domingo, 2 de dezembro de 2012

Capítulo 1 (Opúsculo-A Paródia)


1 - À PRIMEIRA VISTA
O SOL QUENTE DE PHOENIX INCIDIA EM CHEIO SOBRE a janela do carro de onde meu braço nu e
pálido  pendia  sem  pudor.  Minha  mãe  e  eu  estávamos  indo  para  o  aeroporto,  mas  somente  eu  tinha  uma
passagem á minha espera, e esta era só de ida.
Eu tinha no rosto uma expressão de desânimo, de ressentimento, e podia dizer a partir do reflexo no vidro da
janela que  era também uma  expressão intrigante.  Mas parecia fora  de  lugar, vinda de uma garota  num  top
rendado sem mangas e  num jeans boca de sino  (com  estrelas nos  bolsos  traseiros). Mas eu  era  esse tipo de
garota-deslocada. Então sai daquele lugar sob o pára-brisa par a uma posição normal no assento. Muito melhor.
Eu estava me auto exilando da casa da minha mãe em Phoenix pra a de meu pai em Switchblade
1
.
Como um
exílio  auto exilado,  eu  conheceria  a  dor da  diáspora  e  o  prazer de impô-la,  insensivelmente  indiferente aos
meus próprios apelos para dizer o último adeus ao vaso de fungos que eu estava cultivando. Tinha que calejar
a pele, já que ia ser refugiada em Switchblade, uma cidade no noroeste de Oregon que ninguém conhecia. Não
tente  procurá-la no  mapa –  ela não  é
importante
o suficiente para preocupar os cartógrafos.  E nem  mesmo
pense em procurar nesse mapa – aparentemente, também não sou importante o suficiente.
– Belle - minha mãe fez bico de choro no terminal. Senti uma pontada de culpa, deixando-a sozinha naquele
aeroporto enorme e  hostil. Mas,  como o  pediatra havia dito, não podia deixar que a ansiedade por  conta  da
separação dela me impedisse de sair de casa por oito anos ou mais.
Cai de joelhos e seguei as mãos dela.
– Só vou ficar fora ate
terminar o ensino médio
, ok? Você vai ter bastante diversão com Bill, certo Bill?
Bill disse que sim com a cabeça. Ele era meu novo padastro e a única pessoa disponível para tomar conta
dela enquanto eu estivesse fora. Não posso dizer que  eu confiava  nele, mas era mais barato que uma baby-
sitter.
Endireitei-me e cruzei os braços. Já era tempo de acabar com o melodrama.
– Os números de emergência estão em cima do telefone na cozinha – eu disse. – Se ela se machucar, pule os
dois primeiros: são o celular dela e o telefone da pizzaria Domino´s. Deixei preparadas refeições suficientes
para durar um mês para os dois, se dividirem um terço de uma lasanha Stouffer por dia.
Minha mãe sorriu ao pensar na lasanha.
– Você não tem que ir, Belle – disse Bill. – eu sei, meu time de hóquei de rua vai participar de um torneio,
mas só em torno da vizinhança. Existe muito espaço no carro para você, sua mãe e eu vivermos.
–  Grande  coisa.  Eu  quero ir. Quero  trocar  todos  os meus amigos  e  a  luz do  sol  por  uma  pequena  cidade
chuvosa. Fazer vocês felizes me faz feliz.
– Por favor, fique. Quem pagara as contas quando você partir?
Eu podia escutar o numero do meu vôo sendo chamado.
– Cara, aposto que Bill pode correr mais rápido que a mamãe para o Jamba Juice!
–  Eu  sou mais  rápida! –  minha mãe gritou.  Enquanto  eles  saiam  correndo, Bill  puxou-a  pela  camisa  para
passar  a  frente.  Vagarosamente  recuei  para  dentro  do  portão  de  embarque  e  atravessei  a  ponte  até  avião.
Nenhum de nós era muito bom em dizer adeus. Por alguma razão, sempre terminávamos com meias palavras.
