De uma coisa tenho certeza: as imagens do 11 de Setembro ficarão comigo para
sempre. Assisti à fumaça saindo das Torres Gêmeas e do Pentágono e vi o rosto sombrio dos
homes à minha volta observando pessoas saltarem para a morte. Testemunhei o desabamento
dos edifícios e a enorme nuvem de poeira e detritos que se formou em seu lugar. Me enfureci
enquanto a Casa Branca era evacuada.
Poucas horas depois, soube que os Estados Unidos iriam reagir ao ataque e que as
forças armadas liderariam a reação. A base entrou em alerta máximo, e duvido que alguma
vez tenha ficado tão orgulhoso dos meus homens. Nos dias que se seguiram, foi como se
todas as diferenças pessoais e afiliações políticas de qualquer tipo derretessem. Por um curto
período de tempo, todos nós fomos simplesmente americanos.
Escritórios de recrutamento em todo o país começaram a encher com homens querendo
se alistar. Entre nós já alistados, o desejo de servir era mais forte do que nunca. Tony foi o
primeiro homem em meu esquadrão a se alistar por mais dois anos, e um a um, todos
seguiram seu exemplo. Mesmo eu, que esperava a minha dispensa honrosa em dezembro e
contava com os dias para voltar para Savannah, peguei a febre e acabei me alistando.
Seria fácil dizer que fui influenciado pelo que acontecia à minha volta e por isso tomei
a decisão. Mas isso seria apenas uma desculpa. Certo, eu fui de fato pego pela onda de
patriotismo, mas, além disso, sentia-me obrigado pelos laços de amizade e da
responsabilidade. Conhecia meus homens, me preocupava com eles, e o pensamento de
abandoná-los em um momento como aquele me parecia incrivelmente covarde. Tínhamos
passado por coisas demais juntos para eu sequer deixar o exército naqueles últimos dias de
2001.
Liguei para Savannah com a notícia. Inicialmente, ela foi solidária. Como todo mundo,
ela estava horrorizada com o que havia acontecido e entedia o senso de dever que pesava
sobre mim, mesmo antes de eu tentar explicar. Ela disse que estava orgulhosa de mim.
Mas a realidade logo apareceu. Ao escolher servir ao meu país, eu tinha feito um
sacrifício. Embora a investigação sobre os autores do atentado tenha sido concluída
rapidamente, 2001 terminou sem maiores sobressaltos para nós. Nossa divisão da infantaria
não desempenhou qualquer papel na derrubada do governo Talibã no Afeganistão, uma
decepção para todos no meu pelotão. Em vez disso, passamos a maior parte do inverno e da
primavera treinando e nos preparando para a futura invasão ao Iraque.
Foi por volta dessa época, acredito que as cartas de Savannah começaram a mudar. Se
antes elas chegavam todas semanas, passaram a vir de dez em dez dias, e com o passar dos
dias, tornaram-se quinzenais. Tentei consolar-me com o fato de que o tom das cartas não
havia mudado, mas com o tempo isso também aconteceu. Não havia mais as longas
passagens em que ela descrevia como imaginava nossa vida juntos, as passagens que, no
passado, sempre me encheram de expectativa. Escrever sobre um futuro tão distante a fazia
lembrar quanto tempo faltava, algo doloroso de pensar para nós dois.
No final de Maio, consolei-me que pelo menos nos veríamos na minha próxima licença.
O destino, porém, conspirou novamente contra nós poucos dias antes de eu voltar para casa.
Meu comandante convocou uma reunião e, quando me apresentei em seu escritório, ele
mandou eu me sentar. Meu pai, ele disse, tinha acabado de sofrer um ataque cardíaco, e ele já
se antecipara e me concedera a licença adicional de emergência. Em vez de ir para Chapel
Hill e passar duas semanas gloriosas com Savannah, viajei para Wilmington e fiquei ao lado
da cama do meu pai, respirando o odor anticéptico que sempre me fez pensar mais na morte
do que na cura. Quando cheguei, meu pai estava na unidade de terapia intensiva, e lá ele
permaneceu durante a maior parte da minha licença. Sua pele tinha uma palidez acinzentada,
e sua respiração era rápida e fraca. Na primeira semana, ele recuperava e perdia a
consciência, mas quando ele estava acordado, vi emoções em meu pai que afloravam
raramente, e nunca combinadas: o medo desesperado, a confusão momentânea, e uma
gratidão de cortar o coração por eu estar ao lado dele. Mais de uma vez, peguei sua mão,
outra coisa inédita em minha vida. Por causa de um tubo introduzido em sua garganta, ele
não podia falar, então eu conversei pelos dois. Embora eu contasse um pouco do que
acontecia na base, falei principalmente sobre as moedas. Li o Greysheet quando saiu, e fui à
casa dele pegar cópias antigas que ele mantinha arquivadas em sua gaveta e também as li.
