1 - À PRIMEIRA VISTA
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O SOL QUENTE DE PHOENIX INCIDIA EM CHEIO SOBRE a
janela do carro de onde meu braço nu e
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pálido
pendia sem pudor.
Minha mãe e
eu estávamos indo
para o aeroporto,
mas somente eu
tinha uma
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passagem á minha espera, e esta era só de ida.
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Eu tinha no rosto uma expressão de desânimo, de
ressentimento, e podia dizer a partir do reflexo no vidro da
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janela que era
também uma expressão intrigante. Mas parecia fora de
lugar, vinda de uma garota
num top
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rendado sem mangas e
num jeans boca de sino
(com estrelas nos bolsos
traseiros). Mas eu era esse tipo de
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garota-deslocada. Então sai daquele lugar sob o
pára-brisa par a uma posição normal no assento. Muito melhor.
|
Eu estava me auto exilando da casa da minha mãe em
Phoenix pra a de meu pai em Switchblade
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1
|
.
|
Como um
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exílio
auto exilado, eu conheceria
a dor da diáspora
e o prazer de impô-la, insensivelmente indiferente aos
|
meus próprios apelos para dizer o último adeus ao vaso
de fungos que eu estava cultivando. Tinha que calejar
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a pele, já que ia ser refugiada em Switchblade, uma
cidade no noroeste de Oregon que ninguém conhecia. Não
|
tente
procurá-la no mapa – ela não
é
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importante
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o suficiente para preocupar os cartógrafos. E nem
mesmo
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pense em procurar nesse mapa – aparentemente, também
não sou importante o suficiente.
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– Belle - minha mãe fez bico de choro no terminal.
Senti uma pontada de culpa, deixando-a sozinha naquele
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aeroporto enorme e
hostil. Mas, como o pediatra havia dito, não podia deixar que a
ansiedade por conta da
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separação dela me impedisse de sair de casa por oito
anos ou mais.
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Cai de joelhos e seguei as mãos dela.
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– Só vou ficar fora ate
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terminar o ensino médio
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, ok? Você vai ter bastante diversão com Bill, certo
Bill?
|
Bill disse que sim com a cabeça. Ele era meu novo
padastro e a única pessoa disponível para tomar conta
|
dela enquanto eu estivesse fora. Não posso dizer
que eu confiava nele, mas era mais barato que uma baby-
|
sitter.
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Endireitei-me e cruzei os braços. Já era tempo de
acabar com o melodrama.
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– Os números de emergência estão em cima do telefone
na cozinha – eu disse. – Se ela se machucar, pule os
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dois primeiros: são o celular dela e o telefone da
pizzaria Domino´s. Deixei preparadas refeições suficientes
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para durar um mês para os dois, se dividirem um terço
de uma lasanha Stouffer por dia.
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Minha mãe sorriu ao pensar na lasanha.
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– Você não tem que ir, Belle – disse Bill. – eu sei,
meu time de hóquei de rua vai participar de um torneio,
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mas só em torno da vizinhança. Existe muito espaço no
carro para você, sua mãe e eu vivermos.
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– Grande coisa.
Eu quero ir. Quero trocar
todos os meus amigos e
a luz do sol
por uma pequena
cidade
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chuvosa. Fazer vocês felizes me faz feliz.
|
– Por favor, fique. Quem pagara as contas quando você
partir?
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Eu podia escutar o numero do meu vôo sendo chamado.
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– Cara, aposto que Bill pode correr mais rápido que a
mamãe para o Jamba Juice!
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– Eu sou mais
rápida! – minha mãe
gritou. Enquanto eles
saiam correndo, Bill puxou-a
pela camisa para
|
passar a frente.
