quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Capítulo 15 (O Simbolo Perdido)



CAPÍTULO 15

Em meio à escuridão cerrada, Katherine Solomon tateou à procura da porta externa de seu
laboratório. Depois de achá-la, abriu a porta revestida de chumbo e entrou depressa no pequeno hall.
A travessia levara apenas 90 segundos, mas seu coração batia feito louco. Depois de três anos, eu já
deveria ter me acostumado com isso. Katherine sempre se sentia aliviada ao escapar do breu do
Galpão 5 e entrar naquele espaço limpo e bem iluminado.
O Cubo era uma grande caixa sem janelas. Cada centímetro das paredes e do teto lá dentro era
coberto por uma tela rígida de fibra de chumbo revestida de titânio, o que dava a impressão de uma
imensa jaula construída dentro de uma câmara de cimento. Divisórias de plexiglas fosco separavam o
espaço em diferentes compartimentos - um laboratório, uma sala de controle, uma sala de máquinas,
um banheiro e uma pequena biblioteca para pesquisas.
Katherine caminhou depressa até o laboratório principal. O espaço  de trabalho  claro e estéril
reluzia com vários equipamentos quantitativos avançados: dois encefalógrafos interligados, um pente
de frequência em fentossegundos, um isolador magneto-ótico e GEAs de ruído eletrônico com
indeterminação quântica, mais simplesmente conhecidos como Geradores de Eventos Aleatórios.
Apesar do uso de tecnologias de ponta pela ciência noética, as descobertas em si eram muito mais
místicas do que as máquinas frias e hightech que as produziam. Magia e mito se transformavam
rapidamente em realidade com a chegada de novas e espantosas informações, todas elas confirmando
a ideologia básica da ciência noética - o potencial ainda não explorado da mente humana.
A tese geral era simples: nós não chegamos nem perto de usar todo o potencial de nossas
mentes e nossos espíritos. Experiências conduzidas em instalações como o Instituto de Ciências
Noéticas (ICN) da Califórnia e o Laboratório de Pesquisas de Anomalias da Engenharia (LPAE) de
Princeton haviam provado categoricamente que o pensamento humano, quando adequadamente
direcionado, tem a capacidade de afetar e modificar a massa física. Essas experiências não eram
truques de salão do tipo "entortar colheres", mas sim investigações altamente controladas que
produziam todas o mesmo resultado extraordinário: nossos pensamentos de fato interagem com o
mundo físico, quer saibamos disso ou não, dando origem a mudanças que abrangem até o domínio
subatômico.
A mente domina a matéria.
Em 2001, nas horas que se seguiram aos terríveis acontecimentos do dia 11 de Setembro, o
campo da ciência noética deu um salto quântico. Quatro cientistas descobriram que, à medida que o
mundo amedrontado se unia e se concentrava em uma consternação coletiva em torno dessa tragédia


