sábado, 8 de dezembro de 2012

Capítulo 1 (Fallen)


No Começo
HELSTON, INGLATERRA
SETEMBRO DE 1854
     Por volta da meia-noite, os olhos dela por fim tomaram forma. O olhar neles
era felino, parcialmente determinado e parcialmente tentativo ― totalmente
encrenca. Sim, eles estavam exatamente certos, aqueles olhos. Levantando-se até
suas sobrancelhas refinadas e elegantes, a centímetros da cascada negra de seu
cabelo.
      Ele segurou o papel na distância de um braço para avaliar seu progresso. Era
difícil, trabalhar sem ela na sua frente, mas também, ele nunca pode desenhar em
sua presença. Desde que ele tinha chego de Londres ― não, desde que ele a viu pela
primeira vez ― ele tinha que cuidar para sempre mantê-la à distância.
A cada dia agora ela lhe abordava, e cada dia era mais difícil do que o anterior. Era
por isso que ele ia partir de manhã ― para a Índia, para as Américas, ele não sabia e
nem ligava. Onde quer que ele acabasse, seria mais fácil do que estar aqui.
Ele se inclinou sobre seu desenho, novamente, suspirando enquanto usava seu
dedão para aperfeiçoar o biquinho de carvão vegetal borrado de seu lábio inferior.
O papel sem vida, impostor cruel, era a única maneira de levá-la com ele.
Então, se endireitando na cadeira de couro da biblioteca, ele sentiu. O roçar de
calor na sua nuca.
Ela.
     Sua mera proximidade deu a ele a sensação mais peculiar, como o tipo de calor
mandada quando uma tora vira cinzas numa fogueira. Ele sabia sem se virar. Ela
estava lá. Ele cobriu seu retrato nos papéis encadernados em seu colo, mas ele não
podia escapar dela.
      Seus olhos caíram para o sofá acolchoado de marfim do outro lado da sala de
visitas, onde somente horas mais cedo ela tinha aparecido inesperadamente, mais
tarde do que o resto de sua comitiva, em um vestido de seda rosa, para aplaudir a
filha mais velha de seu hospedeiro, após uma boa apresentação no cravo1. Ele olhou
para o outro lado da sala, pela janela para a varanda, onde no dia anterior ela tinha
se insinuado até ele, um punhado de peônias selvagens brancas em sua mão. Ela
ainda achava que a atração que ela sentia em relação a ele era inocente, que seus
frequentes encontros no gazebo eram meras... felizes coincidências. Ser tão
ingênua! Ele nunca lhe contaria outra coisa ― o segredo era dele para suportar.
      Ele ficou de pé e se virou, os retratos deixados para trás na cadeira de couro. E
lá estava ela, pressionada contra a cortina de veludo rubi em seu simples vestido
branco. Seu cabelo negro tinha e soltado de sua trança. O olhar em seu rosto era o
mesmo que ele tinha desenhado tantas vezes. Havia fogo, subindo em suas
bochechas. Ela estava brava? Envergonhada? Ele ansiava saber, mas não podia se
permitir a perguntar.
 ― O que está fazendo aqui? ― Ele conseguia ouvir o rosnado em sua voz, e se
arrependeu de sua aspereza, sabendo que ela nunca entenderia.
 ― Eu ― não consegui dormir, ― ela gaguejou, se movendo na direção do fogo e da
cadeira dele. ― Eu vi a luz acesa no seu quarto e então ― – ela pausou, olhando para
baixo para suas mãos ― – seu malão está do lado de fora da porta? Você vai a algum
lugar? ―
 ― Eu ia te contar ― – Ele paro. Ele não devia mentir. Ele nunca tivera intenção de
deixá-la saber de seus planos. Contar a ela só pioraria as coisas. Certo, ele tinha
deixado as coisas irem longe demais, esperando que dessa vez fosse diferente.
Ela chegou mais perto, e seus olhos caíram para seu caderno de retratos. ― Você
estava me desenhando? ―
     Seu tom assustado o lembrava do quanto a diferença de entendimento era
grande entre eles. Mesmo depois de todo o tempo que eles tinham passado juntos
nessas últimas semanas, ela não tinha ainda começado a vislumbrar a verdade que
estava por trás da atração deles.
Isso era bom ― ou, pelo menos, era para o melhor. Pelos últimos dias, desde que ele
escolhera ir embora, ele estivera lutando para se afastar dela. O esforço exigia tanto
dele que, assim que ficava sozinho, ele tinha que ceder ao seu desejo reprimido de
desenhá-la. Ele tinha enchido seu caderno com páginas do pescoço arqueado dela,
de sua clavícula de mármore, de abismo negro de seu cabelo.
     Agora, ele olhava de volta para seu desenho, não envergonhado por ser pego
desenhando-a, mas pior. Um arrepio gelado espalhou-se por ele enquanto ele
percebia que a descoberta dela ― a exposição dos sentimentos dele ― destruiriam-
na. Ele deveria ter sido mais cuidadoso. Sempre começava assim.
― Leite quente com uma colherada de melaço, ― ele murmurou das suas costas
ainda para ela. Então ele acrescentou tristemente. ― Ajuda a dormir. ―
― Como você sabia? Ora, era exatamente isso que a minha mãe costumava ―
― Eu sei, ― ele disse, virando-se para encará-la. O assombramento em sua voz não
o surpreendeu, ainda assim, ele não conseguia explicar a ela como ele sabia, ou
dizer a ela quantas vezes ele tinha administrado essa mesma bebida para ela no
passado quando as sombras chegavam, como ele tinha segurado-a até que ela
caísse no sono.
Ele sentiu seu toque como se estivesse queimando pela sua camisa, sua mão
descansava gentilmente em seu ombro, fazendo-o arfar. Eles ainda não tinha se
tocado nessa vida, e o primeiro contato sempre o deixava sem fôlego.
 ― Responda-me, ― ela sussurrou. ― Você está partindo? ―
 ― Sim. ―
      ― Então me leve com você, ― ela deixou escapar. Bem à deixa, ele observou-a
puxar sua respiração, desejando retirar sua súplica. Ele conseguia ver a progressão
de suas emoções se assentarem no vinco entre seus olhos. Ela se sentiria
impetuosa, então desnorteada, então envergonhada por sua própria audácia. Ela
sempre fazia isso, e por vezes demais anteriormente ele cometera o erro de
confortá-la nesse momento exato.
 ― Não, ― ele sussurrou, se lembrando... sempre se lembrando... ― Eu zarpo
amanhã. Se você ao menos se importa comigo, não dirá outra palavra. ―
 ― Se eu me importo com você, ― ela repetiu, quase como se estivesse falando
consigo mesma. ― Eu ― eu amo ―
 ― Não. ―
 ― Eu tenho que dizer isso. Eu ― eu te amo, estou bem certa, e se você for embora
 ― Se eu for embora, eu salvo sua vida. ― Ele falava devagar, tentando alcançar
uma parte dela que pudesse se lembrar. Isso ao menos estava lá, enterrado em
algum lugar? ― Algumas coisas são mais importantes que o amor. Você entenderá,
mas tem que confiar em mim. ―
Seus olhos perfuraram ele. Ela recuou e cruzou seus braços sobre seu peito. Isso era
culpa dele, também ― ele sempre despertava o lado desdenhoso dela quando
falava com ela.
 ― Você quer dizer que há coisas mais importantes que isso? ― ela desafiou,
tomando as mãos dele e atraindo-as para seu coração.
Ah, ser ela e não saber o que iria acontecer! Ou pelo menos ser mais forte que ele e
capaz de pará-la. Se ele não parasse ela, ela nunca aprenderia, e o passado
simplesmente se repetiria, torturando-os de novo e de novo.
