quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Capítulo 16 (Fallen)


Capitulo 16 Em Dúvida
Luce parou no cruzamento entre o cemitério ao norte do campus e o caminho para
o lago ao sul. Era o início da noite e os trabalhadores da construção tinham ido para
casa. Uma luz atravessou um ramo de carvalho atrás do ginásio, lançando sombras
no gramado manchado que levava ao lago. Tentando Luce ir em direção a ele. Ela
não tinha certeza se devia ir. Manteve duas cartas em suas mãos. A primeira, de
Cam, era a desculpa que ela estava esperando, e um pedido para que se
encontrasse com ele depois da escola para conversar. A segunda, de Daniel, não
dizia nada mais que ― Me encontre no lago ― ela não podia esperar. Seus lábios
ainda formigavam por seu beijo da noite de ontem. Não podia tirar esse
pensamento dos dedos dele em seus cabelos, ou os lábios dele em seu pescoço,
para fora de sua cabeça.
Outras partes da noite estavam borradas, como o que tinha acontecido depois de
ter se sentado ao lado de Daniel na praia. Comparada com a forma que suas mãos
tinham tocado seu corpo nem dez minutos antes, Daniel parecia quase apavorado
ao tocá-la.
Nada podia tirá-lo de seu torpor. Ele continuava murmurando a mesma coisa uma e
outra vez. ― Algo deve ter acontecido. Algo mudou. ― E olhando para ela com dor
em seus olhos, como se ela tivesse a resposta, como se ela tivesse alguma idéia do
que suas palavras significavam. Por fim, ela adormeceu em seu ombro, olhando o
suave oceano.
Quando despertou horas depois, ele estava levando-a para cima, de volta a seu
quarto. Ela ficou perplexa ao perceber que tinha dormido todo o caminho de volta
até a escola ― e mais perplexa pelo estranho resplendor no corredor. Estava de
volta. A luz de Daniel. Na qual ela não sabia se ele podia ver.
Tudo ao seu redor estava banhado de uma luz violeta. Os letreiros brancos colados
nas portas de outros estudantes tinham um tom neon. O sombrio azulejo linóleo
parecia brilhar. A janela de vidro com vista para o cemitério tinha tomado um brilho
violeta nos primeiros raios do sol lá fora.
Tudo isso diretamente sob os olhos dos vermelhos.
 ― Estamos bem encrencados, ― ela sussurrou, nervosa e ainda meio adormecida.
 ― Não estou preocupado com os vermelhos, ― Daniel disse calmamente, seguindo
seus olhos até as câmeras. A princípio, suas palavras eram tranquilizantes, mas
depois ela começou a notar um tom preocupado em seu tom de voz: se Daniel não
estava preocupado com os vermelhos, estava preocupado com outra coisa.
Quando a deixou sobre a cama, ele a beijou ligeiramente na testa, então deu um
profundo respiro, ― Não desapareça de mim, ― ele disse.
 ― Não existe modo de isso acontecer. ―
 ― Eu falo sério. ― Ele fechou os olhos com um longo tempo. ― Descanse um
pouco agora, mas me encontre pela manhã antes das aulas. Quero falar com você.
Promete? ―
Ela apertou suas mãos para puxá-lo até ela para um último beijo. Ela segurou o
rosto dele entre suas mãos e se derreteu neles. Cada vez que seus olhos cintilavam,
os dele estavam observando-a. E ela amava isso.
Por fim, ele se afastou, e parou na porta olhando-a, seus olhos ainda com essa
intensidade para fazer com que seu coração corra tão rápido como quando a tinha
beijado momentos antes. Quando ele deslizou-se pelo corredor e fechou a porta
atrás dele, Luce se afundou no sonho mais profundo.
Tinha dormido em suas aulas pela manhã e despertou quase a tarde sentindo-se
viva e renascida. Não importava que ela não tivesse desculpa por faltar a escola. Só
preocupada que tivesse perdido seu encontro com Daniel. Ela devia encontrá-lo
logo que pudesse, e ele entenderia.
Por volta das duas em ponto, quando finalmente lhe ocorreu que devia comer
alguma coisa ou talvez aparecer na aula de religião da Sra. Sophia, ela se arrastou
para fora da cama. Isso foi quando viu os dois bilhetes que tinham sido jogados por
baixo da porta, o qual a ajudou com o seu objetivo de logo sair do quarto.
Ela tinha que ir falar com Cam primeiro. Se fosse ao lago antes de ir ao cemitério,
ela sabia que não seria capaz de deixar Daniel.
      Se ela fosse primeiro ao cemitério, seu desejo de ver Daniel faria com que ela
tivesse coragem suficiente para dizer a Cam as coisas que a deixou tão nervosa para
dizer antes. Antes que tudo se voltasse tão horrível e fora de controle na última
noite.
Sacudindo seus medos por vê-lo, Luce passou através do pátio até o cemitério. O
início da noite estava quente, e o ar era pegajoso com a umidade. Iria ser uma
dessas noites sufocantes quando a brisa do distante oceano nunca ficava tão forte
para refrescar. Não tinha ninguém fora do campus, e as folhas das árvores estavam
quietas. Luce podia ter sido a única coisa em Sword & Cross que estava se
movendo. Todos seriam liberados das aulas, agrupados no refeitório para jantar, e
Penn ― e possivelmente outros ― estariam se perguntando onde estava Luce até
agora.