Eu  estava nervosa para reencontrar meu pai. Ele conseguia ser  distante. Vinte e sete anos como o único
limpador de janelas em Switchblade o tinham forçado a se distanciar dos outros por pelo menos uma vidraça.
Lembro  de  minha  mãe  se  atirar  chorando  no  sofá  depois  de  uma  de  suas  brigas,  e  ele  estonicamente  só
assistindo, do lado de fora da janela, esfregando-a em movimentos poderosos e circulares.
Quando o vi esperando por mim fora do terminal, caminhei em sua direção toda envergonhada, tropeçando
numa criancinha e voando em direção a um mostruário de chaveiros.
Sem  graça  endireitei-me, mas cai  da escada rolante, dando um salto mortal sobre  a esteira  de bagagens por
falta  de  prudência  colocada  no lado  esquerdo.  Herdei  minha falta de coordenação motora  de  meu pai, que
sempre costuma me empurrar quando eu estava aprendendo a andar.
- Você esta bem? - Meu pai riu, segurando-me quando eu desci. – Esta é minha velha e desajeitada Belle! –
Ele acrescentou, apontado para outra garota.
- Sou eu! Eu sou a sua desajeitada Belle – cobrindo meu rosto com o cabelo como normalmente eu uso.

- Oh! Olá! É bom ver você Belle – Ele me deu um abraço firme e emocionado.
- É bom ver você também,
pai
. – Como era estranho chamá-lo assim. Em casa em Phoenix, eu o chamava de
Jim e minha mãe o chamava de pai.
- Como você cresceu! Acho que não te reconheci sem o cordão umbilical.
Tinha sido tanto tempo assim? Será que eu não tinha visto meu pai desde que eu tinha treze anos e estava
passando pela minha mimada fase do cordão umbilical? Percebi que tínhamos muita coisa para colocar em
dia.
Eu não havia trazido todas minhas roupas de Phoenix então só tinham doze malas. Meu pai e eu colocamos
em etapas em seu conversível esporte.
- Antes que você comece pensando besteira a meu respeito, tipo  divorciado e atravessando a crise da meia-
idade  - disse ele, enquanto afivelávamos nossos cintos de segurança, tornozeleira e capacetes-, permita-me
explicar que
preciso
de um carro aerodinâmico como um esporte conversível. Meus clientes são pessoas que
reparam. Se eu não chegar cantando pneus diante das suas janelas, irão questionar se eu sou o cara certo para
me pendurar em seus telhados. Aperte aquele botão, querida, ele faz subir a cabeça de cobra gigante.
Eu esperava que ele não estivesse pensando em me levar a escola naquele carro. Qualquer outro jovem
provavelmente montaria em um burro.
- Vou te dar seu próprio carro – meu pai disse, depois que eu fiz a contagem regressiva e disse  decolar ! Ele
deu a partida no carro após virar a chave de ignição varias vezes.
- Que tipo de carro? – meu pai me amava realmente, então eu estava certa de que era um carro voador.
- Um caminhão. Um caminhão-báu, para ser exato. Eu o consegui muito barato. De graça, para ser exato.
- Onde o consegui? – perguntei, desejando que ele não disse-se  no deposito de lixo .
- Na rua.
Suspirei.
- Quem o vendeu a você?
- Não se preocupe com isso. É um presente.
Eu não podia acreditar. Um caminhão enorme para guardar todas as tampinhas de garrafa que eu sempre quis
começar a colecionar.
Voltei minha atenção á janela, que refletia uma expressão ruborizada e satisfeita. Além disso, a chuva caia
pesada sobre a verde cidade de Switchblade. A cidade era verde demais. Em Phoenix, as únicas coisas verdes
eram as luzes dos faróis de trânsito e carne de alienígena. Aqui, a natureza era verde.
A casa era um sobrado Tudor
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de madeira de cor creme com chocolate que faz você ficar gordo por dias.
