Ela tinha se desligado
dos remédios por anos agora. Depois do acidente no
verão passado, Dr. Sanford, seu especialista em Hopkinton
― e a razão de seus pais
a mandarem para internatos lá em New Hampshire ― havia considerado
medicá-la
mais uma vez. Embora ela o tenha convencido de sua quase-estabilidade,
isso a fez
ter um mês extra de análise da parte dela, só para ficar longe
daqueles terríveis
antipsicóticos.
Este era o motivo pelo qual ela estava se registrando em seu
último ano no Colégio
Sword & Cross um mês depois das aulas começarem. Ser aluno
novo já era ruim o
suficiente, e Luce estava nervosa o suficiente para entrar
em turmas onde todos já
estavam fixados. Mas pelo que parecia depois de sua excursão,
ela não era a única
novata chegando aquele dia.
Ela deu uma olhadinha furtiva para os outros três alunos em
meio círculo em volta
dela. Em sua última escola, Dover Prep, na excursão pelo campus
foi onde ela achou
sua melhor amiga, Callie. Em um campus onde todos os outros
estudantes foram
praticamente desmamados juntos, isso havia sido o suficiente
que Luce e Callie
fossem as duas únicas crianças sem legado. Mas não demorou
muito para elas
perceberem que tinham a mesma obsessão pelos mesmos filmes
antigos ―
especialmente os relacionados com Albert Finney4. Após a descoberta delas no
primeiro ano enquanto assistiam Two for the Road que elas não podiam fazer um
saco de pipoca sem ativar o alarme de incêndio, Callie e Luce
nunca mais se
separaram. Até... Até que elas tiveram que se separar.
|
Do lado de Luce
hoje havia dois caras e uma garota. A garota era bem fácil de
se enturmar, loira e com a beleza de comercial de Neutrogena5, com unhas
manicuradas na cor rosa-pastel que combinava com sua pasta
de plástico.
― Eu sou Gabbe, ― Ela falou lentamente, lançando a Luce um
grande sorriso que
desapareceu tão rápido quanto surgiu, depois que Luce não
disse seu próprio nome.
O desinteresse da menina lembrou-lhe mais uma versão sulista
das meninas de
Dover do que alguém que ela esperava na Sword & Cross.
Luce não conseguia se
decidir se isso era reconfortante ou não, ainda mais imaginar
o que uma menina
como aquela fazia numa escola reformatória.
|
Á direita de Luce
havia um garoto com cabelo castanho curto, olhos castanhos
e sardas em volta do nariz. Mas o jeito que ele não olhava
nos olhos dela,
escolhendo cutucar a cutícula de seu polegar, deu a ela a
impressão de que ele
provavelmente estava atordoado e com vergonha de encontrar-se
aqui.
|
O garoto à sua
esquerda, por outro lado, preenchia a imagem da Luce deste
lugar um pouco perto perfeitamente demais. Ele era alto e
magro, com uma bolsa
de DJ a tiracolo, cabelo preto desgrenhado, e grandes e profundos
olhos verdes.
Seus lábios eram carnudos e de um rosa natural que muitas
garotas matariam para
|
ter. Na parte detrás de seu pescoço uma tatuagem preta com
formato de raios de
sol parecia quase brilhar em sua pele clara, levantando-se
a partir da borda de sua
camiseta preta.
Diferente dos outros dois, quando esse cara se virou para
encontrar seu olhar, ele o
segurou e não deixou soltar. Sua boca foi definida em uma
linha reta, mas seus
olhos eram quentes e vivos. Ele a contemplava, de pé como
uma escultura, que fez
Luce se sentir enraizada em seu lugar também. Aqueles olhos
eram intensos e
sedutores, e bem, um pouco desarmantes.
|
Com um pigarro
alto na garganta, a acompanhante interrompeu o transe. Luce
corou e fingiu estar muito ocupada coçando a cabeça.
― Aqueles que entenderam o funcionamento são permitidos a
sair depois que
deixarem aqui seus pertences de risco ― A acompanhante apontou
para uma
grande caixa de papelão sob uma placa que dizia em grandes
letras pretas
MATERIAIS PROIBIDOS. ― E quando eu digo livre, Todd
― - ela fechou a mão para
baixo no ombro do garoto sardento, o que o fez pular. ― Eu
quis dizer limites do
ginásio para encontrar o estudante predestinado para ser seu
guia. Você ― - ela
apontou para Luce ― despeje seus pertences e fique comigo
―
|
Quatro dos estudantes
se juntaram em volta da caixa e Luce assistiu, perplexa,
como os outros alunos começavam a esvaziar seus bolsos. A
menina puxou um
canivete suíço rosa de sete centímetros. O cara de olhos verdes
relutantemente
sacou uma lata de spray de tinta e um estilete. Até o infeliz
Todd teve de deixar
várias caixas de fósforos e um pequeno recipiente de fluído
de luz. Luce se sentiu
quase estúpida por ela mesma não estar escondendo nada perigoso
― mas quando
ela viu os outros depositarem seus celulares dentro da caixa,
ela engoliu em seco.
Inclinando-se para ler a placa de MATERIAIS PROIBIDOS mais de perto, ela viu que
celulares, pagers e todos os dispositivos de rádios bidirecionais
estavam
estritamente proibidos. Já era ruim o suficiente que ela não
poderia ter o seu carro!
Luce fechou a mão suada em torno do celular em seu bolso,
sua única ligação com o
mundo exterior. Quando a acompanhante viu a expressão em seu
rosto, Luce
recebeu pequenos tapinhas na bochecha. ― Não desmaie comigo,
querida. Eles não
me pagam o suficiente para fazer ressucitação. Além disso,
você tem direito a uma
ligação telefônica por semana no átrio principal. ―
Uma ligação? Por semana? Mas –
|
Ela olhou para seu
telefone mais uma vez e viu que havia recebido mais duas
mensagens de texto. Não parecia possível que essas seriam
suas duas últimas
mensagens de texto. A primeira era de Callie.
|
Me liga imediatamente! Estarei esperando ao lado
do telefone a noite toda,
então, esteja pronta. E se lembre do mantra que eu
te ensinei: Você vai sobreviver! De
qualquer forma, se isso importar, eu acho que todo
mundo esqueceu sobre...
|
Do jeito típico
de Callie, ela havia ido tão longe que o celular de Luce cortou
quatro linhas da mensagem. De qualquer forma, Luce estava
aliviada. Ela não
queria ler sobre como todos em sua antiga escola haviam finalmente
esquecido o
que havia acontecido com ela. O que a fez vir parar nesse
lugar.
|
Ela suspirou e abriu
sua segunda mensagem. Era de sua mãe, que só havia
aprendido a enviar torpedos há algumas semanas e que certamente
não sabia sobre
aquela coisa de uma-ligação-por-semana.
|
Querida, nós estaremos sempre pensando em você. Seja
boa e tente comer proteína o
suficiente. Nos falamos quando pudermos. Amor, M&D
|
Com um suspiro,
Luce percebeu que seus pais deveriam saber. O que mais
poderia explicar suas expressões elaboradas quando ela deu
um tchauzinho do
portão da escola essa manhã, com sua bolsa de tecido em mãos?