Pesquisei por moedas na internet - em sites como David Hall Rare Coins e Legend
Numismatics-e contava para ele as que estavam em oferta, bem como quais eram os preços
mais recentes. Os preços me espantaram. Com base nas moedas do meu pai que eu conhecia,
comecei a suspeitar que a coleção dele, apesar da queda dos preços do ouro desde seu
apogeu, valia provavelmente dez vezes mais do que a casa que ele tinha há anos. Meu pai,
incapaz de dominar a arte da conversa mais simples, havia se transformado no homem mais
rico que eu conhecia.
Ele não se interessava pelo valor das moedas. Desviava os olhos sempre que eu os
mencionava, e logo me lembrei do que por algum motivo eu havia esquecido: para meu pai, a
busca pelas moedas sempre foi muito mais interessante do que as moedas em si e, para ele,
cada moeda representava uma história com final feliz. Com isso em mente, fiz um grande
esforço para lembrar todas as moedas que tínhamos encontrados juntos. Como meu pai
mantinha registros impecáveis, eu os examinava antes de dormir e, pouco a pouco,, essas
lembranças voltaram. No dia seguinte, eu relembrava ao lado dele as histórias de nossas
viagens para Releigh, Charlotte ou Savannah. Embora nem mesmo os médicos soubessem ao
certo se ele iria escapar, meu pai sorriu mais naquelas semanas do que em toda sua vida
comigo. Ele foi para casa um dia antes da data da minha partida e o hospital tomou medidas
para que alguém cuidasse dele enquanto ele continuava a se recuperar.
Porém, se a estada no hospital reforçou minha relação com meu pai, ela não ajudou em
nada meu relacionamento com Savannah. Não entenda mal, ela foi me encontrar sempre que
pôde, e demonstrou apoio e simpatia. Mas, como passei tanto tempo no hospital, não foi o
suficiente para cicatrizar as fissuras que começavam a aparecer no nosso relacionamento.
Para ser honesto, eu nem sabia ao certo o que queria dela: quando ela estava lá, tinha vontade
de ficar a sós com meu pai, quando ela não estava, sentia falta dela ao meu lado. De algum
modo, Savannah atravessou esse campo minado sem reagir a nenhum estresse que eu
descontasse nela. Parecia entender meus pensamentos melhor do que eu e antecipar minhas
necessidades.
Ainda assim, precisávamos de um tempo para nós. Um tempo a sós. Se nosso
relacionamento fosse uma bateria, o tempo que eu passava no exterior significava
descarregamento contínuo, e nós precisávamos de tempo para a recarga. Uma vez, sentado ao
lado de meu pai ouvindo o bip constante do monitor cardíaco, percebi que eu e Savannah
passáramos menos de 4 dias das últimas 104 semanas juntos. Menos de 5 por cento. Mesmo
com cartas e telefonemas, às vezes eu me pegava olhando para o nada e pensando em como
resistíamos por tanto tempo.
Saímos para caminhar ocasionalmente e jantamos juntos duas vezes. Como Savannah
estava dando e tendo aulas novamente, era impossível para ela para ficar. Tentei não culpá-la
por isso, salvo quando o fiz, e acabamos discutindo. Eu odiava aquilo, e ela também, mas
nenhum de nós era capaz de evitar. Embora ela não dissesse nada, e ainda negasse quando
confrontada, eu sabia que o problema subjacente era o fato de que eu deveria estar de volta
de vez, quando não estava. Foi a primeira e única vez que Savannah mentiu para mim.
