sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Capítulo 19 (Fallen)


Capitulo 19 Fora de Vista
      No topo da escada estava uma parede plana de tijolos. Becos sem saída de
qualquer tipo sempre fazia Luce sentir-se claustrofóbica, e este era ainda pior
devido a faca pressionada em sua garganta. Ela se atreveu a olhar de volta para a
íngreme subida que elas tinham escalado. Daqui, parecia uma queda muito longa e
dolorosa.
A Miss Sophia estava falando em uma língua outra vez, murmurando em voz baixa
enquanto ela habilmente abria outra porta secreta. Ela empurrou Luce em uma
pequena capela e trancou a porta atrás delas. Estava gelado lá dentro e cheirava
esmagadoramente a pó calcário. Luce lutava para respirar, para engolir a saliva
irritadiça em sua boca. Penn não podia estar morta. Tudo isso não podia ter
acontecido. A Miss Sophia não podia ser tão má. Daniel disse para confiava na Miss
Sophia. Ele disse para ir com ela até que ele pudesse encontrar-se com Luce...
A Miss Sophia não prestou atenção a Luce, simplesmente caminhou ao redor da
sala, acendendo velas atrás de velas, curvando-se por cada uma, e continuava
cantando em uma língua que Luce não conhecia. Em um abrir e fechar de olhos
revelou que a capela estava limpa e bem conservada, o que significava que não
tinha passado muito tempo desde que alguém mais estivesse aqui. Mas certamente
a Miss Sophia era a única pessoa no campus que teria uma chave para uma porta
secreta? Quem mais sabia que este lugar existia?
O teto de telhas vermelha era inclinado e irregular. Largas tapeçarias desbotadas
cobriam as paredes, representando imagens arrepiantes de criaturas metade
homem, metade peixe lutando em um oceano revolto. Havia um pequeno altar
branco em frente, e algumas filas de bancos de madeira simples ordenados ao
longo do piso de pedra cinza. Luce procurou ao redor desesperadamente por uma
saída, mas não havia outras portas e não havia janelas. As pernas de Luce estavam
tremendo de raiva e medo. Ela estava em agonia por Penn, traída e deixada sozinha
ao pé da escada.
      ― Por que você está fazendo isso? ― Ela perguntou, apoiando-se contra as
portas arqueadas da capela. ― Confiei em você. ―
 ― Essa é sua culpa, querida, ― a Miss Sophia disse, rudemente torcendo o braço de
Luce. Em seguida, o punhal estava de novo em seu pescoço e ela estava sendo
guiada até um corredor da capela. ― A confiança é uma ocupação negligente, na
melhor das hipóteses. Na pior das hipóteses, é uma boa forma de ser assassinada.
A Miss Sohia empurrou Luce em direção ao altar. ― Agora seja boazinha e deite-se,
sim? ―
Porque a faca ainda estava muito próxima de sua garganta, Luce fez o que ela
ordenou. Ela sentiu um pouco de frio em seu pescoço e levantou sua mão para tocá-
lo. Quando ela levantou o dedo as pontas estavam vermelhas com pontos de
sangue onde a lâmina a tinha picado. A Miss Sophia bateu em sua mão.
 ― Se pensa que isso é ruim, deveria ver o que está perdendo lá fora, ― ela disse,
fazendo Luce estremecer. Daniel estava lá fora.
O altar era uma plataforma quadrada branca, um único pedaço de pedra não tão
maior que Luce. Ela sentia frio e em desespero, exposta em cima dele, imaginando
os bancos sendo preenchidos por fiéis sombrios esperando para que sua tortura
começasse. Olhando para cima, ela viu que havia uma janela nesta capela
cavernosa, uma longa roseta de vidro como uma clarabóia no teto. Tinha um
complicado desenho floral geométrico, com rosas vermelhas e roxas contra o fundo
azul-marinho. Teria sido muito mais bonito para Luce se tivesse oferecido uma vista
lá de fora.
 ― Vejamos, onde parei... ah, sim! ― a Miss Sophia foi para baixo do altar e voltou
com uma comprida e grossa corda. ― Não se mova, agora, ― ela disse, agitando a
faca em direção a Luce. Então ela prendeu Luce a quatro buracos na superfície do
altar. Primeiro cada tornozelo, em seguida, cada pulso. Luce tentou não contorcer-
se pela dor enquanto ela era amarrada como uma espécie de sacrifício. ― Perfeito,
― disse a Miss Sophia, dando-lhe confusos nós, puxando firme.
     ― Você planejou tudo isso, ― Luce percebeu perplexa.
A Miss Sophia sorriu tão docemente, como ela fez no primeiro dia que Luce
tropeçou ao entrar na biblioteca. ― Eu diria que não é nada pessoal, Lucinda, mas
na verdade, é. ― ela gargalhou. ― Estive esperando por muito tempo para este
momento a sós com você. ―
― Por quê? ― Luce perguntou. ― O que você quer de mim? ―
 ― De você, só quero eliminá-la, ― disse Miss Sophia. ― É Daniel quem quero
libertar. ―
Ela deixou Luce no altar e moveu-se até um átrio próximo dos pés de Luce. Levantou
o livro de Gregori sobre o átrio e começou a folhear rapidamente as páginas. Luce
relembrou o momento quando ela abriu o livro e viu seu rosto ao lado de Daniel
pela primeira vez. Como isso finalmente chegou a ela que ele era um anjo. Até
então ela não sabia praticamente nada, mas mesmo assim tinha certeza de que a
fotografia significava que ela e Daniel podiam estar juntos.
Agora isso parecia impossível.
 ― Você só fica lá desmaiando sobre ele, não é? ― Miss Sophia perguntou. Ela
fechou o livro e bateu o punho na capa do livro. ― Este é precisamente o problema.
 ― Qual é o problema com você? ― Luce se debatia contra as cordas que a
sujeitavam no altar. ― O que importa o que Daniel e eu sentimos um pelo outro, ou
quem de nós dois namora em primeiro lugar? ― Esta psicopata não tinha nada a ver
com eles.
 ― Gostaria de ter uma conversa com quem pensou que colocar o destino de todas
as nossas almas imortais nas mãos de um par de crianças apaixonadas era uma
idéia tão brilhante. ― Ela levantou um punho e agitou no ar. ― Eles querem que o
equilíbrio seja direcionado? Eu mostrarei a eles a direção do equilíbrio. ― A ponta
de sua adaga brilhava à luz da vela.
Luce tirou os olhos da faca. ― Você está louca. ―
      ― Se querer um final para a mais longa e sangrenta batalha já travada significa
que estou louca, ― – no tom da Miss Sophia estava implícito que Luce era uma
estúpida por ainda não saber o que era tudo isso ― – que assim seja. ―
A idéia de que a Miss Sophia pudesse dizer algo sobre o final de uma batalha não
encaixava na cabeça de Luce. Daniel estava lutando uma batalha lá fora. O que
estava acontecendo aqui não podia se comparar com isso, independentemente da
Miss Sophia ter passado para o outro lado.
 ― Disseram que seria o Inferno na Terra, ― Luce murmurou. ― O Fim dos Dias. ― A
Miss Sophia começou a rir. ― Parece ser dessa forma para você agora. É tão
surpreende assim que eu seja um dos mocinhos, Lucinda? ―
 ― Se está do lado bom, ― Luce soltou, ― não parece uma guerra que vale a pena
lutar. ―
A Miss Sophia sorriu, como se ela estivesse esperado essas mesmas palavras. ― Sua
morte pode ser o empurrão que Daniel precisa. Um pequeno empurrão na direção
certa. ― Luce se retorceu no altar. ― Você... você não me machucaria. ―
A Miss Sophia se aproximou, e colocou seu rosto perto. O aroma artificial de talcos
velhos de bebê chegou ao nariz de Luce, dando-lhe náuseas.
― É claro que eu faria, ― disse a Miss Sophia, balançando a selvagem prata
borbulhante de seu bagunçado cabelo. ― Você é o humano equivalente a uma
enxaqueca. ―
― Mas eu voltarei. Daniel me disse. ― Luce engoliu saliva. Em dezessete anos.
― Oh, não, você não voltará. Não desta vez. ― Disse a Miss Sophia. ― Naquele
primeiro dia que você entrou na minha biblioteca, vi algo em seus olhos, mas não
conseguia saber o que era. ― Ela sorriu para Luce. ― Conheci você muitas vezes
antes, Lucinda, e a maioria das vezes, era absolutamente chata. ―
     Luce ficou tensa, sentindo-se exposta, como se estivesse nua no altar. Uma
coisa era Daniel ter encontrado-a em outras vidas ― mas outros a tinham
conhecido também? ― Desta vez, ― a Miss Sophia continuou, ― desta vez tem algo
a margem. Uma chama genuína. Mas não foi até esta noite, esse lindo erro de seus
agnósticos pais. ―
― O que tem meus pais? ― Luce perguntou.
― Bem, querida, a razão pela qual volta de novo e de novo é porque todas as outras
vezes em que nasceu, era iniciada em uma crença religiosa. Desta vez, quando seus
pais optaram por não batizá-la, eles efetivamente deixaram sua pequena alma
exposta para os outros. ― Ela deu de ombros dramaticamente. ― Sem o ritual de
boas-vindas em uma religião, equivale a não reencarnação para Luce. Uma
pequena, mas essencial curva em seu ciclo. ―
Podia ser isso o que Arriane e Gabbe estiveram insinuando no cemitério? A cabeça
de Luce começou a latejar. Um véu de pontos vermelhos apoderou-se de sua visão
e começou um zumbido em seus ouvidos. Ela piscou lentamente, sentindo até
mesmo essa pequena escova de seus cílios fecharam-se como uma explosão
através de sua cabeça. Ela estava quase feliz que já estava deitada. De outra
maneira teria desmaiado.
Se este era realmente o final... bem, não podia ser.
A Miss Sophia inclinou-se mais perto do rosto de Luce, enviando cuspe voando com
suas palavras.
― Quando você morrer esta noite. Você morre. É isso aí. Acabado. Nesta vida não é
mais do que aparenta ser: uma estúpida, egoísta, ignorante garotinha mimada que
acredita que o mundo vive ou morre dependendo se ela consegue sair com algum
galã da escola. Mesmo se sua morte não completar algo tão esperado, glorioso e
grande, ainda encontraria sabor ao matá-la. ―
     Luce observou quanto a Miss Sophia levantou a faca e tocou o dedo em sua
lâmina. A cabeça de Luce revirou. Durante todo o dia, havia tanto o que processar,
tantas pessoas dizendo-lhe coisas diferentes. Agora o punhal estava pressionado
contra seu coração e os olhos verdes vibrantes outra vez, sentiu a Miss Sophia
sondando ao longo de seu peito pelo espaço entre suas costelas, e ela pensou que
havia alguma verdade no enlouquecedor discurso da Sra. Sophia. Para colocar tanta
esperança no poder do amor verdadeiro ― no qual ela sentia-se que estava
dificilmente no princípio de um vislumbre dela mesma ― era ingênua? Afinal, o
amor verdadeiro não podia ganhar aquela batalha lá de fora. Podia não ser capaz de
salvá-la de morrer aqui neste altar.
Mas tinha que acreditar. Seu coração ainda batia por Daniel ― e até que isso mude,
algo no fundo de Luce acreditou neste amor, no poder de convertê-la em uma
versão melhor de si mesma, de transformar ela e Daniel em algo glorioso e bom ―
Luce gritou quando o punhal picou sua pele ― então em estado de choque
enquanto a janela de vidro sobre sua cabeça, parecia quebrar e o ar ao redor dela se
encheu de luz e ruído.
Um vazio, precioso zumbido. Um brilho ofuscante.
Então, ela tinha morrido.
O punhal tinha ido mais fundo do que ela sentiu. Luce movia-se para o próximo
lugar.
De que outra forma podia explicar as brilhantes, reluzentes formas pairando sobre
ela, descendo do céu, a cascata de brilhos, o brilho do céu? Era difícil ver algo
claramente na cálida luz prateada. Deslizando sobre sua pele, parecendo um veludo
macio, como o merengue glacê sobre um bolo. As cordas segurando seus braços e
suas pernas foram soltas, então, liberadas, e seu corpo ― ou talvez esta era sua
alma ― estava livre para voar no céu.
     Mas então ela escutou a Miss Sophia gritando, ― Ainda não! Está acontecendo
muito rápido! ― A mulher velha tinha afastado a adaga do peito de Luce.
Luce piscou rapidamente. Seu pulso, desamarrado. Seus tornozelos. Livres.
Pequenos fragmentos de vidro tingido de azul, vermelho, verde e ouro em toda sua
pele, o altar, o chão embaixo dela. Eles picaram enquanto ela os afastou, deixando
finos rastros de sangue em seus braços. Ela apertou os olhos para o buraco enorme
no teto.
Não estou morta, então, mais fui salva. Por anjos.
Daniel tinha vindo por ela.
Onde ele estava? Ela mal podia ver. Ela queria caminhar através da luz até que seus
dedos pudessem encontrá-lo, fechar ao redor de seu pescoço, e nunca, nunca,
nunca deixá-lo ir.
Só havia as vivas formas ofuscantes à deriva acima e ao redor do corpo de Luce,
como uma sala cheia de penas brilhantes. Eles reuniram-se com ela, cuidando de
seu corpo nos lugares em que o vidro quebrado a cortou. Flashes de luz
transparente que pareciam de alguma forma lavar o sangue de seus braços, e no
pequeno corte em seu peito, até que estava completamente restaurada.
A Miss Sophia correu até a parede mais afastada e estava batendo com as mãos
desesperadamente contra os tijolos, tentando encontrar a porta secreta. Luce
queria impedi-la ― fazê-la pagar pelo que fez, e pelo que quase tinha feito ― mas
então parte da cintilante luz prateada assumiu o tom mais leve de violeta e
começou a formar o contorno de uma figura.
Um brilhante pulsar fez vibrar a sala. Uma luz tão gloriosa que podia ter eclipsado o
sol, fez com que as paredes tremessem, e as velas piscassem nos candelabros de
bronze. As assustadoras tapeçarias batiam contra a parede. A Miss Sophia se
encolheu, mas o resplendor estremecer parecia como uma profunda mensagem,
sentida bem no fundo dos ossos de Luce. E quando a luz se condensou, espalhando
calor por toda a sala, converteu-se na forma que Luce reconhecia e adorava.
      Daniel parou diante dela, de frente ao altar. Ele estava sem camisa, descalço,
vestido somente calças de linho branco. Ele sorriu, então fechou seus olhos e
colocou seus braços para o lado. Então, lentamente e com muita cautela, como se
não quisesse assustá-la, exalou profundamente e suas asas começaram a alongar-
se.
Saindo gradualmente, começando da base de seus ombros, dois ramos brancos
estendendo-se de suas costas, crescendo mais e mais, tornando-se maior e mais
grossas enquanto espalhavam por sua costas acima e para fora. Luce viu as bordas
recortadas, ansiando segui-las com suas mãos, suas bochechas, seus lábios. A parte
interior das asas dele começaram a brilhar com iridescência de veludo. Assim como
em seu sonho. Só que agora, quando finalmente voltou a realidade, ela podia olhar
suas asas pela primeira vez sem sentir-se enjoada, sem forçar os olhos. Ela podia
deleitar-se com toda a glória de Daniel.
Ele ainda estava brilhando, como se tivesse uma luz dentro dele. Ela ainda podia ver
claramente seus olhos cinza-violeta e sua boca. Suas mãos fortes e ombros largos.
Ela podia aproximar-se e enrolar-se na luz do amor.
Ele se aproximou dela. Luce fechou os olhos quando a tocou, esperando algo muito
sobrenatural para que seu corpo humano pudesse suportar. Mas não. Era
simplesmente, tranquilizantemente, Daniel.
Ela o contornou e passou seus dedos em volta das asas dele. Ela as procurou
nervosamente, como se elas pudessem queimá-la, mas elas fluíram em seus dedos,
mais suaves que o mais suave veludo, a mais luxuosa almofada. Da forma como ela
gostava de imaginar que uma suave e sedosa nuvem pareceria se ela pudesse tê-la
entre suas mãos.
 ― Você é tão... lindo, ― ela sussurrou em seu peito. ― Digo, sempre foi lindo, mas
isto... ―
 ― Isso te assusta? ― Ele sussurrou. ― Dói olhá-las? ―
Ela balançou a cabeça. ― Pensei que poderia, ― ela disse, pensando sobre seus
sonhos. ― Mas não dói. ―
Ele suspirou aliviado. ― Quero que se sinta segura comigo. ― A luz brilhante
ao redor deles caiu como confete, e Daniel a puxou para ele. ― É muito com o que
lidar. ― Ela inclinou sua cabeça para trás e os lábios entreabertos, ansiosa para
fazer exatamente isso. A batida forte de uma porta os interrompeu. A Miss Sophia
tinha encontrado as escadas. Daniel deu um ligeiro aceno e uma figura
resplandecente disparou através da porta secreta, atrás da mulher.
 ― O que foi isso? ― Luce perguntou, olhando o rastro de luz rapidamente
desvanecendo-se através da porta aberta.
 ― Um ajudante. ― Daniel guiou seu queixo de volta.
E então, mesmo Daniel estando com ela e ela se sentia amada, protegida e segura,
ela também sentiu uma pontada ácida de incerteza, recordando as coisas escuras
que tinham acontecido, e Cam e seu enorme ajudante negro. Ainda havia muitas
perguntas sem respostas atravessando sua mente, tantos acontecimentos terríveis
que ela sentia que nunca seria capaz de entender. Como a morte de Penn, pobre,
doce e inocente Penn, seu violento e quase final. Isso assustou Luce, e seu lábio
começou a tremer.
 ― Penn se foi, Daniel, ― ela disse. ― A Miss Sophia a matou. E por um momento,
pensei que também me mataria. ―
 ― Jamais deixaria isso acontecer. ―
 ― Como sabia que me encontraria aqui? Como sabe sempre como me salvar? ―
Ela balançou a cabeça. ― Oh por Deus, ― ela sussurrou lentamente enquanto a
verdade a golpeava. ― Você é meu anjo da guarda. ―
Daniel deu uma risada. ― Não exatamente. Embora acredite que você esteja me
elogiando. ―
Luce corou. ― Então, que tipo de anjo você é? ―
 ― Estou fazendo uns bicos neste momento. ― Daniel disse.
Atrás dele, a luz prateada na sala uniu-se e se dividiu ao meio. Luce virou para vê-la,
seu coração batendo fortemente, enquanto o brilho finalmente se juntou, enquanto
envolvia a figura de Daniel, envolvia duas formas distintas:
Arriane e Gabbe.
     As asas de Gabbe já estavam estendidas. Elas eram longas, felpudas e três
vezes o tamanho de seu corpo. Coberta de plumas, com bordas suavemente
onduladas, da maneira como as asas dos anjos pareciam nos cartões de felicitações
e nos filmes, e com apenas um toque de rosa-pálido em torno das pontas. Luce
percebeu que estavam batendo-se ligeiramente ― e que os pés de Gabbe estavam
a poucos centímetros do chão.
As asas de Arriane eram mais suaves, mais elegantes e com bordas mais
pronunciadas, quase como uma borboleta gigante. Parcialmente translúcidas, elas
brilhavam e emitiam prismas ofuscantes de luz no chão de pedra debaixo delas.
Como Arriane, elas eram estranhas, sedutoras e totalmente agressivas.
 ― Deveria ter sabido, ― Luce disse, um sorriso arrebatador em seu rosto.
Gabbe sorriu de volta, e Arriane deu uma pequena reverência.
 ― O que está acontecendo lá fora? ― Daniel perguntou, registrando a expressão de
preocupação no rosto de Gabbe.
 ― Precisamos tirar Luce daqui. ―
A batalha. Ainda não tinha terminado? Se Daniel, Gabbe e Arriane estavam aqui,
eles deveriam ter ganho ― certo? Os olhos de Luce deram uma olhada rápida para
Daniel. A expressão dele não revelou nada.
 ― E alguém deve ir atrás de Sophia, ― disse Arriane. ― Ela não poderia ter
trabalhado sozinha. ―
Luce tragou saliva. ― Ela está do lado de Cam? É um tipo de... demônio? Um anjo
caído? ― Era um dos poucos termos que grudou nela da aula da Miss Sophia.
Os dentes de Daniel estavam pressionados. Inclusive suas asas pareciam rígidas
pela fúria. ― Não um demônio, ― ele murmurou, ― mas dificilmente um anjo
também. Nós pensamos que ela estava conosco. Nunca deveríamos ter permitido
que ela se aproximasse tanto. ―
      ― Ela era um dos vinte e quatro anciãos, ― Gabbe acrescentou. Ela baixou os
pés no chão e enfiou suas asas rosa-pálido atrás de suas costas para que ela pudesse
sentar-se no altar. ― Uma posição muito respeitável. Ela manteve esta parte dela
muito bem escondida. ―
 ― Assim que chegamos aqui, foi como se ela simplesmente tivesse ficado louca. ―
Luce disse. Esfregou o pescoço onde a adaga tinha cortado.
 ― Eles estão loucos, ― Gabbe disse. ― Mas muito ambiciosos. Ela é parte de uma
seita secreta. Deveria ter percebido antes, mas os sinais são claros agora. Se auto-
intitulam Os Zhsmaelim. Se vestem iguais, e todos têm uma certa... elegância.
Sempre pensei que eles eram mais um show que outra coisa. Ninguém os levou a
sério no Céu, ― ela informou a Luce, ― mas agora levarão. O que ela fez esta noite
merece o exílio. Ela poderia ter a ver com Cam e Molly mais do que um acordo. ―
 ― Luce, todos somos anjos caídos, ― Daniel disse. ― É só que alguns de nós estão
de um lado... e alguns de nós estão de outro. ―
 ― Alguém daqui ― – ela tragou ― – é do outro lado? ―
 ― Roland, ― Gabbe disse.
 ― Roland? ― Luce estava perplexa. ― Mas vocês eram amigos dele. Sempre tão
carismático e legal. ―
Daniel só deu de ombros. Era Arriane quem olhava preocupada. Suas asas batiam
tristemente, muito agitada e enviou rajadas de vento. ― Bem o teremos de volta
algum dia, ― ela disse silenciosamente.
 ― E quanto a Penn? ― Luce perguntou, sentindo um nó de lágrimas na parte de
trás de sua garganta.
Mas Daniel balançando sua cabeça, apertando a mão dela. ― Penn era uma mortal.
Uma inocente vítima de uma longa Guerra sem sentido. Sinto muito, Luce. ―
― Então toda essa luta lá fora...? ― Luce perguntou. Sua voz embargada. Ela ainda
não podia falar de Penn.
― Só uma das muitas batalhas que travamos contra os demônios. ― Gabbe disse.
― Bem, quem ganhou? ―
      – Ninguém, ― Daniel disse amargamente. Pegou um longo pedaço de vidro
caído do teto e o arremessou através da capela. Quebrou-se em centenas de
pequenos fragmentos, mas não parecia que tivesse aliviado sua raiva. ― Ninguém
ganha. É quase impossível para um anjo extinguir a outro. É só um monte de surras
até que todo mundo se canse e deixe para outra noite. ―
Luce se assustou quando uma estranha imagem apareceu em sua cabeça. Era
Daniel sendo atingido diretamente no ombro por uma das longas e negras pontas
que tinham atingido Penn. Ela abriu os olhos e olhou para o ombro direito dele.
Havia sangue em seu peito.
 ― Está ferido? ― Ela sussurrou.
 ― Não, ― Daniel disse.