Vagarosamente recuei para
dentro do portão
de embarque e
atravessei a ponte
até avião.
|
Nenhum de nós era muito bom em dizer adeus. Por alguma
razão, sempre terminávamos com meias palavras.
|
Eu estava
nervosa para reencontrar meu pai. Ele conseguia ser distante. Vinte e sete anos como o único
|
limpador de janelas em Switchblade o tinham forçado a
se distanciar dos outros por pelo menos uma vidraça.
|
Lembro de minha
mãe se atirar
chorando no sofá
depois de uma
de suas brigas,
e ele estonicamente só
|
assistindo, do lado de fora da janela, esfregando-a
em movimentos poderosos e circulares.
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Quando o vi esperando por mim fora do terminal,
caminhei em sua direção toda envergonhada, tropeçando
|
numa criancinha e voando em direção a um mostruário de
chaveiros.
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Sem graça endireitei-me, mas cai da escada rolante, dando um salto mortal
sobre a esteira de bagagens por
|
falta de prudência
colocada no lado esquerdo.
Herdei minha falta de
coordenação motora de meu pai, que
|
sempre costuma me empurrar quando eu estava aprendendo
a andar.
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- Você esta bem? - Meu pai riu, segurando-me quando eu
desci. – Esta é minha velha e desajeitada Belle! –
|
Ele acrescentou, apontado para outra garota.
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- Oh! Olá! É bom ver você Belle – Ele me deu um abraço firme
e emocionado.
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- É bom ver você também,
|
pai
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. – Como era estranho chamá-lo assim. Em casa em
Phoenix, eu o chamava de
|
Jim e minha mãe o chamava de pai.
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- Como você cresceu! Acho que não te reconheci sem o
cordão umbilical.
|
Tinha sido tanto tempo assim? Será que eu não tinha
visto meu pai desde que eu tinha treze anos e estava
|
passando pela minha mimada fase do cordão umbilical?
Percebi que tínhamos muita coisa para colocar em
|
dia.
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Eu não havia trazido todas minhas roupas de Phoenix
então só tinham doze malas. Meu pai e eu colocamos
|
em etapas em seu conversível esporte.
|
- Antes que você comece pensando besteira a meu
respeito, tipo divorciado e
atravessando a crise da meia-
|
idade - disse
ele, enquanto afivelávamos nossos cintos de segurança, tornozeleira e
capacetes-, permita-me
|
explicar que
|
preciso
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de um carro aerodinâmico como um esporte conversível.
Meus clientes são pessoas que
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reparam. Se eu não chegar cantando pneus diante das
suas janelas, irão questionar se eu sou o cara certo para
|
me pendurar em seus telhados. Aperte aquele botão,
querida, ele faz subir a cabeça de cobra gigante.
|
Eu esperava que ele não estivesse pensando em me levar
a escola naquele carro. Qualquer outro jovem
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provavelmente montaria em um burro.
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- Vou te dar seu próprio carro – meu pai disse, depois
que eu fiz a contagem regressiva e disse
decolar ! Ele
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deu a partida no carro após virar a chave de ignição
varias vezes.
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- Que tipo de carro? – meu pai me amava realmente,
então eu estava certa de que era um carro voador.
|
- Um caminhão. Um caminhão-báu, para ser exato. Eu o
consegui muito barato. De graça, para ser exato.
|
- Onde o consegui? – perguntei, desejando que ele não
disse-se no deposito de lixo .
|
- Na rua.
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Suspirei.
|
- Quem o vendeu a você?
|
- Não se preocupe com isso. É um presente.
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Eu não podia acreditar. Um caminhão enorme para
guardar todas as tampinhas de garrafa que eu sempre quis
|
começar a colecionar.
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Voltei minha atenção á janela, que refletia uma
expressão ruborizada e satisfeita. Além disso, a chuva caia
|
pesada sobre a verde cidade de Switchblade. A cidade
era verde demais. Em Phoenix, as únicas coisas verdes
|
eram as luzes dos faróis de trânsito e carne de
alienígena. Aqui, a natureza era verde.
|
A casa era um sobrado Tudor
|
2
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de madeira de cor creme com chocolate que faz você
ficar gordo por dias.
|
Estava quase completamente bloqueada da vista pelo meu
caminhão, que tinha na lateral um grande desenho
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de um lenhador serrando uma arvore, com a palavra MUNDA AS
escrita por cima.
