|
Achei que o mundo ia
acabar quando a Kate e eu terminamos. Mas também
pensei a mesma coisa quando ela me disse que sabia que
eu não era um
vampiro, ou quando desmaiei na aula de física, e isso
não aconteceu. Você
pode não ter percebido, mas às vezes sou meio
pessimista. Mas não deveria
ser. Quer dizer, eu tenho esse nome, Finbar, há
dezesseis anos, e só levei um
soco na cara uma vez.
Depois da
minha surpreendente partida matadora de pingue-pongue de
cerveja aquela noite (eu e o Luke detonamos; devíamos
ter jogado por
dinheiro!), me preparei para voltar para casa e contar
à minha mãe que a Kate
e eu não éramos mais... o que quer que fosse que
havíamos sido. Mas consegui
evitar conversas longas com a minha mãe durante a
semana inteira e, assim,
não tive muito tempo para ficar sentado como um
corcunda tocando a marcha
fúnebre da minha vida amorosa. Eu tinha começado a treinar
para as corridas
de inverno depois das aulas. O Jason Burke era meu
colega de treino. Fiquei
satisfeito quando descobri que ele não estava em tão
boa forma quanto eu
havia pensado. Acho que os músculos dele pareciam mais
definidos por causa
de todo aquele bronzeamento artificial.
No meu tempo
livre, quando não estava correndo, passava um tempo
com a Jenny. Eu me sentia mal, porque meio que tinha
esquecido dela durante
a história toda com a Kate. E nem lembrei que tinha
esquecido dela até que
ela me convidou para o lançamento de um livro,
emendando o convite com a
frase:
|
|
— Mas
provavelmente você vai estar ocupado no sábado à noite.
Fazendo alguma coisa com a Kate.
— Não —
respondi. — Na verdade, eu e a Kate não estamos mais
saindo.
— Sério? —
Jenny deu um gritinho de alegria.
Ela queria
muito ir ao lançamento. Parecia em êxtase. Claro, estava
levemente obcecada por aquele livro. Quando nos
encontramos no sábado à
tarde e pegamos o trem para a cidade, ela não parava de
falar sobre o autor e o
livro, que era um ―romance gráfico‖, termo que os adultos inventaram para
poder ler histórias em quadrinhos na meia-idade. Só que
esse romance gráfico
não tinha super-heróis, aliados ou qualquer coisa que
pudesse estar estampada
na cueca de um menino de 5 anos. O autor era um
irlandês que fazia desenhos
incríveis de sua vida em Dublin, bebendo Guinness,
fumando um cigarro atrás
do outro, torcendo para o time de futebol de sua cidade
natal e outras coisas
de irlandês machão.
Considero os
irlandeses o protótipo dos homens de verdade, sempre
bebendo cervejas fortes sem vomitar e em seguida
socando os dentes tortos
de algum inglês, por causa da frustração por séculos de
colonialismo. E
jogando rugby, que não tem ombreira nem capacete. Meus
antepassados eram
irlandeses, mas de alguma forma fomos ficando cada vez
mais molengas a
cada geração. Apesar de que o Luke provavelmente
detonaria no rugby.
Jenny — que,
pela aparência, não sobreviveria a cinco segundos de rugby
— recebeu um convite especial para o lançamento porque
havia escrito uma
resenha do livro para o jornal da escola. Geralmente as
resenhas dela não eram
publicadas, porque ela se recusava a escrever sobre
qualquer filme com o
Vince Vaughn ou o Seth Rogen, ou a fazer o perfil de
qualquer estrela da
Disney Channel pega fazendo topless na Internet. Mas o
editor gostou do
artigo sobre o romance gráfico porque o livro fala
bastante de cerveja. Acho
que ele tem problemas com bebidas. Deve ser o estresse
do trabalho.
Enfim, Jenny
tinha enviado ao autor, Gareth, uma cópia da resenha, que
ele adorou, então nós íamos conhecê-lo antes de o
evento começar, numa
livraria do centro de Manhattan.
