terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Capítulo 22 (Sorte ou Azar)


Capítulo 22

Meu joelho estava bem machucado, mas não o desloquei. O médico disse que o hematoma provavelmente ia até o osso, mas que iria sumir. Um dia. Mais ou menos, eu esperava, como aconteceria com minha lembrança do que havia acontecido naquela noite no caramanchão. Bem, não todas as lembranças daquela noite, claro. Quando voltei à Encantos, para agradecer a Lisa por tudo que ela havia feito por mim e contar o que havia acontecido – por exemplo, o motivo pelo qual eu estava usando muletas –, ela sorriu e disse: ― Então. Você fez. Não precisei perguntar o que ela queria dizer. ― É. Fiz. Ela mandou que eu dormisse com lavanda embaixo do travesseiro. Isso iria adoçar meus sonhos. Não adoçou. Mas definitivamente fez a roupa de cama cheirar melhor. O que ajudou, na verdade, foi o tempo. O tempo e, claro, os amigos. Tia Evelyn e tio Ted ficaram horrorizados ao saber o que Tory havia feito comigo. Mas ela ainda era filha deles e, bem, eles precisavam defendê-la. Mesmo que ela fosse totalmente maluca. Eu podia entender. E não era como se ela tivesse tentado me matar. Tenho quase certeza. Tory só pretendia tomar algumas gotas do meu sangue, absorver o que quer que ela estava tão convencida de que eu havia herdado e ela não, me obrigar a beber alguma poção nojenta feita com cogumelos tirados de uma lápide, e depois me soltar. Pelo menos foi o que ela disse aos pais que teria acontecido, se Zach não tivesse intervindo. Acho que acredito. Quero dizer, é a mesma história que Lindsey e Gretchen contaram aos pais DELA. Mas elas, claro, dificilmente admitiriam que tinham sido cúmplices de uma tentativa de assassinato.

Verdade: a única dúvida que eu tinha em relação a coisa toda era... bem, a que apresentei ao Zach no dia seguinte. Eu havia chegado do consultório médico e estava com um saco de gelo no joelho, sentada diante da TV, enquanto o senhor e a senhora Gardiner iam aos terapeutas de Tory... com Tory, claro.

A dúvida era: como ele ficou sabendo? O que estava acontecendo no caramanchão? ― Eu estava acordado. – Não conseguia dormir. – Ele me lançou um sorriso torto. – Acho que você sabe por quê. ― Aquele boneco era de Tory – falei pelo que parecia a milionésima vez – e não... ― ... seu. Eu sei. Gretchen disse isso ontem à noite, lembra? De qualquer modo, eu estava acordado e... não lembro exatamente. Ah, ouvi um gato chorando. Devia ser Mouche... ― Era. Mouche estava em segurança com Alice, que não ficou sabendo que sua gata amada havia sido usada de modo tão perigoso. ― Certo. Bem, foi então que olhei pela janela e percebi as luzes no caramanchão. E só achei... esquisito. Você sabe, as velas acesas. E também que Mouche estivesse do lado de fora tão tarde. Por isso desci e pulei o muro para dar uma olhada. Enquanto me aproximava, escutei aquelas maluquices que Tory estava falando com você. Então entrei e vi... bem, você sabe o que eu vi. Confirmei com a cabeça. É. Eu sabia o que ele tinha visto. E também o que tinha ouvido. Mouche, é. Mas também eu. Ele me ouviu. Ele não sabia. Provavelmente nunca saberia. Mas tudo bem. Por enquanto. ― Mas se você sabia que o boneco não era meu, o tempo todo, porque não disse nada? Quero dizer, no baile? ― Você foi embora tão depressa, como é que eu poderia? Tentei pasar aqui mais tarde, mas Petra disse que você estava dormindo. De qualquer modo, eu sabia que você não tinha feito o boneco porque conheço você. Você sempre conta a verdade... bom, a não ser por aquela mentirinha de ter comprado o livro para o aniversário de sua irmã Courtney. – Fiquei vermelha, espero que de um modo bonito. Mas mesmo assim. – E que você acabou confessando. Admitiu que fez o boneco do Dylan, e era fácil ver que os dois bonecos não tinham sido feitos pela mesma pessoa. Espero que sim. Afinal, eu tirei dez em costura na sétima série. Ao passo que o boneco feito por Tory... bem, dava para ver que era feito por alguém que nunca havia costurado nem um pegador de panelas.

― Por isso eu sabia que você não tinha tentado fazer um feitiço de amor para mim usando um boneco idiota – continuou Zach. – Mas... bom, mais cedo naquele dia eu encontrei um negócio esquisito na minha mochila...

E tirou do bolso dos jeans o saquinho que Lisa havia feito para mim. ― Isso é para proteção – expliquei. – Eu estava preocupada com a hipótese de Tory fazer alguma coisa contra você. Você deve ficar com isso, para que nada de ruim lhe aconteça. Ele olhou para o saquinho e assentiu. ― Suspeitei de algo assim – ele recolocou o sachê no bolso. – Mas não tinha certeza. Então percebi o que ele queria dizer. ― Espera... você não achou que era uma poção do amor, ou algo do tipo, achou? – perguntei ficando totalmente vermelha. ― Bom. Eu estava mesmo tendo dificuldade para tirar você da minha cabeça. Por isso me passou pela mente que talvez... ― Zach! – gritei sentando-me. E machucando o joelho. – Eu nunca... eu já disse, aprendi minha lição com o Dylan! Nunca, nunca mais vou fazer nenhum feitiço de amor enquanto viver. ― Eu sei – ele riu. – Eu me apaixonei por você muito antes de você ter a chance de me enfeitiçar. Foi quando falou ―nunca estive em Long Island‖. Não consegui esconder um enorme riso pateta. ― Me apaixonei por você no ―eu gosto de focas‖ – admiti. Ele riu de volta. ― E, de qualquer modo – continuou ele –, você sabe que eu não acredito nessa bobagem de bruxaria. Já falei isso. ― Sei que não acredita. Mas você tem de admitir... – Como é que eu poderia dizer? – O negócio com o Dylan... ― Você mesma disse. Ele era um cara preparado para se apaixonar e você apareceu na hora certa. ― É. Mas como explicar eu ter empurrado você do caminho do mensageiro de bicicleta? ― A mesma coisa. Lugar certo, hora errada. ― E ontem a noite? Zach, como você ao menos pode começar a explicar a noite passada? ― Que parte? A parte em que sua prima psicopata tentou tirar seu sangue para herdar um pouco da magia da sua avó morta? Ou a parte em que salvei você?