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– O caminhão é belo – inspirei. Expirei. Então,
inspirei outra vez – Belo.
|
– Fico contente que tenha gostado, porque ele é todo
seu.
|
Olhei para o meu caminhão forte e pesado, imaginando-o
no estacionamento da escola rodeado de reluzentes
|
carros esportivos. Então, imagine-o comendo aqueles
outros carros. Não conseguia parar de sorrir.
|
Sabia que meu pai insistiria em carregar minhas doze
malas para dentro de casa sozinho, então corri na frente
|
para o meu quarto. Ele me pareceu familiar. Quatro
paredes e um teto, exatamente como meu velho quarto em
|
Phoenix! Deixei para o meu pai a tarefa de encontrar
pequenas maneiras de me fazer sentir em casa.
|
Uma coisa legal sobre o meu pai é que, como uma pessoa
velha, sua audição não é tão boa. Então, quando
|
fechei a porta do meu quarto, desarrumei as malas,
chorei incontrolavelmente, esmurrei a porta e atirei minhas
|
roupas pelo quarto numa explosão de raiva desanimada, e ele não percebeu. Foi um alívio botar
aquilo pra
|
fora, mas eu não estava pronta ainda para parar. Quem
sabe mais tarde, quando meu pai estivesse dormindo e
|
eu estivesse deitada, sem sono, pesando em como os
adolescentes da minha idade eram comuns. Se somente
|
um deles fosse extraordinário, então eu ficaria livre
daquela insônia.
|
Belisquei sem apetite
meu desjejum na
manhã seguinte. O
único cereal que papai
tinha em seu guarda-
|
louças era de flocos de peixe. Depois de me trocar,
olhei no espelho. Olhando para mim, havia uma garota de
|
faces amareladas com um longo cabelo escuro, pele
pálida e olhos também escuros. Brincadeira! Isso seria tão
|
assustador.
A garota no
espelho era apenas
eu. Rapidamente, penteei
o cabelo e
apanhei minha mochila,
|
suspirando enquanto
me içava para dentro do meu
caminhão. Esperava que não houvesse
nenhum vampiro
|
nesse colégio.
|
No estacionamento da Escola, parei meu caminhão no
único lugar onde ele cabia: nas vagas do diretor e vice-
|
diretor. Além do meu caminhão, o único outro veiculo
que se sobressaia era um carro de corridas com Atena
|
pressas
sobre o topo
do capô. Que tipo
de ser humano
dirigia um veiculo
luxuoso daqueles? , imaginei,
|
enquanto atravessava as pesadas portas da frente.
Nenhum ser humano que eu tivesse conhecido.
|
Uma mulher de cabelos vermelhos estava sentada á
escrivaninha do escritório da administração.
|
– O que
posso fazer por
você? – ela
perguntou, olhando-me através
dos óculos, tentando
me julgar pela
|
aparência.
Como uma pessoa profundamente misteriosa,
contudo, desafio tais
julgamentos. Ela era pálida,
|
como eu, mais tinha um tipo grande e obeso.
|
– Você não me conhece, sou nova aqui – eu disse
estrategicamente. A última coisa de que o prefeito precisava
|
naquele momento era ter a filha do limpador de janelas
seqüestrada. Mas ela continuava olhando para mim.
|
Minha fama havia me precedido.
|
– E o que eu posso fazer por você? – ela repetiu.
|
Eu sabia que ela provavelmente só queria me ajudar
porque eu era a filha do limpador de janelas, a garota de
|
quem todo mundo estava falando desde que meu avião
pousou ontem. E eu sabia o que deviam estar dizendo a
|
meu respeito:
Belle Goose: rainha, guerreira, leitora de livrinhos infantis .
