sábado, 18 de maio de 2013

Capitulo 20 (Querido Jonh)


Na manha seguinte encontrei Savannah em  no alpendre,e ela acenou quando entrei
no rancho. Ela se aproximou enquanto eu estacionava. Eu meio que esperava ver Tim na
porta atrás dela, mas ele não apareceu.


"Oi", disse ela, tocando meu braço. "Obrigada por ter vindo."


"Imagina", eu disse, encolhendo os ombros relutante.


Vislumbrei um lampejo de compreensão em seus olhos quando ela perguntou: "Você
dormiu bem?"


"Não muito."


Ela deu um sorriso irônico. "Você está pronto?"


"Como sempre."


"Tudo bem", ela disse. "Deixe-me apenas pegar as chaves. A menos que você queira
dirigir."


Não entendi de primeira o que isso queria dizer. "Vamos sair?" Indiquei a casa.
"Pensei que iríamos ver Tim."

"Nós vamos", ela disse. "Ele não está aqui."


"Onde ele está?"


Foi como se ela não tivesse ouvido. "Você quer dirigir?"


"Sim, acho que sim", disse, sem esconder a minha confusão, mas sabendo que ela de
alguma forma esclareceria as coisas quando estivesse pronta. Abri a porta para ela e
contornei o carro até o banco do motorista para sentar-me ao volante. Savannah passou a mão
sobre o painel, como se estivesse tentando provar para si mesma que era real.


"Eu me lembro deste carro." Tinha uma expressão de nostalgia. "Era do seu pai, certo?
Uau, não acredito que ainda esteja andando."


"Ele não dirigia tanto assim", disse. "Só ia trabalhar e fazer compras."


"Ainda assim."


Ela colocou o cinto de segurança, e me perguntava se ela passava a noite sozinha.


"Para que lado?", perguntei.


"Na estrada, vire à esquerda", disse ela. "Direto para a cidade."


Nenhum de nós falou. Ela passou o tempo todo olhando pela janela do passageiro com
os braços cruzados. Eu podia ter ficado ofendido, mas nada em sua expressão denunciava
que aquela preocupação tinha a ver comigo, e deixei-a sozinha com seus pensamentos.





Nos arredores da cidade, ela balançou a cabeça, como se repentinamente tomasse

consciência do silêncio em que estávamos."Sinto muito," disse. "Acho que minha companhia
deixa muito a desejar."


"Tudo bem", disse, tentando mascarar a minha crescente curiosidade.
Ela apontou em direção ao pára-brisa. "Na próxima esquina, vire à direita."


"Aonde estamos indo?"


Ela não respondeu de imediato. Em vez disso, olhou pela janela do passageiro.


"O hospital", disse finalmente


***


Segui-a através de corredores aparentemente intermináveis, até finalmente chegar à
recepção dos visitantes. Atrás do balcão, um voluntário idoso estendeu uma prancheta.
Savannah pegou a caneta e assinou seu nome automaticamente.


"Você está firme, Savannah?"


"Tentando", Savannah murmurou.


"Vai ficar tudo bem. A cidade inteira está rezando por ele"


"Obrigada", disse Savannah. Ela devolveu a prancheta e olhou para mim. "Ele está no
terceiro andar", explicou. "Os elevadores ficam ali no corredor."


Eu a segui com um nervoso no estômago. Chegamos ao elevador no momento em que
algumas pessoas desciam. Quando as portas se fecharam, parecia que estávamos em um
túmulo.

As portas do elevador se abriram no terceiro andar, e Savannah seguiu pelo corredor
comigo a reboque. Ela parou diante de um quarto que estava com a porta aberta e virou-se
para mim.


"Acho que devo entrar primeiro", disse ela. "Voce pode esperar aqui?"


"Claro."


Ela demonstrou gratidão e virou-se em seguida. Deu um longo suspiro antes de entrar
na sala. "Oi querido", a ouvi dizer com a voz animada. "Você está bem?"










Não ouvi mais do que isso nos dois minutos seguintes. Fiquei no corredor, absorvendo
o mesmo ambiente estéril e impessoal que conhecera enquanto acompanhava meu pai. O ar
cheirava a desinfetante genérico, e  um auxiliar de enfermagem empurrar um carrinho com
comida para dentro de um quarto. Na metade do corredor, notei um grupo de enfermeiras
atrás de um balcão. Atrás da porta da frente, alguém vomitava.