O calor familiar da pele dela debaixo das mãos dele o fez inclinar sua cabeção para
trás e gemer. Ele estava tentando ignorar o quanto ela estava perto, o quanto ele
conhecia bem a sensação dos lábios dela nos dele, o quanto amargamente ele
sentia que tudo isso tinha que acabar. Mas os dedos dela traçavam os dele tão
levemente. Ele conseguia sentir o coração dela correndo por seu fino vestido de
algodão.
Ela estava certa. Não havia nada além disso. Nunca houvera. Ele estava
prestes a ceder e tomá-la em seus braços quando capturou o olhar em seus olhos.
Como se ela tivesse visto um fantasma.
Foi ela que se afastou, uma mão em sua testa.
     ― Estou tendo uma sensação muito estranha, ― ela suspirou. Não ― já era
tarde demais?
     Seus olhos se estreitaram para o formato do retrato dele e ela voltou a ele,
suas mãos em seu peito, seus lábios separados esperançosamente. ― Diga que eu
estou louca, mas eu juro que estivesse bem aqui antes... ―
     Então era tarde demais. Ele olhou para cima, estremecendo, e conseguiu sentir
escuridão descendo. Ele aproveitou a última oportunidade de agarrá-la, de segurá-
la tão apertadamente quanto ele estivera desejando há semanas.
     Assim que os lábios dela derreteram nos dele, ambos ficaram impotentes. O
gosto de madressilva da boca dela o deixou tonto. Quanto mais perto ela se
pressionava contra ele, mais seu estômago agitava-se com a animação e a agonia
disso tudo. A língua dela traçou a dele, e o fogo entre eles queimou mais
ardentemente, mais quente, mais poderoso com cada toque novo, com cada nova
exploração. Ainda assim, nada disso era novo.
     A sala estremeceu. Uma aura ao redor deles começou a brilhar.
Ela não notou nada, não estava ciente de nada, não entendia nada além do beijo
deles.
Somente ele sabia o que estava prestes a acontecer, que companhias sombrias
estavam prestes a abater-se na reunião deles. Apesar dele ser incapaz de mudar o
curso da vida deles mais uma vez, ele sabia.
As sombras circularam diretamente acima. Tão perto, que ele poderia ter tocado-
as. Tão perto, que ele se perguntava se ela conseguia ouvir o que elas estavam
sussurrando. Ele observou a medida em que a nuvem passou pelo rosto dela. Por
um momento ele viu um relampejo de reconhecimento crescer nos olhos dela.
Então não havia mais nada, nada mesmo.

Capítulo 1 - Perfeitos Estranhos

     Luce movimentou-se pesadamente para dentro de uma sala iluminada com
lâmpadas fluorescentes do Colégio Sword & Cross2 dez minutos depois do que ela
deveria. Um acompanhante com peito em formato de barril, bochechas vermelhas
e uma prancheta presa sobre bíceps de ferro já estava dando ordens ― o que
significava que Luce já estava atrasada.
      ― Então se lembrem: são remédios, camas e vermelhos 3 ― O acompanhante
latiu para um grupo de três estudantes, todos de costas para Luce. ― Se lembrem
do básico e ninguém se machuca ― .
      Luce escorregou rapidamente para trás do grupo. Ela ainda estava tentando
descobrir se ela tinha preenchido a gigante pilha de papel corretamente, se esse
guia de cabeça raspada parado na frente deles era um homem ou uma mulher, se
havia alguém para ajudá-la com sua enorme bolsa de tecido, se seus pais iriam se
livrar de seu amado Plymouth Fury no minuto que eles chegassem em casa, depois
que a deixaram ali. Eles vinham ameaçando vender o carro durante todo o verão, e
agora eles tinham uma razão que Luce não poderia argumentar contra: ninguém
podia ter um carro na nova escola de Luce. Sua nova escola reformatória para ser
preciso.
Ela ainda estava se acostumando com o termo.
 ― Você poderia, hum, você poderia repetir isso? ― Ela perguntou para o
acompanhante. ― O que era, remédios? ―
      ― Bem, olhe o que a tempestade trouxe, ― o acompanhante disse em voz
alta, então continuou, enunciando devagar. ― Remédios. Se você é um dos alunos
medicados, é onde você deve ir para manter-se dopada, sã, respirando, ou seja lá o
que for. ― Mulher, Luce decidiu, estudando a acompanhante. Nenhum homem
poderia ser malicioso o suficiente para dizer tudo isso nesse tom de voz sacarina.
― Saquei. ― Luce sentiu seu estômago agitar-se ― Remédios ― .
     Ela tinha se desligado dos remédios por anos agora. Depois do acidente no
verão passado, Dr. Sanford, seu especialista em Hopkinton ― e a razão de seus pais
a mandarem para internatos lá em New Hampshire ― havia considerado medicá-la
mais uma vez. Embora ela o tenha convencido de sua quase-estabilidade, isso a fez
ter um mês extra de análise da parte dela, só para ficar longe daqueles terríveis
antipsicóticos.
Este era o motivo pelo qual ela estava se registrando em seu último ano no Colégio
Sword & Cross um mês depois das aulas começarem. Ser aluno novo já era ruim o
suficiente, e Luce estava nervosa o suficiente para entrar em turmas onde todos já
estavam fixados. Mas pelo que parecia depois de sua excursão, ela não era a única
novata chegando aquele dia.
Ela deu uma olhadinha furtiva para os outros três alunos em meio círculo em volta
dela. Em sua última escola, Dover Prep, na excursão pelo campus foi onde ela achou
sua melhor amiga, Callie. Em um campus onde todos os outros estudantes foram
praticamente desmamados juntos, isso havia sido o suficiente que Luce e Callie
fossem as duas únicas crianças sem legado. Mas não demorou muito para elas
perceberem que tinham a mesma obsessão pelos mesmos filmes antigos ―
especialmente os relacionados com Albert Finney4. Após a descoberta delas no
primeiro ano enquanto assistiam Two for the Road que elas não podiam fazer um
saco de pipoca sem ativar o alarme de incêndio, Callie e Luce nunca mais se
separaram. Até... Até que elas tiveram que se separar.
     Do lado de Luce hoje havia dois caras e uma garota. A garota era bem fácil de
se enturmar, loira e com a beleza de comercial de Neutrogena5, com unhas
manicuradas na cor rosa-pastel que combinava com sua pasta de plástico.
― Eu sou Gabbe, ― Ela falou lentamente, lançando a Luce um grande sorriso que
desapareceu tão rápido quanto surgiu, depois que Luce não disse seu próprio nome.
O desinteresse da menina lembrou-lhe mais uma versão sulista das meninas de
Dover do que alguém que ela esperava na Sword & Cross. Luce não conseguia se
decidir se isso era reconfortante ou não, ainda mais imaginar o que uma menina
como aquela fazia numa escola reformatória.
     Á direita de Luce havia um garoto com cabelo castanho curto, olhos castanhos
e sardas em volta do nariz. Mas o jeito que ele não olhava nos olhos dela,
escolhendo cutucar a cutícula de seu polegar, deu a ela a impressão de que ele
provavelmente estava atordoado e com vergonha de encontrar-se aqui.
     O garoto à sua esquerda, por outro lado, preenchia a imagem da Luce deste
lugar um pouco perto perfeitamente demais. Ele era alto e magro, com uma bolsa
de DJ a tiracolo, cabelo preto desgrenhado, e grandes e profundos olhos verdes.
Seus lábios eram carnudos e de um rosa natural que muitas garotas matariam para
ter. Na parte detrás de seu pescoço uma tatuagem preta com formato de raios de
sol parecia quase brilhar em sua pele clara, levantando-se a partir da borda de sua
camiseta preta.