Passamos por cima da briga o máximo que podíamos, e nossa despedida foi outro
momento triste, embora menos do que da última vez. Seria reconfortante pensar que
tínhamos nos habituado ou estávamos mais maduros. Porém, quando entrei no avião, sabia
que algo irrevogável havia mudado entre nó
Foi uma constatação dolorosa. Porém, na noite seguinte de lua cheia, vaguei pelo
campo de futebol abandonado. Como eu tinha prometido, lembrei dos momentos que passei
com Savannah na minha primeira folga. Também recordei minha segunda licença, mas
curiosamente, não quis pensar na terceira, pois acho que sentia o que estava por vir.
Conforme o verão avançava, meu pai continuou a se recuperar, embora lentamente. Em
suas cartas, ele contava que saia para passear no quarteirão três vezes por dia, todos os dias,
exatamente por vinte minutos, mas até isso era difícil para ele. Se havia um lado positivo
nisso tudo, foi proporcionar a ele algo em torno do qual organizar seu dia agora que ele
estava aposentado, algo além de moedas. Além de mandar cartas, mesmo com mais
freqüência, passei a telefonar para ele às terças e sextas-feiras, exatamente à uma hora,
horário dos Estados Unidos, só para ter certeza que ele estava bem. Procurava sinais de
cansaço em sua voz, e lembrava-lhe constantemente sobre comer bem, dormir bastante e
tomar a medicação. Sempre fui o responsável pela maior parte da conversa. Papai achava as
conversas telefônicas ainda mais dolorosas do que a comunicação cara a cara, e sempre soou
como se quisesse desligar o telefone o mais rápido possível. Com o tempo, comecei a
provocá-lo por causa disso, mas nunca tive certeza se entendia que eu estava brincando. Isso
me divertia, e às vezes eu ria; embora ele nunca risse comigo, o tom de sua voz ficava mais
alegre, ainda que temporariamente, antes de ele cair em total silêncio. Não tinha problema.
Sabia que ele esperava os telefonemas com ansiedade. Ele sempre atendia ao primeiro toque,
e foi fácil para mim imaginá-lo olhando o relógio, à espera da ligação.
Agosto virou setembro e depois outubro. Savannah terminou suas aulas em Chapel Hill
e voltou para casa para procurar um emprego. Nos jornais, eu lia sobre as Nações Unidas e
como os europeus queriam encontrar um modo de nos impedir de entrar em guerra com o
Iraque. AS coisas estavam tensas nas capitais dos nossos aliados na OTAN; no noticiário,
sempre havia manifestações da população e declaração vigorosas dos governos, afirmando
que os Estados Unidos estavam prestes a cometer um erro terrível. Enquanto isso, nossos
líderes tentavam fazê-los mudar de idéia. Eu e todos no meu pelotão continuávamos a levar
nossas vidas, treinando para o inevitável com sinistra determinação. Então, em novembro, eu
e meu pelotão retornamos a Kosovo. Não ficamos muito tempo por lá, mas era mais do que
suficiente. Eu já estava cansado dos Balcãs, estive lá quatro vezes, e já estava cansado das
forças de paz. Mais do que isso, eu e todos no exército sabíamos que a guerra no Oriente
Médio se aproximava, quisesse ou não a Europa.
Nesse período, as cartas de Savannah ainda chegavam com alguma regularidade, assim
como meus telefonemas para ela. Normalmente eu ligava antes do amanhecer, como sempre
por volta de meia-noite no horário dela. Porém, se no passado eu sempre consegui falar com
ela, agora mais de uma vez ela não estava em casa. Embora tentasse me convencer de que ela
tinha saído com os amigos ou com seus pais, era difícil evitar que meus pensamentos
desembestassem. Depois de desligar o telefone, às vezes eu imaginava que ela conhecera
outro homem e se apaixonara. Às vezes ligava mais de duas ou três vezes na hora seguinte,
ficando com mais raiva a cada toque sem resposta.
Quando ela finalmente atendia, eu pensava em perguntar onde ela estava, mas nunca o
fiz. Nem sempre ela me contava voluntariamente. Sei que cometi um erro em manter o
silêncio, simplesmente porque era impossível para mim esquecer o assunto, mesmo tentando
me concentrar na conversa. Muito freqüentemente, eu estava tenso no telefone e as respostas
dela eram igualmente tensas. Cada vez mais, nossas conversas deixaram de ser alegres
demonstrações de afeto e viraram uma rudimentar troca de informações. Após desligar, eu
sempre me odiava pelo ciúme que sentia e me castigava nos dias seguintes, prometendo não
deixar que acontecesse novamente.