"Tudo bem", disse Savannah, colocando a cabeça para fora. Por baixo da aparência
corajosa, eu ainda notava sua tristeza. "Pode entrar. Disse para ele esperar uma surpresa."


Eu a segui, me preparando para o pior. Tim estava sentado na cama com um cateter
ligado a seu braço. Parecia exausto, e sua pele estava translúcida de tão pálida. Ele havia
emagrecido ainda mais do que meu pai, e quando o vi, meu único pensamento era que ele
estava morrendo.  a bondade em seus olhos não fora afetadas. Do outro lado da sala havia
um jovem no final da adolescência, talvez com vinte anos, balançando a cabeça de um lado
para o outro, e soube imediatamente que era Alan. O quarto estava repleto de flores: dezenas
de buquês e cartões espalhados por todas as mesas.Savannah sentou na cama ao lado do
marido e pegou sua mão.

"Oi, Tim", eu disse.


Ele parecia cansado demais para sorrir, mas conseguiu mesmo assim. "Oi, John. É
bom ver você de novo."
"Você também", disse. "Como você está?"


Assim que falei, percebi como soava ridículo. Tim devia estar acostumado, pois não
hesitou.


"Estou bem", disse. "Estou me sentindo melhor agora."


Concordei. Alan continuou a balançar a cabeça. Fiquei olhando para ele e me sentindo
um intruso em eventos que gostaria de poder ter evitado.


"Este é meu irmão, Alan" ele disse.


"Oi, Alan."


Como Alan não respondeu, Tim sussurrou: "Ei, Alan. Tudo bem. Ele não é médico. É
um amigo.  dizer olá."


Levou alguns segundos, mas Alan finalmente se levantou da cadeira. Ele caminhou
com dificuldade pelo quarto e, apesar de não me olhar nos olhos, estendeu a mão. "Oi, eu sou
o Alan", disse com a voz surpreendentemente monocórdia.


"Prazer em conhecê-lo", respondi, apertando sua mão. Era flácida. Ele chacoalhou
uma vez, depois soltou e voltou ao seu lugar.


"Há uma cadeira se você quiser sentar", disse Tim.


Atravessei o quarto e me sentei. Antes que pudesse falar, Tim respondeu à pergunta

em minha cabeça.


"Melanoma", disse ele. "Caso você esteja se perguntando."


"Mas você vai ficar bem, certo?"


Alan balançou a cabeça ainda mais rápido e começou a bater suas coxas. Savannah se
virou. Eu  sabia a resposta e desejei não ter feito a pergunta.


"Isso é o que os médicos acham", Tim respondeu. "estou em boas mãos". Sabia que a
resposta era mais para Alan que para mim, e Alan começou a se acalmar.


Tim fechou os olhos e os abriu novamente, tentando reunir forças. "Estou contente de
ver que você voltou inteiro", disse ele. "Rezei por você o tempo todo que você esteve no
Iraque."


"Obrigado", disse eu.


"O que você tem feito?Ainda no exército, suponho."


Ele indicou meu corte de cabelo, e eu passei a mão no cabelo. "Sim. Parece que estou
virando um dos soldados que se alistam pela vida toda."


"Bom", disse ele. "O Exército precisa de pessoas como você."


Não disse nada. A cena me pareceu surreal, era como ver a si mesmo em um sonho.
Tim virou para Savannah. "Querida, você leva o Alan para pegar um refrigerante? Ele não
bebeu nada desde cedo. E, se você puder, talvez consiga convencê-lo a comer."


"Claro", disse ela. Savannah beijou-o na testa e levantou-se da cama. Ela parou na
porta. "Vamos, Alan. Vamos pegar algo para beber, ok?"

Para mim, parecia que Alan processava as palavras lentamente. Finalmente, ele se
levantou e seguiu Savannah, ela colocou a mão nas costas dele a caminho do corredor.
Quando os dois saíram, Tim me encarou novamente.
―Isso tudo é realmente muito difícil para Alan. Ele não está aceitando bem.


―E como poderia?