Diferente dos outros dois, quando esse cara se virou para encontrar seu olhar, ele o
segurou e não deixou soltar. Sua boca foi definida em uma linha reta, mas seus
olhos eram quentes e vivos. Ele a contemplava, de pé como uma escultura, que fez
Luce se sentir enraizada em seu lugar também. Aqueles olhos eram intensos e
sedutores, e bem, um pouco desarmantes.
     Com um pigarro alto na garganta, a acompanhante interrompeu o transe. Luce
corou e fingiu estar muito ocupada coçando a cabeça.
― Aqueles que entenderam o funcionamento são permitidos a sair depois que
deixarem aqui seus pertences de risco ― A acompanhante apontou para uma
grande caixa de papelão sob uma placa que dizia em grandes letras pretas
MATERIAIS PROIBIDOS. ― E quando eu digo livre, Todd ― - ela fechou a mão para
baixo no ombro do garoto sardento, o que o fez pular. ― Eu quis dizer limites do
ginásio para encontrar o estudante predestinado para ser seu guia. Você ― - ela
apontou para Luce ― despeje seus pertences e fique comigo ―
      Quatro dos estudantes se juntaram em volta da caixa e Luce assistiu, perplexa,
como os outros alunos começavam a esvaziar seus bolsos. A menina puxou um
canivete suíço rosa de sete centímetros. O cara de olhos verdes relutantemente
sacou uma lata de spray de tinta e um estilete. Até o infeliz Todd teve de deixar
várias caixas de fósforos e um pequeno recipiente de fluído de luz. Luce se sentiu
quase estúpida por ela mesma não estar escondendo nada perigoso ― mas quando
ela viu os outros depositarem seus celulares dentro da caixa, ela engoliu em seco.
Inclinando-se para ler a placa de MATERIAIS PROIBIDOS mais de perto, ela viu que
celulares, pagers e todos os dispositivos de rádios bidirecionais estavam
estritamente proibidos. Já era ruim o suficiente que ela não poderia ter o seu carro!
Luce fechou a mão suada em torno do celular em seu bolso, sua única ligação com o
mundo exterior. Quando a acompanhante viu a expressão em seu rosto, Luce
recebeu pequenos tapinhas na bochecha. ― Não desmaie comigo, querida. Eles não
me pagam o suficiente para fazer ressucitação. Além disso, você tem direito a uma
ligação telefônica por semana no átrio principal. ―
Uma ligação? Por semana? Mas –
   Ela olhou para seu telefone mais uma vez e viu que havia recebido mais duas
mensagens de texto. Não parecia possível que essas seriam suas duas últimas
mensagens de texto. A primeira era de Callie.
Me liga imediatamente! Estarei esperando ao lado do telefone a noite toda,
então, esteja pronta. E se lembre do mantra que eu te ensinei: Você vai sobreviver! De
qualquer forma, se isso importar, eu acho que todo mundo esqueceu sobre...
     Do jeito típico de Callie, ela havia ido tão longe que o celular de Luce cortou
quatro linhas da mensagem. De qualquer forma, Luce estava aliviada. Ela não
queria ler sobre como todos em sua antiga escola haviam finalmente esquecido o
que havia acontecido com ela. O que a fez vir parar nesse lugar.
    Ela suspirou e abriu sua segunda mensagem. Era de sua mãe, que só havia
aprendido a enviar torpedos há algumas semanas e que certamente não sabia sobre
aquela coisa de uma-ligação-por-semana.
Querida, nós estaremos sempre pensando em você. Seja boa e tente comer proteína o
suficiente. Nos falamos quando pudermos. Amor, M&D
     Com um suspiro, Luce percebeu que seus pais deveriam saber. O que mais
poderia explicar suas expressões elaboradas quando ela deu um tchauzinho do
portão da escola essa manhã, com sua bolsa de tecido em mãos? No café da
manhã, ela havia tentado fazer piada sobre finalmente perder esse terrível sotaque
de New England que ela havia adquirido na Dover, mas os seus pais não esboçaram
nenhum sorriso. Ela pensou que eles continuavam chateados com ela. Eles nunca
haviam feito completamente aquela coisa de elevar a voz, então quando Luce
estragou tudo, eles deram a ela o tratamento do silêncio. Agora ela entendia o
estranho comportamento dessa manhã: seus pais estavam de luto pela perda de
contato com sua única filha.
      ― Nós estamos esperando apenas uma pessoa, ― A acompanhante disse. ―
Eu me pergunto quem é. ― A atenção de Luce voltou para a caixa de riscos, que
agora estava transbordando de itens contrabandeados que ela não conseguia
reconhecer. Ela podia sentir o cara de cabelos negros com seus olhos verdes fixos
nela. Ela olhou em volta e viu que todo mundo estava com os olhos fixos. Sua vez.
Ela fechou seus olhos e lentamente abriu sua mão, deixando seu celular escorregar
e ganhar terreno no topo da pilha. O som de ficar completamente sozinha.
Todd e a robótica Gabbe dirigiram-se para a porta sem nada além um olhar na
direção de Luce, mas o terceiro cara se virou para o acompanhante.
 ― Eu sou capaz de informá-la, ― disse ele, assentindo para Luce.
 ― Não faz parte do nosso acordo, ― A acompanhante replicou automaticamente,
como se estivesse esperando esse diálogo. ― Você é um novo estudante de novo ―
o que significa restrições de aluno novo. De volta para o nível um. Se você não gosta
disso, deveria ter pensado antes de quebrar a sua condicional. ―
O garoto permaneceu imóvel, inexpressivo, quando a acompanhante rebocou Luce
― que endureceu com o ― condicional ― - até o fim de um corredor amarelo.
― Mexa-se, ― ela disse, como se nada tivesse acontecido. ― Camas, ― Ela apontou
para a janela oeste de um prédio de concreto cinza. Luce podia ver Gabbe e Todd
misturarem-se devagar em direção deles, com o terceiro garoto andando devagar,
como se alcançá-los fosse a última coisa em sua lista de coisas a fazer.
Os dormitórios eram formidáveis e quadrados, um sólido prédio cinza cujas portas
duplas não davam nada sobre a possibilidade de vida dentro delas. Uma grande
placa de pedra permanecia plantada no meio do gramado morto, e Luce se lembrou
do website as palavras DORMITÓRIO PAULINE esculpidas dentro dele. Parecia
mais feio naquela manhã de sol confusa do que na plana foto preto-e-branco.
      Mesmo nessa distância, Luce podia ver o bolor negro cobrindo a frente do
dormitório. Todas as janelas estavam obstruídas por uma carreira de grossas barras
de aço. Ela entortou os olhos. O que era aquele arame farpado em torno do prédio?
A acompanhante olhou para a lista, folheando o arquivo de Luce. ― Quarto
sessenta e três. Deixe sua bolsa em meu escritório com o resto deles por agora.
Você pode desfazer essa tarde. ―
Luce arrastou sua mala vermelha rumo a outras três malas pretas sem classificação.
Então ela chegou a refletir sobre seu celular, onde ela costumava colocar as coisas
que precisava lembrar. Mas, enquanto sua mão procurava em seu bolso vazio, ela
suspirou e se comprometeu a gravar o número do quarto na memória.
Ela ainda não entendia a razão pela qual não podia ficar com seus pais; sua casa em
Thunderbolt ficava a menos de uma hora da Sword & Cross. Ela havia se sentido tão
bem em sua casa em Savannah, onde, como sua mãe sempre dizia, até o vento
soprava preguiçosamente. O lugar mais suave da Georgia, tinha o ritmo adequado
ao jeito de Luce mais do que New England nunca teve.