Cam estava encostado no portão enferrujado do cemitério quando ela chegou. Os
joelhos dele recostados no ferro esculpido em forma de videiras, seus ombros
curvados para frente. Estava recolhendo um dente de leão com a ponta de aço da
bota grossa e preta. Luce não podia recordar tê-lo visto tão intensamente
consumido ― na maioria do tempo Cam parecia que tinha um grande interesse no
mundo ao seu redor. Mas desta vez, nem sequer olhou para cima até que ela estava
em frente a ele. E quando a viu, seu rosto ficou pálido. Seu cabelo estava alisado
sobre sua cabeça e ela estava surpreendida de notar que ele precisava se barbear.
Seus olhos rolaram até seu rosto, como se focar suas feições exigisse algum
esforço. Seu olhar destroçado, não pela luta, mas simplesmente com se ele não
tivesse dormido há dias.
 ― Você veio. ― Sua voz era rouca, mas suas palavras terminaram com um pequeno
sorriso.
Luce trocou os pesos, pensando que ele não estaria sorrindo por mais tempo. Ela
assentiu e segurou o bilhete dele.
Ele alcançou sua mão, mas ela retirou o braço, fingindo que precisava da mão para
tirar os cabelos de seus olhos.
      ― Pensei que estaria zangada pela outra noite, ― ele disse, afastando-se da
porta. Deu uns passos para o cemitério, depois sentou com as pernas cruzadas em
um pequeno banco de mármore cinza entre a primeira fila de lápides. Limpou a
sujeira e folhas quebradas, depois deu uma palmada no lugar vazio ao lado dele.
― Zangada? ― Ela disse.
― É por isso que geralmente as pessoas saem dos bares. ―
Ela sentou olhando-o, com as pernas cruzadas também. Daqui, ela podia ver a
ponta dos ramos dos enormes e velhos carvalhos no centro do cemitério, onde ela e
Cam tiveram seu piquenique à tarde que parecia que tinha sido a muito tempo
atrás.
― Não sei, ― Luce disse. ― Mais como desconcertada. Confundida, talvez.
Decepcionada. ― Ela estremeceu ante a recordação dos olhos daquele sujeito
miserável quando ele a agarrou, o alvoroço dos punhos de Cam, o intenso teto de
sombras... ― Por que me levou lá? Sabe o que aconteceu quando Jules e Phillip
escaparam. ―
― Jules e Phillip eram uns idiotas que cada movimento era monitorado através de
pulseiras. Claro que seriam pegos. ― Cam sorriu sombriamente, mas não para ela.
― Não somos como eles, Luce. Acredite. Além do mais, eu não estava tentando me
meter em outra briga. ― Ele esfregou as têmporas, e sua pele ao redor dela se
enrugou, parecendo duro e muito magro. ― Simplesmente não podia suportar a
maneira como aquele cara falou com você, tocou em você. Você merece ser tratada
com o maior cuidado. ― Seus olhos verdes se ampliaram. ― Eu quero ser aquele
quem fará isso. O único. ― Ela colocou seu cabelo atrás de sua orelha e respirou
profundamente. ― Cam, você parecer ser um cara legal. ―
― Oh, não. ― Ele cobriu seu rosto com as mãos. ― Não o discurso de dispensá-lo
socialmente. Espero que não me diga que deveríamos ser amigos. ―
― Não quer ser meu amigo? ―
― Sabe que eu quero ser mais que um amigo, ― ele disse, cuspido a palavra amigo
como se fosse um palavrão. ― É Grigori, não é? ―
      Ela sentiu seu estômago se contrair. Ela achou que não era tão difícil de
descobrir isso, mas esteve tão envolvida em seus sentimentos, que ela quase não
teve tempo para considerar o que Cam pensava deles dois.
 ― Você realmente não conhece nenhum de nós, ― disse Cam, ficando de pé e
caminhando, ― mas está preparada para escolher agora, uh? ―
Era presunção dele assumir que ainda estava na jogada. Especialmente depois da
noite passada. Que ele pudesse pensar que tinha algum tipo de competição entre
ele e Daniel. Então Cam ficou de joelhos diante dela no banco. Seu rosto estava
diferente ― suplicante, seria ― enquanto pegava suas mãos entre as dele.
Luce estava surpresa de vê-lo tão decidido. ― Desculpe, ― ela disse, retirando-se.
― Simplesmente aconteceu. ―
 ― Exatamente! Simplesmente aconteceu. O que foi, deixe-me adivinhar ― na noite
passada ele olhou pra você de uma forma romântica. Luce está apressando-se em
tomar uma decisão antes de ao menos saber o que está em jogo. Poderia ser... uma
aposta alta. ― Ele suspirou ante o confuso olhar no rosto dela. ― Eu poderia fazê-la
feliz. ―
 ― Daniel me faz feliz. ―
 ― Como pode dizer isso? Ele nem sequer se atreve a tocá-la. ―
Luce fechou os olhos, recordando a junção de seus lábios à noite passada na praia.
Os braços de Daniel envolvendo-a. Todo o mundo parecia tão bem, tão
harmonioso, tão seguro. Mas quando ela abriu seus olhos, Daniel não estava em
nenhum lugar.
Era apenas Cam.