No café da
manhã, ela havia tentado fazer piada sobre finalmente perder
esse terrível sotaque
de New England que ela havia adquirido na Dover, mas os seus
pais não esboçaram
nenhum sorriso. Ela pensou que eles continuavam chateados
com ela. Eles nunca
haviam feito completamente aquela coisa de elevar a voz, então
quando Luce
estragou tudo, eles deram a ela o tratamento do silêncio.
Agora ela entendia o
estranho comportamento dessa manhã: seus pais estavam de luto
pela perda de
contato com sua única filha.
|
― Nós estamos
esperando apenas uma pessoa, ― A acompanhante disse. ―
Eu me pergunto quem é. ― A atenção de Luce voltou para a caixa
de riscos, que
agora estava transbordando de itens contrabandeados que ela
não conseguia
reconhecer. Ela podia sentir o cara de cabelos negros com
seus olhos verdes fixos
nela. Ela olhou em volta e viu que todo mundo estava com os
olhos fixos. Sua vez.
Ela fechou seus olhos e lentamente abriu sua mão, deixando
seu celular escorregar
e ganhar terreno no topo da pilha. O som de ficar completamente
sozinha.
Todd e a robótica Gabbe dirigiram-se para a porta sem nada
além um olhar na
direção de Luce, mas o terceiro cara se virou para o acompanhante.
― Eu sou capaz de informá-la,
― disse ele, assentindo para Luce.
― Não faz parte do
nosso acordo, ― A acompanhante replicou automaticamente,
como se estivesse esperando esse diálogo. ― Você é um novo
estudante de novo ―
o que significa restrições de aluno novo. De volta para o
nível um. Se você não gosta
|
disso, deveria ter pensado antes de quebrar a sua condicional.
―
O garoto permaneceu imóvel, inexpressivo, quando a acompanhante
rebocou Luce
― que endureceu com o ― condicional ― - até o fim de um corredor
amarelo.
― Mexa-se, ― ela disse, como se nada tivesse acontecido. ―
Camas, ― Ela apontou
para a janela oeste de um prédio de concreto cinza. Luce podia
ver Gabbe e Todd
misturarem-se devagar em direção deles, com o terceiro garoto
andando devagar,
como se alcançá-los fosse a última coisa em sua lista de coisas
a fazer.
Os dormitórios eram formidáveis e quadrados, um sólido prédio
cinza cujas portas
duplas não davam nada sobre a possibilidade de vida dentro
delas. Uma grande
placa de pedra permanecia plantada no meio do gramado morto,
e Luce se lembrou
do website as palavras DORMITÓRIO PAULINE esculpidas dentro
dele. Parecia
mais feio naquela manhã de sol confusa do que na plana foto
preto-e-branco.
|
Mesmo nessa distância,
Luce podia ver o bolor negro cobrindo a frente do
dormitório. Todas as janelas estavam obstruídas por uma carreira
de grossas barras
de aço. Ela entortou os olhos. O que era aquele arame farpado
em torno do prédio?
A acompanhante olhou para a lista, folheando o arquivo de
Luce. ― Quarto
sessenta e três. Deixe sua bolsa em meu escritório com o resto
deles por agora.
Você pode desfazer essa tarde. ―
Luce arrastou sua mala vermelha rumo a outras três malas pretas
sem classificação.
Então ela chegou a refletir sobre seu celular, onde ela costumava
colocar as coisas
que precisava lembrar. Mas, enquanto sua mão procurava em
seu bolso vazio, ela
suspirou e se comprometeu a gravar o número do quarto na memória.
Ela ainda não entendia a razão pela qual não podia ficar com
seus pais; sua casa em
Thunderbolt ficava a menos de uma hora da Sword & Cross.
Ela havia se sentido tão
bem em sua casa em Savannah, onde, como sua mãe sempre dizia,
até o vento
soprava preguiçosamente. O lugar mais suave da Georgia, tinha
o ritmo adequado
ao jeito de Luce mais do que New England nunca teve.
Mas a Sword & Cross não era como Savannah. Era quase como
um lugar qualquer,
exceto pelo fato de ser um lugar sem vida e sem cor, onde
o tribunal a havia
colocado hospedada. Ela havia escutado seu pai no telefone
com o diretor outro
dia, concordando em seu jeito confuso e fala de professor
de Biologia, ― Sim, sim,
talvez seja melhor para ela ser supervisionada todo tempo.
Não, não, nós não
queremos interferir no seu sistema. ―
Claramente, seu pai não havia visto as condições de supervisão
de sua filha única.
Esse lugar parecia uma prisão de segurança máxima.
― E sobre, como você
disse ― os vermelhos? ― Luce perguntou para a
acompanhante, pronta para ser liberada da excursão.
|
― Vermelhos, ―
a acompanhante disse, apontando para um pequeno fio do
teto: lentes com uma luz piscante vermelha. Luce não havia
visto isso antes, mas
|
assim que a acompanhante apontou a primeira, ela pode notar
que estavam em
todo lugar.