Mas a Sword & Cross não era como Savannah. Era quase como um lugar qualquer,
exceto pelo fato de ser um lugar sem vida e sem cor, onde o tribunal a havia
colocado hospedada. Ela havia escutado seu pai no telefone com o diretor outro
dia, concordando em seu jeito confuso e fala de professor de Biologia, ― Sim, sim,
talvez seja melhor para ela ser supervisionada todo tempo. Não, não, nós não
queremos interferir no seu sistema. ―
Claramente, seu pai não havia visto as condições de supervisão de sua filha única.
Esse lugar parecia uma prisão de segurança máxima.
 ― E sobre, como você disse ― os vermelhos? ― Luce perguntou para a
acompanhante, pronta para ser liberada da excursão.
      ― Vermelhos, ― a acompanhante disse, apontando para um pequeno fio do
teto: lentes com uma luz piscante vermelha. Luce não havia visto isso antes, mas
assim que a acompanhante apontou a primeira, ela pode notar que estavam em
todo lugar.
 ― Cameras? ―
 ― Muito bem, ― a acompanhante disse, a voz gotejando condescendência. ― Nós
a deixamos evidente a fim de lembrá-los. Todo tempo, a todo momento, nós a
observamos. Então, não estrague ― quer dizer, se você puder evitar. ―
Todo o tempo, todos falavam com Luce como se ela fosse uma completa psicopata,
e ela estava bem perto de acreditar que isso era uma verdade.
     Por todo o verão, as memórias a vinham assustando, em seus sonhos e nos
raros momentos em que seus pais a deixavam sozinha. Alguma coisa havia
acontecido no chalé, e todo mundo (incluindo Luce) estava morrendo para saber
exatamente o quê. A polícia, o juiz, o assistente social, haviam todos tentado forçar
a verdade dela, mas ela não sabia nada tanto quanto eles. Ela e Trevor haviam
brincado a tarde inteira, perseguindo um ao outro pela fileira de chalés em volta do
lago, longe do resto da feMiss Ela tentou explicar que essa havia sido a melhor noite
de sua vida, até se tornar a pior.
      Ela gastou muito tempo repassando aquela noite em sua mente, ouvindo a
risada de Trevor, sentindo suas mãos em volta de sua cintura, e tentar conciliar seus
instintos de que ela era realmente inocente.
Mas agora, cada regra e regulamento da Sword & Cross parecia trabalhar contra
esse pensamento, parecia sugerir que ela era, de fato, perigosa e precisava ser
controlada.
Luce sentiu uma mão firme em seu ombro.
 ― Olha, ― a acompanhante disse ― se isso a faz se sentir melhor, você está longe
de ser o pior caso aqui. ―
     Foi o primeiro gesto humano que ela demonstrou à Luce, o que a fez acreditar
que ela queria fazê-la se sentir melhor. Mas... Ela havia sido mandada para cá por
causa da suspeita morte do cara por quem ela era louca, e ela estava ― longe de ser
o pior caso ― ? Luce se perguntou com o que exatamente eles lidavam na Sword &
Cross.
― O.k. A orientação terminou. ― A acompanhante disse. ― Você está por sua
conta agora. Aqui está um mapa se você precisar encontrar algo a mais. ― Ela deu a
Luce uma cópia de um bruto mapa desenhado à mão, então olhou para seu relógio.
― Você tem uma hora até sua primeira aula, mas as minhas novelas começam as
cinco, então, ― - Ela balançou sua mão para Luce - ― Mantenha-se escassa. E não
se esqueça, ― ela disse, apontando para as câmeras mais uma vez ― Os vermelhos
estão de olho em você ― .
Antes que Luce pudesse replicar, uma garota magra, de cabelos negros
apareceu à sua frente, abanando seus dedos longos na face de Luce.
― Ooooh, ― a garota zombou com uma voz fantasmagórica, dançando em volta
de Luce em círculos. ― Os vermelhos estão de olho em vocêêêê. ―
― Sai daqui, Arriane, antes que eu tenha que lobotomizá-la, ― a acompanhante
disse, embora fosse claro por seu breve, mas genuíno, sorriso que ela possuía
alguma bruta afeição pela garota louca.
     E estava claro que Arriane não era recíproca ao amor. Ela fez um gesto
obsceno para a acompanhante, então parou na frente de Luce, a enfrentando para
que ficasse ofendida.
 ― E só por isso, ― a acompanhante disse, anotando furiosamente em seu
caderninho ― você ganhou a tarefa de mostrar tudo em volta para a pequena Miss
Sunshine hoje. ―
Ela apontou para Luce, que parecia qualquer coisa, menos ensolarada, com suas
jeans pretas, botas pretas e top preto. Na seção do ― código de vestimenta ― , o
website da Sword & Cross falava alegremente que enquanto os alunos tivessem
bom comportamento, eles estavam livres para vestir o que quisessem, porém, com
duas condições: o estilo deve ser modesto e as roupas deviam ser pretas. Muita
liberdade.
     A blusa de gola tartaruga que sua mãe a havia forçado a usar não fazia nada
pelas suas curvas, e até sua melhor forma havia sumido: seu grosso cabelo preto,
que costumava cair sobre sua cintura, havia sido completamente tosqueado. O fogo
do chalé havia queimado seu couro cabeludo e deixado seu cabelo desigual, então
depois da longa, silenciosa viagem de Dover para casa, sua mãe a colocara na
banheira, trouxe o barbeador elétrico do pai e sem nenhuma palavra raspou sua
cabeça. Durante o verão, seu cabelo havia crescido um pouco, apenas o suficiente
para que suas ondas, outrora invejáveis, agora pairassem logo abaixo de suas
orelhas.
     Arriane a avaliou, dando um tapa com um dedo contra seus finos lábios
pálidos. ― Perfeito, ― ela disse, dando um passo a frente para colocar seus braços
em volta de Luce. ― Eu estava realmente pensando que eu poderia usar uma nova
escrava. ―
A porta do salão abriu e entrou o menino de olhos verdes. Ele balançou a cabeça e
disse para Luce, ― Esse lugar não liga de te despir para fazer alguma busca. Então,
se você está guardando qualquer outro risco ― ele ergueu uma sobrancelha e um
punhado de objetos desconhecidos da caixa - ― salve-se dos perigos. ―
Atrás de Luce, Arriane prendia o riso. O cara virou a cabeça e quando seus olhos
registraram Arriane, ele abriu sua boca e a fechou novamente, como se não tivesse
certeza do que fazer.
 ― Arriane, ― ele disse uniformemente.
 ― Cam, ― ela replicou.
 ― Você o conhece? ― Luce sussurrou, se perguntando se havia o mesmo tipo de
facções em escolas reformatórias como haviam na Dover.
      ― Não me lembre, ― Arriane disse, arrastando Luce para fora da porta, dentro
da cinza e alagada manhã.
As costas do prédio principal davam em uma calçada lascada, em volta de um
campo bagunçado. A grama estava tão grande que parecia mais um terreno baldio
que uma área pública de uma escola, mas um desbotado placar e arquibancadas de
madeira provavam o contrário.
      Por trás do contorno do lugar quatro prédios de aparência severa: o dormitório
longe à direita; uma gigante, feia e velha igreja à extrema-esquerda e outras duas
grandes estruturas no meio deles, que Luce imaginou serem as salas de aula.
Era isso. Seu mundo inteiro estava reduzido àquela triste visão de seus olhos.
     Arriane imediatamente desviou do caminho direito e levou Luce ao campo,
sentando no alto de uma das arquibancadas de madeira molhadas.