Espertamente, decidi fazer o jogo
|
de seus preconceitos.
|
– Salut! Comment allez-vous síl vous plait...,
|
Oh sinto muito. Que embaraçoso. Tive Francês em
minha velha
|
escola de ensino
médio em Phoenix.
Algumas vezes, simplesmente começo
a falar. De
qualquer modo,
|
traduzindo, você pode me dizer qual é minha próxima
aula?
|
– Claro deixe-me dar uma olhada em seu horário...
|
Puxei o horário da mochila e o coloquei em seus dedos
pálidos e gorduchos, um dos quais estava espremido
|
por um anel de diamante como
uma salsicha apertada por
um nó corrediço. Sorri para
ela. Devia ser uma
|
esposa agradável.
|
– Parece que sua primeira aula é Inglês.
|
– Mas já tive Inglês. Alguns semestres, na verdade.
|
– Não banque a esperta comigo, senhorita.
|
Então ela já sabia que eu era esperta. Lisonjeada,
concordei.
|
– Sabe do que mais? – eu disse – Eu vou. Dane-se. É à
direita?
|
– Descendo pelo corredor a sua direita – ela falou:
sala 201.
|
– Obrigada – respondi. Ainda não era meio-dia e eu já
tinha feito uma amiga. Será que sou um tipo de pessoa
|
magnética? Certamente, ela era uma mulher de
meia-idade, mas fazia muito sentido. Minha mãe sempre me
|
dizia que eu
era madura para
minha idade, especialmente porque
|
aprecio
|
o gosto do
café com chocolate
|
quente açucare leite.
|
Vaguei de forma
segura até a sala 201, entrei
de uma vez pela entrada e encarei
os estudantes de queixo
|
erguido. A classe inteira poderia dizer que eu tinha
amizade com pessoas mais velhas. O professor deu uma
|
olhada na lista de chamada, E você deve ser... Belle
Goose.
|
Toda essa atenção estava me deixando um pouco
constrangida.
|
- Sente-se – ele disse.
|
Infelizmente a aula era muito básica para manter meu
interesse:
|
Ulisses, O Arco-Íris da Gravidade, Oblivion e
|
Atlas Shrugged
|
, suplementando com as varias lentes de Derrida,
Foucault, Freud, Dr. Phil, Dr. Dre e Dr. Seus.
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Suspirei
enquanto o professor se arrastava, apresentando os nomes de todos. Tinha que pedir a minha mãe
|
para me mandar alguma literatura interessante, como
aqueles ensaios que escrevi no ano passado.
|
Quando sinal tocou, o rapaz ao meu lado previsivelmente
voltou-se para mim e começou a falar.
|
– Com licença – ele disse, esperando que eu me
apaixonasse por ele ou algo assim. – Sua mochila esta no meu
|
caminho.
|
Eu sabia. Ele era totalmente o tipo sua mochila esta no meu caminho .
|
– Meu nome é Belle – eu disse. Fiquei imaginando qual
era minha parte mais surpreendente: meus cotovelos,
|
naturalmente pontudos
ou meu comportamento, indiferente
a popularidade, embora
eu tenha lido
todos os
|
livros sobre popularidade e pudesse ser popular se
tentasse – Você pode me levar até minha próxima classe?
|
– Hum, certo – ele concordou, desejando-me. Ele então
puxou uma conversa no caminho e me contou como
|
foi abandonado quando criança e como só descansaria
tranqüilo quando se vingasse. Seu nome era Tom. Eu
|
percebi que as pessoas que passavam por nós estavam
ouvindo, desejando que eu revelasse o mistério do meu
|
passado.
|
- Então, como é Phoenix? – ele suplicou.
|
- Serio? Uau!
|
- Você parece surpreso. Deve estar se perguntando como minha pele pode ser tão clara, já que vim
de um
|
clima tão quente.
|
- Humm. Eu te considero pálida.
|
- É, sou uma morta-viva – brinquei, com bastante
humor. Ele não riu. Eu deveria ter adivinhado que ninguém
|
compreenderia
meu senso de
humor em Switchblade. Era
como se ninguém
aqui tivesse tido
contato com
|
sarcasmo antes.