Estava quase completamente bloqueada da vista pelo meu caminhão, que tinha na lateral um grande desenho
de um lenhador serrando uma  arvore, com a palavra  MUNDA AS  escrita por cima.
– O caminhão é belo – inspirei. Expirei. Então, inspirei outra vez – Belo.
– Fico contente que tenha gostado, porque ele é todo seu.
Olhei para o meu caminhão forte e pesado, imaginando-o no estacionamento da escola rodeado de  reluzentes
carros esportivos. Então, imagine-o comendo aqueles outros carros. Não conseguia parar de sorrir.
Sabia que meu pai insistiria em carregar minhas doze malas para dentro de casa sozinho, então corri na frente
para o meu quarto. Ele me pareceu familiar. Quatro paredes e um teto, exatamente como meu velho quarto em
Phoenix! Deixei para o meu pai a tarefa de encontrar pequenas maneiras de me fazer sentir em casa.
Uma coisa legal sobre o meu pai é que, como uma pessoa velha, sua audição não é tão boa. Então, quando
fechei a porta do meu quarto, desarrumei as malas, chorei incontrolavelmente, esmurrei a porta e atirei minhas
roupas pelo quarto numa explosão de  raiva desanimada, e  ele não percebeu. Foi um alívio  botar  aquilo pra
fora, mas eu não estava pronta ainda para parar. Quem sabe mais tarde, quando meu pai estivesse dormindo e
eu estivesse deitada, sem sono, pesando em como os adolescentes da minha idade eram comuns. Se somente
um deles fosse extraordinário, então eu ficaria livre daquela insônia.
Belisquei  sem  apetite  meu  desjejum  na  manhã  seguinte.  O  único  cereal  que papai  tinha  em  seu guarda-
louças era de flocos de peixe. Depois de me trocar, olhei no espelho. Olhando para mim, havia uma garota de
faces amareladas com um longo cabelo escuro, pele pálida e olhos também escuros. Brincadeira! Isso seria tão
assustador.  A  garota  no  espelho  era  apenas  eu.  Rapidamente,  penteei  o  cabelo  e  apanhei  minha  mochila,
suspirando enquanto  me  içava para dentro do meu caminhão. Esperava que não  houvesse nenhum vampiro
nesse colégio.
No estacionamento da Escola, parei meu caminhão no único lugar onde ele cabia: nas vagas do diretor e vice-
diretor. Além do meu caminhão, o único outro veiculo que se sobressaia era um carro de corridas com Atena
pressas  sobre  o  topo  do  capô.   Que tipo  de  ser  humano  dirigia  um  veiculo  luxuoso  daqueles? ,  imaginei,
enquanto atravessava as pesadas portas da frente. Nenhum ser humano que eu tivesse conhecido.
Uma mulher de cabelos vermelhos estava sentada á escrivaninha do escritório da administração.
–  O  que  posso  fazer  por  você?  –  ela  perguntou,  olhando-me  através  dos  óculos,  tentando  me  julgar  pela
aparência.  Como  uma  pessoa profundamente  misteriosa,  contudo,  desafio  tais  julgamentos.  Ela era  pálida,
como eu, mais tinha um tipo grande e obeso.
– Você não me conhece, sou nova aqui – eu disse estrategicamente. A última coisa de que o prefeito precisava
naquele momento era ter a filha do limpador de janelas seqüestrada. Mas ela continuava olhando para mim.
Minha fama havia me precedido.
– E o que eu posso fazer por você? – ela repetiu.
Eu sabia que ela provavelmente só queria me ajudar porque eu era a filha do limpador de janelas, a garota de
quem todo mundo estava falando desde que meu avião pousou ontem. E eu sabia o que deviam estar dizendo a
meu respeito:  Belle Goose: rainha, guerreira, leitora de livrinhos infantis . Espertamente, decidi fazer o jogo
de seus preconceitos.