A estrutura correspondente em Dover gritava atleta da Ivy League em formação,
então Luce sempre havia evitado ficar lá. Mas esse campo vazio, com esses
enferrujados, deformados gols, contava uma história completamente diferente.
     Uma que não foi fácil para Luce descobrir. Três urubus turcos passaram acima
de sua cabeça, e um vento triste chicoteou sobre os galhos nus dos carvalhos. Luce
estremeceu e abaixou seu queixo para dentro da gola de tartaruga.
― Então, ― Arriane disse ― Agora você conheceu Randy. ―
― Eu pensei que fosse Cam. ―
― Eu não estou falando dele, ― Arriane disse rapidamente ― A mulher-macho
daqui. ― Arriane virou a cabeça para o escritório onde elas haviam deixado a
acompanhante vendo TV. ― Quê que 'cê acha? Homem ou mulher? ―
― Hm... Mulher? ― Luce tentou. ― Isso é um teste? ―
Arriane esboçou um sorriso. ― O primeiro de muitos. E você passou. Pelo menos,
eu acho que você passou. O gênero da maioria do corpo docente daqui é um debate
escolar em curso. Não se preocupe, você vai entrar nele. ―
      Luce achou que Arriane estava fazendo uma piada ― nesse caso, legal. Mas
isso tudo era como uma enorme mudança da Dover. Em sua antiga escola, as
gravatas-verdes-esgotantes, os engomados futuros senadores praticamente
escorriam pelos corredores, no requintado silêncio que o dinheiro parecia passar
acima de tudo.
     Mais do que nunca, o pessoal da Dover lançavam a Luce olhares tortos de não-
suje-as-paredes-brancas-com-suas-impressões. Ela tentou imaginar Arriane lá: se
espreguiçando nas arquibancadas, fazendo uma alta, bruta piada com sua voz
mordaz. Luce tentou imaginar o que Callie pensaria de Arriane. Nunca havia
ninguém como ela na Dover.
 ― Okay, desembucha, ― Arriane ordenou. Pulando da arquibancada mais alta e
apontando para que Luce se juntasse, ela disse ― O que cê fez para entrar aqui? ―
O seu tom de voz era brincalhão, mas de repente Luce teve que se sentar. Era
ridículo, mas ela meio que esperava passar por seu primeiro dia de aula sem seu
passado vindo a mente, roubando sua fina fachada de calma. É claro que as pessoas
aqui vão querer saber.
     Ela pode sentir o sangue arranhar suas têmporas. Acontecia sempre que ela
tentava pensar voltar ― realmente voltar ― àquela noite. Ela nunca parou de se
sentir culpada com o que havia acontecido a Trevor, mas ela também tentava
duramente não ficar atolada nas sombras que, por agora, eram a única coisa que ela
se lembrava do acidente. Aquela escuridão, as coisas indefinidas que ela nunca
poderia contar para ninguém.
Risca isso ― ela começou a contar a Trevor a presença peculiar que sentiu naquela
noite, sobre as curvas retorcidas sobre suas cabeças, tentando assombrar sua noite
perfeita. É claro, então já era tarde demais. Trevor se foi, seu corpo queimado e
irreconhecível, e Luce era... Ela era... Culpada?
     Ninguém sabia sobre as tenebrosas formas que ela havia visto no escuro. Elas
sempre vinham para ela. Elas iam e vinham há tanto tempo que Luce não conseguia
se lembrar a primeira vez que as vira. Mas ela se lembrava da primeira vez que ela
percebeu que as sombras não vinham para todos ― ou na verdade, para ninguém
além dela. Quando ela tinha sete anos, sua família estava de férias em Hilton Head
e seus pais a levaram em um passeio de barco. Estava perto do pôr-do-sol quando
as sombras começaram a ondular sobre a água, e ela se virou para seu pai e disse ―
O que você faz quando elas aparecem, pai? Porque você não se assusta com os
monstros? ―
      Não haviam monstros, seus pais a asseguraram, mas Luce repetia
insistentemente a presença de alguma coisa oscilante e negra que a levou a várias
consultas com o oftalmologista da família, e depois óculos, e depois consultas com
o médico de ouvido depois dela fazer uma errônea descrição do som rouco de vento
soprando forte que as sombras faziam algumas vezes ― e depois, terapia, e depois,
mais terapia, e finalmente a prescrição de remédios antipsicóticos.
Mas nada os fazia ir embora.
     Quando ela fez catorze, Luce se recusou a tomar seus remédios. Foi quando
eles encontraram o Dr. Sanford e a Dover School perto. Eles voaram para New
Hampshire, e seu pai dirigiu seu carro alugado por uma rodovia longa e sinuosa para
a mansão no topo da colina chamada Shady Hollows. Eles colocaram Luce de frente
para um homem de jaleco e perguntaram se ela continuava tendo suas ― visões –
     A palma das mãos de seus pais estavam suando, enquanto eles agarravam as
mãos, sobrancelhas franzidas com o medo de que houvesse algo terrivelmente
errado com sua filha.
      Ninguém veio e disse que se ela dissesse para o Dr. Sanford o que eles queriam
que ela dissesse, ela provavelmente estaria vendo muito mais da Shady Hollows.
Quando ela mentia e agia normalmente, ela estava permitida a frequentar a Dover
e só tinha que visitá-lo uma vez ao mês.
     Luce tinha sido permitida de parar de tomar as horríveis pílulas assim que ela
começou a fingir que não via mais as sombras. Mas ela continuava sem ter controlo
sobre elas quando apareciam. Tudo o que ela sabia era que o catálogo mental dos
lugares que eles apareceram para ela no passado ― florestas densas, águas turvas
― se tornara os lugares que ela evitava a todo custo. Tudo o que ela sabia era que
quando as sombras vinham, elas estavam acompanhadas de um frio calafrio sobre
sua pele, um repugnante sentimento diferente de qualquer outra coisa.
     Luce sentou de pernas abertas em uma das arquibancadas e segurou suas
têmporas entre seus polegares e dedos médios. Se ela queria fazer aquilo
completamente hoje, ela tinha que colocar seu passado em recesso na sua mente.
Ela não conseguia sondar sua memória daquela noite por ela mesma, então não
havia nenhum jeito dela arejar todos os detalhes horríveis para algum esquisito,
maníaco estranho.
     Em vez de responder, ela observou Arriane, que estava deitada de costas para
as arquibancadas, um par de enormes óculos escuros esportivos cobrindo o melhor
da sua face. Era difícil afirmar, mas ela estava olhando para Luce, também, porque,
depois de um segundo, ela se levantou das arquibancadas e sorriu.
― Corte meu cabelo como o seu. ― Ela disse.
― O quê? ― Luce engasgou. ― Seu cabelo é lindo. ―
Era verdade: Arriane tinha um longo, pesado cabelo, que Luce tinha perdido
desesperadamente. Seus cachos negros soltos brilhavam na luz do sol, ganhando
um tom avermelhado. Luce enfiou seu cabelo atrás das orelhas, mesmo que ele
ainda não fosse longo o bastante para fazer qualquer coisa exceto bater de volta na
frente deles.
 ― Linda porcaria ― Arriane disse ― O seu é sexy, moderno. E eu quero ele. ―
 ― Oh, um, okay, ― Luce disse. Seria isso um elogio? Ela não sabia se deveria estar
lisonjeada ou enervada com o jeito que Arriane assumiu que poderia ter o que
desejasse, até quando isso pertencia a outra pessoa. ― Onde nós vamos conseguir -
     – Tcharã, ― Arriane abriu sua bolsa e tirou de lá o canivete suíço rosa que
Gabbe havia deixado na caixa de perigos. ― Que foi? ― ela disse, vendo a reação de
Luce. ― Eu sempre mantenho meu dedo pegajoso no dia que os novos estudantes
tem que se livrar dessas coisas. A ideia sozinha me veio em meus dias de cão no
entretenimento da Sword & Cross... Hm... Acampamento de verão. ―
 ― Você passa o verão inteiro... Aqui? ― Luce estremeceu.
