? O que o Finbar fez?
      De minha parte, recuei para mostrar que eu não era uma ameaça. Fiz cada
movimento do modo mais ―seguro que podia imaginar. Levantei as mãos
para que a Kayla pudesse vê-las, como se estivesse me entregando para a
polícia. Cruzei as mãos no peito, como se fosse um árbitro marcando uma
falta. Fiquei longe da Kayla, mas continuei olhando para ela. Ainda conseguia
ver todo aquele sangue jorrando de seu rosto. Ai, meu Deus, todo aquele

sangue que não parava. Não pense em como isso é horripilante. Não pense
em como isso é nojento.
     Mas, a apenas um metro e meio da porta — da minha rota de fuga –, eu
desmaiei.
     Enquanto voltava lentamente a mim, percebi que estava na enfermaria.
Dava para sentir o cheiro de desinfetante e das meninas que fingiam ter
enxaqueca para matar a aula de educação física. Também me dei conta de que
ninguém mais devia acreditar que eu era um vampiro. Vampiros não
desmaiam como donzelas quando veem sangue. Se bem que acabar com o
mito do vampiro poderia ser bom àquela altura. Eu queria assustar caras como
Chris Perez, mas não queria assustar as meninas. Eu queria atrair as meninas.
     — Finn? — Jenny sussurrou.
     Abri os olhos e pisquei. Ela parecia ainda mais pálida sob as luzes da
enfermaria. E parecia muito preocupada, como se eu fosse um personagem de
novela em coma.
     — Oi — respondi.
     — Você está bem? — ela perguntou.
     — Estou — eu disse. — Foi mal.
     — Você meio que assustou todo mundo — ela falou.
     — Eu? — perguntei. — O que aconteceu?
     — Não, não, não — ela me tranquilizou. — A Kayla já levou uns pontos.
E ela não está mais com medo de você.
     — O quê? — tentei me sentar. O sangue subiu à minha cabeça. Meu
Deus. — Como assim ela não está mais com medo de mim?
     — Ashley e eu explicamos tudo para ela. Você sabe, por que você
desmaiou.
     — O quê?
     Mais uma vez, eu estava completamente confuso. A Ashley e a Jenny,
minha maior fã vampiresca, tinham dito para a Kayla que eu tinha medo de
sangue e que não era um vampiro?
     — Isso mesmo — ela explicou. — Nós dissemos para ela que você não...
você sabe... que você não se alimenta na escola.
     — Como é?

    — Não é por isso que você não almoça com a gente?
    — Humm...
    — Então — ela continuou, mais animada –, eu disse a ela que você
desmaiou porque está com fome!
      Eu tinha de me recuperar rápido do desmaio, porque tinha um
compromisso importante na noite seguinte à confusão da montanha-russa. Eu
ia jantar na casa da Kate.
      Ela alegou que eu tinha de ir porque seu pai cozinhava muito bem.
      — Ele comprou um monte de panelas esquisitas e vai fazer comida
tailandesa — ela disse. — Você gosta?
      Eu era de Indiana. Nunca havia experimentado comida tailandesa.
      — Gosto — respondi.
      — Legal! — ela disse. — Venha lá pelas oito, tá? Você vai conhecer
minha mãe.
      — Ah, tá, legal — eu disse, completamente desconcertado. — Vai ter...
mais alguém?
      — Nenhum dos meus irmãos está em casa — ela respondeu. — Então
vamos ser apenas nós e os meus pais.
      — Ah — eu disse. — Legal.
      — Tudo bem?
      — Legal — disse novamente.
      Enquanto me vestia, lembrei que, quanto mais vezes você usa a palavra
―legal numa conversa de cinco minutos, menos legal você é. E eu não podia
me dar ao luxo de não ser legal essa noite.
      Aquela era uma noite muito importante. Era uma noite para matar ou
morrer. Impressionar os pais da Kate poderia ser um grande passo para virar
namorado dela. Na verdade, era uma noite para matar ou morrer porque eu
não sabia se era namorado dela. Tínhamos saído para ver um filme e ela agiu
como se fôssemos apenas amigos. Mas eu conheci o pai dela quando a deixei
em casa. Depois ela me beijou no corredor. O beijo não foi tão importante
quanto o lugar em que aconteceu. Aquilo não foi um beijo dado no canto
escuro de uma festa, entre goles de cerveja, escondido, por duas pessoas que