Mas não se engane com o gato de ele balançar a cabeça. Não tem nada a ver com
autismo ou inteligência. É mais como um tique que ele tem quando está nervoso. A mesma
coisa quando ele começou a bater nas coxas. Ele sabe o que está acontecendo, mas é afetado
de um jeito que normalmente deixa os outros desconfortáveis.


Unia as mãos. ―Não me deixa desconfortável, disse eu. ―Meu pai também tinha as
dele. Ele é seu irmão, e é óbvio que está preocupado. Faz sentido.


Tim sorriu. ―É gentileza sua dizer isso. Um monte de gente fica assustada.


―Eu não‖, disse, balançando a cabeça. ―Sei que posso com ele.


Extraordinariamente, ele riu, mas isso exigiu um grande esforço.


―Tenho certeza que pode, disse. ―Alan é delicado. Provavelmente muito delicado. Ele
nem mesmo mata moscas.


Concordei, reconhecendo que toda aquela conversa era apenas o jeito dele de me
deixar mais confortável. Não estava funcionando.


―Quando descobriu?


Um ano atrás. Senti coceira em uma verruga na parte de trás da perna. Quando cocei, 

ela sangrou. Eu não me preocupei, é claro, até voltar a sangrar quando cocei de novo. Seis
meses atrás, fui ao médico. Foi em uma sexta-feira. Fiz a cirurgia e comecei o tratamento
com interferon* na segunda feira. Agora estou aqui."


"Você ficou esse tempo todo no hospital?"


"Não. Entro e saio. Normalmente, o interferon é administrado no ambulatório, mas eu
e ele não nos damos muito bem. Tenho intolerância, então agora eles fazem aqui, para o caso
de eu ficar muito enjoado ou me desidratar. Como aconteceu ontem."


*Proteína produzida por animais usada no tratamento de câncer e de outras doenças.


"Sinto muito", disse.


"Eu também."


Olhei ao redor e meus olhos pousaram sobre um porta-retratos barato na cabeceira de
Tim no qual ele e Savannah aparecem em  abraçando Alan. "Como Savannah está
reagindo?", perguntei.


"Como era de se esperar." Tim alisou uma dobra na sua ficha do hospital com a mão
livre. "Ela tem sido ótima. Não  comigo, mas também com o rancho. Ela tem de cuidar de
tudo ultimamente, mas nunca reclama. E sempre que está comigo, tenta ser forte. Ela vive me
dizendo que tudo vai dar certo." Ele esboçou um sorriso amarelo. "Metade do tempo, ainda
acredito nela."


Quando não respondi, ele se esforçou para sentar mais reto na cama. Ele estremeceu,
mas a dor passou, e ele voltou a si. " Savannah contou que você jantou no rancho na noite
passada."


"Sim", disse.


"Aposto que ela ficou contente de ver você. Sei que ela sempre se sentiu mal por ter
acabado do jeito que acabou, e eu também. Devo um pedido de desculpas a você."
                          

"Não", levantei as mãos. "Está tudo bem."


Ele sorriu irônico. "Você  diz isso porque estou doente, e ambos sabemos disso. Se
eu estivesse saudável, provavelmente você iria quebrar meu nariz de novo."


"Talvez", admiti. Ele riu de novo, e desta vez ouvi o som da doença em sua risada.


"Eu mereci", ele disse, alheio aos meus pensamentos. "Sei que você pode não
acreditar, mas me sinto mal com o que aconteceu. Sei que vocês dois realmente gostavam um
do outro."


Debrucei-me, apoiando em meus cotovelos. "O que passou, passou", disse.


Eu não acreditei, e ele não acreditou em mim quando eu disse isso. Mas foi o
suficiente para nós dois deixarmos isso de lado. "O que te trouxe aqui? Depois de todo esse
tempo?"


"Meu pai faleceu", eu disse. "Na semana passada."


Apesar da doença seu rosto refletiu uma simpatia genuína. "Sinto muito, John. Sei o
quanto ele significava para você. Foi repentino?"


"No final, sempre é. Mas ele estava doente havia algum tempo."


"Isso não significa que seja mais fácil."


Fiquei me perguntando se ele se referia  a mim ou a Savannah e Alan também.

"Savannah me disse que você perdeu seus pais."


"Acidente de carro", disse ele, forçando as palavras. "Foi... inacreditável. Tínhamos
acabado de jantar com eles duas noites antes, e no memento seguinte, eu estava tomando as
providências para os enterros. Antes não parece real. Sempre que estou em casa, acho que
vou ver minha mãe na cozinha meu pai cuidando do jardim." Ele hesitou, e eu sabia que ele
estava revivendo tais imagens. Por fim, ele balançou a cabeça. "Isso aconteceu com você?
Quando estava em casa?"


"O tempo todo."


Ele inclinou a cabeça para trás. "Parece que foram dois anos bem difíceis para nós
dois. O suficiente para nos fazer duvidar da fé."


"Até mesmo você?"


Ele deu um sorriso indiferente. "Eu disse duvidar. Não disse que minha  acabou."


"Não, não creio que acabaria."


Ouvi a voz de uma enfermeira se aproximando. Achei que ela fosse entrar, mas ela
continuou seu caminho para outro quarto.


"Estou feliz que você veio para ver Savannah", ele disse. "Sei que soa banal,
considerando tudo o que vocês dois passaram, mas ela precisa de um amigo agora."


Minha garganta estava apertada. "Sim", foi tudo que conseguiu pensar e dizer.


Ele ficou quieto, e entendi que não diria mais nada sobre o assunto. Com o tempo, Tim
pegou no sono e fiquei ali sentado olhando para ele, minha cabeça curiosamente vazia

"Desculpe não ter contado ontem", Savannah falou uma hora depois. Quando ela e
Alan voltaram ao quarto e encontraram Tim dormindo, ela fez sinal para eu a seguir até a
lanchonete. "Fiquei surpresa de ver você, e sabia que deveria ter contado, mas todas as vezes
que eu tentei, simplesmente não consegui."


Havia duas xícaras de chá na mesa,  que nenhum de nós tinha apetite. Savannah
ergueu a xícara e colocou-a de volta.


 que ontem foi um daqueles dias, sabe? Passei horas no hospital, sob os olhares
piedosos das enfermeiras e... bem, parece que eles me matam aos pouquinhos. Sei que isso é
ridículo,  que Tim vai superar, mas é tão difícil vê-lo doente. Eu odeio. Sei que preciso estar
presente para apoiá-lo e quero estar presente, mas a questão é que é sempre pior do que eu
esperava. Ele ficou tão mal depois do tratamento ontem que pensei que ele estava morrendo.
Ele não parava de vomitar, e quando não saía mais nada, ele vomitava seco. A cada cinco ou
dez minutos, ele começava a gemer e se mexer na cama tentando evitar, mas não podia fazer
nada. Eu o abracei e confortei, mas não sei nem como começar a descrever o quanto isso me
deixa desamparada." Ela tirou o sachê de chá de dentro da água.  assim toda vez", disse.


Fiquei mexendo na asa da minha xícara. "Gostaria de saber o que dizer."


"Não  nada que você possa dizer, eu sei. Por isso estou contando a você. Porque sei
que você consegue lidar com isso. Realmente não tenho mais ninguém. Nenhum dos meus
amigos pode entender o que estou passando. Minha mãe e meu pai têm sido ótimos, mas...
Sei que farão qualquer coisa que eu pedir, estão sempre se oferecendo para ajudar, e mamãe
traz comida para nós. Mas toda vez que aparece, ela está uma pilha de nervos, estão sempre à
beira do choro. É como se ela morresse de medo de dizer ou fazer algo errado. Por isso,
quando tenta ajudar, eu que tenho de apoiá-la em vez do contrário. Odeio falar isso dela,
porque ela está dando o máximo, é minha mãe e eu a amo, mas queria que ela fosse mais
forte, sabe?"


Lembrando a mãe dela, assenti. "E o seu pai?"


"O mesmo, mas de um jeito diferente. Ele evita o assunto. Não quer falar nada a
respeito. Quando estamos juntos, conversa sobre o rancho, o meu trabalho, mas nada de Tim.
É como se tivesse tentando compensar a preocupação incessante da minha mãe, mas nunca
pergunta o que está acontecendo ou como eu estou suportando.‖ Ela balançou a cabeça.  E
por fim  Alan. Tim é tão bom com ele, e gosto de pensar que está ficando melhor, mas
ainda...  momentos em que ele começa a se machucar ou quebrar as coisas, e eu acabo
chorando porque não sei o que fazer. Não me interprete mal, eu tento, mas não sou Tim, e
ambos sabemos disso.‖


Nos olhamos nos olhos por um momento antes de eu desviar os meus. Tomei um gole
de chá, tentando imaginar como era a vida dela agora.


"Tim contou o que está acontecendo? O melanoma?"


"Um pouco", disse. "Não o suficiente para saber a história toda. Ele disse que achou
uma verruga que estava sangrando. Ele não deu importância por um tempo, até que foi
procurar um médico."


Ela assentiu.  uma dessas coisas loucas, não? Quero dizer, se Tim tomasse muito
sol, talvez eu entendesse. Mas foi na parte de trás da perna. Você o conhece, consegue
imaginá-lo de bermuda? Ele quase nunca usa shorts, mesmo na praia, e sempre enchia todo
mundo para passar protetor solar. Ele não bebe, não fuma, é cuidadoso com o que come.
Mas, por algum motivo, teve um melanoma. Eles cortaram a área em volta da verruga e, por
causa do tamanho, retiraram dezoito gânglios linfáticos. Dos dezoito, um deu positivo para
melanoma. Ele começou o interferon, que é o tratamento padrão e dura um ano inteiro, e
tentamos ficar otimistas. Mas depois as coisas começaram a dar errado. Primeiro com o
interferon, depois ele teve celulite na incisão junto à virilha algumas semanas após a
cirurgia."


Quando franzi a testa, ela se deteve.


"Desculpe. Estou tão acostumada a falar com médicos estes dias. Celulite é uma
infecção da pele, e a de Tim foi muito grave. Ele passou dez dias na unidade de terapia
internsiva por causa disso. Pensei que iria perdê-lo, mas ele é um lutador, sabe?Ele sarou e
continuou o tratamento.Porém, no mês passado encontramos lesões cancerígenas perto do
local do melanoma original. Isso, claro, significava outra rodada de cirurgia, e pior ainda,
significava que o interferon provavelmente não estava funcionando tão bem quanto devia.
Então ele fez uma tomografia PET e uma ressonância magnética, e eles encontraram algumas
células cancerígenas no pulmão."


Ela olhou para a xícara de chá. Eu estava sem palavras, e me sentia exausto. Ficamos
em silêncio por um longo tempo.


"Sinto muito", finalmente sussurrei.


Minhas palavras a despertaram. "Não vou desistir", ela disse, sua voz começando
oscilar. "Ele é um homem tão bom. Ele é doce, paciente, e eu o amo muito. Não é junto. Não
faz dois anos que estamos casados."


Ela olhou para mim e respirou fundo algumas vezes, tentando recuperar a compostura.


"Ele precisa sair daqui. Deste hospital. A única coisa que eles fazem aqui é o
interferon, e, como eu disse, não está funcionando como deveria. Ele precisa ir para algum
lugar como o MD Anderson ou Mayo Clinic ou o Johns Hopkins.  pesquisas de ponta em
andamento nesses lugares. Se o inteferon não está funcionando, pode haver outra droga para
adicionar- eles estão sempre fazendo combinações, mesmo experimentais. Estão fazendo
bioquimioterapia e testes clínicos. MD Anderso deve começar a testar uma vacina novembro-
não para prevenção, como a maioria das vacinas, mas para tratamento-, e os dados
preliminares tem mostrado bons resultados. Eu quero que ele faça parte dessa pesquisa."


"Então vá", eu insisti.


Ela deu uma risada curta. "Não é assim tão fácil."


"Por quê? Parece bastante simples para mim. Assim que ele sair daqui, vocês entram
no carro e vão."


―Nosso seguro não pagará por isso, disse ela. ―Pelo menos não agora. Ele está
recebendo o tratamento padrão. E, acredite se quiser, a companhia de seguros tem sido
bastante sensível até agora. Eles pagaram todas as internações, todos os interferon, e todos os
extras sem problemas. Eles até designaram uma assistente social para mim, e ela é simpática
à nossa situação. Mas não  nada que ela possa fazer, pois o médico acha que é melhor
darmos o interferon por mais tempo. Nenhuma companhia de seguros do mundo vai pagar
por tratamentos experimentais. E nenhuma seguradora aceita pagar tratamentos fora do
padrão, especialmente em outros Estados e quando não  certeza de que vão funcionar.


Processe-os se for preciso.


John, nossa seguradora não pestanejou para pagar todos os custos de UTI e
internações extras, e a verdade é que Tim está recebendo o tratamento adequado. A questão é,
não posso provar que Tim ficará melhor em outro lugar, recebendo tratamentos alternativos.
Acho que poderia ajudá-lo, tenho esperança de que iria ajudá-lo, mas ninguém tem certeza
absoluta. Ela balançou a cabeça, ―De qualquer forma, mesmo se eu levar isso à justiça e a
companhia de seguros acabar pagando tudo, isso leva tempo... exatamente o que não
temos.Ela suspirou. ―Meu ponto em não se trata apenas de dinheiro, é um problema de
tempo.


―De quanto você está falando?


Muito. E se Tim acabar no hospital com infecção e for para a UTI de novo, não
consigo nem imaginar. Mais do que eu jamais vou conseguir pagar, com certeza.


―O que você vai fazer?
―Arrumar dinheiro,ela disse. ―Não tenho escolha. E a comunidade tem ajudado. Tão
logo souberam sobre Tim, fizeram reportagens na televisão local e no jornal, e as pessoas da
cidade inteira prometeram começar a recolher dinheiro. Eles abriram uma conta bancária
especial e tudo. Meus pais ajudaram. O lugar que nós trabalhamos ajudou. Os pais de
algumas crianças com quem trabalhamos ajudaram. Ouvi dizer que ainda tem jarros com
doações em muitos estabelecimentos.


Lembrei-me da visão do frasco ao final do balcão no salão de bilhar, no dia em que
cheguei a Lenoir. Eu tinha contribuído com dois dólares, mas de repente aquilo me pareceu
completamente inadequado.


―Falta muito?


―Não sei. Ela balançou a cabeça, como se não quisesse pensar a respeito. ―Isso
começou  pouco tempo, e desde que Tim está em tratamento, eu fico aqui e no rancho. Mas
estamos falando de um monte de dinheiro.‖ Ela afastou a xícara de chá e abriu um sorriso
triste. Nem sei porque estou contando a você. Quer dizer, não posso garantir que nenhum
desses lugares irá ajudá-lo.  sei dizer que, se ele ficar, não vai sobreviver. Isso também
pode acontecer nos outros lugares, mas pelo menos  uma chance... e agora, isso é tudo que
tenho.


Ela parou, incapaz de continuar, olhar perdido sobre a mesa manchada.


―Você quer saber o que é louco?, ela perguntou afinal. ―Você é o único para quem
contei tudo isso.Não sei como, sei que é a única pessoa que pode vir a entender o que estou
passando, sem eu precisar escolher as palavras.Ela ergueu a xícara e abaixou-a novamente,
―Sei que não é justo, considerando seu pai...

―Tudo bem‖, tranqüilizei-a.


―Talvez‖, ela disse. Mas também é egoísta. Você está tentando lidar com as próprias
emoções após perder seu pai, e aqui estou eu, sobrecarregando você com as minhas, sobre
algo que pode ou não acontecer. Ela se virou para olhar pela janela da lanchonete, mas eu
sabia que ela não estava vendo o gramado inclinado do lado de fora.


―Ei, eu disse, pegando a mão dela. ―Estou falando sério. Estou contente por você ter
me contado, mesmo que seja  para desabar. Porque você acha que vim aqui? Porque eu
precisava encontrar alguém que me ouvisse.


Com o tempo, Savannah encolheu os ombros. ―Então somos assim, hein?Dois
guerreiros feridos à procura de apoio.


―Isso parece muito certo.


Ela levantou os olhos e encarou os meus.  Sorte nossa, ela sussurrou.


Apesar de tudo, senti meu coração saltar.


―Sim‖, ecoei. ―Sorte nossa.


***


Passamos a maior parte da tarde no quarto de Tim. Ele estava dormindo quando
chegamos, acordou por alguns minutos e depois dormiu novamente. Alan mantinha vigília ai
 da sua cama, ignorando minha presença e concentrado no irmão. Savannah alternou-se
entre a cabeceira de Tim e cadeira ao meu lado. Quando ela se aproximava, falávamos da
doença de Tim, de câncer de pele em geral, e das especificidades dos possíveis tratamentos
alternativos. Ela passou semanas pesquisando na internet e conhecia em detalhes todas as

pesquisas em curso. Sua voz nunca subiu acima do sussurro, ela não queria que Alan ouvisse.
Quando ela terminou, eu sabia mais sobre melanoma do que imaginava ser possível.


Pouco depois da hora do jantar, Savannah finalmente se levantou. Tim tinha dormido a
maior parte da tarde, e pelo beijo de despedida que ela lhe deu, ela acreditava que ele
continuaria dormindo à noite também. Ela beijou-o uma segunda vez, depois pegou sua mão
e indicou a porta. Saímos em silencio.


―Direto para o carro, disse ela quando estávamos no corredor.


―Você vai voltar?


Amanhã. Se ele acordar, não quero dar motivo para ele achar que tem que ficar
acordado. Ele precisa descansar.


―E o Alan?


―Ele vai de bicicleta, disse ela. ―Ele vem de bicicleta todas as manhas e volta de
bicicleta à noite. Ele não vai comigo, mesmo se eu pedir. Mas ele vai ficar bem. Vem fazendo
a mesma coisa  meses.


Poucos minutos depois, saímos do estacionamento do hospital e pegamos o trânsito da
noite. O céu estava ficando cinza escuro, e nuvens pesadas se formavam no horizonte,
pressagiando o mesmo tipo de tempestade que se  no litoral. Savannah perdeu-se
pensamentos e falou pouco. Em seu rosto, vi refletido o mesmo esgotamento que eu sentia.
Não conseguia imaginar ter que voltar amanhã, depois de amanhã e no dia seguinte, sabendo
o tempo todo que havia uma possibilidade de ele melhorar em outro lugar.


Quando chegamos à entrada, olhei para Savannah e notei uma lágrima escorrendo
lentamente em seu rosto. Essa visão partiu meu coração, mas quando ela notou que eu a
observava, pareceu surpresa de estar chorando. Decidi estacionar embaixo do salgueiro, ao 
lado do caminhão velho. Foi quando as primeiras gotas de chuva começaram a bater no pára-
brisa.


À medida que diminuía a marcha, me perguntei de novo se seria adeus. Antes que eu
pudesse pensar em algo para dizer, Savannah virou-se para mim. ―Você está com fome?‖,
perguntou. ―Há uma tonelada de comida na geladeira.


Algo naquele olhar me advertia que eu deveria declinar, mas acabei aceitando.
―Adoraria comer algo, disse.


―Estou contente, ela respondeu, com voz suave. ―Realmente não quero ficar sozinha
hoje à noite.


Saímos do carro, a chuva aumentou. Corremos até a porta da frente, mas quando
chegamos ao alpendre, minhas roupas estavam molhadas. Molly nos ouviu, e assim que
Savannah abriu a porta, o cachorro me ultrapassou disparado pela cozinha na direção da sala
de estar. Observando o cão, pensei na minha chegada no dia anterior e o quanto as coisas
haviam mudado no período em que ficamos separados. Era demais para processar. E como
havia feito nas patrulhas no Iraque, blindei-me para focar apenas no presente e permanecer
alerta ao que poderia vir a seguir. ―Tem um pouco de tudo, ela gritou a caminho da cozinha.
―É assim que minha mãe lida com isso. Cozinhando. Temos cozido, chili, empadão de
frango, porco grelhado, lasanha... Ela tirou a cabeça de dentro da geladeira quando entrei na
cozinha. ―Alguma coisa te parece apetitosa?


―Qualquer coisa, disse. ―O que você quiser está ótimo.


Notei um flash de decepção em seu rosto e imediatamente percebi que ela estava
cansada de ter de tomar decisões. Limpei a garganta.


―Lasanha parece bom.


―Tudo bem, ela disse. ―Vou esquentar um pouco agora. Você está super faminto ou 
com fome?


Pensei a respeito. ―Só com fome, eu acho.
Salada? Posso colocar azeitonas pretas e tomate. Fica ótimo com molho rancheiro e
croutons.


―Parece ótimo.


―Bom‖, disse ela. ―Não vai demorar.


Observei Savannah tirar um  de alface e tomates da gaveta inferior da geladeira. Ela
lavou-os na torneira,cortou os tomates e a alface e jogou-os na tigela de madeira. Então
cobriu a salada com azeitonas e colocou-a sobre a mesa. Serviu generosas porções de lasanha
em dois pratos e pôs o primeiro no microondas. Havia uma firmeza em seus movimentos,
como se as tarefas simples a tranqüilizassem.


―Eu não sei sobre você, mas vou querer uma taça de vinho. Ela apontou para um rack
pequeno na bancada, perto da pia. ―Tenho um bom Pinot Noir.


―Vou experimentar uma taça, disse. ―Você quer que eu abra?


―Não, eu abro. Meu abridor é meio temperamental.


Ela abriu o vinho e serviu dois copos. Logo ela se sentou à minha frente, nossos pratos
servidos. A lasanha estava fumegante, e o aroma me fez lembrar como eu estava com fome.
Experimentei e continuei a comer.


―Uau‖,comentei. ―Está muito bom.


―Está, não é?, ela concordou. Em vez de comer, porém, ela tomou um gole de vinho.


―Também é a favorita de Tim. Depois que casamos, ele sempre pedia para minha mãe fazer
uma travessa. Ela adora cozinhar, e fica feliz quando as pessoas gostam da comida dela.


Observei-a correr o dedo pela borda do copo. O vinho vermelho capturava a luz como
a faceta de um rubi.


―Se você quiser mais, tem bastante, acrescentou ela. ―Acredite em mim, você estaria
me fazendo um favor. Na maioria das vezes, a comida vai para o lixo. Sei que deveria dizer
para ela fazer menos, mas ela não aceitaria bem.


―É difícil para ela, disse. ―Ela sabe que você está sofrendo.


―Eu sei. Ela tomou outro gole de vinho.


―Você vai comer, não vai?, apontei para o prato intocado.


―Não estou com fome, disse ela. ―É sempre assim quando Tim está no hospital...
Esquento alguma coisa, estou com vontade de comer, mas assim que coloco no prato, meu
estômago vira. Ela olhou para o prato, disposta a experimentar, em seguida, balançou a
cabeça.


―Faça por mim, pedi. ―Dê uma garfada. Você tem que comer.


―Vou ficar bem


Parei o garfo a caminho da boca. ―Faça por mim, então. Não estou acostumado com
pessoas me olhando comer. É esquisito.


―Ok. Ela levantou o garfo, pegou um pedacinho minúsculo de comida e colocou na
boca. ―Feliz agora?

―Sim‖, bufei. ―Foi exatamente o que eu quis dizer. Estou muito mais confortável.
Talvez possamos dividir um par de migalhas para a sobremesa. Até  continue segurando o
garfo e fingindo.


Ela riu. ―Estou feliz por você estar aqui. Disse. ―Atualmente, você é o único que
sequer pensaria em falar assim comigo.


―Assim como? Honestamente?


―Sim‖, disse ela. ―Acredite ou não,  exatamente o que quis dizer.Ela largou o
garfo e empurrou o prato de lado, ignorando meu pedido. ―Você sempre foi bom.


―Eu lembro de pensar a mesma coisa sobre você.


Ela jogou o guardanapo sobre a mesa. ―Tempo bom aquele, hein?


O jeito que ela me olhou fez o passado retornar como uma avalanche, e por um
momento revivi cada emoção, cada esperança e cada um de nossos sonhos. Ela era de novo a
moça que conheci na praia com a vida toda pela frente, uma vida da qual eu queria fazer
parte.


Então, ela passou a mão pelos cabelos, e a aliança em seu dedo refletiu a luz. Baixei
os olhos, concentrando-me no meu prato.


―Algo assim.


Dei mais uma garfada, tentando sem sucesso apagar as imagens. Assim que engoli,
ataquei a lasanha novamente.


―O que  de errado?, ela perguntou. ―Você está irritado?






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