 ― Ha! Falando como uma verdadeira novata! Você provavelmente está esperando
umas férias de primavera. ― Ela atirou para Luce o canivete suíço. ― Nós não
vamos deixar esse inferno. Nunca. Agora corte. ―
 ― E as câmeras? ― Luce perguntou, olhando em volta, com o canivete em mãos.
Haveria câmeras em algum lugar aqui.
Arriane sacudiu a cabeça. ― Me recuso a me associar com maricas. Você pode lidar
com isso ou não? ―
Luce assentiu.
 ― E não me diga que você nunca cortou um cabelo antes. ― Arriane agarrou o
canivete suíço por trás de Luce, puxou a ferramenta de tesoura e entregou-o de
volta. ― Nenhuma outra palavra até você me dizer o quão fantástica fiquei.
     – No ― salão ― da banheira de seus pais, a mãe de Luce havia puxado os
restos de seu longo cabelo em um bagunçado rabo-de-cavalo, antes de jogar tudo
aquilo fora. Luce estava certa de que havia um método mais estratégico de cortar
cabelos, mas como alguém que evitara cortes de cabelo durante toda a vida, a
técnica do rabo-de-cavalo era a única que conhecia. Ela recolheu o cabelo de
Arriane em suas mãos, pegou o elástico que estava em volta de seu pulso, segurou a
pequena tesoura firmemente e começou a cortar.
     O rabo-de-cavalo caiu nos pés dela e Arriane sobressaltou-se e apanhou
subitamente. Ela o pegou e segurou na direção do sol. O coração de Luce se
comprimiu com a visão. Ela estava agonizando pelo seu próprio cabelo perdido, e
todas as outras perdas que isso simbolizava. Mas Arriane só deixou um delicado
sorriso espalhar pelos seus lábios. Ela correu os dedos pelo rabo-de-cavalo, e depois
o jogou dentro da bolsa.
      ― Maravilhoso, ― ela disse. ― Continue. ―
 ― Arriane, ― Luce sussurrou, antes que pudesse parar a si mesma. ― Seu pescoço.
Está todo ―
 ― Cheio de cicatrizes? ― Arriane disse. ― Você pode dizer isso. ―
A pele do pescoço de Arriane, desde a parte de trás de sua orelha direita até seu
colar de ossos estava com reentrâncias, marmorizadas e brilhantes. A mente de
Luce foi até Trevor ― para aquelas horríveis imagens. Até seus próprios pais não a
olharam depois que o viram. Ela estava tendo um mal momento olhando para
Arriane agora.
Arriane agarrou a mão de Luce e pressionou contra sua pele. Era quente e frio, ao
mesmo tempo. Era liso e áspero.
 ― Eu não tenho medo disso, ― Arriane disse. ― Você tem? ―
 ― Não. ― Luce disse, enquanto ela desejava que Arriane tirasse sua mão, então
Luce poderia tirar a dela também. Seu estômago se contorceu quando ela se
questionou se a pele de Trevor seria assim.
 ― Você tem medo do que realmente é, Luce? ―
 ― Não, ― Luce disse outra vez, rapidamente. Deveria ser óbvio que ela estava
mentindo. Ela fechou os olhos. Tudo que ela desejava da Sword & Cross era um
novo começo, um lugar onde as pessoas não olhariam para ela como Arriane estava
olhando agora. No portão da escola essa manhã, quando seu pai sussurrou o lema
da família em seu ouvido - ― Prices nunca quebram ― - parecia possível, mas agora
Luce sentia-se decaída e expoMiss Ela tirou sua mão. ― Então, como isso
aconteceu? ― ela perguntou, olhando para baixo.
 ― Se lembra que eu não pressionei você sobre o que você fez para estar aqui? ―
Arriane perguntou, erguendo suas sobrancelhas.
Luce assentiu.
Arriane gesticulou para as tesouras. ― Arrume a parte de trás, ok? Talvez isso me
faça parecer realmente bonita. Talvez me faça parecer com você.
Mesmo com o mesmo corte, Arriane permaneceria como uma versão subnutrida de
Luce. Enquanto Luce estava ocupada com seu primeiro corte de cabelo, Arriane
estava dentro das complexidades da vida na Sword & Cross.
― Esse bloco de celas ali é Augustine. É lá onde nós temos nossos tão falados
eventos sociais nas noites de quarta-feira. E todas as nossas aulas, ― ela disse,
apontando para a construção com cor de dente amarelado, dois prédios à direita do
dormitório. Parecia que havia sido desenhado pelo mesmo sádico que desenhara o
Pauline. Era tristemente quadrado, tristemente parecido com uma fortaleza,
cercado pelo mesmo arame farpado e janelas com grades. Uma névoa cinza fazia as
paredes parecerem camufladas por musgos, tornando impossível de ver se alguém
estava lá.
― Aviso claro, ― Arriane continuou ― Você vai odiar as aulas aqui. Você não é
humana se não odiar. ―
― Por quê? O que há de tão ruim com elas? ― Luce perguntou. Talvez Arriane
apenas não gostasse de escola no geral. Com seu esmalte preto, delineador preto e
a bolsa preta que parecia grande o suficiente para caber apenas o novo canivete
suíço dela, ela não parecia exatamente uma estudiosa.
― As aulas que temos aqui são perversas ― disse Arriane ― Pior, elas estripam fora
a nossa alma. De oito garotos neste lugar, eu digo que devemos ter apenas tês
almas restando. ― Ela deu uma olhada. ― Não dito de qualquer forma…
      ― As aulas aqui são sem alma ― , disse Arriane ― Pior ainda, eles tiram você
da sua alma ― Das oitenta crianças neste lugar, eu diria que nós só temos cerca de
três almas restantes ― . Ela olhou para cima ― Não dito, de qualquer maneira ... ―
     Isso não parecia proMissor, mas Luce ficou pendurada numa outra parte da
resposta de Arianne ― Espere, há apenas oitenta crianças na escola inteira? ― No
verão antes de ir para Dover, Luce se debruçara sobre o manual de estudantes na
perspectiva da espessura, para memorizar todas as estatísticas ― Mas tudo o que
tinha aprendido até agora sobre a Sword & Cruz a surpreendeu, fazê-la perceber
que ela estava vindo para a escola reforma completamente despreparada ―
    Arriane assentiu com a cabeça, fazendo Luce acidentalmente tesourar fora um
pedaço de cabelo que ela queria deixar ― Oops ― Esperando que Arriane não tenha
notado. Ou talvez ela só ache que ela estava irritada ―
     ― Oito classes, dez garotos, um estoiro ― Você conhece toda a sujeira muito
rapidamente, ―
Arriane disse ― E vice-versa ―
     ― Eu acho que sim ― , concordou Luce, mordendo o lábio ― Arriane estava
brincando, mas Luce perguntou se ela estaria sentada aqui com aquele sorriso frio
em seu olhos azuis pastel se soubesse a natureza exata do passado de Luke ―
Quanto mais tempo Luce poderia manter seu passado em segredo, melhor seria
para ela ―
― E você vai querer orientar-se claro nos casos difíceis ―
― Casos difíceis? ―
― As crianças com os dispositivos, pulseira de rastreamento ― , disse Arriane
― Cerca de um terço do corpo estudantil. ―
― E eles são os únicos que ― .