― Cameras? ―
― Muito bem, ― a acompanhante
disse, a voz gotejando condescendência. ― Nós
a deixamos evidente a fim de lembrá-los. Todo tempo, a todo
momento, nós a
observamos. Então, não estrague ― quer dizer, se você puder
evitar. ―
Todo o tempo, todos falavam com Luce como se ela fosse uma
completa psicopata,
e ela estava bem perto de acreditar que isso era uma verdade.
|
Por todo o verão,
as memórias a vinham assustando, em seus sonhos e nos
raros momentos em que seus pais a deixavam sozinha. Alguma coisa havia
acontecido no chalé, e todo mundo (incluindo Luce) estava
morrendo para saber
exatamente o quê. A polícia, o juiz, o assistente social,
haviam todos tentado forçar
a verdade dela, mas ela não sabia nada tanto quanto eles.
Ela e Trevor haviam
brincado a tarde inteira, perseguindo um ao outro pela fileira
de chalés em volta do
lago, longe do resto da feMiss Ela tentou explicar que essa
havia sido a melhor noite
de sua vida, até se tornar a pior.
|
Ela gastou muito
tempo repassando aquela noite em sua mente, ouvindo a
risada de Trevor, sentindo suas mãos em volta de sua cintura,
e tentar conciliar seus
instintos de que ela era realmente inocente.
Mas agora, cada regra e regulamento da Sword & Cross parecia
trabalhar contra
esse pensamento, parecia sugerir que ela era, de fato, perigosa
e precisava ser
controlada.
Luce sentiu uma mão firme em seu ombro.
― Olha, ― a acompanhante
disse ― se isso a faz se sentir melhor, você está longe
de ser o pior caso aqui. ―
|
Foi o primeiro
gesto humano que ela demonstrou à Luce, o que a fez acreditar
que ela queria fazê-la se sentir melhor. Mas... Ela havia
sido mandada para cá por
causa da suspeita morte do cara por quem ela era louca, e
ela estava ― longe de ser
o pior caso ― ?
Luce se perguntou com o que exatamente eles lidavam na Sword &
Cross.
― O.k. A orientação terminou. ― A acompanhante disse. ― Você
está por sua
conta agora. Aqui está um mapa se você precisar encontrar
algo a mais. ― Ela deu a
Luce uma cópia de um bruto mapa desenhado à mão, então olhou
para seu relógio.
― Você tem uma hora até sua primeira aula, mas as minhas novelas
começam as
cinco, então, ― - Ela balançou sua mão para Luce - ― Mantenha-se
escassa. E não
se esqueça, ― ela disse, apontando para as câmeras mais uma
vez ― Os vermelhos
estão de olho em você ― .
|
Antes que Luce pudesse replicar, uma garota magra, de cabelos
negros
apareceu à sua frente, abanando seus dedos longos na face
de Luce.
― Ooooh, ― a garota zombou com uma voz fantasmagórica, dançando
em volta
de Luce em círculos. ― Os vermelhos estão de olho em vocêêêê.
―
― Sai daqui, Arriane, antes que eu tenha que lobotomizá-la,
― a acompanhante
disse, embora fosse claro por seu breve, mas genuíno, sorriso
que ela possuía
alguma bruta afeição pela garota louca.
|
E estava claro
que Arriane não era recíproca ao amor. Ela fez um gesto
obsceno para a acompanhante, então parou na frente de Luce,
a enfrentando para
que ficasse ofendida.
― E só por isso, ―
a acompanhante disse, anotando furiosamente em seu
caderninho ― você ganhou a tarefa de mostrar tudo em volta
para a pequena Miss
Sunshine hoje. ―
Ela apontou para Luce, que parecia qualquer coisa, menos ensolarada,
com suas
jeans pretas, botas pretas e top preto. Na seção do ― código
de vestimenta ― , o
website da Sword & Cross falava alegremente que enquanto
os alunos tivessem
bom comportamento, eles estavam livres para vestir o que quisessem,
porém, com
duas condições: o estilo deve ser modesto e as roupas deviam
ser pretas. Muita
liberdade.
|
A blusa de gola
tartaruga que sua mãe a havia forçado a usar não fazia nada
pelas suas curvas, e até sua melhor forma havia sumido: seu
grosso cabelo preto,
que costumava cair sobre sua cintura, havia sido completamente
tosqueado. O fogo
do chalé havia queimado seu couro cabeludo e deixado seu cabelo
desigual, então
depois da longa, silenciosa viagem de Dover para casa, sua
mãe a colocara na
banheira, trouxe o barbeador elétrico do pai e sem nenhuma
palavra raspou sua
cabeça. Durante o verão, seu cabelo havia crescido um pouco,
apenas o suficiente
para que suas ondas, outrora invejáveis, agora pairassem logo
abaixo de suas
orelhas.
|
Arriane a avaliou,
dando um tapa com um dedo contra seus finos lábios
pálidos. ― Perfeito, ― ela disse, dando um passo a frente
para colocar seus braços
em volta de Luce. ― Eu estava realmente pensando que eu poderia
usar uma nova
escrava. ―
A porta do salão abriu e entrou o menino de olhos verdes.
Ele balançou a cabeça e
disse para Luce, ― Esse lugar não liga de te despir para fazer
alguma busca. Então,
se você está guardando qualquer outro risco ― ele
ergueu uma sobrancelha e um
punhado de objetos desconhecidos da caixa - ― salve-se dos
perigos. ―
Atrás de Luce, Arriane prendia o riso. O cara virou a cabeça
e quando seus olhos
registraram Arriane, ele abriu sua boca e a fechou novamente,
como se não tivesse
|
certeza do que fazer.
― Arriane, ― ele disse
uniformemente.
― Cam, ― ela replicou.
― Você o conhece? ―
Luce sussurrou, se perguntando se havia o mesmo tipo de
facções em escolas reformatórias como haviam na Dover.
|
― Não me lembre,
― Arriane disse, arrastando Luce para fora da porta, dentro
da cinza e alagada manhã.
As costas do prédio principal davam em uma calçada lascada,
em volta de um
campo bagunçado. A grama estava tão grande que parecia mais
um terreno baldio
que uma área pública de uma escola, mas um desbotado placar
e arquibancadas de
madeira provavam o contrário.
|
Por trás do contorno
do lugar quatro prédios de aparência severa: o dormitório
longe à direita; uma gigante, feia e velha igreja à extrema-esquerda
e outras duas
grandes estruturas no meio deles, que Luce imaginou serem
as salas de aula.
Era isso. Seu mundo inteiro estava reduzido àquela triste
visão de seus olhos.
|
Arriane imediatamente
desviou do caminho direito e levou Luce ao campo,
sentando no alto de uma das arquibancadas de madeira molhadas.