específica, as leituras de 37 Geradores de Eventos Aleatórios diferentes espalhados pelo mundo de
repente se tornaram significativamente menos aleatórias. De alguma forma, a unicidade dessa
experiência compartilhada, a união de milhões de mentes, havia afetado a função de aleatoriedade
dessas máquinas, organizando suas leituras e criando ordem a partir do caos.
Essa descoberta chocante parecia estar relacionada à antiga crença espiritual em uma
"consciência cósmica" - uma vasta união de intenções humanas que, na verdade, teria a capacidade
de interagir com a matéria física. Recentemente, estudos sobre meditação e prece coletivas
produziram resultados similares em Geradores de Eventos Aleatórios, contribuindo para a afirmação
de que a consciência humana, como a descrevia a autora especializada em noética Lynne McTaggart,
é uma substância externa aos limites do corpo... Uma energia altamente ordenada capaz de modificar
o mundo físico. Katherine ficara fascinada pelo livro de McTaggart, A Experiência da Intenção, e por
seu estudo global feito pela internet - www.theintentionexperiment.com - que tinha por objetivo
descobrir como a intenção humana é capaz de afetar o mundo. Alguns outros textos progressistas
também haviam despertado o interesse de Katherine.
A partir dessa base, a pesquisa de Katherine Solomon dera um salto adiante, provando que o
"pensamento direcionado" pode afetar literalmente qualquer coisa - a velocidade de crescimento das
plantas, a direção em que os peixes nadam dentro de um aquário, a forma como as células se dividem
em uma placa de Petri, a sincronização de sistemas auto matizados separadamente e as reações
químicas do corpo de uma pessoa. Até mesmo a estrutura cristalina de um sólido em formação se
torna mutável graças à mente; Katherine havia criado cristais de gelo lindamente simétricos enviando
pensamentos amorosos na direção de um copo d'água enquanto este congelava. Incrivelmente, o
inverso também é verdadeiro: quando ela enviava pensamentos negativos e perniciosos na direção da
água, os cristais de gelo congelavam em formas caóticas, fraturadas.
O pensamento humano pode literalmente transformar o mundo físico.
À medida que os experimentos de Katherine iam ficando mais ousados, os resultados se
tornavam mais espantosos. Seu trabalho naquele laboratório havia provado sem qualquer sombra de
dúvida que a expressão "a mente domina a matéria" não é apenas um mantra de auto-ajuda da Nova
Era. A mente é capaz de alterar o estado da matéria em si e, mais importante, possui o poder de
incentivar o mundo físico a se mover em uma direção específica. Nós somos os mestres de nosso
próprio universo.
No nível subatômico, Katherine tinha mostrado que as próprias partículas existiam e deixavam
de existir com base apenas em sua intenção de observá-las. Em certo sentido, o seu desejo de ver
uma partícula... Materializava essa partícula. Heisenberg já havia sugerido essa realidade décadas
antes, e agora ela se tornava um princípio fundamental da ciência noética. Nas palavras de Lynne


McTaggart: ''A consciência viva é, de certa forma, a influência que transforma a possibilidade de
algo em algo real. O ingrediente mais essencial para a criação de nosso universo é a consciência que
o observa."
No entanto, o aspecto mais surpreendente do trabalho de Katherine tinha sido a descoberta de
que a capacidade da mente de afetar o mundo físico pode ser aumentada por meio da prática. A
intenção é uma habilidade adquirida. Como na meditação, controlar o verdadeiro poder do
"pensamento" exige treinamento. Mais importante ainda... Algumas pessoas nascem com mais
aptidão para fazer isso do que outras. E, ao longo da história, alguns poucos indivíduos se tornaram
verdadeiros mestres.
Esse é o elo perdido entre a ciência moderna e o misticismo antigo.
Katherine havia aprendido isso com Peter, e agora, voltando a pensar nele, sua preocupação
começou a aumentar. Ela foi até a biblioteca do laboratório e espiou lá para dentro. Vazia. A
biblioteca era uma pequena sala de leitura - duas poltronas Morris, uma mesa de madeira, duas
luminárias de piso e uma parede inteira de prateleiras de mogno contendo cerca de 500 livros.
Katherine e Peter tinham reunido ali seus textos preferidos, englobando assuntos que iam desde
física de partículas até misticismo antigo. Sua coleção havia se transformado em uma mistura
eclética de novo e antigo... Vanguarda e história. A maioria dos livros de Katherine possuía títulos
como Consciência Quântica, A Nova Física e Princípios da Neurociência. Os de seu irmão eram mais
antigos e mais esotéricos, tais como o Caibalion, o Zohar, A Dança dos Mestres Wu Li e uma
tradução das tabuletas sumérias publicada pelo Museu Britânico. ''A chave para nosso futuro
científico", dizia sempre seu irmão, "está escondida em nosso passado." Peter, que passara a vida
inteira estudando história, ciência e misticismo, havia sido o primeiro a incentivar Katherine a
aprimorar sua formação universitária científica debruçando-se sobre a filosofia hermética primitiva.
A irmã tinha apenas 19 anos quando Peter despertou seu interesse pelo elo entre a ciência moderna e
o misticismo antigo.
– Então me diga, Kate - perguntara-lhe o irmão quando ela estava de férias em casa durante seu
segundo ano em Yale -, o que vocês estão lendo no curso de Física Teórica?
Na vasta biblioteca da família, Katherine recitara sua desafiadora lista de leitura. -
Impressionante - retrucou seu irmão. - Einstein, Bohr e Hawking são gênios modernos. Mas você
está lendo algo mais antigo? - Katherine coçou a cabeça.
– Você quer dizer... Tipo Newton? - Ele sorriu.
– Mais antigo ainda. - Aos 27 anos, Peter já havia construído uma reputação no mundo
acadêmico, e ele e Katherine tinham adquirido o hábito de se divertirem com aquelas disputas
intelectuais de brincadeira.