― A segunda parte. Como você sabia que deveria olhar pela janela naquela hora? ― Eu disse. Ouvi a gata de Alice. A gata? Ou eu? Ou... Branwen? ― De qualquer modo – Zach deu de ombros –, agora estamos quites, você sabe. Não lhe devo mais servidão eterna. Você me salvou de ser atropelado por uma bicicleta e agora eu salvei você de sua prima psicótica. E, por falar em psicótica, o que aconteceu com o tal do Dylan, afinal? ― Os Gardiner o puseram num avião de volta para Iowa hoje cedo – suspirei. Percebi que jamais conseguiria fazer com que Zach admitisse a existência de

algo como magia. Ah, bem. Ele acabaria descobrindo sozinho. Pelo menos se ficasse perto de mim por tempo suficiente. Disso eu não tinha dúvida. ― Meus tios descobriram que ele estava hospedado no Waldorf. Tory usou um cartão de crédito deles para pagar um quarto, sem falar da passagem de avião. Ele gastou quinhentos dólares só em serviço de quarto e pay-per-view. ― Uau. Sem dúvida você sabe escolher. Joguei uma almofada do sofá em cima dele. Zach pegou-a rindo e disse: ― Você deve estar se sentindo melhor. – Em seguida se acomodou no sofá perto de mim, tendo o cuidado com meu joelho machucado, e se inclinou até estar com o rosto a uns dois centímetros do meu. ― Ei, Jean – disse ele, muito mais baixinho. Olhei para os lábios de Zach. ― Sim? ― Tenho a sensação – ele começou a olhar para os meus lábios – de que ninguém mais vai chamar você de Jinx. Acho que de agora em diante sua sorte vai mudar. E então me beijou. É estranho, mas Zach estava certo. Com relação à minha sorte mudar. Por exemplo: sabe a bolsa da escola Chapman, da qual Zach me falou? Bom, eu fiz o teste. E ganhei. Em seguida, claro, houve a parte incômoda... perguntar a tia Evelyn e tio Ted se eu podia ficar com eles durante o próximo ano letivo.

Mas pelo modo como eles reagiram, ficou claro que nunca haviam pensado que eu ao menos pudesse querer voltar a Hancock. Agora eu fazia parte da família – da família deles – e podia ficar o quanto quisesse. Isso talvez se devesse ao fato de que, no fim das contas, foi Tory que partiu... para um internato militar, onde passou o resto do segundo ano do ensino médio, além das férias de verão. E então, quando voltou – o cabelo tingido de preto havia sumido e os pêlos curtos e novos de seu louro natural cobriam a cabeça dela como a penugem de um pinto –, seus pais tinham uma surpresa: haviam feito a inscrição dela num colégio interno ―especial‖, em vez da Chapman, para o ano seguinte. E ainda que Tory os tivesse acusado de mandá-la para o colégio militar, isso não era verdade. De jeito nenhum. A escola para onde a mandaram era um lugar lindo na área rural de Iowa – imagine só –, onde os alunos faziam coisas como cuidar de uma fazenda, caminhadas e basicamente desafiarem a si mesmos como nunca haviam feito antes. Em outras palavras... Aprendiam a abraçar seus temores. Todos os dias. Não foi fácil para tia Evelyn e tio Ted mandá-la para lá. Mas, como disse minha tia, ela precisava se preocupar com Teddy e Alice, e não achava que Tory fosse exatamente o melhor modelo de comportamento no mundo, para

eles. E sabe o que era bom com relação ao lugar onde haviam mandado Tory? Ela podia ficar com a minha família nos fins de semana. Isso mesmo. Tory ia visitar Hancock todo sábado e domingo, e ver como era ser filha de uma pastora. Segundo Chanelle, para quem Tory escrevia ocasionalmente, Tory achou a vida na minha casa mais difícil ainda do que no colégio militar. Mas havia uma pessoa para consolá-la no sofrimento. Com Dylan vindo todos os fins de semana da Universidade Estadual de Iowa, e Tory lá em Hancock todo fim de semana, bem... acho que era natural que o amor florescesse.

Pelo menos se der para acreditar no último e-mail de Courtney – reclamando que Dylan e Tory vivem levando bronca de mamãe porque ficam se agarrando na sala de TV. E apesar do que Zach pudesse pensar, não tive nada a ver com isso. Afinal de contas, tinha prometido a Zach que não faria feitiços de amor. E falei sério. Porque o amor melhor e mais duradouro tem magia própria, e não precisa da ajuda de nenhum feitiço. Zach também estava certo com relação a outra coisa: Agora ninguém me chama de Jinx. É só Jean. A simples e velha Jean. E eu gosto.

FIM!

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