Outras vezes, porém, Savannah parecia exatamente a mesma pessoa de quem eu me
lembrava e demonstrava o quanto ainda gostava de mim. Durante tudo isso, continuei a amá-
la com sempre e desejava ardentemente os momentos simples do passado. Eu sabia o que
estava acontecendo, claro. Enquanto nos afastávamos, eu ficava cada vez mais desesperado
para salvar o que antes havia entre nós; no entanto, como em um círculo vicioso, meu
desespero fez com que nos distanciássemos ainda mais.
Começamos a discutir. Como na briga que tivemos no apartamento dela durante minha
segunda licença, eu não conseguia dizer o que estava sentindo. E, não importava o que ela
dissesse, não conseguia deixar de pensar que ela estava me enganando ou nem mesmo
tentava diminuir minhas preocupações. Eu odiava esses telefonemas ainda mais do que meu
ciúme, mesmo sabendo que ambos estavam interligados.
Apesar de nossas dificuldades, nunca duvidei de que conseguiríamos superar tudo. Eu
queria uma vida com Savannah mais do que tudo.
Em dezembro, comecei a ligar com mais freqüência e fiz de tudo para controlar o
ciúme. Forcei-me a ser animado ao telefone, na esperança de que ela gostasse de me ouvir.
Pensei que as coisas estivessem melhorando, e aparentemente estavam mesmo. Porém,
quatro dias antes do Natal, lembrei a ela que voltaria para casa em pouco menos de um ano.
Em vez da resposta animada que eu esperava, ela ficou em silêncio. Ouvia apenas o som de
sua respiração.
"Você me ouviu?", perguntei.
"Sim", disse ela, com voz suave. "É só que já ouvi isso antes."
Era verdade, ambos sabíamos disso, mas eu não dormi direito por quase uma semana.
A lua cheia apareceu na noite de Ano Novo, e embora eu tenha saído para admirá-la e
recordar da semana em que nos apaixonamos, essas imagens estavam nebulosas, como se
turvas pela tristeza imensa que sentia dentro de mim. No caminho de volta, vi dezenas de
homens reunidos em círculos ou apoiados nas paredes dos prédios fumando cigarros, como
se não tivessem qualquer preocupação. Gostaria de saber o que pensavam quando me viram
passar. Será que perceberam que eu estava perdendo tudo o que importava para mim? Ou que
eu desejava mais uma vez poder mudar o passado?
Não sei, e eles não perguntaram. O mundo estava mudando rapidamente. As ordens que
esperávamos chegaram na manhã seguinte, e alguns dias depois meu pelotão estava na
Turquia onde começamos a nos preparar para invadir o norte do Iraque. Participamos de
reuniões em que nos informaram nossas atribuições, estudamos a topografia, e repassamos
planos de batalha. Havia pouco tempo livre, mas quando saímos da base, era difícil ignorar
os olhares hostis da população. Ouvimos rumores de que a Turquia planejava negar o acesso
às nossas tropas para a invasão e que estavam em andamento as negociações para garantir tal
permissão. Há muito tínhamos aprendido a ouvir boatos com desconfiança, mas desta vez os
rumores eram preciosos, e meu pelotão e outros foram enviados para o Kuwait para começar
tudo de novo. Desembarcamos no meio da tarde, sob um céu sem nuvens, rodeados de areia
por todos os lados. Quase imediatamente fomos para um ônibus e viajamos por horas,
acabando no que, essencialmente, era a maior cidade de tendas que já vi. O exército fez o
máximo para torná-la confortável. A comida era boa e o posto de trocas tinha tudo o que
precisávamos, mas era chato. O correio era ruim, não recebi nenhuma carta e as filas para
usar o telefone tinham um quilômetro. Entre treinamentos, meus homens e eu nos
sentávamos para conversar, tentando adivinhar quando começaria a invasão, ou praticávamos
como colocar nossas roupas químicas o mais rápido possível. O plano era que meu pelotão
reforçasse outras unidades de diferentes divisões em uma grande ofensiva sobre Bagdá. Em
fevereiro, depois do que aprecia um zilhão de anos no deserto, meu esquadrão e eu
estávamos tão prontos com sempre estivemos.