estavam bêbadas e cometeram um erro. Foi de propósito. Foi na frente de
todo mundo. Aquele beijo foi uma declaração: ―Estamos juntos!
     Mas será que estávamos juntos? Enquanto eu dirigia para a casa da Kate,
fiquei dando umas olhadas no espelho retrovisor, fazendo caras sérias e
perguntando para o painel do carro: ―Para onde está indo este
relacionamento? Ensaiei as palavras em voz alta: ―Kate, tudo bem para você
me chamar de namorado? Não, isso parecia misógino e controlador. Melhor:
―Posso te chamar de namorada?
     Não. Tudo isso era péssimo. Parecia desespero. Parecia que eu estava me
esforçando demais, que é exatamente o que eu havia feito de errado com a
Celine. Enquanto estacionava o carro, decidi não cometer o mesmo erro com
a Kate e sua família.
     Foi o pai dela quem abriu a porta. Nós tínhamos conversado muito
rapidamente da última vez, depois do filme. Agora eu tentava causar uma boa
impressão com um aperto de mão superfirme e viril.
     — Sr. Gallatin — eu disse. — Muito obrigado por me receber.
     — Prazer em vê-lo, Finbar — ele disse. — Entre, venha conhecer a
Janice.
     Cumprimentei a mãe da Kate — de maneira mais suave. Os dois eram
altos e magros. Também eram bem mais velhos. Tinham cabelos brancos e
nem tentavam esconder, do jeito que minha mãe escondia os cabelos grisalhos
com tinta ou como meu pai cobria a careca com bonés de beisebol que não
enganavam ninguém. A mãe da Kate, Janice, não era nenhuma gata, mas eu
preferia que fosse assim. Essas mães gostosonas meio que me assustam. Eu
não sei como lidar com cinta-liga e meia-calça. Por isso, uma mãe normal era
preferível. Mas, para dar a Janice o benefício da dúvida, ela provavelmente
havia sido gostosa, quando os três irmãos mais velhos da Kate eram crianças.
E se tivesse netos em breve, certamente poderia ser uma avó gostosa.
     Meu Deus, o que eu estava fazendo, pensando em todas essas coisas
pecaminosas? Os pais da Kate eram católicos, como os meus. Todo mundo
sabe que os católicos têm, tipo, visão de raio X para pensamentos sexuais. No
nono ano no St. Luke, por exemplo, tivemos aquela professora de inglês
incrivelmente gostosa, a sra. Alexander. Era uma ótima professora — na