A estrutura correspondente em Dover gritava atleta da Ivy
League em formação,
então Luce sempre havia evitado ficar lá. Mas esse campo vazio,
com esses
enferrujados, deformados gols, contava uma história completamente
diferente.
|
Uma que não foi
fácil para Luce descobrir. Três urubus turcos passaram acima
de sua cabeça, e um vento triste chicoteou sobre os galhos
nus dos carvalhos. Luce
estremeceu e abaixou seu queixo para dentro da gola de tartaruga.
― Então, ― Arriane disse ― Agora você conheceu Randy. ―
― Eu pensei que fosse Cam. ―
― Eu não estou falando dele, ― Arriane disse rapidamente ―
A mulher-macho
daqui. ― Arriane virou a cabeça para o escritório onde elas
haviam deixado a
acompanhante vendo TV. ― Quê que 'cê acha? Homem ou mulher?
―
― Hm... Mulher? ― Luce tentou. ― Isso é um teste? ―
Arriane esboçou um sorriso. ― O primeiro de muitos. E você
passou. Pelo menos,
eu acho que você passou. O gênero da maioria do corpo docente
daqui é um debate
escolar em curso. Não se preocupe, você vai entrar nele. ―
|
Luce achou que
Arriane estava fazendo uma piada ― nesse caso, legal. Mas
isso tudo era como uma enorme mudança da Dover. Em sua antiga
escola, as
|
gravatas-verdes-esgotantes, os engomados futuros
senadores praticamente
escorriam pelos corredores, no requintado silêncio que o dinheiro
parecia passar
acima de tudo.
|
Mais do que nunca,
o pessoal da Dover lançavam a Luce olhares tortos de não-
suje-as-paredes-brancas-com-suas-impressões. Ela tentou imaginar
Arriane lá: se
espreguiçando nas arquibancadas, fazendo uma alta, bruta piada
com sua voz
mordaz. Luce tentou imaginar o que Callie pensaria de Arriane.
Nunca havia
ninguém como ela na Dover.
― Okay, desembucha,
― Arriane ordenou. Pulando da arquibancada mais alta e
apontando para que Luce se juntasse, ela disse ― O que cê
fez para entrar aqui? ―
O seu tom de voz era brincalhão, mas de repente Luce teve
que se sentar. Era
ridículo, mas ela meio que esperava passar por seu primeiro
dia de aula sem seu
passado vindo a mente, roubando sua fina fachada de calma.
É claro que as pessoas
aqui vão querer saber.
|
Ela pode sentir
o sangue arranhar suas têmporas. Acontecia sempre que ela
tentava pensar voltar ― realmente voltar ― àquela noite. Ela
nunca parou de se
sentir culpada com o que havia acontecido a Trevor, mas ela
também tentava
duramente não ficar atolada nas sombras que, por agora, eram
a única coisa que ela
se lembrava do acidente. Aquela escuridão, as coisas indefinidas
que ela nunca
poderia contar para ninguém.
Risca isso ― ela começou
a contar a Trevor a presença peculiar
que sentiu naquela
noite, sobre as curvas retorcidas sobre suas cabeças, tentando
assombrar sua noite
perfeita. É claro, então já era tarde demais. Trevor se foi,
seu corpo queimado e
irreconhecível, e Luce era... Ela era... Culpada?
|
Ninguém sabia sobre
as tenebrosas formas que ela havia visto no escuro. Elas
sempre vinham para ela. Elas iam e vinham há tanto tempo que
Luce não conseguia
se lembrar a primeira vez que as vira. Mas ela se lembrava
da primeira vez que ela
percebeu que as sombras não vinham para todos ― ou na verdade,
para ninguém
além dela. Quando ela tinha sete anos, sua família estava
de férias em Hilton Head
e seus pais a levaram em um passeio de barco. Estava perto
do pôr-do-sol quando
as sombras começaram a ondular sobre a água, e ela se virou
para seu pai e disse ―
O que você faz quando elas aparecem, pai? Porque você não
se assusta com os
monstros? ―
|
Não haviam monstros,
seus pais a asseguraram, mas Luce repetia
insistentemente a presença de alguma coisa oscilante
e negra que a levou a várias
consultas com o oftalmologista da família, e depois óculos,
e depois consultas com
|
o médico de ouvido depois dela fazer uma errônea
descrição do som rouco de vento
soprando forte que as sombras faziam algumas vezes ― e depois,
terapia, e depois,
mais terapia, e finalmente a prescrição de remédios antipsicóticos.
|
Mas nada os fazia ir embora.
|
Quando ela fez
catorze, Luce se recusou a tomar seus remédios. Foi quando
eles encontraram o Dr. Sanford e a Dover School perto. Eles
voaram para New
Hampshire, e seu pai dirigiu seu carro alugado por uma rodovia
longa e sinuosa para
a mansão no topo da colina chamada Shady Hollows. Eles colocaram
Luce de frente
para um homem de jaleco e perguntaram se ela continuava tendo
suas ― visões –
|
A palma das mãos
de seus pais estavam suando, enquanto eles agarravam as
mãos, sobrancelhas franzidas com o medo de que houvesse algo
terrivelmente
errado com sua filha.
|
Ninguém veio e
disse que se ela dissesse para o Dr. Sanford o que eles queriam
que ela dissesse, ela provavelmente estaria vendo muito mais
da Shady Hollows.
Quando ela mentia e agia normalmente, ela estava permitida
a frequentar a Dover
e só tinha que visitá-lo uma vez ao mês.
|
Luce tinha sido
permitida de parar de tomar as horríveis pílulas assim que ela
começou a fingir que não via mais as sombras. Mas ela continuava
sem ter controlo
sobre elas quando apareciam. Tudo o que ela sabia era que
o catálogo mental dos
lugares que eles apareceram para ela no passado ― florestas
densas, águas turvas
― se tornara os lugares que ela evitava a todo custo. Tudo
o que ela sabia era que
quando as sombras vinham, elas estavam acompanhadas de um
frio calafrio sobre
sua pele, um repugnante sentimento diferente de qualquer outra
coisa.
|
Luce sentou de
pernas abertas em uma das arquibancadas e segurou suas
têmporas entre seus polegares e dedos médios. Se ela queria
fazer aquilo
completamente hoje, ela tinha que colocar seu passado em recesso
na sua mente.