|
- Aqui esta sua classe – ele disse quando chegamos à
sala de trigonometria – Boa sorte!
|
- Obrigada. Talvez tenhamos outra aula juntos – eu
disse, dando a ele algo para sonhar.
|
Trigonometria
era só formulas blá-blá-blá que, de qualquer forma,
salvamos em nossas calculadoras,
e a
|
aula sobre governo
era só aquele
blá-blá-bl do tipo
amanhã nós vamos
cruzar a fronteira
para atacar o
|
Canadá . Nada
que eu não tivesse visto em minha escola antiga.
|
Uma garota me acompanhou ate a lanchonete para o
almoço. Tinha espessos cabelos castanhos presos num
|
rabo de cavalo que era mais como o rabo de um esquilo,
assim como, seus olhos pequenos e brilhantes. Achei
|
que a conhecia de algum lugar, mas não consegui
descobrir onde.
|
– Oi – disse
ela – Acho que estou em
todas as suas classes. – Então, é por
|
isso
|
que eu a
conhecia. Ela me
|
lembrava um esquilo com quem eu andava em Phoenix.
|
– Sou Belle.
|
– Eu já sei. Já nos apresentamos. Umas quatro vezes.
|
– Oh, desculpe. Tenho dificuldade para me lembra de
coisas que não me serão úteis mais tarde.
|
Ela disse seu nome outra vez. Lululu? Zagraziea? Era
um daqueles nomes esquecíveis. Ela perguntou se eu
|
queria comer com ala. Parei ali no corredor, abri
minha agenda e olhei para
segunda-feira, 12h .
|
– Vago! –
exclamei. Anotei a lápis no
espaço correspondente almo o
com colega , então risquei o
item
|
enquanto esperávamos na fila. Este era o ano em que me
tornaria organizada.
|
Sentamos em uma mesa com Tom e outras pessoas comum.
Eles continuavam fazendo perguntas, sondando
|
meus interesses. Expliquei gentilmente que isso era
entre mim e meus amigos em potencial.
|
Foi então que o vi. Ele estava sentado atrás de uma
mesa, totalmente concentrado, nem mesmo comia. Tinha
|
uma bandeja
inteira de batatas assadas á
sua frente e mesmo, assim, não havia tocado em nenhuma. Como
|
poderia um ser humano resistir a um prato de batatas
assadas? Ainda mais estranho, ela não havia me notado,
|
Belle Gosse, futura ganhadora de um Oscar.
|
Havia um computador diante dele sobre a mesa. Ele
olhava atentamente para a tela, estreitando os olhos em
|
fendas e concentrando aquelas
fendas sobre a
tela como se
a única coisa
importante fosse dominá-la
|
fisicamente.
Era musculoso, como
um homem que
podia prensar você
sobre a parede
tão fácil como
um
|
pôster, mas mesmo assim magro, como um homem que
acalentaria em seus braços.
|
Tinha
cabelos
ruivo-castanho-alourados,
heterossexualmente aparados. Parecia
mais velho que
os outros
|
rapazes dali –
talvez não tão velho
quanto Deus ou meu
pai, mas certamente um
substituto viável. Imagine
|
juntar a idéia de todas as mulheres sobre o que seria
um cara gostoso e fazer uma media disso em um único
|
homem. Era ele.
|
– O que aquilo? – perguntei, sabendo que, o que quer
que fosse, não era uma ave.
|
– Aquele é Edwart Mullen – disse Lululu.
|
Edwart. Eu nunca
havia conhecido um
rapaz chamado Edwart
antes. Na verdade
nunca tinha conhecido
|
qualquer ser humano chamado Edwart. Era um nome que
soava engraçado.
|
Muito mais
|
divertido que Edward.
