CAPÍTULO 11
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Por que Peter não atende? - perguntou-se Katherine
Solomon enquanto desligava o celular.
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Onde ele está? Durante três anos, Peter Solomon sempre tinha
sido o primeiro a chegar a seus
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encontros semanais às sete da noite de domingo. Aquele
era o ritual familiar deles, uma forma de
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permanecerem em contato antes do início de uma nova semana e de Peter se
manter atualizado em
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relação ao trabalho de Katherine no laboratório.
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Ele nunca se atrasa, pensou ela, e sempre atende o telefone. Para
piorar, Katherine ainda não
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tinha certeza do que iria dizer ao irmão quando ele finalmente chegasse.
Como vou lhe perguntar
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sobre o que descobri hoje?
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O clicar ritmado dos seus passos ecoava pelo corredor de cimento
que percorria o CAMS como
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uma espinha dorsal. Conhecido como "A Rua", o corredor
interligava os cinco imensos galpões de
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armazenagem do edifício. A 12 metros do chão, um sistema circulatório composto de dutos laranja
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latejava com as batidas do coração do complexo - os sons pulsantes de
milhares de metros cúbicos de
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ar filtrado que circulavam pelo ambiente.
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Em geral, durante a caminhada de quase 400 metros até o laboratório, Katherine se sentia
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tranquilizada pelos ruídos da respiração do complexo. Naquela noite,
entretanto, a pulsação a deixou
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nervosa. O que ela descobrira a respeito do irmão deixaria qualquer um perturbado,
mas, como Peter
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era seu único parente na face da Terra, Katherine se sentia especialmente
incomodada ao pensar que
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ele pudesse estar lhe escondendo algum segredo.
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Até onde ela sabia, o irmão só ocultara algo dela uma vez... Um
segredo maravilhoso
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escondido no final daquele corredor. Três anos antes, Peter havia conduzido
Katherine por ali,
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apresentando-a ao CAMS enquanto lhe exibia alguns dos objetos
mais incomuns do complexo: o
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meteorito de Marte ALH-84001, o diário pictográfico de Touro Sentado, uma coleção de jarros
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lacrados com cera de abelha contendo espécimes originais coletados por
Charles Darwin. Em
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determinado momento, os dois passaram por uma porta pesada com
uma pequena janela. Katherine
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viu de relance o que havia atrás dela e levou um susto.
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– Mas o que é isso?
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Seu irmão deu uma risadinha e continuou andando.
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– Galpão 3. É o que chamamos de Galpão Molhado. Bem inusitado, não é?
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– Aterrorizante, eu diria. - Katherine apertou o passo para
alcançá-lo. Aquele complexo parecia
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– O que eu realmente quero lhe mostrar é o Galpão 5 - Disse Peter enquanto a
conduzia pelo
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corredor aparentemente sem fim. - É o nosso mais novo anexo. Foi
construído para abrigar artefatos
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do porão do Museu Nacional de História Natural. A coleção está programada para ser transferida
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para cá daqui a uns cinco anos, o que significa que o Galpão 5 está vazio no momento.
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Katherine olhou naquela direção.
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– Vazio? Então por que estamos indo para lá?
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Os olhos cinzentos de seu irmão exibiram um brilho travesso
familiar.
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– Pensei que, já que ninguém está usando o espaço, talvez você pudesse usá-1o.
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– Eu?
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– Claro. Imaginei que você gostaria de ter um laboratório exclusivo... Um lugar onde possa
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fato realizar alguns dos experimentos sobre os quais vem
teorizando durante todos esses anos.
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Chocada, Katherine encarou o irmão.
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– Mas, Peter, essas experiências são teóricas! Realizá-las seria quase impossível!
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– Nada é impossível, Katherine, e este lugar é perfeito para você. O CAMS não é apenas um
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depósito de tesouros, é um dos centros de pesquisa científica mais avançados do mundo.
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Frequentemente pegamos alguma peça da coleção para examiná-la usando as melhores tecnologias
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quantitativas que o dinheiro pode comprar. Você teria à sua disposição todo equipamento de que
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pudesse vir a precisar.
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– Peter, as tecnologias necessárias para fazer essas experiências estão...
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– Bem aqui. - Ele deu um largo sorriso. - O laboratório está pronto.
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Katherine parou onde estava. Seu irmão apontou para o final do longo
corredor.
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– Estamos indo para lá agora. - Katherine mal conseguia
falar.
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– Você... Você construiu um laboratório para mim?
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– É o meu trabalho. O Smithsonian foi criado para promover o avanço do conhecimento
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científico. Como secretário, devo levar a sério esse dever. Eu acredito que as
experiências que você
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propôs têm potencial para expandir as fronteiras da ciência a territórios inexplorados. - Peter parou,
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olhando-a bem nos olhos. - Quer você fosse ou não minha irmã, eu me sentiria obrigado a apoiar
essa
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pesquisa. Suas ideias são brilhantes. O mundo merece ver
aonde elas podem chegar.
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– Peter, eu não posso de jeito nenhum...
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– Tudo bem, relaxe... Eu paguei do meu próprio bolso, e ninguém está usando o Galpão 5 neste
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momento. Quando você terminar suas experiências, pode desocupá-lo. Além disso, o Galpão 5 tem
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Katherine não conseguia imaginar o que um
gigantesco galpão vazio poderia proporcionar no
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sentido de auxiliar sua pesquisa, mas tinha a sensação de que estava prestes a descobrir.