Naquele ponto, muitos soldados estavam no Kuwait desde a metade de novembro e o
círculo de rumores estava com toda força. Ninguém sabia o que estava por vir. Eu ouvi sobre
armas químicas e biológicas; ouvi que Saddam tinha aprendido sua lição na tempestade do
deserto e estava fortificando Guarda Replubicana em Bagdá, na esperança de um último ato
de resistência sangrento. Em 17 de março, soube que haveria guerra. Na última noite no
Kuwait, escrevi cartas para aqueles que eu amava, para o caso de não sobreviver: uma para
meu pai e uma para Savannah. Naquela noite, embarquei em um comboio que se estendia por
uma centenas de quilômetros até o Iraque.
O combate era esporádico, ao menos inicialmente. Como nossa força aérea dominava
os céus, tínhamos pouco a temer enquanto percorríamos, sobre tudo, estradas desertas. O
exército iraquiano, em sua maior parte, não estava em lugar algum, o que só aumentava a
minha tensão enquanto eu tentava antecipar o que meu pelotão enfrentaria mais tarde durante
a campanha. Aqui e ali, ouvíamos falar sobre fogo inimigo, disparados de morteiros, e nós
enfiávamos em nossas roupas protetoras apenas para descobrir que era alarme falso. Os
soltados estavam tensos. Não dormi por três dias. Adentrando o Iraque, os conflitos
começaram a aparecer,e foi então que aprendi a primeira lei associada a operação Iraque
livre: civis e inimigos muitas vezes tinham exatamente a mesma aparência. Ouvíamos tiros lá
de fora, atacávamos, e havia momentos em que não tínhamos certeza nem em que
atirávamos. Quando chegamos ao triângulo sunita, a guerra começou a se intensificar.
Ouvimos falar de batalhas em Fallujah, Ramadi e Tikrit, todas travadas por outras unidades
de outras divisões. Meu pelotão se juntou a Airborne Oitenta e dois em um ataque à
Samawah, e foi lá que tivemos a primeira experiência real de combate.
A força aérea tinha aberto caminho. Bombas, mísseis e morteiros explodiam desde o dia
anterior. Quando atravessamos a ponte que levava à cidade, o meu primeiro pensamento foi
de maravilhamento com a quietude. Meu batalhão foi designado para um bairro nos arredores
da cidade onde deveríamos vasculhar casa a casa para eliminar os inimigos.
Enquanto nos movíamos, as imagens vieram rápidas: os restos carbonizados de um
caminhão, o corpo sem vida do motorista jogado ao lado, um prédio parcialmente demolido,
ruínas de carros fumegantes aqui e ali. Tiros esporádicos de fuzil nos mantinham alertas.
Enquanto patrulhávamos, ocasionalmente, os civis saíam correndo das casas com armas nas
mãos, e fazíamos o máximo para salvar os feridos.
No início da tarde, quando nos preparávamos para voltar, fomos atacados por um fogo
pesado que tinha vindo de um prédio no final da rua. Estávamos em posição precária.
Encostados nas paredes dois homens eram cobertura enquanto liderei o resto do pelotão
através do corredor de balas para o local mais seguro do outro lado da rua; parecia quase um
milagre quase ninguém ter sido morto. De lá, disparávamos milhares de rajadas contra a
posição do inimigo, provocando a destruição total. Quando achei que era seguro, iniciamos a
abordagem ao prédio, movendo-nos cautelosamente. Usei uma granada para destruir a porta
da frente liderei meus homens até a entrada e coloquei a cabeça para dentro. A fumaça era
espessa e o cheiro de enxofre empesteava o ar. O interior estava destruído, mas ao menos um
soldado iraquiano tinha sobrevivido. Assim que nos aproximamos, ele começou a atirar do
porão sob o piso. Tony foi atingido na mão, e todos nós atiramos centenas de vezes. O
barulho era tão alto que não dava pra ouvir o som da própria voz, mas continuei apertando o
gatilho, mirando em todos os lugares, no chão, nas paredes e no teto. Pedaços de gesso, tijolo
e madeira voaram enquanto o local era dizimado. Quando finalmente paramos de atirar, tive
certeza de que ninguém poderia ter sobrevivido, mas joguei outra granada em outra abertura
que levava ao porão só para garantir e corremos para fora por causa da explosão.