|
Enquanto nos sentávamos lá, contemplando-o durante o que pareceram ser horas, mas não podia ter sido
|
mais do que o intervalo do almoço, seus olhos de
repente voltaram-se em minha direção, deslizando sobre o
|
meu rosto e cavando um buraco dentro do meu coração
como se fossem presas. Então, bruscamente, voltou-se
|
com seu olhar carregado para aquela tela.
|
– Mudou-se do Alasca para cá faz dois anos – ela
disse.
|
Então não
somente ele era pálido como eu,
mas também um forasteiro de um
estado que começava com a
|
letra A . Senti
onda de empatia. Nunca havia sentido uma conexão como essa antes.
|
– Aquele cara não merece seu tempo – ela disse
erroneamente. – Edwart não namora.
|
Sorri por dentro e ri cuspindo para fora, enviando a
soda-gosma dentro de meu bolso. Então, eu seria a sua
|
primeira namorada.
|
Ela se levantou para sair.
|
– Vamos para aula de bio , Belle?
|
– Lucy. Meu nome é Lucy, como em
|
I Love Lucy.
|
– Tudo
bem. Lucy, como
em
|
I Love Edwart
|
. – Talvez eu
fosse especial, mas sempre tive
um talento para
|
memorizar. Lata
de lixo esquerda , falei alto,
jogando fora meus restos do almo o: um bolo comido pela
|
metade. Olhei de volta para Edwart para ver se ele
tinha percebido que também tenho disciplina para comer.
|
Mas estranhamente ele havia partido. Nos dez minutos
desde que eu tinha olhado para ele pela ultima vez, ele
|
havia desvanecido no ar.
|
Olhei em volta
bem a tempo de ver que eu tinha errado a lata de
lixo e que meu bolo meio comido havia
|
voado em direção as costas de uma garota sentada a uma
mesa próxima.
|
– Ei! – disse ela quando o bolo a atingiu. – Quem fez
isso?
|
– Vamos – eu disse a Lucy agarrando-a pelo braço e
correndo para fora da lanchonete enquanto a guerra de
|
comida começava.
|
Quando
Lucy e eu
chegamos à classe, ela
foi sentar com
sua parceira de laboratório e eu olhei
em volta
|
procurando uma
carteira vazia. Havia apena duas: Uma na
parte da frente da sala
e outra perto
de Edwart.
|
Como a carteira da frente ficou
com uma perna bamba depois que eu passei por ela e a chutei, não
havia
|
escolha. Tinha de me sentar ao lado do rapaz mais
gostoso da sal.
|
Caminhei na
direção das carteiras, rebolando meu quadril e erguendo minhas sobrancelhas ritmicamente,
|
como uma pessoa atraente. De repente, eu estava caindo
para frente, deslizando por entre as
carteiras com o
|
impulso do meu mergulho. Por sorte, um fio de
computador se enroscou em meu tornozelo e me impediu de
|
ser
arremessada a mesa
do professor, Franklin.
Rapidamente, apoiei-me a
parede para me
desembaraçar,
|
fiquei de pé e olhei em volta casualmente para ver se
alguém tinha visto. Toda a classe estava olhando para
|
mim, mas provavelmente por
uma razão diferente:
eu tinha um
holograma costurado na
mochila. De um
|
ângulo era uma mexerica, de outro ângulo era uma
tangerina.
|
Edwart também estava olhando para mim. Talvez fosse a
luz florescente, mas seus olhos pareciam mais
|
escuros – sem
alma. Ele estava se agitando
furiosamente. Seu computador
estava aberto na frente dele, e a
|
melodia sintetizada havia cessado. Ele ergueu um
punho para mim com raiva.
|
Limpei a poeira química das minhas roupas e me sentei.
Sem olhar para Edwart, tirei da mochila meu livro e
|
meu caderno.