― Você não quer se meter com. Confie em mim. –
― Bem, o que eles fazem? ― Luce perguntou: ―
     Tanto quanto Luce queria manter sua própria história em segredo, ela não
gostou da maneira de Arriane a tratá-la como uma espécie de ingénua ― Tudo o
que esses garotos tinham feito não poderia ser muito pior, do que o que todos
disseram que ela tinha feito ― Ou poderia? Afinal, ela sabia quase nada sobre essas
pessoas e esse lugar. A possibilidade de despertou um medo cinza frio na boca do
estômago ―
      ― Oh, você sabe ― , Arriane demorou ― Ajudar em actos terroristas ― até
picar até seus pais e os assar no espeto ― .Ela virou-se para encarar Luce ―
― Cale-se ― , disse Luce ―
     ― Estou falando sério ― Aqueles psicopatas estão sob restrições muito mais
rigorosas do que o resto dos desaparafusados aqui ― Chamamos-lhes os
algemados. ―
Luce riu do tom dramático de Arianne ―
     ― Seu corte de cabelo está feito ― , disse ela, passando as mãos pelos cabelos
de Arianne para dar um pouco de volume ― Na verdade, parecia realmente cool ―
     ― Doce ― , Arriane disse: ― Ela virou o rosto para Luce ― Quando ela passou
os dedos pelo cabelo dela, as mangas do suéter preto cairam em seus braços e Luce
teve um vislumbre de uma pulseira preta, com linhas pontilhadas de pregos de
prata, e, no pulso, outra banda que parecia mais ... mecânica ― Arriane peguou
olhando e ergueu as sobrancelhas diabolicamente ―
    ― Eu disse, ya ― , disse ela ― Total malditos psicopatas. ― Ela sorriu ―
Venha, eu lhe darei o resto do tour. ―
     Luce não tinha muita escolha ― Ela dispersou abaixo nas arquibancadas após
Arriane, esquivando-se quando um dos abutres peru desceu perigosamente baixo
― Arriane, que não pareceu perceber, apontou para uma igreja envolvida em
líquen6 na extremidade direita da área publica ―
      ― Aqui você vai ver o ginásio de ponta, ― ela disse, assumindo um tom
nasalado de guia turístico. ― Sim, sim, para os olhos inexperientes parece uma
igreja. Costumava ser. Nós temos um tipo de arquitetura de segunda mão na Sword
& Cross. Alguns anos atrás, algum maluco por exercícios físicos apareceu falando
besteira sobre como supermedicar os adolescentes arruina a sociedade. Ele doou
uma tonelada de dinheiro de merda então eles transformaram a igreja num ginásio.
Agora os poderosos podem pensar que a gente desconta nossas “frustrações” de
um jeito mais “produtivo”. ―
Luce gemeu. Ela sempre detestou educação física.
      ― Garota do meu coração, ― Arriane se condoeu ― Treinador Diante é di-a-
bó-li-co. ―
     Enquanto Luce se movimentou para acompanhar, ela reparou no resto do
recinto. O complexo da Dover havia sido bem cuidado, tudo manicurado e
pontilhado em espaços uniformes, árvores cuidadosamente podadas. Sword &
Cross parecia que havia tudo caído subitamente e abandonado no meio de um
pântano. Salgueiros cujos galhos apontavam para baixo balançavam para o chão,
kudzus7 cresciam pelo muro em lençóis, e todo o terceiro piso escutava o barulho
do respingo.
E não era apenas a maneira que o local parecia. Cada respiração úmida de Luce
permanecia presa em seus pulmões. Apenas respirar na Sword & Cross fazia ela se
sentir como se estivesse atolando em areia movediça.
 ― Aparentemente os arquitetos entraram num impasse enorme sobre como
melhorar o estilo dos prédios da antiga academia militar. O resultado é que nós
acabamos em um lugar metade penitenciária, metade zona de tortura medieval. E
sem jardineiro, ― Arriane disse, tirando um pouco de limo de suas botas de
combate. ― Tosco. Oh, e aqui está o cemitério. ―
Luce seguiu Arriane apontando o dedo para a parte mais longe do lado esquerdo do
terreno, após o dormitório. Um manto ainda mais espesso de névoa pairava sobre a
porção de terra sem muros. Era delimitado dos três lados por uma densa floresta de
carvalhos. Ela não podia ver dentro do cemitério, que parecia quase afundar-se
debaixo da superfície, mas ela podia sentir o cheiro da podridão e ouvir o coro de
cigarras zumbindo nas árvores. Por um segundo, ela pensou que ouviu o silvo das
sombras ― mas ela piscou e eles se foram.
      ― Isso é um cemitério?
 ― Ahã. Isso costumava ser uma academia militar, muito tempo atrás nos dias da
Guerra Civil. Então era aqui que eles jogavam todos os seus mortos. É arrepiante
como todos caem fora. E meu sinhô, ― Arriane disse, acumulando um falso sotaque
suliMiss ― Isso fede até os céus! ― Então, ela piscou para Luce. ― Nós ficamos lá
para caramba. ―
Luce olhou para Arriane para ver se ela estava brincando. Arriane só deu de ombros.
 ― Okay, foi só uma vez. E foi só depois de um grande pharmapalooza8. ―
Ora, essa era uma palavra que Luce reconhecia.
 ― Arrá ― Arriane riu. ― Eu acabei de ver uma luz acender aí em cima. Então,
alguém está em casa. Bem, Luce, minha querida, você provavelmente foi a festas
de internatos, mas você nunca viu como as crianças de reformatórios colocam tudo
abaixo. ―
 ― Qual é a diferença? ― Luce perguntou, tentando esconder o fato que ela nunca
foi a nenhuma grande festa na Dover.
 ― Você vai ver. ― Arriane parou e se virou para Luce. ― Você vem essa noite e fica
lá, okay? ― Ela surpreendeu Luce pegando sua mão. ― Promete? ―
 ― Mas eu pensei que você disse que eu devia manter distância dos casos perigosos,
― Luce brincou.
 ― Regra número dois ― Não me escute! ― Arriane gargalhou, balançando a
cabeça. ― Eu sou certificavelmente insana! ―
Ela deu uma corridinha e Luce foi atrás dela.
 ― Espere, qual é a regra número um? ―
 ― Acompanha! ―
***
     Quando elas viraram a esquina das salas de aula de paredes de bloco de
cimento, Arriane deu uma parada. ― Pareça legal, ― ela disse.
― Legal, ― Luce repetiu.
Todos os outros estudantes pareciam estar agrupados em volta das árvores
estranguladas pelo kudzu do lado de fora do Augustine. Nenhum deles parecia
exatamente feliz por estar do lado de fora, mas ninguém parecia exatamente
pronto a entrar, também.
Nunca houve muito código de vestimenta na Dover, então Luce não estava
acostumada com a uniformidade do corpo estudantil. Então, novamente, apesar de
todos ali usarem os mesmos jeans pretos, blusas de gola alta pretas, e suéteres
pretos amarrados sobre seus ombros ou em volta da cintura, continuava havendo
diferenças substanciais no jeito que eles o usavam.
Um grupo de garotas tatuadas paradas em um círculo cruzado usavam pulseiras até
seus cotovelos. As bandanas pretas no cabelo delas lembrou a Luce um filme que
ela viu uma vez sobre gangues femininas de motocliclistas. Ela alugou porque
pensou: O que pode haver de mais legal que uma gangue de motoqueiros só de
mulheres? Agora os olhos de Luce trancaram-se em uma das garotas no gramado.
O estrabismo lateral da garota de olhos-de-gato delineados de preto fez Luce
rapidamente mudar a direção de seu olhar.