Ela não conseguia sondar sua memória daquela noite por ela
mesma, então não
havia nenhum jeito dela arejar todos os detalhes horríveis
para algum esquisito,
maníaco estranho.
|
Em vez de responder,
ela observou Arriane, que estava deitada de costas para
as arquibancadas, um par de enormes óculos escuros esportivos
cobrindo o melhor
da sua face. Era difícil afirmar, mas ela estava olhando para
Luce, também, porque,
depois de um segundo, ela se levantou das arquibancadas e
sorriu.
― Corte meu cabelo como o seu. ― Ela disse.
― O quê? ― Luce engasgou. ― Seu cabelo é lindo. ―
Era verdade: Arriane tinha um longo, pesado cabelo, que Luce
tinha perdido
|
desesperadamente. Seus cachos negros soltos brilhavam na luz
do sol, ganhando
um tom avermelhado. Luce enfiou seu cabelo atrás das orelhas,
mesmo que ele
ainda não fosse longo o bastante para fazer qualquer coisa
exceto bater de volta na
frente deles.
― Linda porcaria ―
Arriane disse ― O seu é sexy, moderno. E eu quero ele. ―
― Oh, um, okay, ― Luce
disse. Seria isso um elogio? Ela não sabia se deveria estar
lisonjeada ou enervada com o jeito que Arriane assumiu que
poderia ter o que
desejasse, até quando isso pertencia a outra pessoa. ― Onde
nós vamos conseguir -
―
|
– Tcharã, ― Arriane
abriu sua bolsa e tirou de lá o canivete suíço rosa que
Gabbe havia deixado na caixa de perigos. ― Que foi? ― ela
disse, vendo a reação de
Luce. ― Eu sempre mantenho meu dedo pegajoso no dia que os
novos estudantes
tem que se livrar dessas coisas. A ideia sozinha me veio em
meus dias de cão no
entretenimento da Sword & Cross... Hm... Acampamento de
verão. ―
― Você passa o verão
inteiro... Aqui? ― Luce estremeceu.
― Ha! Falando como
uma verdadeira novata! Você provavelmente está esperando
umas férias de primavera. ― Ela atirou para Luce o canivete
suíço. ― Nós não
vamos deixar esse inferno. Nunca. Agora corte. ―
― E as câmeras? ― Luce
perguntou, olhando em volta, com o canivete em mãos.
Haveria câmeras em algum lugar aqui.
Arriane sacudiu a cabeça. ― Me recuso a me associar com maricas.
Você pode lidar
com isso ou não? ―
Luce assentiu.
― E não me diga que
você nunca cortou um cabelo antes. ― Arriane agarrou o
canivete suíço por trás de Luce, puxou a ferramenta de tesoura
e entregou-o de
volta. ― Nenhuma outra palavra até você me dizer o quão fantástica
fiquei.
|
– No ― salão ―
da banheira de seus pais, a mãe de Luce havia puxado os
restos de seu longo cabelo em um bagunçado rabo-de-cavalo,
antes de jogar tudo
aquilo fora. Luce estava certa de que havia um método mais
estratégico de cortar
cabelos, mas como alguém que evitara cortes de cabelo durante
toda a vida, a
técnica do rabo-de-cavalo era a única que conhecia. Ela recolheu
o cabelo de
Arriane em suas mãos, pegou o elástico que estava em volta
de seu pulso, segurou a
pequena tesoura firmemente e começou a cortar.
|
O rabo-de-cavalo
caiu nos pés dela e Arriane sobressaltou-se e apanhou
subitamente. Ela o pegou e segurou na direção do sol. O coração
de Luce se
comprimiu com a visão. Ela estava agonizando pelo seu próprio
cabelo perdido, e
|
todas as outras perdas que isso simbolizava. Mas
Arriane só deixou um delicado
sorriso espalhar pelos seus lábios. Ela correu os dedos pelo
rabo-de-cavalo, e depois
o jogou dentro da bolsa.
|
― Maravilhoso,
― ela disse. ― Continue. ―
― Arriane, ― Luce sussurrou,
antes que pudesse parar a si mesma. ― Seu pescoço.
Está todo ―
― Cheio de cicatrizes?
― Arriane disse. ― Você pode dizer isso. ―
A pele do pescoço de Arriane, desde a parte de trás de sua
orelha direita até seu
colar de ossos estava com reentrâncias, marmorizadas e brilhantes.
A mente de
Luce foi até Trevor ― para aquelas horríveis imagens. Até
seus próprios pais não a
olharam depois que o viram. Ela estava tendo um mal momento
olhando para
Arriane agora.
Arriane agarrou a mão de Luce e pressionou contra sua pele.
Era quente e frio, ao
mesmo tempo. Era liso e áspero.
― Eu não tenho medo
disso, ― Arriane disse. ― Você tem? ―
― Não. ― Luce disse,
enquanto ela desejava que Arriane tirasse sua mão, então
Luce poderia tirar a dela também. Seu estômago se contorceu
quando ela se
questionou se a pele de Trevor seria assim.
― Você tem medo do
que realmente é, Luce? ―
― Não, ― Luce disse
outra vez, rapidamente. Deveria ser óbvio que ela estava
mentindo. Ela fechou os olhos. Tudo que ela desejava da Sword
& Cross era um
novo começo, um lugar onde as pessoas não olhariam para ela
como Arriane estava
olhando agora. No portão da escola essa manhã, quando seu
pai sussurrou o lema
da família em seu ouvido - ― Prices nunca quebram ― - parecia
possível, mas agora
Luce sentia-se decaída e expoMiss Ela tirou sua mão. ― Então,
como isso
aconteceu? ― ela perguntou, olhando para baixo.
― Se lembra que eu
não pressionei você sobre o que você fez para estar aqui? ―
Arriane perguntou, erguendo suas sobrancelhas.
Luce assentiu.
Arriane gesticulou para as tesouras. ― Arrume a parte de trás,
ok? Talvez isso me
faça parecer realmente bonita. Talvez me faça parecer com
você.
Mesmo com o mesmo corte, Arriane permaneceria como uma versão
subnutrida de
Luce. Enquanto Luce estava ocupada com seu primeiro corte
de cabelo, Arriane
estava dentro das complexidades da vida na Sword & Cross.
