terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Capítulo 15 (Sorte ou Azar)
Capítulo 15:
Os sininhos da porta da loja tocaram quando entrei. A mulher atrás do
balcão levantou o olhar do livro que estava lendo e disse: — Abençoada... Então
me reconheceu e seu rosto se abriu num sorriso. — Ah, é você – disse com
gentileza. – Como vai, irmã? Fui para perto do balcão, hesitando. Desta vez, eu
tinha vindo sozinha, me virando no sistema de transportes de Nova York sem a
ajuda de Zach. Havia sido apavorante pegar o metrô sozinha, em especial quando
os vagões chegavam trovejando na estação, rugindo tão alto que eu não conseguia
ouvir mais nada. Mas eu tinha conseguido. E agora estava na loja da Rua Nove,
sentindo que era idiotice ter vindo. A magia não poderia me ajudar. Nem esta
mulher Ninguém poderia me ajudar. A mulher pousou o livro. Olhei a capa. Não
era um livro sobre bruxaria, como eu poderia ter esperado, e sim um simples
romance de ficção científica. — O que é, querida? – perguntou a mulher com voz
simpática. Olhei ao redor. A não ser pela gata, que estava deitada numa pilha
de livros num canto, tomando banho, concentrada, não havia mais ninguém na
loja. Engoli em seco. Estava me sentindo ridícula. No entanto... — Alguém que
eu conheço está fazendo um feitiço – falei rapidamente. Afinal de contas... que
mal faria? Talvez até ajudasse. – Só sei que um dos ingredientes é um tipo de
fungo que cresce em lápides, e... ah... a pessoa que vai fazer o feitiço tem de
colher os fungos à meia-noite sob uma lua crescente. Fiquei pensando se você
teria alguma idéia do tipo de feitiço que poderia ser. A mulher, que parecia
ter trinta e poucos anos, com pele perfeita e cabelos compridos e escuros,
franziu a testa, pensativa. Fiquei preocupada com a hipótese de ela fazer um
discurso sobre como a prática da bruxaria tinha realmente a ver com ganhar
força, e que os feitiços eram apenas o modo de a bruxa focalizar a energia para
resolver alguns problemas. Mas, em vez disso, a mulher falou:
— Bem, a lua crescente é quando está ficando cheia, de modo que um feitiço
feito nesse período indica algum tipo de crescimento. É um bom tempo para novos
começos. — Então... poderia ser um feitiço bom? – Fiquei animada. – Quero
dizer, novos começos são bons, não é? — Nem sempre. – A vendedora me olhou com
simpatia. – Essa pessoa está com raiva, por acaso? Engoli em seco de novo.
Tenho um agradecimento muito especial que estive guardando só para a Jinx. —
Está. Ela assentiu: — Isso significa problema, então. Mas nada que você não
possa resolver. Olhei-a boquiaberta. — Eu? Dificilmente. A mulher pareceu achar
divertido. — Só de olhar, posso dizer que você é uma bruxa nata... e poderosa,
pelo que sinto. Balancei a cabeça de modo que os cachos bateram nas bochechas.
— Não. Não, você não entende. Qualquer poder que eu tenha... é ruim. Tudo que
eu toco dá problema. Por isso me chamam de Jinx. A mulher sorriu, mas ao mesmo
tempo balançou a cabeça. — Você não é azarada. Mas sinto... perdoe-me por
dizer, mas sinto que você tem medo dele. Do seu poder. Não pude deixar de
encará-la. Como é que ela... Ah. Certo. Ela era uma bruxa. — Fiz um feitiço uma
vez – contei, com a garganta subitamente muito seca. – Meu primeiro feitiço.
Meu único feitiço, na verdade, a não ser um feitiço de amarração. Esse feitiço,
o primeiro... deu errado. Muito, muito errado. — Ah. – Ela assentiu, como se
soubesse das coisas. – Agora entendo. Esse poder que você descobriu a deixou
amedrontada. Talvez seja isso que esteja provocando seu suposto azar. Você
mesma está provocando-o, através do medo. O quê? Eu estava causando meu azar?
Impossível. Por que eu faria isso?
— Compreendo como deve ser para você – continuou ela, com simpatia. – E
está certa em ser cautelosa. Um poder tão forte quanto o seu... é realmente
muita responsabilidade. Você nunca deveria usá-lo de modo leviano. E nunca,
como tenho certeza de que aprendeu, para manipular a vontade de outra pessoa.
Porque pode dar errado... muito errado, como parece ter acontecido com seu
primeiro feitiço. Mas isso não significa que deva ter medo dele. Ter cuidado,
sim. Medo, não. Porque seu poder, seu dom, faz parte de você. Uma parte boa, e
não má. Ao não abraçá-lo, você está negando parte de si mesma. É como dizer que
não gosta de si mesma. E isso é errado. Sem dúvida você pode ver que é isso que
está acontecendo, porque tem uma espécie de... bem, como você diz, azar, não é
isso o que jinx significa?
Peguei-me confirmando com a cabeça. Não confiava em minha capacidade de
falar. — A magia que você possui – continuou a mulher, com gentileza – é muito
antiga e muito forte. Acho que a pessoa que está fazendo esse feitiço contra
você, o dos cogumelos, não tem a mínima idéia do que está enfrentando. Você irá
derrotá-la... mas, para isso, precisa abraçar aquilo que você teme. Abraçar o
que eu temia? Ela só podia estar brincando. Quero dizer, era fácil para ela
falar. Talvez se ela ficasse no meu lugar durante um dia, só um dia, veria que
não havia nada para abraçar... só coisas das quais fugir, gritando. Ratos sem
cabeça, ciclistas descontrolados, bonecos com alfinetes na cabeça e... A mulher
sorriu para mim. — Você não acredita. Estou vendo. E não me importo. Mas esse
seu feitiço de amarração... funcionou? Pensei em Petra... em Willem ganhando
aquela viagem à Nova York e ela tirando dez em gliconutrição. — F... funcionou
– hesitei. – Na verdade parece ter dado certo. Até agora. — Na hora você não
teve medo do seu poder, não é? — Não. Eu estava com raiva.