— Jenny! —
Gareth exclamou quando ela se apresentou timidamente. —
|
|
Tenho que agradecer pelo que você escreveu sobre mim. É
a única coisa boa
que escreveram a meu respeito, exceto pelo que se pode
ler na parede do
banheiro do bar.
Jenny ficou
vermelha.
— Falando
sério, a resenha é brilhante — ele disse.
Ela me
apresentou, e Gareth ficou surpreso com o meu nome.
— Não
conheço muitos Finbars americanos — disse.
— Tenho
certeza de que sou o único — falei.
— O celta se
destaca — ele disse. — Bem, tenho que começar a leitura.
Peguem bons lugares, mas não na primeira fila. Não vão
querer que eu cuspa
em vocês.
A Jenny
parecia nervosa perto do Gareth e se apressou para me levar dali.
Ela me puxou tão rápido que não consegui olhar para
onde estava indo e
esbarrei em uma garota baixinha.
— Finbar! —
ela exclamou.
— Ah — eu
disse. — Oi, Celine.
Surpreendentemente, fazia um tempo que eu não pensava na Celine.
Depois de nosso encontro desastroso, eu esperava remoer
a humilhação por
meses. Mas fiquei tão ocupado com a história de ser um
vampiro, começar na
escola nova e ser rejeitado por outra menina que acabei
me esquecendo
dela.Ela parecia a mesma, pequena, morena e com um ar
esperto. Eu não
conseguia lembrar por que tinha achado que ela era tão
bonita. Comparada
com a Kate, parecia que a Celine tinha chupado um limão
azedo. Ela encostou
a cara de limão azedo na minha e deu um beijo no ar.
— Como vai
você, chérie? — ela disse. — Fazia séculos que eu não tinha
notícias suas!— Eu sei — respondi. — Eu estive... Esta
é a Jenny. Jenny,
Celine.
— Enchanté —
Celine disse com afetação.
— Para você
também... eu acho — Jenny respondeu.
— Temos que
garantir um lugar — a francesinha disse. — Foi bom te
ver.
— Quem era?
— Jenny perguntou antes mesmo de nos afastarmos o
suficiente da Celine.
|
|
— Uma menina
com quem saí uma vez — falei.
Uau. Eu não
podia acreditar que aquela frase tinha acabado de sair da
minha boca. ―Uma menina com quem saí uma vez.‖ Aquilo soou como se eu
já tivesse saído com várias garotas. Soou tão...
McDreamy. Ou McSteamy.
Sim, mais como McSteamy, porque ele se envolve em mais
ação com as
mulheres (sim, infelizmente eu sei a diferença entre
McDreamy e McSteamy;
mais uma vez, culpa da minha mãe).
— Você gosta
dela? — ela perguntou.
A Jenny
seria uma ótima repórter. Ela sempre faz um monte de
perguntas. Mas aquela em particular me fez pensar. E,
quando pensei naquilo,
percebi que a Celine tinha sido elitista, antipática e
mal-agradecida. Ela usou
um monte de frases em francês, provavelmente para fazer
com que eu me
sentisse burro — e obviamente continuava fazendo isso.
Além disso, ela
nunca me agradeceu pela refeição ridiculamente cara que
paguei para ela.
Mesmo que eu tivesse exagerado, merecia pelo menos um
obrigado.
— Não muito
— falei enquanto nos sentávamos. — Quer dizer, eu não
gostava dela tanto quanto gostei da Kate.
Jenny engoliu em seco. ―Ah‖ foi tudo que ela disse, depois se fechou
como uma ostra.
Felizmente
não precisei mais falar com a Celine, já que o Gareth havia
começado a ler e a contar histórias. Ele era muito
engraçado. Todas as garotas
na plateia estavam enlouquecendo com seu sotaque
irlandês. Talvez eu
devesse fingir que sou estrangeiro, pensei de repente.