verdade, eu consegui parar de pensar nos peitos dela por tempo suficiente para
entender como usar os advérbios –, mas ela pediu demissão em novembro.
Isso porque tinha visão de raio X e conseguia ver todas aquelas coisas
pervertidas que estávamos pensando sobre ela.
     Ou talvez ela tenha percebido pela redação do Johnny Frackas, chamada
―Dez objetivos da minha vida, que o Sean O’Connor roubou e acrescentou,
como décimo primeiro: ―Pegar a sra. Alexander por trás.
     Enfim, eu não queria que os Gallatins soubessem de todos os
pensamentos que eu tinha com a Kate. Não que eu pensasse no décimo
primeiro. De jeito nenhum! O que você pensa que eu sou? Mas não vou dizer
que eu não pensava na Kate quando estava na cama. Ou no chuveiro. Ou na
cozinha...
     — Você gosta apimentado, Finbar? — a mãe da Kate perguntou,
esticando a cabeça para fora da cozinha.
     Hã? Apimentado? Quase dei um pulo de susto no sofá da sala, onde eu
estava sentado ao lado da Kate, segurando um copo de Pepsi. Comecei a suar.
     — A comida — ela disse. — Você gosta de comida apimentada?
     — Ah — eu disse, aliviado. — Claro.
     Kate ergueu uma sobrancelha. Ela percebeu que eu estava nervoso.
     Os pais dela entravam e saíam da cozinha enquanto preparavam o jantar.
Era muito fácil conversar com eles. Eles me perguntaram sobre a nossa
mudança de Indiana. O sr. Gallatin tinha crescido no Illinois e costumava
fazer rafting num lugar não muito distante de Alexandria. Eles tinham vários
hobbies legais. Gostavam de acampar e tinham um caiaque. Faziam coisas que
eu só tinha visto em catálogos de artigos esportivos. Eles perguntaram se
meus pais tinham algum hobby. Acho que limpeza radical ainda não é um
esporte, então eu disse que a minha mãe não tinha nenhum.
     — Mas o meu pai está pensando em aprender a surfar — falei.
     Quando Kate e eu fomos para a sala de jantar, eu meio que me arrependi
por ter reagido de forma tão casual àquele negócio de ―você gosta
apimentado?, considerando que eu normalmente como alimentos que têm a
cor da minha pele. Sabe como é: pipoca, batata assada, peito de frango sem
molho. Agora eu estava olhando para um genuíno menu especial de diferentes

cores e formas amontoando-se alegremente. A panela fumegante que o sr.
Gallatin colocou na mesa era um prato que chamou de dragão de curry.
     Os Gallatins não rezavam antes de comer, por isso eu não conseguiria
adiar aquela refeição. Havia pedaços de frango cobertos de flocos verdes e
vermelhos no meu prato. O cheiro do frango era picante, mas talvez apenas os
flocos vermelhos e verdes fossem apimentados. Quando ninguém estava
olhando, raspei os flocos vermelhos para o canto do prato. Em seguida, tentei
fazer a mesma coisa com os verdes, mas o sr. Gallatin virou para falar comigo
e eu entrei em pânico, enfiando o frango seminu na boca.
     — Então, como é que uma aluna do primeiro ano como a Kate consegue
ser descolada o suficiente para sair com você, Finbar? — ele perguntou.
     — Ela é... — comecei. Mas naquele instante o sabor do dragão de curry
me atingiu.
     Eu não conseguia engolir. Era tão, mas tão ardido. Mas eu também não
podia ser mal-educado e cuspir o frango. Quando abri a boca novamente,
minha respiração me fez engasgar.
     — Quente! — exclamei. — Nossa, como é quente!
     Ficou um silêncio. Antes, havia o agradável ruído habitual dos jantares,
com talheres batendo nos pratos, o gelo se chocando nos copos e, é claro, o
silvo mortal do dragão de curry em seu covil. Mas agora só havia silêncio. O
pai da Kate tinha me perguntado por que eu gostava dela e eu tinha
respondido: ―Ela é... quente. Na verdade, eu não tinha dito, tinha
praticamente ejaculado a palavra ―quente. Eu não tinha coragem de olhar
para os pais dela.
     Mas consegui dar uma espiada na Kate, me virando para ela com o
pescoço tenso. Ela estava rindo em silêncio, de boca cheia.
     O sr. Gallatin falou:
     — Bem, Finbar.
     Olhei para ele apavorado, com o rosto vermelho como os flocos que eu
tinha raspado do frango.
     — Quer um pouco de molho de pimenta no seu prato?
     Kate e seu pai riram da piada, e tentei ao mesmo tempo rir e suspirar de
alívio, mas a mãe dela revirou os olhos.