Ainda sem olhar
para Edwart, olhei para
o quadro-negro e anotei
os termos que o
professor
|
Franklin havia escrito ali. Não achei que outras
pessoas na minha situação poderiam fazer tantas coisas sem
|
olhar para Edwart.
|
Virada bem para frente, deixei meus olhos se desviarem
ligeiramente e estudarem-no de maneira periférica, o
|
que não conta
como olhar. Ele
tinha mudado seu
computador para o
colo e havia
recomeçado o jogo.
|
Estávamos sentados lado a lado no balcão do laboratório, e mesmo assim, ele não começava uma
conversa
|
comigo.
|
Era como se
eu não tivesse
usado desodorante ou
algo assim, quando
na realidade eu
tinha usado
|
desodorante, perfume
e Bom-ar. Será
que meu brilho
labial havia borrado ou algo parecido? Apanhei meu
|
espelhinho de bolsa para checar. Negativo, mas eu tinha algumas espinhas junto a linha do
cabelo. Apanhei
|
um lápis da carteira de Edwart e o pressionei contra a
carne macia e suave do meu rosto. As espinhas eram do
|
tipo projétil. Satisfação garantida.
|
Voltei-me
para ele para
agradecer gentilmente o
uso de seu
lápis, mas ele
estava olhando par a
mim
|
horrorizado, com a boca aberta, um convite a todo tipo
micro-organismos aéreos como pássaros. Ele agarrou o
|
lápis e começou a limpar suas mãos com lenços
umedecidos e a esfregar o lápis com desinfetante. Então ele
|
traçou um circulo
de giz em
torno dele e
voltou a copiar
as notas do
quadro-negro, catando para
si este
|
amigável
|
jingle:
|
“Germes contagiosos. Alerta de contagio. Mas Edwart e
seu desinfetante são mais fortes que a sujeira.”
|
Estendi a mão para emprestar outra vez o lápis para
fazer minhas anotações, mas, no momento em minha
|
mão atravessou a linha de giz, ele gritou. Um grito
estranhamente agudo para um menino. Porem, o grito certo
|
para um super-herói.
|
O professor Franklin estava falando sobre citometria
de fluxo, imunoprecipitação e microarrajos de DNA,
|
mas eu já
sabia aquela matéria
da fita cassete
que havia escutado em
meu caminhão de naquela
manhã a
|
caminho da escola. Girei meus olhos em círculos, como
se eles estivessem em uma roda-gigante. É a melhor
|
maneira
que conheço para
me impedir de
cochilar. Toda vez
que meus olhos
se moviam para
a direita,
|
contudo, eles pairavam
um pouco por ali. Eu não conseguia
evitar – eles queriam ver
Edwart. Então, meus
|
olhos iam para o alto em direção ao teto e paravam
porque, meu que bela visão.
|
Edwart continuava
a martela em
seu computador. A cada
golpe de dedo, eu podia ver
o sangue pulsando
|
arregaçada
descuidadamente ate os
cotovelos como se
ele tivesse um
monte de trabalho
manual a fazer.
|
Porque ele estava digitando tão sonoramente? Estaria
tentando me dizer alguma coisa? Estaria tentando provar
|
me provar o
quão fácil seria
para ele me
atirar ate o
céu e então
me pegar bem
forte em seus
braços,
|
sussurrando
que nunca me dividiria com
mais ninguém no
mundo inteiro? Estremeci
e sorri timidamente,
|
apavorada.
|
Quando o sinal tocou, roubei outro olhar dele
e me encolhi num profundo sentimento de inutilidade.
|
Ele agora estava encarando o sinal furiosamente, sacudindo
todos os músculos de seu punho em sua direção,
|
mirando-o com raiva, seus olhos escurecidos e
esquentados e suas sobrancelhas hostis. Ele puxou seus cabelos
|
com exasperação, agarrando tufos enquanto erguia a
cabeça para o teto. Então, vagarosamente voltou-se para
|
mi. Olhando
dentro de seus
olhos, senti ondas
de eletricidade, correntes
de elétrons carregados
em minha
|
direção. Era isso, imaginei, que significava estar
apaixonada por robôs?
|
Apanhada
em minha hipnose
ionizada, o velho
ad gio me veio
mente: Belo o
suficiente para matar,
|
estripar, rechear e emoldurar em cima de sua lareira .
|
De
repente, ele saiu
de seu deslumbramento e
disparou correndo para
porta. Enquanto corria,
percebi o
|
quanto era alto, suas longas pernas saltando em
passadas do tamanho do meu corpo inteiro, seus braços tão
|
sólidos que não ondulavam com o
impacto. Meus olhos saltaram.