– Salut! Comment allez-vous síl vous plait...,
Oh sinto muito. Que embaraçoso. Tive Francês em minha velha
escola  de  ensino  médio  em  Phoenix.  Algumas  vezes,  simplesmente  começo  a  falar.  De  qualquer  modo,
traduzindo, você pode me dizer qual é minha próxima aula?
– Claro deixe-me dar uma olhada em seu horário...
Puxei o horário da mochila e o coloquei em seus dedos pálidos e gorduchos, um dos quais estava espremido
por  um  anel de diamante  como  uma salsicha  apertada  por  um  nó corrediço. Sorri  para  ela.  Devia  ser uma
esposa agradável.
– Parece que sua primeira aula é Inglês.
– Mas já tive Inglês. Alguns semestres, na verdade.
– Não banque a esperta comigo, senhorita.
Então ela já sabia que eu era esperta. Lisonjeada, concordei.
– Sabe do que mais? – eu disse – Eu vou. Dane-se. É à direita?
– Descendo pelo corredor a sua direita – ela falou: sala 201.
– Obrigada – respondi. Ainda não era meio-dia e eu já tinha feito uma amiga. Será que sou um tipo de pessoa
magnética? Certamente, ela era uma mulher de meia-idade, mas fazia muito sentido. Minha mãe sempre me
dizia  que  eu  era  madura  para  minha  idade,  especialmente  porque
aprecio
o  gosto  do  café  com  chocolate
quente açucare leite.
Vaguei de  forma segura  até a sala 201,  entrei  de uma  vez  pela entrada e  encarei  os estudantes  de  queixo
erguido. A classe inteira poderia dizer que eu tinha amizade com pessoas mais velhas. O professor deu uma
olhada na lista de chamada, E você deve ser... Belle Goose.
Toda essa atenção estava me deixando um pouco constrangida.
- Sente-se – ele disse.
Infelizmente a aula era muito básica para manter meu interesse:
Ulisses, O Arco-Íris da Gravidade, Oblivion e
Atlas Shrugged
, suplementando com as varias lentes de Derrida, Foucault, Freud, Dr. Phil, Dr. Dre e Dr. Seus.
Suspirei  enquanto o  professor  se arrastava,  apresentando os  nomes de todos.  Tinha que pedir a  minha mãe
para me mandar alguma literatura interessante, como aqueles ensaios que escrevi no ano passado.
Quando sinal tocou, o rapaz ao meu lado previsivelmente voltou-se para mim e começou a falar.
– Com licença – ele disse, esperando que eu me apaixonasse por ele ou algo assim. – Sua mochila esta no meu
caminho.
Eu sabia. Ele era totalmente o tipo  sua mochila esta no meu caminho .
– Meu nome é Belle – eu disse. Fiquei imaginando qual era minha parte mais surpreendente: meus cotovelos,
naturalmente pontudos  ou  meu  comportamento,  indiferente  a  popularidade,  embora  eu  tenha  lido  todos os
livros sobre popularidade e pudesse ser popular se tentasse – Você pode me levar até minha próxima classe?
– Hum, certo – ele concordou, desejando-me. Ele então puxou uma conversa no caminho e me contou como
foi abandonado quando criança e como só descansaria tranqüilo quando se vingasse. Seu nome era Tom. Eu
percebi que as pessoas que passavam por nós estavam ouvindo, desejando que eu revelasse o mistério do meu
passado.
- Então, como é Phoenix? – ele suplicou.
- É quente lá. Ensolarado o tempo todo.
- Serio? Uau!
- Você parece surpreso.  Deve estar se perguntando como  minha pele pode ser tão clara, já que vim de um
clima tão quente.
- Humm. Eu te considero pálida.
- É, sou uma morta-viva – brinquei, com bastante humor. Ele não riu. Eu deveria ter adivinhado que ninguém
compreenderia  meu  senso  de  humor  em  Switchblade.  Era  como  se  ninguém  aqui  tivesse  tido  contato  com
sarcasmo antes.