Um cara e uma garota que estavam de mãos dadas tinham lantejoulas costuradas
em formato de ossos cruzados nas costas de seus suéteres pretos. A cada poucos
segundos, um dos dois puxava o outro pra um beijo nas têmporas, no lóbulo da
orelha, nos olhos. Quando eles envolveram seus braços em volta um do outro, Luce
pode ver que ambos usavam pulseiras de rastreamento que estavam piscando. Eles
pareciam um pouco rudes, mas estava óbvio o quanto eles estavam apaixonados.
Toda vez que ela via as argolas de suas línguas piscando, Luce sentia um aperto
solitário beliscando seu peito.
Atrás dos namorados, um grupo de garotos loiros estavam pressionados contra a
parede. Cada um deles usava seu suéter, apesar do calor. E todos eles tinham
camisas oxford brancas por baixo, o colarinho engomado para cima. As barras
remendadas de suas calças pretas batiam na beira de seus sapatos polidos, que
calçavam perfeitamente. De todos os estudantes no perímetro, esses garotos
pareciam para Luce os mais próximos do estilo da Dover. Mas um olhar mais
aproximado rapidamente os diferenciava dos garotos que ela costumava conhecer.
Os caras como Trevor.
     Apenas estando em grupo, esses garotos radiavam um tipo especial de
tenacidade. Estava bem ali no olhar de seus olhos. Era difícil de explicar, mas isso de
repente surpreendeu Luce, que assim como ela, todos nessa escola tinham um
passado. Todos aqui provavelmente possuiam segredos que não queriam
compartilhar. Mas ela não sabia se essa descoberta a fazia se sentir mais ou menos
isolada.
Arriane percebeu os olhos de Luce rondando os outros alunos.
 ― Nós todos fazemos o que podemos para sobreviver durante o dia, ― ela disse,
encolhendo. ― Mas no caso de você não ter observado os abutres aproveitadores,
esse lugar cheira muito bem a morte. ― Ela tomou um lugar em um banco debaixo
de um salgueiro e afagou o lugar perto dela para Luce.
Luce afastou um amontoado de folhas molhadas em decomposição, mas logo
antes de sentar, ela notou outra violação do código de vestimenta.
Uma violação muito atraente.
Ele vestia uma brilhante echarpe vermelha em volta do seu pescoço. Estava longe
de estar frio lá fora, mas ele tinha uma jaqueta de couro preta de motociclista em
cima de seu suéter preto, também. Talvez fosse porque ele era o único ponto de cor
no perímetro, mas ele era tudo que Luce podia olhar. Na verdade, tudo parecia
pálido em comparação a isso. Por um longo momento, Luce se esqueceu de quem
era.
Ela notou seu cabelo dourado profundo e bronzeado apropriado. Suas maçãs do
rosto salientes, os óculos escuros que cobriam seus olhos, a forma suave de seus
lábios. Em todos os filmes que Luce tinha visto, em todos os livros que ela havia
lido, o interesse amoroso era enlouquecedoramente bonito ― exceto por aquela
única pequena falha. O dente lascado, o charmoso topete, a bela marca em sua
bochecha esquerda. Ela sabia por que ― se o herói fosse imaculado demais, havia o
risco dele ser inacessível. Mas acessível ou não, Luce sempre teve um fraco pelos
sublimemente bonitos. Como esse cara.
      Ele inclinou-se contra o prédio com suas mãos cruzadas suavemente sobre seu
peito. E por um milésimo de segundo, Luce viu uma rápida imagem dela jogada nos
braços dele. Ela sacudiu a cabeça, mas a visão permanecia tão clara que ela quase
decolou em direção a ele.
Não. Isso era louco. Certo? Mesmo numa escola cheia de malucos, Luce estava
certa de que aquele instinto era insano. Ela nem ao menos conhecia ele.
Ele estava falando com um aluno de dreads e sorriso cheio de dentes. Os dois
estavam rindo forte e genuinamente ― de um jeito que fez Luce se sentir
estranhamente enciumada. Ela estava tentando lembrar qual foi a última vez que
ela riu, realmente, daquele jeito.
 ― Esse é Daniel Grigori, ― Arriane disse, se inclinando e lendo sua mente. ― Eu
posso dizer que ele chamou a atenção de alguma pessoa. ―
 ― Eufemismo, ― Luce concordou, envergonhada quando ela percebeu como ela
devia ter parecido para Arriane.
 ― É bem, se você gosta desse tipo de coisa. ―
 ― O que tem para não gostar? ― Luce disse, sem conseguir fazer as palavras
pararem de sair.
 ― O amigo dele lá é Roland, ― Arriane disse, apontando na direção do garoto
negro. ― Ele é legal. O tipo de cara que pode colocar sua mão nas coisas, 'cê sabe?
Não realmente, Luce pensou, mordendo seu lábio. ― Que tipo de coisas? ―
Arriane encolheu, usando seu canivete suíço roubado para cortar uma vertente
desgastada de seu jeans preto. ― Apenas coisas. Tipo de coisas que você-pede-e-
recebe. ―
― E Daniel? ― Luce perguntou. ― Qual é a história dele? ―
― Oh, ela não desiste. ― Arriane riu, depois limpou a garganta. ― Ninguém sabe
de verdade, ― ela disse. ― Ele guarda bem firme sua misteriosa personalidade
masculina. Pode ser simplesmente o típico babaca de reformatório. ―
      ― Eu não sou estranha a babacas, ― Luce disse, embora assim que as palavras
saíram, ela desejou poder pegá-las de volta. Depois do que aconteceu com Trevor
― o que quer que tenha acontecido ― ela era a última pessoa que deveria julgar
pelas aparências. Mas, mais do que isso, nas raras vezes que ela fazia uma pequena
referência àquela noite, o dossel preto das sombras se deslocava e voltava para ela,
como se ela estivesse de volta ao lago.
Ela olhou de volta para Daniel. Ele tirou seus óculos e os deslizou para dentro de sua
jaqueta, então, virou-se e olhou para ela.
Seu olhar apanhou o dela, e Luce viu enquanto seus olhos alargaram-se e
rapidamente se estreitaram em um olhar surpreso. Quando o olhar de Daniel
capturou o dela, sua respiração ficou presa em sua garganta. Ela o reconhecia de
algum lugar.
Mas ela iria se lembrar de conhecer alguém como ele. Ela iria se lembrar de se sentir
tão absolutamente assombrada quanto se sentia agora.
Ela percebeu que eles ainda estavam com os olhos presos quando ele relampejou
um sorriso para ela. Um jato de calor foi atirado nela e ela teve que agarrar-se ao
banco para se apoiar. Ela sentiu os lábios dela derreteram-se num sorriso de volta
para ele, mas então ele levantou sua mão no ar.
E mostrou-lhe o dedo do meio.
Luce arfou e deixou seu olhar cair.
 ― O quê? ― Arriane perguntou, alheia ao que havia acontecido. ― Esquece, ― ela
disse. ― Nós não temos tempo. Eu sinto o sinal. ―
O sinal tocou na dica, e todo o corpo estudantil começou o lento arrastar de pés
para dentro do prédio. Arriane estava segurando na mão de Luce e declamando
orientações sobre onde se encontrar com ela depois e quando. Mas Luce
continuava cambaleando por aquele perfeito estranho ter-lhe mostrado o dedo do
meio. Seu delírio momentâneo sobre Daniel sumiu. Qual era o problema daquele
cara?
Logo antes de ela entrar em sua primeira aula, ela ousou olhar para trás. Seu rosto
estava vazio, mas não havia dúvida - ele estava observando ela ir embora.


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