Aposto que conseguiria
um monte de garotas desse jeito. Então lembrei que
ainda estava meio
ocupado fingindo ser a última coisa que eu tinha inventado
para pegar
meninas — um vampiro.
|
|
Por alguma razão, enquanto a Jenny e eu caminhávamos de
volta até a Estação
Central para pegar o trem para casa, a cidade parecia
mais calma que o
habitual. Na verdade, isso não era real — estávamos bem
no meio de
Manhattan num sábado à noite. Mas parecia calma para
mim, mesmo
enquanto eu observava as figuras que passavam por nós.
Duas mulheres
|
|
egoístas brigavam por um táxi.
— Não
consigo andar! Estou com seis sacolas da Bloomingdale’s! —
gritou a primeira.
— Eu não
consigo andar! Olhe para os meus sapatos! — disse a outra,
mostrando um salto perigoso demais para passar pela
segurança dos
aeroportos.
Dois garotos
que pareciam mais novos que eu estavam sendo expulsos de
um bar escuro chamado Salão do Espartilho. Um segurança
do tamanho do
Canadá gritou para eles:
— Não
voltem! — antes de bater a porta. Os garotos começaram a brigar
para saber qual dos dois tinha dado a pista de que eram
menores de idade.
— Isso
aconteceu porque você não consegue deixar o bigode crescer! —
um deles falou.
— Não —
argumentou o outro. — É porque você trouxe seu
irmãozinho.
— Ei,
pessoal! Esperem! — chamou uma voz mais fina. Quando os dois
se afastaram, consegui enxergar um pirralho de 10 anos
atrás deles.
Sorri
enquanto passávamos pelos menores de idade e nos aproximávamos
de um artista de rua bem alto que estava cantando os
primeiros hits da Mariah
Carey com uma voz surpreendentemente convincente. Uau,
ele estava
acertando as notas altas! Uau, ele... podia ser uma
mulher. Ou era ele mesmo?
Ou era...
Eu estava
prestes a pedir a opinião da Jenny quando percebi o que estava
me dando aquela sensação de quietude. A Jenny estava
quieta. E aquilo era tão
raro que me deixou completamente aturdido. Refreando a
vontade de
perguntar a ela sobre a ambiguidade de sexo da diva,
coloquei as mãos nos
bolsos enquanto a Jenny se arrastava pelo caminho ao
meu lado.
Normalmente ela estaria puxando a manga da minha camiseta,
me
perguntando um milhão de coisas, falando sobre o
lançamento. Mas ela não
pronunciava uma palavra.
Quando olhei
para o lado e abri a boca para conversar, vi o reflexo da luz
iluminar o rosto da Jenny. Ela estava chorando! Que
diabos? Por que ela
estava chorando? Mais importante, o que eu deveria
fazer a respeito daquilo?
|
|
Virei a cabeça rapidamente. Talvez ela não quisesse ser
vista chorando. Eu não
gostaria que ninguém me visse chorando. Preferiria que
todos que estivessem
por perto ignorassem completamente a situação.
Mas a Jenny
não queria isso. Quando virei a cabeça, ela soluçou de
propósito.Talvez eu apenas tivesse que mudar de assunto
e ela esqueceria tudo
que a tinha feito chorar. De qualquer maneira,
provavelmente não era grande
coisa, senão eu teria percebido a Jenny ficar chateada
(e eu tinha notado aquele
travesti cantando Mariah Carey).
— Aquele
Gareth é muito engraçado — eu disse. — Quando ele estava
lendo...
Um gemido
estridente escapou do peito da Jenny.
Merda. Será
que as pessoas ouviram isso? Será que alguém estava
olhando, pensando que eu tinha feito a menina chorar?
Será que eu a tinha
feito chorar? Merda. Eu nunca deveria falar. Ou fazer
alguma coisa. Nunca.
Eu sempre estragava tudo.