- Aqui esta sua classe – ele disse quando chegamos à sala de trigonometria – Boa sorte!
- Obrigada. Talvez tenhamos outra aula juntos – eu disse, dando a ele algo para sonhar.
Trigonometria  era  só formulas  blá-blá-blá que, de qualquer  forma,  salvamos em nossas calculadoras,  e  a
aula  sobre  governo  era  só  aquele  blá-blá-bl   do  tipo   amanhã  nós  vamos  cruzar  a  fronteira  para  atacar  o
Canadá  . Nada que eu não tivesse visto em minha escola antiga.
Uma garota me acompanhou ate a lanchonete para o almoço. Tinha espessos cabelos castanhos presos num
rabo de cavalo que era mais como o rabo de um esquilo, assim como, seus olhos pequenos e brilhantes. Achei
que a conhecia de algum lugar, mas não consegui descobrir onde.
– Oi –  disse ela – Acho  que estou  em  todas as suas classes. – Então, é por
isso
que eu a  conhecia. Ela  me
lembrava um esquilo com quem eu andava em Phoenix.
– Sou Belle.
– Eu já sei. Já nos apresentamos. Umas quatro vezes.
– Oh, desculpe. Tenho dificuldade para me lembra de coisas que não me serão úteis mais tarde.
Ela disse seu nome outra vez. Lululu? Zagraziea? Era um daqueles nomes esquecíveis. Ela perguntou se eu
queria comer com ala. Parei ali no corredor, abri minha agenda e olhei para  segunda-feira, 12h .
–  Vago! – exclamei.  Anotei  a  lápis  no  espaço  correspondente   almo o  com colega ,  então  risquei o  item
enquanto esperávamos na fila. Este era o ano em que me tornaria organizada.
Sentamos em uma mesa com Tom e outras pessoas comum. Eles continuavam fazendo perguntas, sondando
meus interesses. Expliquei gentilmente que isso era entre mim e meus amigos em potencial.
Foi então que o vi. Ele estava sentado atrás de uma mesa, totalmente concentrado, nem mesmo comia. Tinha
uma bandeja  inteira  de batatas assadas á sua frente  e mesmo, assim, não  havia tocado em nenhuma.  Como
poderia um ser humano resistir a um prato de batatas assadas? Ainda mais estranho, ela não havia me notado,
Belle Gosse, futura ganhadora de um Oscar.
Havia um computador diante dele sobre a mesa. Ele olhava atentamente para a tela, estreitando os olhos em
fendas  e  concentrando  aquelas  fendas  sobre  a  tela  como  se  a  única  coisa  importante  fosse  dominá-la
fisicamente.  Era  musculoso,  como  um  homem  que  podia  prensar  você  sobre  a  parede  tão  fácil  como  um
pôster, mas mesmo assim magro, como um homem que acalentaria em seus braços.
Tinha  cabelos  ruivo-castanho-alourados,  heterossexualmente  aparados.  Parecia  mais  velho  que  os  outros
rapazes dali –  talvez não tão velho  quanto  Deus  ou meu  pai, mas certamente um  substituto  viável. Imagine
juntar a idéia de todas as mulheres sobre o que seria um cara gostoso e fazer uma media disso em um único
homem. Era ele.
– O que aquilo? – perguntei, sabendo que, o que quer que fosse, não era uma ave.
– Aquele é Edwart Mullen – disse Lululu.
Edwart.  Eu  nunca  havia  conhecido  um  rapaz  chamado  Edwart  antes.  Na  verdade  nunca  tinha  conhecido
qualquer ser humano chamado Edwart. Era um nome que soava engraçado.
Muito mais
divertido que Edward.
Enquanto nos sentávamos lá, contemplando-o  durante o que  pareceram ser horas, mas  não podia ter sido
mais do que o intervalo do almoço, seus olhos de repente voltaram-se em minha direção, deslizando sobre o
meu rosto e cavando um buraco dentro do meu coração como se fossem presas. Então, bruscamente, voltou-se
com seu olhar carregado para aquela tela.