Ela limpou sua garganta. ― Sim, ele fará isso. Ele fez isso. ―
Suas bochechas ficaram quentes, Luce pressionou uma fria mão contra elas, mas
Cam não percebeu.
As mãos dele se curvaram em punhos.
 ― Planejado. ―
 ― A maneira como Daniel me beijou não é assunto seu. ― Ela mordeu o lábio,
furiosa. Ele estava zombando dela.
    Cam sorriu. ― Oh? Posso fazer isso tão bem quanto Grigori, ― ele disse,
pegando a mão dela e beijando a parte de trás antes que deixá-la cair
abruptamente a seu lado.
 ― Não foi nada como isso. ― Luce disse, virando-se.
 ― Que tal isso então? ― Os lábios dele roçaram sua bochecha antes que ela
pudesse afastá-lo.
 ― Errou. ―
Cam lambeu seus lábios. ― Está me dizendo que Daniel Grigori realmente te beijou
da forma que você merece ser beijada? ― Algo em seus olhos verdes começaram a
ficar cheios de ódio.
 ― Sim. ― ela disse, ― o melhor beijo que recebi. ― E embora esse tenha sido o
único beijo real que ela recebeu, Luce sabia que se voltasse a perguntar daqui a
sessenta anos, cem anos, ela diria a mesma coisa.
 ― E mesmo assim, você está aqui, ― Cam disse, sacudindo a cabeça em descrença.
Luce não gostou do que ele estava insinuando. ― Só estou aqui para dizer a verdade
sobre mim e Daniel. Para que saiba que você e eu... ―
Cam deu uma gargalhada, uma risada alta e vazia que ecoou através do cemitério
vazio. Ele riu tão forte e por um bom tempo, se agarrou seus ombros e enxugou
uma lágrima de seus olhos.
 ― O que é tão engraçado? ― Disse Luce.
 ― Não tem nem idéia. ― Ele disse, ainda rindo.
O tom de ― você não entenderia ― , de Cam não estava muito longe do que Daniel
usou a noite passada quando, quase inconsolavelmente, ele seguia repetindo, ― é
impossível ― . Mas a reação de Luce com Cam foi muito diferente. Quando Daniel a
tinha irritado, ela se sentia mais atraída por ele. Mesmo quando eles discutiam, ela
adorava estar com Daniel mais do que ela queria estar com Cam. Mas quando Cam
a fez sentir com uma intrusa, ela ficou aliviada. Ela não queria ficar mais perto dele.
De fato, agora ela se sentia muito perto.
     Ela teve o bastante. Batendo seus dentes, se levantou e caminhou até os
portões, irritada consigo mesma por desperdiçar tanto tempo com ele. Mas Cam a
agarrou, ficando em frente a ela, e bloqueando a saída. Ele ainda estava rindo dela,
mordendo seu lábio, tentando não rir. ― Não vá, ― ele riu.
― Deixe-me em paz. ―
― Ainda não. ―
Antes que ela pudesse pará-lo, Cam a pegou em seus braços e a inclinou em um
mergulho tão arrebatador que seus pés saíram do chão. Luce gritou, lutando por
um momento, mas ele sorriu.
― Solte-me! ―
― Grigori e eu temos travado uma luta justa até agora, não acha? ―
Ela olhou para ele, as mãos empurrando contra seu peito. ― Vá para o inferno. ―
― Está entendendo mal. ― Ele disse, levando seu rosto mais perto dela. Seus olhos
verdes encarando-a e ela odiava ainda que uma parte ainda se sentia arrastada por
seu olhar.
 ― Olhe, sei que as coisas ficaram loucas nos últimos dias, ― ele disse em voz baixa,
― mas me preocupo com você Luce. Profundamente. Não escolha ele antes de me
deixar ter um beijo. ― Ela sentiu os braços dele apertarem-se ao redor dela, e de
repente, ela estava assustada. Estavam fora de vista da escola, e ninguém sabia
onde ela estava.
 ― Isso não mudará nada, ― ela disse a ele, tentando parecer calma.
 ― Faça a minha vontade? Finja que sou um soldado e você está me concedendo
meu último desejo. Prometo só um beijo. ―
A mente de Luce foi para Daniel. Ela o imaginou esperando no lago, mantendo suas
mãos ocupadas atirando a pedra na água, quando deveria tê-la em seus braços. Ela
não queria beijar Cam, mas e se ele realmente não a deixasse ir? O beijo podia ser a
mínima coisa, a coisa mais insignificante. A maneira mais fácil de fugir. E então ela
seria libertada de volta para Daniel. Cam tinha prometido.
 ― Só um beijo. ― Ela começou, mas os lábios dele estavam juntos ao seu.
     Seu segundo beijo em dois dias. Quando beijou Daniel foi faminto e quase
desesperado, o beijo de Cam era gentil e muito perfeito, como se ele tivesse
praticado em centenas de garotas antes dela.
E mesmo assim, ela sentia algo em suas veias, querendo que ela respondesse,
tomando a raiva que sentia apenas alguns segundos antes e convertendo-se em
nada. Cam ainda tinha as costas dela inclinada em seus braços, equilibrando todo o
peso dela em seu joelho. Ela sentiu-se segura em suas fortes e capazes mãos. E ela
precisava se sentir segura. Era uma mudança de, bem, cada momento quando não
estava beijando Cam. Ela sabia que estava esquecendo algo, ou alguém... quem?