— Você está
bem, Jen? — perguntei. Me afastei sutilmente alguns
centímetros, com a cautela de um homem desarmando uma
bomba. O que eu
deveria fazer com uma menina chorando? Será que ela
queria que eu a
abraçasse? Que desse a ela um lenço? Eu não tinha
lenço! De repente desejei
estar em Indiana, naqueles dias em que eu nem
conversava com meninas.
Então senti
a Jenny puxar meu braço. Ela estava me arrastando em sua
direção. Surpreendido pela força dela, fui tropeçando
pela calçada e de repente
me vi num espaço escuro entre dois prédios, onde não
dava para enxergar o
chão e só havia saídas de incêndio. Estávamos sozinhos
num beco.
Virei a
cabeça rapidamente de um lado para o outro, olhando para as
pilhas de lixo em uma direção e a rua na outra. Eu não
queria encarar a Jenny.
— Me
transforme — ela sussurrou.
Então tive
de olhar e, francamente, ela parecia uma louca varrida. Suas
lágrimas eram como lupas que faziam seus olhos de doida
parecerem maiores
e mais assustadores. Meus olhos se arregalaram.
— O quê?
Eu mal tinha
começado a falar quando ela me imobilizou contra a parede
do beco. Suas palmas pressionavam minha jaqueta, como
se ela estivesse
|
|
fazendo uma pintura com as mãos em mim.
— Me
transforme — ela repetiu em tom de ameaça, com o queixo
avançando em minha direção e os olhos como se pudessem
disparar raios
laser.
Por um
segundo, pensei: Será que a Jenny está tentando se aproveitar de
mim? Eu não tinha muito problema com isso. Estava cheio
de carregar minha
virgindade por aí, e obviamente a Kate não estava
interessada em tirá-la de
mim.
— Jenny,
eu... — estiquei a mão, nervoso, para tocar seu braço, mas ela
estava muito tensa. Será que todas as pessoas do mundo
eram mais fortes do
que eu?
— Me
transforme numa vampira — ela disse.
A iluminação
fraca de uma janela me cegou.
— O quê?
Seus braços
diminuíram a pressão e finalmente minha respiração voltou
ao normal.
— Eu quero
ser como você — ela disse com a voz trêmula, as mãos se
remexendo sem parar e os lábios tremendo. — Quero ser
descolada como
você. Quero que todos falem de mim. Quero ser descolada
e não me importar
com o que digo ou faço. Ou com quem eu machuco.
O quê? Quem
eu tinha machucado?
— Eu vou ser
melhor do que a Kate — ela disse sinceramente, baixando
os braços, com o rosto, esperançoso, voltado para mim.
— Vou ser uma
vampira, como você. Vou ficar ao seu lado. Ela não vai.
Alguma coisa
se contorceu no meu peito. A Jenny gostava de mim. Era
doloroso vê-la ali parada me dizendo tudo aquilo,
revelando coisas que
provavelmente resultariam em corações partidos e
constrangimentos. Vi um
bocado de mim mesmo, do meu próprio ser patético,
naquele momento. Não
era de admirar que a Jenny tivesse se calado assim que
falei o nome da Kate.
Ela estava com ciúmes. Eu sempre me gabava de ser
perspicaz, acreditando
que as meninas gostariam de mim porque eu era sensível,
consciente dos
sentimentos delas, mas nos últimos três meses com a
Jenny constantemente
por perto, reclamando das coisas, fofocando, copiando
minha lição de casa, eu
|
|
não tinha percebido que ela gostava de mim. Mesmo
quando ela falava sem
parar sobre o jeans da Kate, o suor da Kate na aula de
educação física e de
como a Kate não me entenderia, eu nunca sequer
suspeitei da verdade.
A Jenny
gostava de mim. Ela gostava de mim. Por toda minha vida eu
tinha esperado que uma menina gostasse de mim, ou que
uma mulher de
meia-idade gostasse de mim, ou uma freira, ou qualquer
uma. Eu achava que,
quando uma menina gostasse de mim, eu me sentiria —
para citar uma
expressão que todo mundo usava para falar sobre o meu
irmão — ―o cara‖.