– Mudou-se do Alasca para cá faz dois anos – ela disse.
Então não  somente ele era pálido como eu,  mas também um  forasteiro de um estado que começava  com  a
letra  A . Senti onda de empatia. Nunca havia sentido uma conexão como essa antes.
– Aquele cara não merece seu tempo – ela disse erroneamente. – Edwart não namora.
Sorri por dentro e ri cuspindo para fora, enviando a soda-gosma dentro de meu bolso. Então, eu seria a sua
primeira namorada.
Ela se levantou para sair.
– Vamos para aula de  bio , Belle?
– não diga, Lululu – eu disse, desdenhosamente.
– Lucy. Meu nome é Lucy, como em
I Love Lucy.
–  Tudo bem.  Lucy,  como  em
I  Love Edwart
. –  Talvez  eu  fosse  especial, mas  sempre tive  um  talento  para
memorizar.  Lata de lixo   esquerda , falei alto, jogando fora meus restos do almo o: um bolo comido pela
metade. Olhei de volta para Edwart para ver se ele tinha percebido que também tenho disciplina para comer.
Mas estranhamente ele havia partido. Nos dez minutos desde que eu tinha olhado para ele pela ultima vez, ele
havia desvanecido no ar.
Olhei em  volta bem  a tempo de ver que  eu tinha errado a  lata de  lixo  e que  meu bolo meio comido havia
voado em direção as costas de uma garota sentada a uma mesa próxima.
– Ei! – disse ela quando o bolo a atingiu. – Quem fez isso?
– Vamos – eu disse a Lucy agarrando-a pelo braço e correndo para fora da lanchonete enquanto a guerra de
comida começava.
Quando  Lucy  e  eu  chegamos  à  classe, ela  foi  sentar  com  sua parceira de laboratório e eu olhei  em volta
procurando  uma carteira vazia. Havia apena duas: Uma na  parte da  frente da  sala  e  outra  perto  de Edwart.
Como  a  carteira da frente  ficou  com uma  perna  bamba depois que eu passei por  ela e a chutei,  não  havia
escolha. Tinha de me sentar ao lado do rapaz mais gostoso da sal.
Caminhei na  direção  das carteiras,  rebolando meu quadril  e  erguendo  minhas sobrancelhas  ritmicamente,
como uma pessoa atraente. De repente, eu estava caindo para frente, deslizando por  entre as carteiras com o
impulso do meu mergulho. Por sorte, um fio de computador se enroscou em meu tornozelo e me impediu de
ser  arremessada  a  mesa  do  professor,  Franklin.  Rapidamente,  apoiei-me  a  parede  para  me  desembaraçar,
fiquei de pé e olhei em volta casualmente para ver se alguém tinha visto. Toda a classe estava olhando para
mim,  mas  provavelmente  por  uma  razão  diferente:  eu  tinha  um  holograma  costurado  na  mochila.  De  um
ângulo era uma mexerica, de outro ângulo era uma tangerina.
Edwart também estava olhando para mim. Talvez fosse a luz florescente, mas seus olhos pareciam mais
escuros –  sem alma. Ele estava se  agitando furiosamente. Seu  computador estava  aberto  na frente dele, e  a
melodia sintetizada havia cessado. Ele ergueu um punho para mim com raiva.
Limpei a poeira química das minhas roupas e me sentei. Sem olhar para Edwart, tirei da mochila meu livro e
meu caderno.  Ainda  sem  olhar  para  Edwart, olhei  para  o quadro-negro  e  anotei  os  termos que  o  professor
Franklin havia escrito ali. Não achei que outras pessoas na minha situação poderiam fazer tantas  coisas sem
olhar para Edwart.
Virada bem para frente, deixei meus olhos se desviarem ligeiramente e estudarem-no de maneira periférica, o
que  não  conta  como  olhar.  Ele  tinha  mudado  seu  computador  para  o  colo  e  havia  recomeçado  o  jogo.