— Está vendo? A raiva pode ser saudável. Quando chegar a hora, e ela vai
chegar, lembre-se disso. E do que eu disse. Abrace seus poderes, ame-se da
maneira que a Natureza lhe fez, e você vencerá. Sempre. Eu queria acreditar
nela. Mas como poderia abraçar uma coisa que, durante toda a vida, vinha
simplesmente estragando tudo para mim? Impossível. Mesmo assim, para ser
educada, sorri. — Ah –falei. – O negócio é que não estou preocupada comigo.
Estou mais preocupada com... com um amigo. – Não queria admitir em voz alta que
tinha medo de Tory fazer alguma coisa para prejudicar o Zach. Não de propósito,
claro, mas não conseguia afastar a imagem daquele boneco com o alfinete na
cabeça. Sabia, bem demais, como um feitiço podia se virar contra o feiticeiro e
acabar prejudicando a única pessoa que ele jamais pretendia ferir. – Fico
preocupada com a hipótese de essa... pessoa... que está fazendo o feitiço com
os cogumelos, tentar fazer alguma coisa com ele. Esperava que você tivesse aqui
alguma coisa que pudesse protegê-lo... sem que ele percebesse, se possível. —
Ele não acredita? – perguntou a mulher, com um sorriso torto. — Ah... não
exatamente. Os olhos azuis da mulher se franziram. — Sei. Bem, na verdade... E
então a mulher – que, como percebi naquele momento, era realmente uma bruxa
sincera e praticante, mesmo que não estivesse usando sequer um fio de linha
preta, só uma camiseta Wonder Bread e jeans – desceu do banco e saiu de trás do
balcão.
— Um pouco de casca de limão em pó – ela foi até a parede mais distante da
loja, que era forrada de prateleiras onde havia aquele tipo de vidros com tampa
de metal que deve ser erguida para que se possa pegar o que estiver dentro,
como numa antiquada loja de doces. – Isso é para limpeza. – Em seguida, ela
levantou uma tampa e pegou com uma colher um pouco de pó amarelo e pôs num saquinho
de pano. – Depois, um pouco de gengibre, para dar energia. – Acrescentou no
saquinho algumas lascas de uma raiz. – Cravo, para proteção, claro... – Alguns
pauzinhos foram para dentro do saco. – E não vamos esquecer um pouco de
alecrim. – Ela se virou e piscou na minha direção. – Para o amor, por mais
impossível que possa parecer no momento. Pronto. – Ela torceu a boca d saquinho
e depois amarrou-o com um pedaço de fita amarela. – Com sorte, qualquer feitiço
feito contra essa pessoa – ela me entregou um saquinho – vai ricochetear sem
causar dano algum e bater de volta em quem o lançou, enquanto ele carregar
isso. Com sorte. Engoli em seco e peguei o saquinho. — Tipo aquele ditado
popular? ―Deus te dê em dobro tudo que me desejares‖? A mulher riu de novo, os
olhos azuis se franzindo nos cantos. — Exatamente assim. Abri minha mochila e
coloquei o sache perfumado lá dentro, imaginando como, afinal, eu iria
colocá-lo no Zach sem que ele soubesse... especialmente considerando o fato de
que ele não parecia estar falando comigo no momento. — Bem, muito obrigada. Mas
não conseguia ver como um punhado de ervas secas protegeria alguém da fúria de
Tory. Por outro lado, uma vez eu havia deixado de ver como um outro feitiço
iria funcionar, e olha onde ele me deixou. — Quanto devo? A feiticeira riu. —
Nada! É meu prazer ajudar. Por sinal, meu nome é Lisa. — Jean – respondi
estendendo a mão para apertar a da bruxa. – Mas você vai acabar indo à falência
se ficar me dando coisas. Já me deu isso. – Toquei o pentagrama no pescoço. –
Lembra? Lisa sorriu.
— Lembro. Use-o e tenha saúde. Volte em alguns dias e conte como estão as
coisas. Pus a mochila no ombro: — Está certo. Obrigada. — E não esqueça – disse
Lisa, enquanto eu estava saindo. – Abrace seu dom, Jean. Nunca tenha medo dele.
Ele é parte de quem você é. Confirmei com a cabeça e saí da loja depois de
agradecer mais uma vez. Havia uma parte minha, claro, que achava aquilo tudo
uma idiotice. Abraçar meu dom? Sem dúvida ela não podia estar falando do dom
que a tata-tata-e-assim-por-diante-tataravó Branwen havia deixado para mim...
ou para nós,
se Tory fosse incluída. O dom sobre o qual Tory havia dito, em tom de
zombaria, que ela não tinha medo de usar, ainda que talvez eu tivesse. O dom da
magia. Como essa mulher poderia saber sobre Branwen, quanto mais sobre seu dom?
Será que eu tinha algum tipo de poder – verdadeiro – como a mulher parecia
achar? E será que eu estava realmente provocando minha má-sorte ao temer e não
abraçá-lo? Só havia um modo de descobrir.
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