Após vinte minutos da experiência mais intensa da minha vida, a rua estava silenciosa,
exceto pelo zumbido no meu ouvido e pelo som dos meus homens vomitando, praguejando e
falando sobre o que acontecera. Enrolei a mão de Tony, e quando achei que todos estávam
prontos, começamos a recuada do mesmo modo como chegáramos. Em tempo, fizemos o
caminho de volta à estação ferroviária, que estava sob a guarda de nossas tropas, e
despencamos. naquela noite, recebemos o nosso primeiro lote do correio em quase seis
semanas.
Na correspondência, havia seis cartas de meu pai. Mas apenas uma de Savannah, e sob
a luz fraca eu comecei a ler.
Querido John,
Estou escrevendo esta carta na mesa da cozinha, e eu estou sofrendo porque não sei
como dizer o que estou prestes a dizer. Parte de mim gostaria que você estivesse aqui para
que eu pudesse fazer isso em pessoa, mas nós dois sabemos que é impossível. Então aqui
estou, escolhendo as palavras, com lágrimas no rosto e com esperanças de que você, de
alguma maneira me perdoe pelo que vou escrever.
Sei que este é um momento terrível para você. Tento não pensar na guerra, mas não
consigo evitar as imagens, e sinto medo o tempo todo. Assito ao noticiário e leio os jornais,
sabendo que você está no meio disso tudo, tentando descobrir onde você está e o que está
passando. Rezo todas as noites para que você volte para casa em segurança e continuarei a
rezar. Nós vivemos algo maravilhoso, e quero que você nunca se esqueça disso. Nem quero
que você pense não ter significado tanto para mim quanto eu signifiquei para você. Você é
raro e lindo, John. Eu me apaixonei por você, mas, acima de tudo, conhecer você me fez
perceber o que realmente significa o amor verdadeiro. Durante os últimos dois anos e meio,
olhei para o céu a cada lua cheia e lembrei de tudo que passamos juntos. Lembrei como me
senti confortável conversando com você naquela primeira noite. Lembrei a noite que fizemos
amor. Sempre ficarei feliz por termos nos entregado um ao outro daquele jeito. Para mim,
significa que nossas almas estão ligadas para sempre.
Há tantas outras coisas. Quando fecho os olhos, vejo seu rosto; quando caminho, é
quase como se conseguisse sentir sua mão na minha. Estas coisas ainda são reais para mim,
mas onde uma vez elas me trouxeram conforto, hoje provocam dor. Entendi seus motivos
para permanecer no exército, e respeito sua decisão. Ainda respeito, mas nós dois sabemos
que nosso relacionamento mudou depois disso. Nós mudamos, e no fundo do seu coração,
acho que você também percebeu isso. Talvez tenhamos passado tempo demais separados,
talvez fôssemos de mundos diferentes. Eu não sei. Toda vez que brigávamos, eu me odiava
por isso. De algum modo, mesmo amando um ao outro, perdemos a ligação mágica que nos
manteve juntos.
Sei que parece uma desculpa, mas por favor, acredite em mim quando digo que não
queria me apaixonar por outra pessoa. Se eu não entendo exatamente como isso aconteceu,
como você poderia? Não espero que você entenda, mas por tudo que passamos, não posso
continuar mentindo para você. Mentir diminuiria tudo o que vivemos, e não quero fazer isso,
embora saiba que você vai se sentir traído.
Vou entender se você nunca mais quiser falar comigo, assim como vou entender se você
disser que me odeia. Parte de mim também me odeia. Escrever esta carta me obriga a
reconhecer isso. Quando olho no espelho, sei que vejo alguém que não tem certeza de
merecer ser amada. Estou falando sério.
Mesmo que você não queria ouvir, quero que você saiba que sempre será parte de mim.
No tempo que passamos juntos, você conquistou um lugar especial no meu coração, que eu
vou levar comigo para sempre e ninguém pode substituir. Você é um herói e um cavalheiro,
você é gentil e honesto, mas, acima de tudo, você é o primeiro homem que amei
verdadeiramente. E não importa o que o futuro traga, você sempre será, e sei que minha vida
é melhor por causa disso.
Sinto muito,
Savannah.
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