– Mais antigo do que Newton? - A cabeça de Katherine então se encheu de nomes distantes
como Ptolomeu, Pitágoras e Hermes Trismegisto. Ninguém mais lê essas coisas. Seu irmão correu
um dedo pela comprida prateleira de lombadas de couro rachadas e velhos volumes empoeirados.
– O conhecimento científico dos antigos era impressionante... Só agora é que a física moderna
está começando a compreender tudo o que eles diziam. 
– Peter - falou Katherine -, você já me disse que os egípcios entenderam o funcionamento de
alavancas e polias muito antes de Newton e que o trabalho dos primeiros alquimistas era comparável
à química moderna, mas e daí? A física de hoje em dia lida com conceitos inconcebíveis para os
antigos.
– Como por exemplo...?
– Bom... Como a teoria do entrelaçamento, por exemplo! - A pesquisa subatômica tinha
provado categoricamente que toda matéria estava interligada... Entrelaçada em uma única trama
unificada... Uma espécie de unidade universal. -  Você está me dizendo que os antigos ficavam
sentados conversando sobre a teoria do entrelaçamento?
– Sem dúvida! - disse Peter, afastando dos olhos a comprida franja escura. - O entrelaçamento
estava no cerne das crenças primitivas. Seus nomes são tão antigos quanto a história... Dharmakaya,
tao, brâman. Na verdade, a mais antiga busca espiritual do homem era para perceber seu próprio
entrelaçamento, sentir sua interconexão com todas as coisas.
– O homem sempre quis se tornar "um" com o Universo... Alcançar o estado de união. - Seu
irmão arqueou as sobrancelhas. - Até hoje, judeus e cristãos ainda buscam a redenção... Embora a
maioria de nós tenha se esquecido de que, na verdade, o que estamos buscando é a união. - Katherine
deu um suspiro, pois tinha se esquecido de como era difícil discutir com um homem tão versado em
história.
– Tudo bem, mas você está generalizando. Eu estou falando de física específica.
– Então seja específica. - Os olhos dele agora a desafiavam.
– Tudo bem, que tal algo tão simples quanto a polaridade... O equilíbrio entre positivo e
negativo do universo subatômico. É óbvio que os antigos não enten...
– Espere aí! - Seu irmão puxou da estante um grande volume empoeirado, que deixou cair com
um baque sobre a mesa da biblioteca. - A polaridade moderna nada mais é do que o "mundo dual"
descrito por Krishna aqui no Bhagavad Gita mais de dois mil anos atrás. Uma dezena de outros livros
desta biblioteca, incluindo o Caibalion, falam sobre sistemas binários e forças opostas na natureza.
Katherine estava cética.
– Tá, mas se falarmos das modernas descobertas subatômicas... Do princípio da incerteza de
Heisenberg, por exemplo...
 