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― Esse bloco de celas ali é Augustine. É lá onde nós temos
nossos tão falados
eventos sociais nas noites de quarta-feira. E todas as nossas
aulas, ― ela disse,
apontando para a construção com cor de dente amarelado, dois
prédios à direita do
dormitório. Parecia que havia sido desenhado pelo mesmo sádico
que desenhara o
Pauline. Era tristemente quadrado, tristemente parecido com
uma fortaleza,
cercado pelo mesmo arame farpado e janelas com grades. Uma
névoa cinza fazia as
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paredes parecerem camufladas por musgos, tornando impossível
de ver se alguém
estava lá.
― Aviso claro, ― Arriane continuou ― Você vai odiar as aulas
aqui. Você não é
humana se não odiar. ―
― Por quê? O que há de tão ruim com elas? ― Luce perguntou.
Talvez Arriane
apenas não gostasse de escola no geral. Com seu esmalte preto,
delineador preto e
a bolsa preta que parecia grande o suficiente para caber apenas
o novo canivete
suíço dela, ela não parecia exatamente uma estudiosa.
― As aulas que temos aqui são perversas ― disse Arriane ―
Pior, elas estripam fora
a nossa alma. De oito garotos neste lugar, eu digo que devemos
ter apenas tês
almas restando. ― Ela deu uma olhada. ― Não dito de qualquer
forma…
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― As aulas aqui
são sem alma ― , disse Arriane ― Pior ainda, eles tiram você
da sua alma ― Das oitenta crianças neste lugar, eu diria que
nós só temos cerca de
três almas restantes ― . Ela olhou para cima ― Não dito, de
qualquer maneira ... ―
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Isso não parecia
proMissor, mas Luce ficou pendurada numa outra parte da
resposta de Arianne ― Espere, há apenas oitenta crianças na
escola inteira? ― No
verão antes de ir para Dover, Luce se debruçara sobre o manual
de estudantes na
perspectiva da espessura, para memorizar todas as estatísticas
― Mas tudo o que
tinha aprendido até agora sobre a Sword & Cruz a surpreendeu,
fazê-la perceber
que ela estava vindo para a escola reforma completamente despreparada
―
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Arriane assentiu
com a cabeça, fazendo Luce acidentalmente tesourar fora um
pedaço de cabelo que ela queria deixar ― Oops ― Esperando
que Arriane não tenha
notado. Ou talvez ela só ache que ela estava irritada ―
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― Oito classes, dez garotos, um estoiro ― Você
conhece toda a sujeira muito
rapidamente, ―
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Arriane disse ― E vice-versa ―
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― Eu acho que sim
― , concordou Luce, mordendo o lábio ― Arriane estava
brincando, mas Luce perguntou se ela estaria sentada aqui
com aquele sorriso frio
em seu olhos azuis pastel se soubesse a natureza exata do
passado de Luke ―
Quanto mais tempo Luce poderia manter seu passado em segredo,
melhor seria
para ela ―
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― E você vai querer orientar-se claro nos casos difíceis ―
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― As crianças com os dispositivos, pulseira de rastreamento
― , disse Arriane
― Cerca de um terço do corpo estudantil. ―
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― E eles são os únicos que ― .
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― Você não quer se meter com. Confie em mim. –
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― Bem, o que eles fazem? ― Luce perguntou: ―
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Tanto quanto Luce
queria manter sua própria história em segredo, ela não
gostou da maneira de Arriane a tratá-la como uma espécie de
ingénua ― Tudo o
que esses garotos tinham feito não poderia ser muito pior,
do que o que todos
disseram que ela tinha feito ― Ou poderia? Afinal, ela sabia
quase nada sobre essas
pessoas e esse lugar. A possibilidade de despertou um medo
cinza frio na boca do
estômago ―
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― Oh, você sabe
― , Arriane demorou ― Ajudar em actos terroristas ― até
picar até seus pais e os assar no espeto ― .Ela virou-se para
encarar Luce ―
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― Cale-se ― , disse Luce ―
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― Estou falando
sério ― Aqueles psicopatas estão sob restrições muito mais
rigorosas do que o resto dos desaparafusados aqui ― Chamamos-lhes
os
algemados. ―
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Luce riu do tom dramático de Arianne ―
|
― Seu corte de
cabelo está feito ― , disse ela, passando as mãos pelos cabelos
de Arianne para dar um pouco de volume ― Na verdade, parecia
realmente cool ―
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― Doce ― , Arriane
disse: ― Ela virou o rosto para Luce ― Quando ela passou
os dedos pelo cabelo dela, as mangas do suéter preto cairam
em seus braços e Luce
teve um vislumbre de uma pulseira preta, com linhas pontilhadas
de pregos de
prata, e, no pulso, outra banda que parecia mais ... mecânica
― Arriane peguou
olhando e ergueu as sobrancelhas diabolicamente ―
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― Eu disse, ya ―
, disse ela ― Total malditos psicopatas. ― Ela sorriu ―
Venha, eu lhe darei o resto do tour. ―
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Luce não tinha
muita escolha ― Ela dispersou abaixo nas arquibancadas após
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Arriane, esquivando-se quando um dos abutres peru
desceu perigosamente baixo
― Arriane, que não pareceu perceber, apontou para uma igreja
envolvida em
líquen6 na extremidade direita da área publica ―
|
― Aqui você vai
ver o ginásio de ponta, ― ela disse, assumindo um tom
nasalado de guia turístico. ― Sim, sim, para os olhos inexperientes
parece uma
igreja. Costumava ser. Nós temos um tipo de arquitetura de
segunda mão na Sword
& Cross. Alguns anos atrás, algum maluco por exercícios
físicos apareceu falando
besteira sobre como supermedicar os adolescentes arruina a
sociedade. Ele doou
uma tonelada de dinheiro de merda então eles transformaram
a igreja num ginásio.
Agora os poderosos podem pensar que a gente desconta nossas
“frustrações” de
um jeito mais “produtivo”. ―
Luce gemeu. Ela sempre detestou educação física.
|
― Garota do meu
coração, ― Arriane se condoeu ― Treinador Diante é di-a-
bó-li-co. ―
|
Enquanto Luce se
movimentou para acompanhar, ela reparou no resto do
recinto. O complexo da Dover havia sido bem cuidado, tudo
manicurado e
pontilhado em espaços uniformes, árvores cuidadosamente podadas.