Ela não podia lembrar. Só havia o beijo, e os lábios dele, e ... de repente, ela se
sentiu caindo. Ela bateu contra o chão tão forte que o ar escapou dela. Apoiando-se
com seus braços, ela viu que, a poucos centímetros de distância, o rosto de Cam em
contato com o chão. Ela estremeceu. O sol do entardecer produzia uma luz fraca
em duas figuras no cemitério.
 ― Quantas vezes terá que arruinar esta garota? ― Luce escutou um sotaque lento
do sul.
Gabbe? Ela olhou para cima, piscando pela luz do sol.
Gabbe e Daniel.
Gabbe correu para ajudá-la a ficar de pé, mas Daniel nem sequer a olhou nos olhos.
Luce xingou em voz baixa. Ela não podia saber o que era pior ― que Daniel tinha
acabado de vê-la beijando Cam, ou o que ela tinha certeza ― Daniel iria brigar com
Cam outra vez.
Cam parou e os encarou, ignorando Luce completamente. ― Muito bem, quem de
vocês dois vai brigar comigo desta vez? ― Ele grunhiu.
Desta vez?
― Eu, ― disse Gabbe, dando um passo para frente com suas mãos na cintura.
Esse primeiro golpezinho de amor foi meu, Cam querido. O que você vai fazer a
respeito? ― Luce sacudiu a cabeça. Gabbe tinha que está brincando. Certamente
isto era uma espécie de jogo. Mas Cam não achou nenhuma graça. Ele cerrou seus
dentes e enrolou as mangas, erguendo os punhos e movendo-se para frente.
 ― De novo Cam? ― Luce falou. ― Não teve brigas suficientes durante esta
semana? ― Como se não fosse o bastante, ele iria realmente bater em uma garota.
Ele deu um desses sorrisos de lado. ― O charme da terceira vez, ― ele disse, sua voz
soltando malícia. Ele virou quando Gabbe veio até ele com um chute alto até seu
queixo. Luce recuou enquanto Cam caia. Seus olhos estavam fechados e ele
agarrou seu rosto. Parando em cima dele, Gabbe parecia tão inabalável como se ela
apenas puxasse um bolo de pêssego perfeitamente cozido do forno. Ela olhou para
suas unhas e suspirou.
 ― Será uma lástima ter que te dar uma surra justo quando acabo de fazer minha
unha. Oh Bem, ― ela disse, avançando para chutar Cam repetidamente no
estômago, deleitando-se com cada chute igual uma criança ganhando um jogo.
Ele ficou curvado. Luce não podia ver mais seu rosto ― estava enterrado entre seus
joelhos ― mas ele estava gemendo de dor e afogando-se em sua própria respiração.
Luce parou e olhou de Gabbe para Cam e de volta, incapaz de falar o que estava
vendo. Cam era o dobro do tamanho dela, mas Gabbe parecia ter vantagem. Ainda
ontem, Luce tinha visto Cam vencer aquele cara no bar. E na outra noite, do lado de
fora da biblioteca, Daniel e Cam pareciam ter forças semelhantes. Luce se
maravilhou com Gabbe, com seu vestido de arco-íris mantendo seu cabelo para trás
em um rabo de cavalo alto.
     Agora ela tinha Cam preso ao chão e estava torcendo o braço dele para trás. ―
Tio? ― Ela disse. ― Basta dizer a palavra mágica, docinho, e eu deixarei você ir. ―
 ― Nunca, ― Cam cuspiu no chão.
 ― Estava esperando que dissesse isso, ― ela disse, e empurrou fortemente a
cabeça dele na terra.
Daniel colocou a mãos no pescoço de Luce. Ela relaxou contra ele e olhou para
longe, aterrorizada de ver sua expressão. Ele deve odiá-la agora.
 ― Eu sinto muito, ― ela sussurrou. ― Cam, ele... ―
 ― Por que viria aqui para encontrá-lo? ― Daniel parecia ferido e furioso ao mesmo
tempo. Ele pegou seu queixo para fazer com que o visse. Seus dedos estavam
gelados contra a pele dela. Seus olhos eram violetas, não cinzas.
O lábio de Luce tremeu. ― Pensei que podia cuidar disso. Ter uma conversa
honesta com Cam pra que você e eu pudéssemos estar juntos e não ter que nos
preocupar com mais nada. ― Daniel bufou, e Luce percebeu o quão estúpida devia
parecer.
 ― Aquele beijo... ― ela disse, torcendo as mãos. Ela queria cuspi-lo de sua boca. ―
Foi um grande erro. ―
Daniel fechou os olhos e se virou. Duas vezes ele abriu a boca para dizer alguma
coisa, então pensou melhor. Pegou seu cabelo entre as mãos e a agitou.
Observando-o, Luce temia que ele fosse chorar. Finalmente, ele a pegou nos
braços.
 ― Está irritado comigo? ― Ela enterrou seu rosto no peito dele e respirou o doce
cheiro de sua pele.
 ― Só estou feliz de termos chegado a tempo. ―
O som dos gemidos de Cam fez com que os dois voltassem a ver. Então fizeram
uma careta. Daniel pegou a mão de Luce e tentou afastá-la, mas ela não conseguia
tirar os olhos de Gabbe, que tinha Cam em uma chave de braço e nem ao menos
parecia que estivesse fazendo força. Cam parecia derrotado e patético.
Simplesmente não fazia sentido.