     — Lembra quando estávamos namorando e eu ria das suas piadas? — ela
perguntou ao marido. — Era fingimento.
     Foi a minha vez de rir alto. A sra. Gallatin havia sido tão inesperadamente
ousada e direta. Ela era muito parecida com a Kate.
     — Talvez um pouco de arroz alivie o ardor — o pai da Kate disse, mais
prático. — Vou pegar um pouco para você.
     Quando ele voltou da cozinha, disse:
     — Falando sério, Finbar, estamos contentes que a Kate tenha encontrado
um amigo como você.
     Bem, pensei, convencido. Mais que um amigo. Sua filha me beijou no
corredor. Com um pouco de língua.
     Claro que não falei isso.
     O pai dela continuou:
     — Alguém que...
     Alguém que é sexy? Sombrio e misterioso? Não, ele não diria isso.
Alguém que realmente se preocupa com a Kate? Alguém que se tornou muito
próximo da nossa filha? Essa conversa ia acabar num papo sobre namorado e
namorada?
     — Alguém que está interessado em estudar — finalizou. — Um bom
garoto.
     Minha sentença de morte havia sido proferida. Bum, bum, bum.
Acabado, acabado, acabado. Sem chance com a Kate. Aquilo era a pior coisa
que ele poderia ter dito! Uau, aquele era um pai esperto. O comentário que ele
fez era o equivalente verbal de um cinto de castidade. Preferia que ele tivesse
dito: ―Um garoto com espinhas por toda a cara, ―Um garoto com mau hálito
incurável, ―Um garoto prestes a cumprir de cinco a dez anos na penitenciária
estadual.
     Nada poderia ter arruinado minhas chances com uma menina do colégio
mais rápido do que ser rotulado como bom garoto. Pensei que essa seria a
noite em que eu descobriria se era ou não namorado da Kate. Bem, acho que
descobri. Um bom garoto não serve para ser namorado. Um bom garoto serve
para ser amigo.
     Claro que concordei com aquilo e sorri, escondendo minha decepção.

     — Agora, a sobremesa — o pai da Kate começou. — Temos mais uma
especialidade tailandesa. Um superapimentado...
     A mãe dela interrompeu o anúncio, revirando os olhos.
     — Temos sorvete. Mas, Kate, por que você não mostra ao Finbar a
batcaverna, enquanto a gente tira a mesa? Vocês podem comer a sobremesa
depois.
     A ―batcaverna da Kate, como eles chamavam o porão, foi uma esfregada
de sal na ferida do nosso romance inexistente. Era o lugar mais legal do
mundo. Minha não namorada era o Batman. E eu era o Alfred, pálido e
confiável. Mas, sério, vamos falar do porão. Eles tinham uma mesa de bilhar
profissional, uma mesa de air hockey e até um fliperama. Fiquei com inveja da
Kate e dos irmãos dela. E de quem acabasse sendo o namorado dela. Fiquei
com muita inveja dele, por um monte de razões.
     — Nós temos os melhores canais de filmes — ela disse quando me sentei
no sofá ao seu lado. Droga, que couro macio.
     — Eu vejo, tipo, uns seis filmes todo fim de semana — ela continuou. —
Ai, meu Deus, está passando Sede de sangue. Você já viu esse filme? É muito
engraçado. É basicamente pornografia.
     Na tela, Virginia White, interpretada por uma modelo anoréxica com sutiã
de enchimento, espionava Chauncey Castle, interpretado por um ator
britânico ―sério com o rosto coberto de pó, enquanto ele examinava uns
frascos de sangue em sua mesa. Depois de abrir um dos frascos, ele o levou à
boca e bebeu. Virginia se assusta e Chauncey se vira, pegando a moça no
flagra.
     Virei para Kate e disse:
     — Pensei que as meninas adorassem Sede de sangue.
     — Elas só gostam desse filme porque é para maiores de 18 anos e elas
não têm permissão para assistir. — Kate revirou os olhos. — É proibido.
     Tentei parecer sombrio e perigoso.
     — Você gosta de coisas proibidas? — perguntei.
     — Não — ela respondeu, categórica.
     — Mas e o livro Sede de sangue? As garotas adoram esse livro.
     — As garotas da sua classe adoram esse livro — ela disse. — As pessoas