Agora a Jenny gostava de mim, e parece que fazia tempo
— e eu nunca tinha
me sentido tão mal na vida. Nem quando a Kate mentiu
para mim. Nem
quando a Celine me rejeitou.
— Finbar,
por favor — ela implorou.
Ai, que
merda. Eu não tinha apenas magoado a Jenny, também tinha
contado uma mentira cabeluda. E aquilo era o carma
voltando para chutar
meu traseiro num beco. Claro, eu tinha notado o número
crescente de
meninas discutindo meu potencial de vampiro e falando
sobre minha força. E,
claro, a Kayla Bateman tinha surtado quando pensou que
eu poderia beber seu
sangue. Eu sabia que todo mundo tinha acreditado,
mas... a Jenny realmente
acreditou. Eu não sabia que aquilo iria tão longe.
Minhas mãos
estavam molhadas de suor. Eu devia uma à Jenny. Eu não
tinha levado seus sentimentos em consideração. Eu a
tinha tratado tão mal
quanto a Celine me tratara. Eu devia a ela pelo menos
uma metamorfose. O
problema era que...
— Jenny, eu
não sei como fazer isso — eu disse.
Levando as
mãos até o peito, comecei a examinar os danos que as palmas
dela tinham feito quando me empurraram. Nenhuma costela
quebrada. Ufa.
— Sabe sim.
— Não sei.
Esmagados
contra a parede do beco, meus ombros se encolheram sem
esperança.
— Você se
transformou num vampiro — ela acusou amargamente,
falando do fundo do peito.
Bem, eu
teria que transformar a Jenny numa vampira. De todas as
|
|
situações de merda em que eu tinha me metido nos
últimos tempos, essa era a
pior. Como eu poderia ―transformar‖ a Jenny? Meu lado católico dizia que
deveria haver algum tipo de cerimônia. Tipo a maneira
como eu recolhia as
cinzas na Quarta-Feira de Cinzas, ou como o padre ungiu
minha cabeça na
crisma. Olhei em volta, procurando alguma coisa que
pudesse usar. Com os
poderes desta lata de Pepsi coberta de herpes, eu vos
consagro, Jenny, uma
vampira. Ou: Com o sangue deste pombo caolho, eu vos
consagro... Minhas
opções eram escassas.
Felizmente,
a Jenny foi mais específica.
— Me morda —
suplicou.
Ela ofereceu
o pescoço nu para mim, puxando a gola para baixo e
revelando sardas que eu nunca tinha visto.
Ai, meu
Deus. Outra vez o nome do senhor em vão, é verdade. Mas eu
realmente precisava de ajuda.
Contra minha
vontade, sem nenhum plano, senti minha cabeça se inclinar
em direção ao pescoço dela. Havia uma grande distância
a cobrir entre meu
corpo de varapau e o corpinho de duende da Jenny, e
durante todo o trajeto
fiquei pensando: Que diabos vou fazer?
Mas então um
pensamento me ocorreu. Era como se eu de repente
tivesse a sabedoria de um homem de mil anos. Ou pelo
menos de alguém com
idade suficiente para beber.
Continuei
como se estivesse indo em direção ao pescoço, na curva de
junção com a clavícula, e parei bem perto por alguns
segundos, sentindo o
calor desesperado que emanava daquelas sardas. Mas
então desviei. Fui até a
orelha da Jenny e disse:
— Se
transforme você mesma.
Ela recuou
como se eu tivesse mau hálito.
— O quê?
— Se
transforme você mesma — falei. — Apenas decida que você é
diferente. Decida que é uma vampira. Se você acreditar,
todo mundo também
vai acreditar.
— Não — ela
tremeu. — Ninguém vai acreditar.