 ― O que esta acontecendo Daniel? ― Luce sussurrou. ― Como Gabbe pode bater
em Cam? Por que ele está deixando ela fazer isso? ―
      Daniel meio suspirou, meio sorriu. ― Ele não está deixando ela fazer isso. O
que você está vendo é só a mostra do que essa garota pode fazer. ―
Ela balançou a cabeça. ― Não entendo. Como... ―
Daniel acariciou sua bochecha. ― Você pode dar um passeio comigo? ― Ele
perguntou. ― Vou te explicar, mas acho que provavelmente deveria se sentar. ―
Luce tinha muitas coisas para descobrir sobre Daniel. Ou se não descobrisse, pelo
menos para jogar conversa fora, para ver se ele mostrava sinais de pensar que ela
fosse completamente e verificavelmente uma transtornada. Aquela luz violeta, uma
das coisas. E os sonhos que ela não podia ― não queria ― parar.
Daniel a guiou para a parte do cemitério onde Luce jamais esteve, um claro e plano
lugar onde dois pessegueiros tinham crescido juntos. Seus troncos inclinados em
direção um do outro, formando um contorno de um coração no ar debaixo deles.
A levou para o estranho, enroscado emparelhamento dos galhos e pegou a mão
dela, entrelaçando seus dedos com os dele.
A noite estava silenciosa, exceto pelas canções dos grilos. Luce imaginou todos os
outros estudantes no refeitório. Comendo purê de batata em suas bandejas,
bebendo leite na temperatura ambiente através de um canudo. Era como se, de
repente, ela e Daniel estivessem em um lugar diferente do resto da escola. Tudo,
exceto as mãos dele envolvendo-a, seu cabelo brilhando na luz do entardecer do
sol, seus quentes olhos cinza ― todo o resto parecia tão distante.
 ― Não sei por onde começar, ― ele disse, apertando mais forte enquanto
massageava os dedos dela como se dali pudesse tirar a respoMiss ― Há tanto o que
dizer, e tenho que dizer direito. ―
Por muito que ela quisesse que as palavras de Daniel fossem uma simples confissão
de amor, Luce sabia que não era assim. Daniel tinha algo difícil para dizer, algo que
talvez pudesse explicar muito sobre ele, mas também poderia ser difícil para Luce
escutar.
      ― Talvez faça algo do tipo tenho boa e má noticia? ― Ela sugeriu.
 ― Boa idéia. Qual você quer primeiro? ―
 ― A maioria das pessoas querem a boa notícia primeiro. ―
 ― Talvez, ― ele disse. ― Mas você está muito longe de ser a maioria das pessoas.
 ― Ok, ficarei primeiro com a má notícia. ―
Ele mordeu o lábio. ― Então me prometa que não irá antes que eu chegue à boa
notícia. ―
Ela não tinha planos para sair. Não agora que ele não a estava afastando. Não
quando ele podia estar a ponto de oferecer algumas respostas da longa lista de
perguntas com que ela estava obcecada nas últimas semanas.
Ele levou as mãos dela ao seu peito e a segurou-as contra seu coração. ― Vou dizer
a verdade, ― ele disse. ― Não acreditará em mim, mas merece saber, mesmo se
isso matar você. ―
 ― Ok, ― um pequeno nó de dor se apoderou de Luce, e ela podia sentir seus
joelhos começando a tremer. Ela estava contente de que Daniel a fez sentar. Ele
olhou para trás, para frente, depois respirou profundamente. ― Na Bíblia... ―
Luce grunhiu. Não pôde evitar; ela tinha uma má reação instintiva das aulas na
Escola Dominical. Além do mais, ela queria discutir sobre eles dois, não sobre
parábolas moralistas. A Bíblia não tinha todas as respostas para nenhuma de suas
perguntas sobre Daniel.
 ― Só escute, ― ele disse, olhando para ela. ― Na Bíblia, você sabe como Deus fez
uma grande coisa sobre como todo mundo deveria amá-lo com toda a sua alma?
Que tem que ser incondicional, e incomparável? ―
Luce deu de ombros. ― Eu acho que sim. ―
 ― Bem, ― Daniel parecia estar procurando as palavras certas. ― Esse pedido não
se aplica somente as pessoas. ―
 ― A que se refere? A quem mais? Aos animais? ―
 ― Às vezes, com certeza, ― Daniel disse. ― Como a serpente. Ela foi amaldiçoada
depois que tentou Eva. Condenada a arrastar-se pela terra para sempre. ―
     Luce estremeceu, pensando em Cam. A serpente. Seu piquenique. Esse colar.
Ela esfregou seu pescoço limpo, feliz de ter se livrado dele.
Ele correu seus dedos sobre o cabelo dela, ao longo do seu queixo, até o pescoço.
Ela suspirou, em um estado de felicidade.
― O que estou tentando dizer... acho que poderia dizer que eu também estou
amaldiçoado, Luce. Fui amaldiçoado por um longo, longo tempo. ― Ele falou como
se as palavras tivessem um gosto amargo. ― Eu fiz uma escolha uma vez, uma
escolha que eu acreditava que ― eu ainda acredito, embora... ―
 ― Não entendo, ― ela disse, balançando a cabeça.
 ― Claro que não, ― ele disse, deixando-se cair no chão ao lado dela. ― Eu não
tenho o melhor histórico de explicar isso para você. ― Ele coçou a cabeça e baixou o
tom de sua voz, como se estivesse falando para sim mesmo. ― Mas tudo o que
posso fazer é tentar. Aqui vai. ―
 ― Ok, ― ela disse. Ele a estava confundindo, e ele nem sequer tinham dito alguma
coisa ainda. Mas ela tentou agir menos perdida do que realmente se sentia.
 ― Apaixonei-me, ― ele explicou, pegando suas mãos e segurando-a fortemente. ―
De novo e de novo. E em cada vez, terminando em catástrofe. ―
 ― De novo e de novo, ― suas palavras a deixaram mal. Luce fechou os olhos e
retirou sua mão. Ele já tinha dito isso. Naquele dia no lago. Que ele teve
rompimentos. Que tinha sido magoado. Por que mencionar aquelas outras garotas
agora? Tinha doído antes e doía muito mais agora, como uma fina dor em suas
costelas. Ele apertou os dedos dela.
 ― Me olhe, ― ele pediu. ― Está é a parte difícil. ―
Ela abriu os olhos.
 ― A pessoa por quem me apaixonei cada vez era você. ―
Ela esteve segurando sua respiração, e queria exalar, mas saiu como um fino e
cortante sorriso.
 ― Claro, Daniel, ― ela disse, começando a se levantar. ― Uau, realmente está
amaldiçoado. Isso soa horrível. ―
      ― Escute. ― Ele a puxou de volta para baixo com uma força que fez com que
seus ombros vibrassem. Seus olhos brilhavam com violeta e ela podia dizer que ele
estava ficando irritado. Bem, ela também. Daniel olhou para a copa das árvores,
como se pedisse ajuda. ― Estou te implorando, me deixe explicar. ― Sua voz
tremeu. ― O problema não é amar você. ―
Ela tomou uma respiração profunda. ― Então o que é? ― Ela se forçou a ouvir, para
ser mais forte e não se sentir magoada. Daniel parecia como se já estivesse
magoado o suficiente pelos dois. ― Eu vou viver para sempre, ― ele disse. As
árvores sussurravam ao redor dele, e Luce observou uma fraca sombra pelo canto
do olho. Não a doentia e consumidora turbulência de escuridão do bar na outra
noite, mas um aviso. A sombra estava mantendo distância, girando friamente ao
virar na esquina, mas ela estava esperando. Por ela. Luce sentiu um profundo
calafrio percorrendo seus ossos. Ela não podia se desfazer da sensação de que algo
colossal, negro como a noite, algo final estava a caminho.
 ― Desculpe, ― ela disse. Arrastando seus olhos de volta para Daniel. ― Poderia,
um, dizer isso de novo? ―
 ― Eu viverei para sempre, ― ele repetiu. Luce ainda estava perdida, mas ele
continuou falando, um fluxo de palavras saia de sua boca. ― Eu vou viver, e verei os
bebês nascerem, crescerem, e apaixonarem-se. Verei eles terem seus próprios
bebês e envelhecer. Os verei morrer. Estou condenado, Luce, ver isso de novo e de
novo. Todos exceto você. ― Seus olhos estavam vidrados. Sua voz baixou até um
sussurro. ― Você... não se apaixona. ―
 ― Mas... ― ela sussurrou. ― Eu me apaixonei. ―
 ― Você não têm bebês e envelhece Luce. ―
 ― Por que não? ―
 ― Você vem a cada dezessete anos. ―
 ― Por favor... ―
 ― Nos encontramos. Sempre nos encontramos, de alguma forma sempre somos
jogados juntos, não importa onde eu vou, não importa quanto tente me manter
afastado de você. Nunca importou. Você sempre me encontra. ―
     Ele estava olhando para seus punhos fechados agora, parecendo como se
quisesse bater em alguma coisa, incapaz de levantar os olhos.
― E cada vez que nos encontramos, você se apaixona por mim... ―
― Daniel... ―
― Eu posso resistir ou fugir de você ou tentar não corresponder, mas não faz
nenhuma diferença. Você se apaixona por mim, e eu por você. ―
― Isso é tão terrível? ―
― E isso mata você. ―
― Pare com isso! ― Ela gritou. ― O que você está tentando fazer? Me assustar? ―
― Não. ― Ele bufou. ― De qualquer jeito não funcionaria. ―
― Se você não quer ficar comigo... ― ela disse, esperando que tudo fosse uma
elaborada brincadeira, um discurso de rompimento para terminar todos os
discursos de rompimentos, e não a verdade, ― ...existe provavelmente uma história
que seria mais criativa para contar. ―
― Sei que você não pode acreditar em mim. É por isso que não podia dizer até
agora, quando eu tenho que dizer. Porque pensei que eu entendia as regras e... nos
beijamos, e agora não entendo nada. ―
Suas palavras na noite passada voltaram para ela: Não sei como parar isso. Não sei o
que fazer.
― Porque você me beijou. ―
Ele assentiu.
― Você me beijou e quando terminamos, você estava surpreso. ―
Ele assentiu de novo, tendo a graça de olhar um pouco envergonhado.
― Você me beijou, ― Luce continuou, procurando uma forma de juntar todas as
peças, ― e você pensou que eu não iria sobreviver? ―
― Baseado em experiências anteriores, ― ele disse em voz rouca. ― Sim. ―
― Isso é uma loucura, ― ela disse.
― Não é sobre o beijo desta vez, isso é sobre o que significa. Em algumas vidas nos
podemos beijar, mas na maioria não. ― Ele tocou a bochecha dela, e ela lutou com
o bem que sentia. ― Devo dizer que prefiro as vidas em que podemos beijar. ― Ele
olhou para baixo. ― Embora isso o faz com que seja muito mais difícil ao te perder.
      Ela queria estar irritada com ele. Por inventar uma história tão bizarra quando
eles deveriam estar presos em um abraço. Mas havia algo ali, como uma coceira no
fundo de sua mente, dizendo-lhe que não saísse correndo de Daniel agora, mas
ficar por perto e escutar tanto quanto pudesse.
 ― Quando você me perde, ― ela disse, sentindo a forma da palavra em sua boca. ―
Como acontece? Por quê? ―
 ― Depende de você, quanto mais você consegue olhar o nosso passado, o quão
bem você me conhece, quem eu sou. ― Ele atirou suas mãos para cima dando de
ombros.
 ― Sei que isso soa incrivelmente... ―
 ― Louco? ―
Ele sorriu. ― Eu iria dizer vago. Mas não estou tentando esconder nada de você. É
só um assunto, muito, muito delicado. Às vezes, no passado, só falando assim... ―
ela observou a forma das palavras em seus lábios, mas ele não diria nada.
 ― Me matou? ―
 ― Eu iria dizer partiu meu coração. ―
Ele estava em uma dor óbvia, e Luce queria reconfortá-lo. Ela podia sentir-se
arrasada, algo em seu peito puxando para frente. Mas não podia. Foi quando ela
sentiu com certeza que Daniel sabia da brilhante luz violeta. Que ele tinha tudo a
ver com isso.
 ― O que você é? ― Ela perguntou. ― Algum tipo de... ―
 ― Eu vago pela Terra sempre sabendo no fundo da minha mente que você virá. Eu
costumava procurar por você. Mais então, quando comecei a me esconder de você
― da inevitável ferida no coração ― você começou a me seguir. Não me levou
muito tempo para perceber que você vinha a cada dezessete anos.
O décimo sétimo aniversário de Luce tinha sido em Agosto passado, duas semanas
antes de se matricular em Sword & Cross. Foi uma celebração triste, apenas Luce,
seus pais, e um bolo comprado. Não havia velas, só por precaução. E quanto a
família dela? Eles voltam a cada dezessete anos também?
 ― Não é o tempo suficiente para superar a última vez, ― ele disse. ― Só o tempo
suficiente para poder baixar a guarda de novo. ―
      ― Então sabia que eu iria chegar? ― Ela perguntou com dúvida. Ele olhava
sério, mas ainda assim ela não podia acreditar. Ela não queria.
Daniel balançou a cabeça. ― Não o dia que você apareceu. Não dessa forma. Não se
lembra da minha reação quando a vi? ― Ele olhou para cima, como se estivesse
pensando nisso.
― Nos primeiros segundos de cada vez, sempre fico tão eufórico. Me esqueço de
mim mesmo. Então eu me lembro. ―
― Sim, ― ela disse lentamente. ― Você sorriu, e então... é por isso que você deu
dedo pra mim? ―
Ele franziu o cenho.
― Mas se isso acontece a cada dezessete anos, como você diz, ― ela disse, ― você
sabia que eu ainda viria. Em certo sentido, você sabia. ―
― É complicado, Luce. ―
― Eu vi você naquele dia, antes que você me viesse. Você estava rindo com Roland
do lado de fora de Augustine. Estava rindo tão intensamente que fiquei com
ciúmes. Se você sabia tudo isso, Daniel, se era tão inteligente para prever quando
vou chegar, e quando vou morrer, e quão difícil isso tudo será para você, como você
podia sorrir assim? Não acredito em você, ― ela disse, sentindo que sua voz tremia.
― Não acredito em nada disso. ―
Daniel gentilmente pressionou seu polegar nos olhos dela para limpar uma lágrima,
― Está é uma linda pergunta, Luce. Amo você por tê-la feito, e desejo que pudesse
explicá-la de uma forma melhor. Tudo o que posso dizer é isso: A única maneira de
sobreviver a eternidade é ser capaz de apreciar cada momento. Isso é tudo o que eu
estava fazendo. ―
― Eternidade, ― Luce repetiu. ― Outra coisa que não podia entender. ―
― Não importa. Não posso sorrir assim outra vez. Assim que você aparece, estou
preso a você. ―
― Não tem sentido no que diz, ― ela disse, esperando ir antes que isso ficasse
muito escuro. Mas a história era muito mais que sem sentido. Todo o tempo que ela
esteve em Sword & Cross, acreditou que estava louca. Sua loucura empalidecia com
a de Daniel.
      ― Não existe um manual para poder explicar eMiss.. coisa a garota que amo,
― ele suplicou escovando o cabelo dela com os dedos. ― Estou fazendo o melhor
que posso. Quero que acredite em mim, Luce. Que eu preciso fazer? ―
― Conte-me uma história diferente, ― ela disse amargamente. ― Invente uma
desculpa normal. ―
― Você mesma disse que sentia como se me conhecesse. Tentei negar isso tanto o
quanto pude porque sabia que isto aconteceria. ―
― Parecia que eu te conhecia de algum lugar, certo, ― ela disse. Agora sua voz
estava mais perto do medo. ― Como do Shopping ou do Acampamento de Verão
ou algo assim. Não de outra vida. ― Ela balançou a cabeça. ― Não... não posso. ―
Ela cobriu os ouvidos. Daniel os descobriu.
― E ainda assim, você sabe em seu coração que é verdade. ― Ele deu uma
palmadinha em seus joelhos e a olhou diretamente nos olhos. ― Você sabia quando
eu te segui até no topo do Corcovado no Rio, quando você queria ver a estátua de
perto. Você sabia quando te carreguei duas milhas até o Rio Jordão depois que ficou
doente em Jerusalém. Te disse que não comesse todas aquelas tâmaras. Você sabia
quando você foi minha enfermeira naquele hospital italiano durante a Primeira
Guerra Mundial, e antes disso, quando me escondi do Czar em seu porão durante a
purificação em São Petersburgo. Quando escalei a torre de seu castelo na Escócia
durante a Reforma, e dancei com você de novo e de novo na coroação do Rei no
baile em Versalles. Você era a única vestida de negro. Lá estava naquela colônia de
artistas em Quitana Roo, a na marcha protestante em Cape Town onde ambos
passamos a noite na prisão. A inauguração do Teatro Globo em Londres. Nós
tínhamos os melhores lugares da casa. E quando meu navio naufragou no Taiti,
você estava lá, como também estava quando eu era um condenado em Melbourne,
e um batedor de carteiras em Nimes no século XVIII, e um monge no Tibet. Você
aparecia em toda parte, sempre, e cedo ou tarde você pressentia todas as coisas
que acabo de te dizer. Mas você não se permitia aceitar que o que você sentia podia
ser verdade. ―
Daniel parou para recuperar o fôlego e passou seu olhar sobre ela, sem ver. Então
ele se aproximou, pressionando sua mão no joelho dela e enviando-lhe esse fogo
através dela de novo.
Ela fechou os olhos e quando os abriu, Daniel estava segurando a mais perfeita
peônia branca. Praticamente brilhava. Ela virou para ver de onde ele tinha
arrancado, como ela não a percebeu antes. Havia apenas as ervas daninhas e as
polpas podres de frutas caídas. Eles seguraram a flor juntos.
 ― Você sabia disso quando recolhia peônias brancas todos os dias por um mês no
verão em Helston. Recorda? ― Ele a olhou, como se estivesse tentando vê-la por
dentro.
      ― Não, ― ele suspirou depois de um momento. ― Claro que não. Eu invejo
você por isso. ―
Mas enquanto ele dizia isso, a pele de Luce começou a sentir-se quente, como se
estivesse respondendo as palavras que seu cérebro não sabia compreender. Parte
dela já não tinha certeza de nada.
 ― Eu faço todas essas coisas, ― Daniel disse, inclinando-se até que suas testas se
tocaram, ― porque você é meu amor Lucinda. Para mim, você é tudo o que há. ― O
lábio inferior de Luce estava tremendo. Suas mãos se afrouxaram nas dele. As
pétalas das flores caiam entre seus dedos até o chão.
 ― Então por que você parece tão triste? ―
Isso tudo foi muito para até mesmo começar a pensar. Ela se afastou de Daniel e
levantou, tirando as folhas e as gramas de seus jeans. Sua cabeça estava dando
voltas. Ela tinha vivido antes?
 ― Luce. ―
Ela acenou para ele. ― Acho que preciso ir a algum lugar, sozinha, para descansar.
― Ela recostou seu peso em um pessegueiro. Sentia-se fraca.
 ― Você não está bem, ― ele disse, levantando e pegando a mão dela.
 ― Não. ―
 ― Sinto muito. ― Daniel suspirou. ― Não sabia o que eu esperava que acontecesse
te dizendo tudo isso. Eu não devia... ―
Ela nunca pensou que podia chegar um momento que precisasse de um tempo de
Daniel, mas ela tinha que se afastar dali. Pela maneira que ele a estava olhando, ela
podia dizer que ele queria que ela dissesse que o encontraria mais tarde, que iriam
falar mais sobre as coisas, mas ela já não tinha certeza se essa era uma boa idéia.
Enquanto mais falava, mais ela sentia que algo estava despertando dentro dela ―
algo que não estava segura de estar pronta. Ela não se sentia mais uma louca ― e
também não tinha certeza se Daniel estava. Para outra pessoa, sua explicação
podia fazer menos e menos sentido enquanto ele falava.
     Para Luce... ela não tinha certeza ainda, mas e se as palavras de Daniel eram as
respostas que podiam explicar o sentido de toda a sua vida? Ela não sabia. Ela se
sentia mais assustada do que jamais esteve antes.
Ela agitou a mão dele, soltando-se e começou a se afastar para seu dormitório. Deu
uns passos, ela parou e lentamente se virou.
Daniel não tinha se movido. ― O que acontece? ― Ele perguntou, levantando o
queixo.
Ela parou onde estava, distante dele. ― Prometo que estarei por perto, tempo
bastante para escutar as boas notícias. ―
O rosto de Daniel relaxou em quase um meio sorriso. Mas havia algo atormentado
em sua expressão.
     ― A boa notícia é... ― , ele fez uma pausa, escolhendo cuidadosamente suas
palavras: ― Eu beijei você, e você ainda está aqui. ―

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