nem sabiam que a Ashley Milano sabia ler antes de Sede de sangue ser
lançado. E a Kayla Bateman caiu da esteira porque estava lendo a parte das
algemas.
     — Talvez ela só tenha perdido o equilíbrio por causa dos... — sugeri.
     — Nossa, isso me lembra uma coisa! — ela disse, sentando de pernas
cruzadas no sofá. — Preciso te contar uma coisa engraçadíssima que ouvi a
Jenny Beckman dizer.
     Ai, meu Deus, o que será? A Jenny ficava tempo demais perto de mim.
Ela poderia ter dito qualquer coisa a meu respeito. Não, fique calmo. Talvez
não fosse sobre mim. De onde vinha essa crença de que eu era o centro do
universo?
     — Ela e a Kayla Bateman estavam falando de você e...
     O-oh. Era a meu respeito. Será que eu havia sido pego num momento
Nate Kirkland? Mas em público eu só coçava o nariz! Nunca enfiei o dedo!
Foi uma coçadinha, eu juro!
     — Elas, tipo, acham que você é um vampiro — ela disse e ficou à espera,
sorrindo, como se tivesse acabado de contar uma piada.
     Meu primeiro pensamento foi: Dã, é claro que eu sou um vampiro. Todo
mundo já sabia disso na escola. A Ashley Milano tinha até me emprestado o
para-sol de seu Oldsmobile para proteger minha pele quando eu andava até o
estacionamento. E as meninas que tinham começado com pão de alho
passaram a se aproximar de mim com um crucifixo de prata e uma vareta que
lembrava vagamente uma estaca de madeira. Embora eu ficasse contente
porque aquelas meninas acreditavam que eu era um vampiro, também ficava
meio chateado por elas estarem tentando me matar.
     — Ah — eu disse, forçando uma risada patética.
     Kate, que estava esperando que eu soltasse uma gargalhada, percebeu
minha reação ridícula. Maldita fraqueza a minha por meninas inteligentes!
     — Você sabia que elas achavam isso? — perguntou.
     — Não sei... Quer dizer, eu ouvi alguma coisa — respondi. — Mas
obviamente achei que fosse piada.
     — Você não achou isso completamente ridículo? — ela perguntou,
arregalando os olhos.

     — Sim, acho que sim... — dei de ombros e voltei a olhar para a televisão.
     Chauncey Castle estava derramando sangue nos peitos de Virginia e em
seguida lambendo. Entre gemidos, ela disse: ―Sei que você é perigoso, mas
minha paixão por você também é perigosa.
     — Então por que você não disse que é... humano? — Kate perguntou.
Ela deu um sorriso largo e, ao pensar em mim como vampiro, soltou uma
gargalhada. Até jogou a cabeça para trás.
     — Ah — dei de ombros outra vez. Meus ombros estavam ficando
doloridos de tanto que eu fazia isso. — Tinha um monte de gente que
pensava... ou supunha... tipo...
     — Sério? — ela disse. — Pensei que a Jenny tinha falado isso para a
Kayla porque ela é meio... você sabe...
     — Então — arrisquei, hesitante –, você não pensou que eu fosse... um
vampiro?
     Ela riu mais alto que a plateia inteira do David Letterman. Seu riso era
colossal, ocupando todo o espaço do porão, e de repente me senti muito,
muito pequeno.
     — Você está brincando? — ela perguntou. — Você queria que eu...
     — Mas — arrisquei — e o meu problema com sol?
     — O quê?
     — Você não achou estranho eu não poder ficar exposto ao sol?
     — Você não é descendente de irlandês?
     — Mas você não me achou... sombrio e misterioso?
     — Você dirige um Volvo.
     — Edward Cullen dirige um Volvo! — falei alto, em minha própria
defesa.
     — Você comprou esse carro para parecer o Edward Cullen? — ela
perguntou.— Não! — respondi. — Meu pai gostou porque o carro é
econômico... mas espera. Você não pensou que eu fosse um vampiro? Ou que
eu era, tipo, assustador? Ou que eu batia nas pessoas o tempo todo?
     Kate balançou a cabeça.
     — Nem por um segundo — disse, com uma certeza que me deixou
deprimido.— Então... mas...