Estávamos sentados lado a lado no  balcão do laboratório, e mesmo assim,  ele não começava  uma  conversa
comigo.
Era  como  se  eu  não  tivesse  usado  desodorante  ou  algo  assim,  quando  na  realidade  eu  tinha  usado
desodorante, perfume  e  Bom-ar.  Será  que  meu  brilho  labial havia  borrado  ou algo parecido? Apanhei meu
espelhinho de bolsa para checar. Negativo, mas eu  tinha algumas espinhas junto a linha do cabelo. Apanhei
um lápis da carteira de Edwart e o pressionei contra a carne macia e suave do meu rosto. As espinhas eram do
tipo projétil. Satisfação garantida.
Voltei-me  para  ele  para  agradecer  gentilmente  o  uso  de  seu  lápis,  mas  ele  estava  olhando  par a  mim
horrorizado, com a boca aberta, um convite a todo tipo micro-organismos aéreos como pássaros. Ele agarrou o
lápis e começou a limpar suas mãos com lenços umedecidos e a esfregar o lápis com desinfetante. Então ele
traçou  um  circulo  de  giz  em  torno  dele  e  voltou  a  copiar  as  notas  do  quadro-negro,  catando  para  si  este
amigável
jingle:
“Germes contagiosos. Alerta de contagio. Mas Edwart e seu desinfetante são mais fortes que a sujeira.”
Estendi a mão para emprestar outra vez o lápis para fazer minhas anotações, mas, no momento em minha
mão atravessou a linha de giz, ele gritou. Um grito estranhamente agudo para um menino. Porem, o grito certo
para um super-herói.
O professor Franklin estava falando sobre citometria de fluxo, imunoprecipitação e microarrajos de DNA,
mas  eu  já  sabia  aquela  matéria  da  fita  cassete  que  havia  escutado em  meu caminhão  de  naquela  manhã  a
caminho da escola. Girei meus olhos em círculos, como se eles estivessem em uma roda-gigante. É a melhor
maneira  que  conheço  para  me  impedir  de  cochilar.  Toda  vez  que  meus  olhos  se  moviam  para  a  direita,
contudo, eles pairavam  um pouco por ali.  Eu não  conseguia  evitar – eles  queriam ver Edwart.  Então, meus
olhos iam para o alto em direção ao teto e paravam porque, meu que bela visão.
Edwart continuava  a  martela  em  seu  computador.  A cada  golpe  de  dedo, eu podia  ver  o  sangue  pulsando
através das veias salientes de seu antebraço ate seu bíceps, aparecendo contra a camisa de Oxford branca justa
arregaçada  descuidadamente  ate  os  cotovelos  como  se  ele  tivesse  um  monte  de  trabalho  manual  a  fazer.
Porque ele estava digitando tão sonoramente? Estaria tentando me dizer alguma coisa? Estaria tentando provar
me  provar  o  quão  fácil  seria  para  ele  me  atirar    ate  o  céu  e  então  me  pegar   bem  forte  em  seus  braços,
sussurrando  que  nunca  me dividiria  com  mais  ninguém  no  mundo  inteiro?  Estremeci  e  sorri  timidamente,
apavorada.
Quando o sinal tocou, roubei outro  olhar dele  e me encolhi num profundo sentimento de  inutilidade.
Ele agora estava encarando o sinal furiosamente, sacudindo todos os músculos de seu punho em sua direção,
mirando-o com raiva, seus olhos escurecidos e esquentados e suas sobrancelhas hostis. Ele puxou seus cabelos
com exasperação, agarrando tufos enquanto erguia a cabeça para o teto. Então, vagarosamente voltou-se para
mi. Olhando  dentro  de  seus  olhos,  senti  ondas  de  eletricidade,  correntes  de  elétrons  carregados  em  minha
direção. Era isso, imaginei, que significava estar apaixonada por robôs?