Sword &
Cross parecia que havia tudo caído subitamente e abandonado
no meio de um
pântano. Salgueiros cujos galhos apontavam para baixo balançavam
para o chão,
kudzus7 cresciam pelo muro em lençóis, e todo o terceiro piso escutava
o barulho
do respingo.
E não era apenas a maneira que o local parecia. Cada respiração
úmida de Luce
permanecia presa em seus pulmões. Apenas respirar na Sword
& Cross fazia ela se
sentir como se estivesse atolando em areia movediça.
― Aparentemente os
arquitetos entraram num impasse enorme sobre como
melhorar o estilo dos prédios da antiga academia militar.
O resultado é que nós
acabamos em um lugar metade penitenciária, metade zona de
tortura medieval. E
sem jardineiro, ― Arriane disse, tirando um pouco de limo
de suas botas de
combate. ― Tosco. Oh, e aqui está o cemitério. ―
Luce seguiu Arriane apontando o dedo para a parte mais longe
do lado esquerdo do
terreno, após o dormitório. Um manto ainda mais espesso de
névoa pairava sobre a
porção de terra sem muros. Era delimitado dos três lados por
uma densa floresta de
carvalhos. Ela não podia ver dentro do cemitério, que parecia
quase afundar-se
debaixo da superfície, mas ela podia sentir o cheiro da podridão
e ouvir o coro de
|
cigarras zumbindo nas árvores. Por um segundo, ela pensou
que ouviu o silvo das
sombras ― mas ela piscou e eles se foram.
|
― Isso é um cemitério? ―
― Ahã. Isso costumava
ser uma academia militar, muito tempo atrás nos dias da
Guerra Civil. Então era aqui que eles jogavam todos os seus
mortos. É arrepiante
como todos caem fora. E meu sinhô, ― Arriane disse,
acumulando um falso sotaque
suliMiss ― Isso fede até os céus! ― Então, ela piscou para
Luce. ― Nós ficamos lá
para caramba. ―
Luce olhou para Arriane para ver se ela estava brincando.
Arriane só deu de ombros.
― Okay, foi só uma
vez. E foi só depois de um grande pharmapalooza8. ―
Ora, essa era uma palavra que Luce reconhecia.
― Arrá ― Arriane riu.
― Eu acabei de ver uma luz acender aí em cima. Então,
alguém está em casa. Bem, Luce, minha querida, você provavelmente foi
a festas
de internatos, mas você nunca viu como as crianças de reformatórios
colocam tudo
abaixo. ―
― Qual é a diferença?
― Luce perguntou, tentando esconder o fato que ela nunca
foi a nenhuma grande festa na Dover.
― Você vai ver. ― Arriane
parou e se virou para Luce. ― Você vem essa noite e fica
lá, okay? ― Ela surpreendeu Luce pegando sua mão. ― Promete?
―
― Mas eu pensei que
você disse que eu devia manter distância dos casos perigosos,
― Luce brincou.
― Regra número dois
― Não me escute! ― Arriane gargalhou, balançando a
cabeça. ― Eu sou certificavelmente insana! ―
Ela deu uma corridinha e Luce foi atrás dela.
― Espere, qual é a
regra número um? ―
― Acompanha! ―
|
Quando elas viraram
a esquina das salas de aula de paredes de bloco de
cimento, Arriane deu uma parada. ― Pareça legal, ― ela disse.
― Legal, ― Luce repetiu.
Todos os outros estudantes pareciam estar agrupados em volta
das árvores
estranguladas pelo kudzu do lado de fora do Augustine. Nenhum
deles parecia
exatamente feliz por estar do lado de fora, mas ninguém parecia
exatamente
pronto a entrar, também.
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Nunca houve muito código de vestimenta na Dover, então Luce
não estava
acostumada com a uniformidade do corpo estudantil. Então,
novamente, apesar de
todos ali usarem os mesmos jeans pretos, blusas de gola alta
pretas, e suéteres
pretos amarrados sobre seus ombros ou em volta da cintura,
continuava havendo
diferenças substanciais no jeito que eles o usavam.
Um grupo de garotas tatuadas paradas em um círculo cruzado
usavam pulseiras até
seus cotovelos. As bandanas pretas no cabelo delas lembrou
a Luce um filme que
ela viu uma vez sobre gangues femininas de motocliclistas.
Ela alugou porque
pensou: O que pode haver
de mais legal que uma gangue de motoqueiros só de
mulheres? Agora
os olhos de Luce trancaram-se em uma das garotas no gramado.
O estrabismo lateral da garota de olhos-de-gato delineados
de preto fez Luce
rapidamente mudar a direção de seu olhar.
Um cara e uma garota que estavam de mãos dadas tinham lantejoulas
costuradas
em formato de ossos cruzados nas costas de seus suéteres pretos.
A cada poucos
segundos, um dos dois puxava o outro pra um beijo nas têmporas,
no lóbulo da
orelha, nos olhos. Quando eles envolveram seus braços em volta
um do outro, Luce
pode ver que ambos usavam pulseiras de rastreamento que estavam
piscando. Eles
pareciam um pouco rudes, mas estava óbvio o quanto eles estavam
apaixonados.
Toda vez que ela via as argolas de suas línguas piscando,
Luce sentia um aperto
solitário beliscando seu peito.
Atrás dos namorados, um grupo de garotos loiros estavam pressionados
contra a
parede. Cada um deles usava seu suéter, apesar do calor. E
todos eles tinham
camisas oxford brancas por baixo, o colarinho engomado para
cima. As barras
remendadas de suas calças pretas batiam na beira de seus sapatos
polidos, que
calçavam perfeitamente. De todos os estudantes no perímetro,
esses garotos
pareciam para Luce os mais próximos do estilo da Dover. Mas
um olhar mais
aproximado rapidamente os diferenciava dos garotos que ela
costumava conhecer.
Os caras como Trevor.
|
Apenas estando
em grupo, esses garotos radiavam um tipo especial de
tenacidade. Estava bem ali no olhar de seus olhos. Era difícil
de explicar, mas isso de
repente surpreendeu Luce, que assim como ela, todos nessa
escola tinham um
passado. Todos aqui provavelmente possuiam segredos que não
queriam
compartilhar. Mas ela não sabia se essa descoberta a fazia
se sentir mais ou menos
isolada.