     Tentei pensar por um momento, mas na TV o sangue da Virginia White
estava sendo sugado. Os gemidos semiaterrorizados e semiorgásticos me
distraíram.
     — Mas o quê? — ela perguntou.
     — Então por que você, tipo... você sabe... no corredor...?
     — O quê?
     — Por que você me beijou? — perguntei. — Por que você... sei lá... gosta
de mim, se não acha que sou assustador, ou um vampiro, ou que bato nas
pessoas o tempo todo?
     — Eu gosto de você porque você não é assustador — disse, ainda
sorrindo. Depois pegou o controle remoto para desligar a TV e se virou para
me encarar. — Ou um vampiro. E porque você não bate nas pessoas o tempo
todo. E porque você não é um imbecil como o Chris Perez.
     Ela largou o controle remoto e se aproximou de mim no sofá de couro.
Passou um dos joelhos por cima das minhas pernas e sentou no meu colo, de
frente para mim. Uau. U-a-u. Então ela me beijou.
     — Espere um pouco — eu disse, falando com dificuldade, considerando
a nova direção em que o sangue do meu corpo estava correndo. — Agora que
você não acha mais que eu sou misterioso, pode me fazer um favor?
     — Que favor?
     Mas então ela mordeu o lábio, e vi seus dentes meio separados, a língua
macia e toda aquela umidade rosada.
     — Isso pode esperar um pouco — eu disse, antes de me inclinar sobre
ela. Da próxima vez que encontrei a Kate na escola, após um abraço que me
trouxe lembranças de ficar dando uns amassos com ela na batcaverna por uma
hora e meia, pedi que ela ajudasse o Luke em matemática. E prometi que
minha mãe ia pagar pela ajuda — ou, provavelmente, canonizá-la, desde que
ela conseguisse manter o Luke no programa de esportes da Escola Fordham.
É claro que ela se ofereceu para ajudar de graça.
     — Quero muito conhecer o seu irmão! — ela disse.
     Ótimo. Fantástico. Eu mal podia esperar para apresentá-la ao meu irmão
musculoso e galã. Sério mesmo.
     Eu disse à minha mãe que havia encontrado alguém para ajudar o Luke

em matemática.
     — Quem? — ela perguntou. — Aquele Jason de quem você me falou?
     — Não — eu disse. — Minha amiga Kate.
     — A Kate que convidou você para jantar na casa dela? — minha mãe se
inclinou na minha direção como se fosse uma bruxa e eu fosse o João coberto
de doces.
     — É — respondi. — Ela é muito boa em matemática.
     Na minha cabeça, eu estava sendo o mais tranquilo possível durante
aquela conversa (embora eu não devesse desperdiçar minha tranquilidade com
a minha mãe — mas acho que os vampiros têm tanta tranquilidade que dava
para gastar um pouco com ela). Mas ela ficou me olhando com um sorriso
bobo no rosto, e eu sabia que ela estava pensando que a Kate e eu estávamos
apaixonados. Minha mãe tem um sexto sentido para essas coisas.
     E assim Kate veio até a minha casa duas noites depois. E conheceu toda a
minha família: meu irmão, que já havia usado nossos pratos de cristal como
frisbees; minha mãe, com seu metro e meio, armada com um esfregão e
completamente por dentro dos meus sentimentos pela Kate; e meu pai, que
continuava ansiosamente me pedindo detalhes sobre como era estar metido
numa briga.
     Meu pai foi o primeiro a conhecê-la.
     — Kate! — falou com aquela voz de pai de série de TV. — Prazer em
conhecê-la, Kate!
     Por que é que os pais repetem o nome das pessoas umas oito vezes
quando as conhecem? Deve ser a memória que vai sumindo. Meus pais estão
na meia-idade, afinal. Não são mais tão afiados como antigamente.
     — Esta é a Kate do Finbar ou a Kate do Luke?
     Perguntar aquilo foi o próximo passo idiota do meu pai. Que maneira de
tratar as mulheres como objetos, pai!
     Mas a Kate deu de ombros, parecendo não ter se ofendido.
     — Geralmente sou do Finbar — disse. — Mas hoje sou do Luke. Para as
provas de matemática. Sorte dele.
     — Sabe — disse meu pai, pensativo —, eu nunca tive de provar porcaria
nenhuma quando estava na escola! Eles me disseram que dois mais dois era