 ― Ele não pode ser ferido, ele é... ―
 ― O que é isso em seu braço Daniel? ― Arriane perguntou, apontando o peito dele.
― Isso é sangue? ―
 ― É de Penn, ― Daniel disse bruscamente. ― Eu a encontrei ao pé da escada. ―
O coração de Luce apertou-se. ― Precisamos enterrar Penn, ― ela disse. ― Ao lado
de seu pai. ―
 ― Luce, querida. ― Gabbe disse, levantando-se. ― Queria que houvesse tempo
para isso, mas agora mesmo, nós temos que ir. ―
 ― Não a abandonarei. Ela não tem mais ninguém. ―
 ― Luce, ― Daniel disse, esfregando a teMiss
 ― Ela morreu em meus braços Daniel, porque não sabia que havia algo melhor do
que seguir a Miss Sophia até esta câmara de tortura. ― Luce olhou para todos os
três. ― Porque nenhum de vocês me disse nada. ―
 ― Ok, ― Daniel disse. ― Faremos as coisas direito para Penn, o melhor que
pudermos. Mas depois temos que ir para longe daqui. ―
Uma rajada de vento se filtrou pelo buraco no teto, fazendo com que as velas
piscassem e fazendo com que os pedaços restantes de vidro na janela vermelha se
balançassem. No momento seguinte, caiu uma chuva de estilhaços cortantes.
     Justo a tempo, Gabbe voou do altar e parou ao lado de Luce. Ela parecia
imperturbável. ― Daniel tem razão, ― ela disse. ― A trégua que fizemos após a
batalha aplica-se só aos anjos. E agora que muitos sabem sobre ― ... ela pausou,
limpando sua garganta... ― um, a mudança em seu status de mortalidade, há
muitos maus elementos que estarão interessados em você. ―
As asas de Arriane a levantaram do chão. ― E muitos dos bons virão afastá-los. ―
Ela disse, voando em direção ao outro lado de Luce como se a tranquilizasse.
 ― Ainda não entendo, ― Luce disse. ― Por que isso importa tanto? Por que eu
importo tanto? É só porque Daniel me ama? ―
Daniel suspirou. ― Isso faz parte disso, tão inocente como soa. ―
 ― Você sabe que todos amam odiar um casal de pombinhos apaixonados, ―
Arriane respondeu.
 ― Querida, esta é uma longa história, ― Gabbe disse, a voz da razão.
 ― Nós só podemos te dar um capítulo de cada vez. ―
 ― É como as minhas asas, ― Daniel acrescentou, ― você terá que descobrir por sua
conta. ―
 ― Mas por quê? ― Luce perguntou. Esta conversa era tão frustrante. Ela se sentiu
como uma garotinha que lhe contariam as coisas quando fosse mais velha. ― Por
que você não pode me ajudar a entender? ―
 ― Podemos ajudar, ― Arriane disse, ― mas não podemos descarregar tudo em
você de uma só vez. Assim como quando se supõe que nunca se deve assustar a um
sonâmbulo. É muito perigoso. ―
Luce colocou seus braços ao redor dela. ― Me mataria, ― ela disse, expressando as
palavras que todos eles evitavam.
Daniel colocou suas mãos ao redor dela. ― Isso aconteceu antes. E você já teve
muito encontros com a morte por uma noite. ―
     ― E o quê? Agora só tenho que deixar a escola? ― Ela virou para Daniel. ―
Aonde você vai me levar? ―
Sua sobrancelha se levantou, e afastou o olhar dela. ― Não posso levá-la pra lugar
nenhum. Chamaria muita atenção. Teremos que contar com mais alguém. Há um
mortal no qual podemos confiar. ― Ele olhou para Arriane.
― Irei trazê-lo. ― Ela disse levantando-se.
― Não deixarei você, ― Luce disse a Daniel. Seus lábios tremendo. ― Acabo de ter
você de volta. ―
Daniel beijou sua testa, emitindo um calor que passava através do corpo dela, ―
Luce, nós ainda temos algum tempo. ―

Nenhum comentário:

Postar um comentário