Arriane percebeu os olhos de Luce rondando os outros alunos.
― Nós todos fazemos
o que podemos para sobreviver durante o dia, ― ela disse,
encolhendo. ― Mas no caso de você não ter observado os abutres
aproveitadores,
esse lugar cheira muito bem a morte. ― Ela tomou um lugar
em um banco debaixo
de um salgueiro e afagou o lugar perto dela para Luce.
Luce afastou um amontoado de folhas molhadas em decomposição,
mas logo
|
antes de sentar, ela notou outra violação do código de vestimenta.
Uma violação muito atraente.
Ele vestia uma brilhante echarpe vermelha em volta do seu
pescoço. Estava longe
de estar frio lá fora, mas ele tinha uma jaqueta de couro
preta de motociclista em
cima de seu suéter preto, também. Talvez fosse porque ele
era o único ponto de cor
no perímetro, mas ele era tudo que Luce podia olhar. Na verdade,
tudo parecia
pálido em comparação a isso. Por um longo momento, Luce se
esqueceu de quem
era.
Ela notou seu cabelo dourado profundo e bronzeado apropriado.
Suas maçãs do
rosto salientes, os óculos escuros que cobriam seus olhos,
a forma suave de seus
lábios. Em todos os filmes que Luce tinha visto, em todos
os livros que ela havia
lido, o interesse amoroso era enlouquecedoramente bonito ―
exceto por aquela
única pequena falha. O dente lascado, o charmoso topete, a
bela marca em sua
bochecha esquerda. Ela sabia por que ― se o herói fosse imaculado
demais, havia
o
risco dele ser inacessível. Mas acessível ou não, Luce sempre
teve um fraco pelos
sublimemente bonitos. Como esse cara.
|
Ele inclinou-se
contra o prédio com suas mãos cruzadas suavemente sobre seu
peito. E por um milésimo de segundo, Luce viu uma rápida imagem
dela jogada nos
braços dele. Ela sacudiu a cabeça, mas a visão permanecia
tão clara que ela quase
decolou em direção a ele.
Não. Isso era louco. Certo? Mesmo numa escola cheia de malucos,
Luce estava
certa de que aquele instinto era insano. Ela nem ao menos
conhecia ele.
Ele estava falando com um aluno de dreads e sorriso cheio
de dentes. Os dois
estavam rindo forte e genuinamente ― de um jeito que fez Luce
se sentir
estranhamente enciumada. Ela estava tentando lembrar qual
foi a última vez que
ela riu, realmente, daquele jeito.
― Esse é Daniel Grigori,
― Arriane disse, se inclinando e lendo sua mente. ― Eu
posso dizer que ele chamou a atenção de alguma pessoa.
―
― Eufemismo, ― Luce
concordou, envergonhada quando ela percebeu como ela
devia ter parecido para Arriane.
― É bem, se você gosta
desse tipo de coisa. ―
― O que tem para não
gostar? ― Luce disse, sem conseguir fazer as palavras
pararem de sair.
― O amigo dele lá é
Roland, ― Arriane disse, apontando na direção do garoto
negro. ― Ele é legal. O tipo de cara que pode colocar sua
mão nas coisas, 'cê sabe?
―
Não realmente, Luce pensou, mordendo seu lábio. ― Que tipo de coisas? ―
Arriane encolheu, usando seu canivete suíço roubado para cortar
uma vertente
desgastada de seu jeans preto. ― Apenas coisas. Tipo de coisas
que você-pede-e-
|
recebe. ―
― E Daniel? ― Luce perguntou. ― Qual é a história dele?
―
― Oh, ela não desiste. ― Arriane riu, depois limpou a garganta.
― Ninguém sabe
de verdade, ― ela disse. ― Ele guarda bem firme sua misteriosa
personalidade
masculina. Pode ser simplesmente o típico babaca de reformatório.
―
|
― Eu não sou estranha
a babacas, ― Luce disse, embora assim que as palavras
saíram, ela desejou poder pegá-las de volta. Depois do que
aconteceu com Trevor
― o que quer que tenha acontecido ― ela era a última pessoa
que deveria julgar
pelas aparências. Mas, mais do que isso, nas raras vezes que
ela fazia uma pequena
referência àquela noite, o dossel preto das sombras se deslocava
e voltava para ela,
como se ela estivesse de volta ao lago.
Ela olhou de volta para Daniel. Ele tirou seus óculos e os
deslizou para dentro de sua
jaqueta, então, virou-se e olhou para ela.
Seu olhar apanhou o dela, e Luce viu enquanto seus olhos alargaram-se
e
rapidamente se estreitaram em um olhar surpreso. Quando o
olhar de Daniel
capturou o dela, sua respiração ficou presa em sua garganta.
Ela o reconhecia de
algum lugar.
Mas ela iria se lembrar de conhecer alguém como ele. Ela iria
se lembrar de se sentir
tão absolutamente assombrada quanto se sentia agora.
Ela percebeu que eles ainda estavam com os olhos presos quando
ele relampejou
um sorriso para ela. Um jato de calor foi atirado nela e ela
teve que agarrar-se ao
banco para se apoiar. Ela sentiu os lábios dela derreteram-se
num sorriso de volta
para ele, mas então ele levantou sua mão no ar.
E mostrou-lhe o dedo do meio.
Luce arfou e deixou seu olhar cair.
― O quê? ― Arriane
perguntou, alheia ao que havia acontecido. ― Esquece, ― ela
disse. ― Nós não temos tempo. Eu sinto o sinal. ―
O sinal tocou na dica, e todo o corpo estudantil começou o
lento arrastar de pés
para dentro do prédio. Arriane estava segurando na mão de
Luce e declamando
orientações sobre onde se encontrar com ela depois e quando.
Mas Luce
continuava cambaleando por aquele perfeito estranho ter-lhe
mostrado o dedo do
meio. Seu delírio momentâneo sobre Daniel sumiu. Qual era
o problema daquele
cara?
Logo antes de ela entrar em sua primeira aula, ela ousou olhar
para trás. Seu rosto
estava vazio, mas não havia dúvida - ele estava observando
ela ir embora.
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