Me inclinei
para mais perto dela novamente.
|
|
— Você
acreditou em mim — eu disse.
Fiz um
movimento brusco, batendo os dentes, e Jenny estremeceu até os
cotovelos.
— Viu? — eu
disse suavemente.
— O quê? —
ela perguntou. — Você não é um vampiro de verdade?
— Não! —
respondi rapidamente. — Quer dizer, sim. Mais ou menos.
Sou quase um vampiro. Tenho toda aquela... aura, sabe?
A aura de vampiro.
Tenho atitude de vampiro também. Tenho a aura e a
atitude. Eu só não,
humm, bebo sangue.
O pequeno
rosto da Jenny estava muito sério.
— Então você
não é tecnicamente um vampiro?
Tecnicamente... Pensei na capacidade do Chauncey Castle de responder a
uma pergunta com outra, e juntei a isso meu amplo
conhecimento da Jenny.
— Você
gostaria de ser tecnicamente uma vampira, Jenny? — perguntei.
— Dar adeus ao chá gelado, às roscas do Dunkin’ Donuts.
Além disso... você
estaria morta. Então nunca conseguiria tirar carteira
de motorista.
Já estávamos
num beco escuro, mas a ideia de nunca conseguir a carteira
de motorista era realmente assustadora para a Jenny. Seus
braços afrouxaram,
libertando meu peito e me deixando respirar novamente.
Seus ombros
também relaxaram.
— Acho que
eu não gostaria de ser tecnicamente uma vampira — ela
disse. — Quer dizer, eu preferiria ser a Tresora Chest,
de A sedutora e o
aventureiro. Ou a Raven Mane, de Dragões e rainhas do
drama. Foi para ficar
parecida com ela que pintei o cabelo — acrescentou,
olhando para mim.
— Ahhh —
exclamei, tentando acenar com admiração para os cabelos
dela, que tinham crescido tanto que estavam dois terços
cor de laranja e
apenas um terço pretos.
— Mas
ninguém nem percebeu quando pintei o cabelo — ela disse,
balançando a cabeça. — Nenhum dos alunos com quem
estudo há doze anos.
Meu Deus,
pensei. Eu realmente precisava investir em lenços se fosse
ficar andando com tantas meninas.
Mas a Jenny
não estava chorando quando olhou para mim. E então ela
disse algo realmente significativo.
|
|
— Acho que
eu não queria ser uma vampira. Só queria ser outra pessoa.
Logo depois,
ela saiu do beco e seguiu pela rua em direção à Estação
Central para pegar o trem. Enquanto eu a seguia,
deveria ter me sentido mal
em relação a ela. Com os cabelos mal tingidos e aquele
casaco preto gigante,
parecia ter sido expulsa da família Addams. E de
repente pensei em várias
coisas para confortá-la, como um elogio vago que o
Jason Burke havia feito
aquela semana, ou o fato de que o autor irlandês Gareth
parecia realmente
meio intrigado com a Jenny, olhando para ela algumas
vezes durante a leitura.
Mas ela
tinha dito aquilo com tanta naturalidade, como se fosse normal:
―Eu só queria ser outra pessoa‖. E acho que era mesmo normal. Por que mais
eu teria feito um discurso sexual na aula de inglês e
batido num valentão?
Aquilo não era nada típico de mim. Por que outra razão
eu tinha me
transformado num vampiro?
Parecia tão
simples agora. De alguma forma, a Jenny esquisitinha havia
simplificado tudo. Ela queria ser outra pessoa. Eu
queria ser outra pessoa. E
nós não éramos os únicos. Aposto que até o Luke
gostaria de ser outra pessoa
às vezes — alguém capaz de passar em matemática ou de
ficar quieto durante
uma prova. E até a Kate quis...
Não. Eu
ainda estava bravo com a Kate. Não podia pensar nela ainda.
— Vamos —
Jenny me chamou mais à frente, na calçada. — Vamos
perder o trem se você não se apressar.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário