terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Capítulo 4 (Sorte ou Azar)
Capítulo 4
Fantástico. Fantástico mesmo. Vou admitir, eu deveria saber. Deveria ter
uma resposta preparada para a pergunta muito natural de Chanelle. Só que não
tinha. Claro. Assim, acho que merecia o que Tory havia acabado de me dar. Mas
ao mesmo tempo foi um choque ouvir quando ela falou daquele jeito, com tanta
tranqüilidade. Em especial porque isso era só a metade. A outra metade, claro,
só eu sabia. Graças a Deus. Porque não duvido que Tory teria contado isso
também, se soubesse. Em especial porque ela parecia estar adorando a reação que
conseguira – meu silêncio mortificado e as bocas abertas de Gretchen e Lindsey.
- Caraca! – disse Shawn. Notei que até Zach virou os olhos verdes para mim de
um modo que me deixou ainda mais desconfortável do que já me sentia. Os olhos
de Chanelle se arregalaram. - Verdade? Assediada? Deve ser apavorante. - Você
tem tanta sorte! – guinchou Lindsey, rindo. – Nunca fui assediada. Como é? -
Meu Deus. – Tory apagou o baseado num cinzeiro sobre a mesa de vidro. – Não tem
nada empolgante nisso, Lindsey, sua idiota. Ouvi dizer que o cara é um
psicopata completo. Provavelmente vai aparecer aqui e assassinar a gente na
cama. Nem acredito que meus pais concordaram com isso. - Ei – disse Robert,
ultrajado. – O baseado ainda estava bom! Eu também não podia acreditar. Não
sobre o baseado! Mas que Tory havia simplesmente ANUNCIADO a coisa daquele
jeito, tão casualmente. Ainda
mais considerando o fato de eu tive que sair de casa, deixar todos os meus
amigos e a escola onde, vou admitir, eu era bem popular. Quero dizer, sou uma
garota legal. As pessoas gostam de garotas legais. Esse tipo de coisa não
acontece com garotas legais. As garotas legais não são seguidas por
psicopatas... ...a não ser, claro, que por acaso elas atraiam isso. Mas Tory
não sabia dessa parte. Assim, para ela abrir o bico sobre a parte que não
sabia... E ainda mais na frente do Zach, que estava fazendo meu coração
acelerar praticamente toda vez que eu o olhava.
Quis morrer de novo. Ou vomitar. Era difícil decidir o quê. - Ele não me
assediou – tentava escolher as palavras com cuidado. E também percebia, pela
expressão espantada das pessoas, que talvez eu tivesse falado isso um pouco
alto demais. Baixei a voz. – E não é psicopata. É só um cara com quem eu saí,
que ficou meio sério demais, depressa demais. Pronto falei: como me saí? Será
que iriam acreditar? Por favor, faça com que acreditem. - Ele provavelmente
queria andar de mãos dadas – Tory zombou, impassível, e Shawn soltou uma
gargalhada. Certo. Bem, isso foi maldade. Mas eles acreditaram. Pelo menos Tory
acreditou. E era só isso que importava. Quando lhe lancei um olhar feio por
causa do comentário sobre andar de mãos dadas – porque senti que era isso que
uma garota como eu faria –, Tory disse: - Ah, qual é, Jinx. Sua mãe É ministra
da igreja. Chanelle me lançou um olhar espantado. - Fala sério! Você é filha de
uma PASTORA? Claro que ela disse isso como se fosse uma coisa ruim. As pessoas
sempre fazem isso. - Também sou filha de um consultor de informática – eu
desconversei. – Meu pai trabalha com computadores. Mas ninguém estava
escutando. Ninguém nunca escuta. - Meu Deus – empolgou-se Lindsey. – Isso é tão
romântico! Você teve de fugir do estado para escapar de um amante obcecado. Eu
gostaria de ter um amante obcecado. - Eu não me incomodaria se tivesse um
sóbrio – disse Chanelle, seca. – Em vez disso só tenho o Robert. Robert ergueu
os olhos do baseado que estava tentando resgatar. - O quê? – perguntou, quando
viu que todo mundo estava olhando para ele. - Estão vendo? – Chanelle tinha um
brilho tão intenso nos olhos escuros que não pude resistir a uma risada...
...até que Shawn interrompeu dizendo: - O que é isso aqui? A bosta do programa
da Oprah? Chega da vida amorosa
da novata. Preciso do pagamento senhoras. – Ele estendeu o Treo, para que
todos pudessem ler o total. – E não, não aceito cheque.
Tory fez uma careta, mas estendeu a mão para a bolsa. Uma Prada de mil
dólares da nova coleção de primavera que minha irmã Courteney disse aos nossos
pais que era a única coisa que ela queria de aniversário. Mamãe e papai riram
como se fosse a coisa mais engraçada que já tinham escutado. Tory, Gretchen e
Lindsey contaram uma pequena pilha de notas de vinte dólares. Depois, empurrando
o dinheiro na direção do namorado, Tory perguntou: - Quando vai ser a entrega?
- Amanhã – Shawn pegou o dinheiro e arrumou a pilha antes de colocar na
carteira. – No máximo segunda-feira. - Amanhã – disse Tory e estreitou os
olhos. - Tudo bem, tudo bem. – Shawn balançou a cabeça. – Amanhã. - Torrance? –
gritou a voz de Petra, vinda do pátio. – Torrance, sua mãe está ao telefone! -
Merda – reclamou Tory. – Já volto. Essa, eu sabia, era a minha deixa para uma
saída graciosa. Quero dizer, me conhecendo, graciosa não era bem a palavra. Mas
pelo menos seria uma saída. - Acho que também preciso ir – falei, me
levantando. – Tenho de desfazer as malas. Foi legal conhecer vocês. Eu não
sabia se era a maneira certa de me despedir de um monte de adolescentes entediados
de Nova York. Mas Chanelle disse toda animada: - Foi legal conhecer você
também. Vejo você na escola! Portanto, acho que foi tudo bem. - E eu – Zach
também disse e se levantou – estou ouvindo meu dever de cálculo me chamar. Vejo
vocês depois. - Torrance! – gritou Petra de novo. Tory xingou e saiu do
caramanchão. Zach foi atrás dela e eu fui atrás do Zach. Ainda que a visão
traseira de Zach fosse tão impressionante quanto a dianteira, não pude
aproveitar. Só queria ir para o meu belo quarto cor-de-rosa, fechar a porta e
ficar lá um tempo, sozinha, com minha lareira de mármore que não funcionava, e
entender o que havia acabado de acontecer – para não falar do que eu iria
fazer. Porque a coisa não estava acontecendo como eu havia imaginado. De jeito nenhum.
Não que eu tivesse pensado que Tory e eu fôssemos passar o tempo todo juntas
entrando num riacho e subindo em árvores. Só não havia esperado exatamente...
Bem, aquilo. No pátio, Petra entregou o telefone a Tory, depois sorriu para mim
e para Zach. - Olá – disse ela. – Vejo que vocês dois se conheceram. Não vai
pular o muro hoje, Zach? Zach estendeu as mãos, que, como notei pela primeira
vez, estavam cobertas de leves arranhões rosados, não muito diferentes dos que
eu havia
recebido da cerca de ferro fundido onde havia me agarrado para não cair
quando cheguei. - Não com essas rosas crescendo tão sem controle lá atrás – ele
respondeu. – Um dia desses aquelas coisas ainda vão me matar. - Você deveria
vir pela porta, como uma pessoa normal – riu Petra. – Você está velho demais
para pular muros. – Ela se virou para mim. – Jean, se algum dia quiser ir a um
museu, à ópera ou ao teatro, Zach é a pessoa certa para consultar. Ele sabe
tudo que há para saber sobre esta cidade... - Ei, calma aí – Zach pareceu ligeiramente
sem graça. Será que Robert estava certo? Será que Zach tinha uma queda por
Petra? Mas se ele estava apaixonado por Petra, não deixava transparecer pelo
modo como interagia com ela. Parecia tratá-la com a mesma casualidade amigável
que tratava... ...bem, como me tratava. - É verdade – Petra sorriu para Zach. –
Quando cheguei aqui e não conhecia ninguém além do senhor e da senhora Gardiner
e as crianças, Zachary me levou a toda parte. Ao Guggenheim, ao Frick, ao Met,
às boates de jazz. Até ao zoológico. Zach ficou mais sem graça ainda. - Gosto
de focas – disse a mim, como se quisesse se desculpar da aparente estranheza de
levar a au pair ao zoológico. Hummm. Talvez ele tivesse uma ligeira queda por
ela.
- E então – continuou Petra, enquanto a seguíamos pela porta de vidro para
a sala íntima –, quando meu namorado, Willem, veio me visitar, Zachary nos deu
ingressos para o... como é que se chama? - Cirque du Soleil – naquele momento,
Zach, estava completamente sem graça. Mas ainda assim deu de ombros, bem-humorado.
– Meu pai sempre consegue ingressos para as coisas, por causa do emprego dele.
Sorri para Zach. Não pude evitar. Tipo, além de gato, havia algo nele que era
tão... bem, fácil de gostar. Gosto de focas. Eu teria entendido totalmente se o
que Robert tivesse dito fosse verdade, que Tory estava a fim do Zach. Eu mesma
estava, e havia acabado de conhecer o cara. - Meu Deus, mãe! – A voz de Tory,
do outro lado do pátio, saiu estridente. – Tá brincando comigo? Eu tenho coisas
para fazer, você sabe. Petra começou a fechar a porta de vidro. - Jean – disse
ela rapidamente –, preciso pegar as crianças na escola. Gostaria de ir comigo?
As crianças adorariam. Mas Petra não foi suficientemente rápida com a porta,
nem sua voz gentil abafou as palavras de Tory: - Porque eu tenho coisas
melhores a fazer do que ficar dando uma de babá para minha prima caipira, por
isso! A porta se fechou com um estalo e Petra se encostou rapidamente nela, com
uma expressão de pânico no rosto. - Minha nossa. Tenho certeza de que ela
não... tenho certeza... Algumas vezes Torrance diz coisas que não são de
propósito, Jean.
Sorri. O que mais poderia fazer? E a verdade era que nem fiquei chateada.
Pelo menos não muito. Eu estava sem graça, claro. Em especial porque vi Zach
meio que se encolhendo e murmurando a palavra ui ao ouvir a expressão prima
caipira. Mas eu estava aceitando o fato de que esta Tory não era a Tory doce e
divertida que eu lembrava de anos atrás. Esta nova Tory, fria e sofisticada,
era uma estranha. E, na verdade, eu não estava dando a mínima para o que uma
estranha teria a dizer sobre mim. Sendo sincera. Tudo bem, talvez não com tanta
sinceridade assim. - Sem problema – falei em tom casual. Pelo menos esperava
que soasse casual. – Ela provavelmente tem coisas melhores a fazer do que
bancar a minha babá. O saco é que as pessoas evidentemente acham que eu preciso
de uma babá – acrescentei, para o caso de eles não terem captado a mensagem. –
Não preciso. Zach levantou as sobrancelhas escuras, mas não disse nada. Esperei
que ele não estivesse se lembrando do chá gelado Long Island, mas provavelmente
estava. Petra continuou inventando desculpas para Tory (―Ela está nervosa com
as provas do período.‖ ―Ela não tem dormido bem.‖) até chegarmos à porta da
frente. Fiquei me perguntando por quê. Afinal de contas, essa nova Tory não
havia me parecido uma pessoa que desejaria que alguém – e muito menos
precisaria de que alguém – inventasse desculpas para ela. Mas talvez houvesse
coisas que eu não sabia sobre ―Torrance‖, que precisavam ser levadas em
consideração. Talvez, apesar do jardim lindo e das ferragens de banheiro em forma
de cisne, nem tudo estivesse indo bem no lar dos Gardiner. Pelo menos no
quesito Tory. - Bem – disse Zach quando chegamos à calçada (fiquei satisfeita
porque desta vez consegui passar pela escadinha da frente sem despencar). – Foi
legal conhecer você, prima Jean de Iowa. Eu moro aqui ao lado, por isso tenho
certeza de que a gente vai se ver de novo. Pelo menos agora entendi o negócio
de ele pular o muro – o quintal dele era separado do jardim dos Gardiner por
aquele muro de pedra perto do caramanchão – e também como foi que ele, como
Tory, teve a chance de tirar o uniforme da escola antes dos outros. - Ah, sim,
vocês vão se ver com freqüência. – O humor de Petra parecia melhor depois que
saímos da casa. E de perto de Tory. – Jean vai freqüentar a escola Chapman pelo
resto do semestre. - Foi o que ouvi falar – Zach piscou para mim. – Então vejo
você por lá. Tchau, prima Jean de Iowa.
A piscadela fez outra vez meu coração acelerar. Era melhor eu ter cuidado.
Felizmente ele se virou para ir embora. Vi que Zach morava na casa à esquerda
dos Gardiner, também de quatro andares, só que pintada de azul-escuro com
acabamento em branco. Sem floreiras, mas com a porta da frente pintada de cor
forte, tão vermelha quanto os gerânios dos Gardiner. Vermelha como sangue.
E por que foi que eu pensei isso? - Venha, Jean – Petra inclinou a cabeça
na direção oposta à que Zach havia tomado. – A escola de Teddy e Alice é por
aqui. - Só um segundo – respondi. Porque, claro, eu não podia ir logo, enquanto
as coisas ainda estavam indo bem. Ah, não. Não Jinx Honeychurch. Não, eu tinha
de ficar ali parada, enraizada no lugar como a caipira que Tory evidentemente
achava que eu era, olhando Zach passar por um carro que havia acabado de entrar
numa daquelas vagas muito desejadas da cidade de Nova York. Alguém do lado do
carona estava abrindo a porta para sair... ... no momento em que um homem numa
bicicleta de dez marchas, usando sacola de mensageiro, veio a toda pela rua.
Foi então que duas coisas pareceram acontecer ao mesmo tempo. Primeiro, o
mensageiro de bicicleta se desviou para não acertar a porta aberta do carro, e
teria subido na calçada e acertado o Zach... ... se, naquele segundo exato, eu
não tivesse me jogado no caminho para empurrar o Zach, que não havia notado o
carro, a bicicleta nem o vermelho-sangue dos gerânios. Motivo pelo qual acabei
sendo atropelada por um mensageiro de bicicleta no meu primeiro dia em Nova
York. O que, pensando bem, só pode ser culpa da minha falta de sorte.
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