Não tinha visto uma coisa tão bela desde
|
que eu uma
garotinha e as balinhas
coloridas Skittles em minha mão
fechada suada se transformavam num
|
arco-íris. Suas omoplatas ficavam salientes sob a
camisa enquanto ele corria. Pareciam asas brancas batendo
|
majestosamente antes da decolagem. Demoníacas asas
brancas.
|
– Espere! – gritei par a ele. Ele tinha deixado seu
computador no assento. Fim de Jogo ,
lia-se na tela. Fim de
|
jogo, realmente, pensei, usando uma metáfora.
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– Posso copiar suas anotações? – perguntou um humano
normal do sexo masculino. Levantei os olhos e vi um
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garoto de estatura mediana, cabelos escuros e uma
estrutura esguia, mas musculosas. Senti-me atraída por ele.
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Ele sorriu para mim. Perdi o interesse.
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– Claro, como quiser – eu disse, estendendo-lhe meu
bloco de anotações e de repente percebendo que tinha
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rabiscado nele um desenho de Edwart. No desenho, ele
tinha presas gotejando uma substancia escura. Molho
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Shoyu.
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– Vou precisar disso de volta – eu disse. Aquele
desenho ia apara o meu mural.
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–
Obrigado, Lindsey –
disse ele, confundindo-me com
Lindsey Lohan. Ele
sorriu outra vez.
Um rapaz
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simpático. Tinha um belo cabelo e olhos claros gentis.
Íamos ser grandes amigos. Apenas grandes amigos.
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– Leve-me ao escritório da administração – eu disse. Tínhamos ginástica em seguida, mas eu
precisava da
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minha cadeira de rodas. Tenho um problema que faz
minhas pernas ficarem paralisadas toda vez
que penso
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em ginástica.
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– Certo – ele disse, deixado-me apoiar meu peso sobre
ele – Sou Adam, a propósito. Acho que
vi você em
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minha aula de inglês. Vai ser ótimo! Desde que um de
nós tome as notas, o outro, eu, não precisa ir à aula –
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ele estava ficando
ofegante enquanto me
arrastava com ele.
Estar perto de
mim deixava alguns
rapazes
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nervosos.
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– Você percebeu algo engraçado sobre o Edwart na aula?
Acha que o amo – eu disse casualmente.
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– Bem, ele parecia meio zangado quando você caiu e
desconectou o fio do computador dele.
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Então, isso não estava só na minha mente; outros
haviam percebido a consciência de Edwart a meu respeito.
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Havia alguma coisa em mim que evocava sentimentos
muito fortes em Edwart.
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– Humm – eu disse cientificamente. – Que interessante.
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– Aqui estamos – depois de me escorar contra a parede,
Adam cambaleou para trás, bufando e assoprando.
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Eu o dispensei e entrei no escritório.
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– Estou paralisada até a próxima aula.
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– Vá se sentar em carro, querida – disse ela,
levantando os olhos de seu exemplar de
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luz do dia.
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Sai para o meu carro, tentando sonhar com os poderes
dele, o rei dos carros, mas estava muito perturbada. Em
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primeiro lugar, se eu tinha conseguido meu carro de
graça, isso significava que todos os outros tinham pago
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mais por carros muito menores. Em segundo lugar,
estava muito certa de que havia alguma coisa sobrenatural
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sobre Edwart – algo além de especulações racionais.
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Então, parei de especular sobre ele e assisti a uma
procissão de formigas passando por ali. A vida seria muito
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