– Nesse caso, devemos procurar aqui - disse Peter, avançando pela estante comprida e pegando
outro livro. - As escrituras védicas sagradas dos hindus conhecidas como Upanishads. - Ele deixou o
volume cair pesadamente sobre o primeiro. - Heisenberg e Schrodinger estudaram este texto e lhe
deram o crédito por tê-los ajudado a formular algumas de suas teorias. - A explicação prosseguiu por
vários minutos, e a pilha de livros empoeirados sobre a escrivaninha foi ficando cada vez mais alta.
Por fim, Katherine jogou as mãos para o alto, frustrada.
– Tá bom! Você provou seu argumento, mas eu quero estudar física teórica de ponta. O futuro
da ciência! Duvido muito que Krishna ou Vyasa tivessem muita coisa a dizer sobre a teoria das
supercordas e sobre modelos cosmológicos multidimensionais.
– Tem razão. Não tinham mesmo. - Seu irmão fez uma pausa, um sorriso cruzando seus lábios.
- Se você estiver falando em teoria das supercordas... - Ele tornou a se aproximar da estante. - Então
está se referindo a este livro aqui. - Ele sacou da prateleira um volume pesadíssimo com
encadernação em couro e deixou-o cair sobre a mesa com um estrondo. - Tradução do século XIII do
aramaico medieval original.
– Teoria das supercordas no século XIII?! - Katherine não estava acreditando. - Faça-me o
favor!
A teoria das supercordas era um modelo cosmológico novinho em folha. Baseado nas mais
recentes observações científicas, ela sugeria que o universo multidimensional era constituído não por
três... Mas sim por dez dimensões, todas elas interagindo feito cordas vibratórias, parecidas com as
cordas ressonantes de um violino.
Katherine aguardou enquanto o irmão abria o livro e examinava o sumário impresso em letras
floreadas, avançando em seguida até um trecho logo no início.
– Leia isto aqui. - Ele apontou para uma página desbotada de texto e diagramas.
Obediente, Katherine analisou a página. A tradução era antiquada e difícil de ler, mas, para seu
total espanto, o texto e os desenhos delineavam com clareza exatamente o mesmo universo descrito
pela moderna teoria das supercordas - um universo de cordas ressonantes em 10 dimensões. Então,
ao avançar na leitura, ela de repente arquejou de espanto e recuou.
– Meu Deus, eles descrevem até como seis das dimensões estão entrelaçadas e agem como uma
só?! - E, dando um passo assustado para trás. - Mas que livro é este?
Seu irmão escancarou um sorriso.
– Um livro que espero que você leia um dia. - Ele tornou a virar as páginas até a folha de rosto,
onde um elaborado frontispício impresso continha quatro palavras.
O Zohar - Versão Integral.



Embora Katherine nunca tivesse lido o Zohar, sabia que era o texto fundamental do misticismo
judaico primitivo, outrora considerado tão poderoso a ponto de ser reservado apenas para os rabinos
mais eruditos. Ela olhou de esguelha para o livro.
– Está me dizendo que os místicos primitivos sabiam que seu universo tinha 10 dimensões?
– Claro. - Ele gesticulou para a ilustração da página, 10 círculos entrelaçados   chamados  
Sephiroth.  - É óbvio que a nomenclatura é esotérica, mas a física é muito avançada. Katherine não
soube como reagir.
– Mas... Então por que mais pessoas não estudam isto aqui? - Seu irmão sorriu.
– Elas vão estudar.
– Não estou entendendo.
– Katherine, nós nascemos em uma época maravilhosa. Uma mudança está por vir. Os seres
humanos estão no limiar de uma nova era em que vão começar a prestar novamente atenção na
natureza e nos antigos costumes... Nas ideias contidas em livros como o Zohar e outros textos
antigos do mundo todo. Toda verdade poderosa tem sua própria força da gravidade e, mais cedo ou
mais tarde, as pessoas acabam atraídas por ela. Vai chegar o dia em que a ciência moderna começará
a estudar a sério o conhecimento dos antigos... E esse será o dia em que a humanidade encontrará
respostas para as grandes questões que ainda não compreende. 
Naquela noite, Katherine começou a ler com grande interesse os textos antigos do irmão e logo
começou a entender que ele tinha razão. Os antigos possuíam um profundo conhecimento científico.
A ciência atual não estava propriamente fazendo "descobertas", mas sim "redescobertas". Era como
se a humanidade um dia tivesse compreendido a verdadeira natureza do Universo, mas a houvesse
deixado escapar...  E cair no esquecimento.
A física moderna pode nos ajudar a lembrar! Essa busca havia se tornado a missão de
Katherine na vida - usar a ciência avançada para redescobrir a sabedoria perdida dos antigos. O que a
mantinha motivada era mais do que o entusiasmo acadêmico. Por baixo de tudo isso havia sua
convicção de que o mundo precisava daquela compreensão... Agora mais do que nunca.
No fundo do laboratório, Katherine viu o jaleco branco do irmão pendurado em um gancho ao
lado do seu. Por reflexo, sacou o celular para ver se havia algum recado. Nada. Uma voz tornou a
ecoar em sua lembrança. Aquilo que seu irmão acredita que está escondido na capital... Pode ser
encontrado. Às vezes uma lenda que dura muitos séculos... Tem um motivo para durar.
- Não - disse Katherine em voz alta. - Não é possível que seja real.
Às vezes uma lenda não passava disso - uma lenda.

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