quatro e eu acreditei.
     — Paul! Eu ouvi alguém falar palavrão aqui? Foi você?
     Minha mãe veio correndo da cozinha com uma embalagem enorme de
desinfetante. Ela apontou o bico do spray para o meu pai como se fosse uma
arma. Juro que ela teria limpado a boca dele com aquilo se eu não tivesse
impedido.
     — Mãe! — eu disse, com um tom de voz tenso que indicava que ela devia
se comportar. — Esta é a Kate. Ela vai ajudar o Luke com a lição de
matemática.
     — Ah, Kate! — ela gritou.
     Minha mãe ficou tão animada que apertou o pote de desinfetante e jogou
um pouco no rosto da Kate. Pus as mãos no rosto e soltei um gemido.
      Minha mãe correu para o lado da Kate.
     — Graças a Deus você está de óculos! — falou. — Eu poderia ter
deixado você cega!
     — Eu disse que a casa já está limpa! — observou meu pai.
     Minha mãe limpou furiosamente os óculos da Kate na própria blusa.
Depois recolocou os óculos no rosto dela, como se a Kate não pudesse fazer
isso sozinha!
     — Que lindo cabelo você tem — minha mãe balbuciou, como se fosse o
Lobo Mau falando com a Chapeuzinho Vermelho. Fiquei surpreso com o fato
de a Kate ainda não ter fugido da minha casa.
     — Mãe... — tentei formar uma barreira entre ela e a Kate.
     — Eu sempre pensei que teria uma filha — ela disse, pensativa. —
Quando descobri que teria gêmeos, me disseram que seria um menino e uma
menina.
     Ah, não. Por favor, Deus, faça um terrorista aparecer e amordaçar minha
mãe agora mesmo.
     — Desde o ultrassom dava para ver que o Luke era um menino — ela
explicou. — Mas da forma como o Finbar estava posicionado, não dava para
ver que ele tinha um...
     — Luke! — gritei.
     Eu nunca tinha ficado tão feliz por apresentar meu irmão atlético e boa-

pinta para uma menina de quem eu gostava.
     Luke desceu correndo as escadas, como de costume, e pulou os três
últimos degraus. Ele estendeu a mão.
     — Você é a Kate, certo? — disse, mostrando seus olhos azuis nem um
pouco assustadores para a menina de quem eu gostava. — Obrigado por vir.
     Minha mãe levou os dois para a sala de jantar, e eu subi para o meu
quarto, porque não queria ficar por perto. Mas eu estava tão ansioso com a
situação que me agachei e pus o ouvido no chão. Para meu azar, o aspirador
de pó da minha mãe estava sugando qualquer possibilidade de espionagem.
Agindo como o Luke, fiquei pulando pelo quarto, depois me atirei na cama
dele e comecei a jogar bola no teto. Atingi uma teia de aranha, que caiu no
meu rosto. Que nojo.
     Tentei dizer a mim mesmo que não tinha nada com que me preocupar.
De verdade. Claro que o Luke é bonito. Claro que está em boa forma. Ele
provavelmente conseguiria levantar um elefante se tivesse de fazer isso. Mas,
para ser honesto, meu irmão não está com essa bola toda. Ele tem a
capacidade de aprendizado de um furacão. Tudo bem, ele é grande,
empolgante e animado, e com certeza todo mundo fala dele por aí, e talvez
algumas meninas se joguem para cima dele e o sigam por todos os lugares,
mas o Luke é uma força selvagem e imprevisível. Nem ele mesmo tem
controle sobre a própria energia. Se tivesse a intenção de seduzir uma menina
em particular, não conseguiria fazer isso. Ele não teria a concentração
necessária. Não seria capaz.
     Ou seria?
     Sob o pretexto completamente ordinário de comer uma maçã, desci as
escadas. A maçã me daria uma desculpa para espiar a Kate e o Luke e provaria
para ela que eu era saudável. Em biologia, aprendemos que um monte de
traços ―atraentes ao sexo oposto são na verdade biologicamente sedutores,
porque indicam que somos companheiros saudáveis em potencial. Eu apenas
entraria na sala com a maçã na mão, me gabando em silêncio da minha
capacidade de acasalamento, dos meus dentes fortes e meus intestinos ágeis...
     Mas eles estavam rindo. Desde que desci da escada no hall de entrada, eu
podia ouvir os dois rindo. Merda. Rindo? O que tinha de engraçado em