Apanhada  em  minha  hipnose  ionizada,  o  velho  ad gio  me  veio    mente:   Belo  o  suficiente  para  matar,
estripar, rechear e emoldurar em cima de sua lareira .
De  repente,  ele  saiu  de  seu  deslumbramento  e  disparou  correndo  para  porta.  Enquanto  corria,  percebi  o
quanto era alto, suas longas pernas saltando em passadas do tamanho do meu corpo inteiro, seus braços tão
sólidos que não ondulavam  com o  impacto. Meus olhos  saltaram. Não tinha  visto uma coisa tão  bela desde
que  eu uma garotinha  e as  balinhas  coloridas Skittles em minha  mão fechada suada se  transformavam  num
arco-íris. Suas omoplatas ficavam salientes sob a camisa enquanto ele corria. Pareciam asas brancas batendo
majestosamente antes da decolagem. Demoníacas asas brancas.
– Espere! – gritei par a ele. Ele tinha deixado seu computador no assento.  Fim de Jogo , lia-se na tela. Fim de
jogo, realmente, pensei, usando uma metáfora.
– Posso copiar suas anotações? – perguntou um humano normal do sexo masculino. Levantei os olhos e vi um
garoto de estatura mediana, cabelos escuros e uma estrutura esguia, mas musculosas. Senti-me atraída por ele.
Ele sorriu para mim. Perdi o interesse.
– Claro, como quiser – eu disse, estendendo-lhe meu bloco de anotações e de repente percebendo que tinha
rabiscado nele um desenho de Edwart. No desenho, ele tinha presas gotejando uma substancia escura. Molho
Shoyu.
– Vou precisar disso de volta – eu disse. Aquele desenho ia apara o meu mural.
–  Obrigado,  Lindsey  –  disse  ele,  confundindo-me  com  Lindsey  Lohan.  Ele  sorriu  outra  vez.  Um  rapaz
simpático. Tinha um belo cabelo e olhos claros gentis. Íamos ser grandes amigos. Apenas grandes amigos.
–  Leve-me  ao escritório da  administração – eu disse.  Tínhamos ginástica em seguida, mas eu precisava  da
minha cadeira de rodas. Tenho um problema que faz minhas pernas ficarem paralisadas toda vez  que penso
em ginástica.
– Certo – ele disse, deixado-me apoiar meu peso sobre ele –  Sou Adam, a propósito. Acho que vi você em
minha aula de inglês. Vai ser ótimo! Desde que um de nós tome as notas, o outro, eu, não precisa ir à aula –
ele  estava  ficando  ofegante  enquanto  me  arrastava  com  ele.  Estar  perto  de  mim  deixava  alguns  rapazes
nervosos.
– Você percebeu algo engraçado sobre o Edwart na aula? Acha que o amo – eu disse casualmente.
– Bem, ele parecia meio zangado quando você caiu e desconectou o fio do computador dele.
Então, isso não estava só na minha mente; outros haviam percebido a consciência de Edwart a meu respeito.
Havia alguma coisa em mim que evocava sentimentos muito fortes em Edwart.
– Humm – eu disse cientificamente. – Que interessante.
– Aqui estamos – depois de me escorar contra a parede, Adam cambaleou para trás, bufando e assoprando.
Eu o dispensei e entrei no escritório.
– Estou paralisada até a próxima aula.
– Vá se sentar em carro, querida – disse ela, levantando os olhos de seu exemplar de
luz do dia.
Sai para o meu carro, tentando sonhar com os poderes dele, o rei dos carros, mas estava muito perturbada. Em
primeiro lugar, se eu tinha conseguido meu carro de graça, isso significava que todos os outros tinham pago
mais por carros muito menores. Em segundo lugar, estava muito certa de que havia alguma coisa sobrenatural
sobre Edwart – algo além de especulações racionais.
Então, parei de especular sobre ele e assisti a uma procissão de formigas passando por ali. A vida seria muito
mais fácil se eu pudesse carregar coisas que pesassem vinte vezes mais que eu.

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