Eles haviam
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acabado de chegar a uma porta de aço com letras grossas gravadas:
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GALPÃO 5
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Seu irmão inseriu o cartão de acesso e um teclado eletrônico se acendeu. Ele ergueu o dedo
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para digitar o código de segurança, mas se deteve, arqueando as
sobrancelhas com o mesmo ar
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travesso de quando era menino.
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– Tem certeza de que está pronta?
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Ela aquiesceu. Meu irmão, sempre perfeito no comando do
espetáculo.
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– Para trás. - Peter apertou as teclas.
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A porta de aço se abriu com um silvo alto. Além da soleira havia apenas um breu
total... Um
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imenso vazio. Um gemido oco parecia ressoar das profundezas.
Katherine sentiu uma corrente de ar
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frio emanar lá de dentro. Era como olhar para o
Grand Canyon à noite.
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– Imagine um hangar vazio esperando uma frota de Airbus - disse-lhe
o irmão -, e vai ter uma
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ideia geral.
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Katherine se pegou dando um passo para trás.
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– O galpão em si é grande demais para ser aquecido, mas seu laboratório é uma sala de
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concreto, mais ou menos no formato de um cubo, com isolamento térmico. Ela está situada bem lá no
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fundo do galpão para ficar o mais afastada possível.
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Katherine tentou visualizar aquilo. Uma caixa dentro de uma
caixa. Esforçou-se para enxergar
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na escuridão, mas esta era impenetrável.
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– A que distância ela está?
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– A uma boa distância... Um campo de futebol caberia
facilmente aqui dentro. Mas devo avisar
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que o trajeto é um pouco perturbador. É excepcionalmente escuro. Katherine
espiou pela quina,
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hesitante.
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– Não tem interruptor?
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– O Galpão 5 não tem fiação elétrica.
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– Mas... Então como é que um laboratório pode funcionar aí dentro?
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Ele deu uma piscadela.
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– Gerador de hidrogênio.
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O queixo de Katherine caiu.
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– Energia limpa suficiente para abastecer uma cidade pequena. O
seu laboratório está
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totalmente isolado das ondas de rádio emitidas pelo restante do
complexo. Além disso, toda a parte
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externa do galpão é revestida de membranas
foto-resistentes de modo a proteger da radiação solar os
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artefatos em seu interior. Basicamente, este galpão é um ambiente isolado e neutro do
ponto de vista
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energético.
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Katherine estava começando a entender o atrativo do Galpão 5. Como grande parte do seu
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trabalho consistia em quantificar campos energéticos anteriormente desconhecidos, suas
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experiências precisavam ser feitas em um local isolado de qualquer
radiação externa ou "ruído
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branco". Isso incluía interferências tão sutis quanto "radiações cerebrais" ou "emissões de
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pensamento" geradas por pessoas próximas. Por esse motivo, um laboratório situado em um campus
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universitário ou em um hospital não daria certo, mas um galpão deserto no CAMS não poderia ser
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mais perfeito.
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– Vamos até lá dar uma olhada. - Peter estava sorrindo ao adentrar a vasta
escuridão. - É só me
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seguir.
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Katherine ficou parada na soleira da porta. Mais de 100 metros
na escuridão total? Quis sugerir
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uma lanterna, mas seu irmão já havia desaparecido no abismo.
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– Peter? - chamou ela.
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– Dêosalto da fé - disse ele lá da frente, com a voz já começando a sumir. - Você vai
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encontrar o caminho. Confie em mim.
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Ele está de brincadeira, não é? O coração de Katherine batia disparado
enquanto ela avançava
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poucos metros além da soleira, tentando ver alguma
coisa no escuro. Não enxergo nada! De repente,
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a porta de aço sibilou, fechando-se atrás dela com um baque e fazendo-a
mergulhar nas trevas. Não
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havia uma só centelha de luz em lugar nenhum.
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– Peter? - Silêncio.
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Você vai encontrar o caminho. Confie em mim. Hesitante, ela foi avançando vagarosamente, às
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cegas. Salto da fé? Katherine não conseguia sequer enxergar a própria mão diante do rosto.
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Continuou seguindo em frente, mas em poucos segundos ficou
totalmente perdida. Para onde estou
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indo?
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Isso fazia três anos.
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Agora, ao chegar diante da mesma porta de aço, Katherine percebeu o enorme
caminho que
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havia percorrido desde aquela primeira noite. Seu laboratório - apelidado de Cubo - havia se
tornado
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seu lar, um santuário nos recônditos do Galpão 5. Exatamente como Peter previra,
ela havia
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graças a um sistema de direcionamento engenhosamente simples que seu
irmão lhe permitira
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descobrir sozinha.
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Muito mais importante, a outra previsão de Peter também havia se realizado: as experiências de
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Katherine tinham produzido resultados impressionantes, sobretudo
nos últimos seis meses - avanços
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que iriam alterar paradigmas inteiros de pensamento. Katherine e
o irmão haviam concordado em
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guardar segredo total quanto aos resultados até suas implicações ficarem mais claras. Mas ela
sabia
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que um dia, em breve, divulgaria algumas das revelações científicas mais transformadoras da história
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humana.
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Um laboratório secreto dentro de um museu secreto, pensou ela, inserindo o
cartão de acesso
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na porta do Galpão 5. O teclado se acendeu e
Katherine digitou sua senha. A porta de aço se abriu
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com um silvo.
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O conhecido gemido oco foi acompanhado pela mesma rajada de ar
frio. Como sempre,
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Katherine sentiu sua pulsação se acelerar.
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O trajeto mais estranho do mundo para chegar ao trabalho.
Tomando coragem para a travessia,
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Katherine Solomon olhou de relance para o relógio de pulso ao pisar no vazio.
Naquela noite, porém,
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