matemática B?, fiquei me perguntando enquanto caminhava até a sala de
jantar. Eu nunca tinha tido matemática B, mas era matemática — e isso nunca
é divertido. Até Numb3rs, aquela série que tenta transformar matemática
numa coisa legal, passa nas noites de sexta-feira, porque as pessoas que gostam
de matemática estão sempre em casa nas noites de sexta-feira!
     Ah, não. Aposto que foi o Luke. Ele fez a Kate rir.
     — Acabei! — ela gritou da sala de jantar.
     — Acabei! Não, você ganhou de novo! — ele gritou logo depois e riu.
     Entrei com a cautela de um investigador na cena do crime. Eles estavam
sentados lado a lado, mas as cadeiras estavam viradas mais uma em direção à
outra do que em direção à mesa, onde estavam os livros, cadernos e as coisas
em que deveriam prestar atenção.
     — Oi, gente — eu disse. — E aí... o que está rolando?
     O Luke pegou o papel da Kate e deu uma olhada rápida antes de voltar os
olhos para seu próprio papel.
     — Droga! — ele deu um tapa na cabeça e se esparramou na cadeira, se
fingindo de morto. — Esqueci de dizer que isso é igual àquilo. Mas eu sei que
é. Então por que preciso dizer?
     — Você simplesmente precisa — ela falou. — Todas as coisas óbvias.
Senão você não pode sair da etapa um e avançar para a dois. O que significa
que sou a campeã!
     Ela ergueu as mãos.
     — Campeã do quê? — perguntei.
     — Nós estamos competindo com provas — disse Luke. — A Kate me
venceu três vezes seguidas.
     — E o perdedor tem de passar a prova a limpo — ela completou. — Três
vezes.
     Ele soltou um gemido, e ela lhe passou um caderno em branco e uma
caneta. — Vai lá, otário — ela disse.
     Enquanto o Luke copiava a prova com sua letra ansiosa, a Kate olhou
para mim, piscou e sorriu. Dei um sorriso sincero e me apoiei no batente da
porta. Aquilo parecia tão natural, a Kate na sala de jantar da minha casa, na
mesa onde comíamos carne em conserva toda terça-feira, perto das fotos da

nossa infância em que o Luke e eu aparecíamos vestindo blusas iguais com o
desenho de uma rena. Na segunda foto, ele estava com o dedo na minha
orelha e, na terceira, eu estava com o rosto tão amassado que não dava para
ver meus olhos. Mas eu não estava envergonhado por ela me ver como uma
criança franzina e cafona. Eu não podia perder meu ar de mistério, porque,
segundo a Kate, eu nunca tive um.
     Não era irônico? Eu me tornei um vampiro para fazer as meninas
gostarem de mim. Agora, a única menina que me importava nem sequer
gostava de vampiros. E ela não gostava de mim porque eu era melancólico,
misterioso ou assustador. Ela gostava de mim porque eu não era nada disso.
— Pronta? — Luke perguntou para a Kate, preparado para detonar as
páginas.
     Ela respondeu:
     — Preparar, apontar, fogo!

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